domingo, 8 de dezembro de 2013

MARIA LAMAS, 1948-50: "As Mulheres do Meu País"




Maria Lamas, Jovens trabalhadoras das minas de S. Pedro da Cova (de "As Mulheres do Meu País", pág. 372, 1948-50) © Herdeiros de Maria Lamas, Lisboa / Editorial Caminho

Uma das mais insólitas estranhezas (talvez originalidades) da fotografia portuguesa é o facto da obra fotográfica de Maria Lamas - mesmo que reduzida a um único grande livro editado em 15 fascículos ao longo de menos de dois anos, e nunca exposta no seu tempo - ter permanecido ignorada tantas décadas. É certo que não se tratava de um álbum de ilustrações mas de um longa reportagem, ou inquérito jornalístico muito ilustrado; que as condições editoriais da reprodução fotográfica não eram as melhores da época; que além das muito numerosas imagens da autoria de Maria Lamas ela própria escolheu e fez publicar outras tantas (?) imagens de fotógrafos que eram famosos ou desconhecidos por meados do século XX (esse é outro dos motivos de interesse do livro); que o activismo e o protagonismo político da autora (o exílio e os condicionalismos partidários) se sobrepuseram à apreciação da sua obra de escritora e de ocasional fotógrafa.
Ignorada na história de António Sena (1998), que permanece a única obra de referência, a produção fotográfica de Maria Lamas não costuma ser representada ou mesmo referida nas mostras monográficas que lhe foram dedicadas (Biblioteca Nacional 1993, em especial). Só com a muito cuidada reedição em fac-símile realizada pela ed. Caminho em 2002 (com reprodução das imagens a partir das provas originais, sempre que possível - graças à coordenação gráfica de José António Flores) é que o trabalho fotográfico de Maria Lamas começou a ganhar a atenção que merece. No ano seguinte, Maria Antónia Fiadeiro, numa biografia publicada pela Quetzal, aponta Maria Lamas como uma repórter fotográfica pioneira.


Maria Lamas, Jovem mãe da Castanheira, Serra da Estrela ("As Mulheres do Meu País", pág. 161, 1948-50. tb em "Au Féminin", nº 8 - prova vintage, 8 x 5 cm) © Herdeiros de Maria Lamas, Lisboa / Editorial Caminho

Quando Maria Lamas concebe e produz o livro As Mulheres do Meu País, criando uma estrutura editorial artesanal e familiar para o efeito, tinha já 53-54 anos. A relação com a fotografia seria apenas a de uma jornalista do quadro de O Século (entrou em 1929) com uma longa experiência de direcção de suplementos e revistas, e em especial do semanário feminino Modas e Bordados, entre 1930 e 1947. Nem fotógrafa profissional, nem "amadora" (no sentido habitual de aficionado ou praticante da arte fotográfica), Maria Lamas apenas por necessidade recorreu por algum tempo a um "caixote Kodak" para fazer as imagens que deveriam acompanhar o seu inquérito sobre a vida e o trabalho das mulheres portuguesas. 

Queria-as, às fotografias, "verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas", conforme diz numa entrevista a O Primeiro de Janeiro (28 de Abril de 1948)"Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa", disse em Ler - Informação Bibliográfica, Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948). 

Um genro que trabalhava para a Kodak ensinou-lhe os rudimentos da fotografia e tratou do material trazido das deslocações pelo país. O espólio conservado pela família compreende os negativos e as provas positivas de que se escolheram as imagens reproduzidas no livro, em contactos e provas de pequeno formato que nunca houve a intenção de expor. Por vezes, revela Jorge Calado, as provas foram reenquadradas para eliminar figuras masculinas ou sujeitas a colagens para os grupos serem apenas femininos.
São circunstâncias que fornecem alguns ensinamentos sobre a realidade ambígua da fotografia e sobre os seus circuitos de reconhecimento e consagração. Por um lado, uma grande aventura fotográfica, que é também um grande obra (única no contexto português do seu tempo), pode surgir no exterior das práticas institucionalmente estabelecidas, à margem da profissão e das suas aptidões funcionais (o fotojornalismo, o retrato, a ilustração documental, reconhecidas ou não como produção artística) e também à margem da intencionalidade artística oposta aos usos funcionais, ou autónoma, que tinha à data os seus códigos associativos e rituais expositivos, identificados como amadores (mas não exclusivos destes, e os dois circuitos não são nunca estanques). Prática isolada e exercício breve no tempo (3 anos), sem aprendizagem, de intenção documental e alheia, pelo que se pode saber, à ambição da arte e dos seus circuitos, certamente sem modelos históricos ou conceptuais, a obra fotográfica de Maria Lamas é fundada num projecto próprio de inquérito e de comunicação, e também numa vontade de activismo cívico.


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Artur Pastor e Maria Lamas


No muito vasto panorama da fotografia portuguesa da 1ª metade do século 20 (e das décadas de 30 e 40 em particular) que é o livro de Maria Lamas As Mulheres do meu País, Artur Pastor é um dos autores com participação relevante. Esta é a minha fotografia preferida.

Pastor-1
pormenor da página 399: Mulher do bairro da Barreta, Olhão...



Pastor2
Pág. 456. "Tipo de mulher doméstica do povo..., Setúbal, num bairro de pescadores".


Artur Pastor, fotógrafo

Pouco a pouco, de vez em quando, há uma parte da história que sai da sombra. Agora, imagens da Nazaré de um dos fotógrafos mais activos nos anos 40/60, como se vê pela biografia editada abaixo.
Artur Pastor é por vezes referido depreciativamente como salonista, mas salonismo, uma forma actual de salonismo, é igualmente o que preenche as colecções julgadas muito cosmopolitas de alguns bancos provincianos ou locais (uma forma actual que virá a ser desvalorizada e esquecida como aconteceu com a produção oficial e mais admirada de outros tempos - em grande parte são também uma espécie de "activos tóxicos" de mercado especulativo). Mas salonismo é uma qualificação errada quando aplicada a Artur Pastor, mesmo que tenha concorrido a diversos salões, que eram o espaço predominante de exposição de fotografias durante grande parte do seu tempo de actividade.

O seu espólio, com dezenas de milhares de fotografias (50 mil espécies, não sei se provas e/ou negativos - e não é indiferente), foi adquirido em 2001 pelo Arquivo Fotográfico da CML, continuando a aguardar divulgação.
Este é o cartaz de uma exposição recém-inaugurada na Nazaré, uma terra com grandes tradições fotográficas, por ocasião da inauguração da respectiva Biblioteca Municipal:
Cartaz_ARTUR_PASTOR_A4 

fotos.sapo.pt


Dados biográficos de Artur Pastor


"Artur Pastor nasce a 1 de Maio de 1922 em Alter do Chão, no Alentejo. Em 1942, fruto da necessidade de documentar a tese de final do curso de regente agrícola, descobre o fascínio da fotografia que o há-de acompanhar até ao seu último sopro de vida a 17 de Setembro de 1999.
Após ter terminado o curso, entrega-se de alma e coração à conquista da sua nova paixão, a fotografia. Em Évora, onde vive na altura, envolve-se em inúmeros projectos fotográficos. A primeira exposição, “Motivos do Sul”, teve lugar em Faro, no ano de 1946, onde apresentou trezentos trabalhos, o que demonstra a pujança com que se lançou no mundo da fotografia. Seguem-se outras exposições em Évora e Setúbal. Paralelamente começa a apresentar trabalhos seus em publicações ilustradas, postais, selos e cartazes. Durante este período inicial da sua vida artística colabora em diversos jornais do Sul do País com artigos de opinião e de cariz literário.
No início dos anos cinquenta vai trabalhar para os serviços do Ministério da Agricultura em Montalegre. Naquela época tenta formar, em Braga, uma associação fotográfica. Em 1953 vem viver para Lisboa. Nesta cidade passa a fazer parte do Foto Clube 6x6.

Pertenceu aos quadros do Estado durante cerca de trinta anos como Engenheiro Técnico Agrário. Ao longo destes anos, foi responsável pela obtenção e organização das mais de 10 000 fotos que compõem a Fototeca da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Paralelamente, colaborou com outros organismos ligados à agricultura como as Juntas Nacionais do Azeite, do Vinho, das Frutas e a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, entre outros. Com uma visão única do mundo agrícola deixou para as gerações posteriores um legado fotográfico de grande valor documental e artístico.
Pelo serviço prestado enquanto fotógrafo do Ministério da Agricultura, foi-lhe atribuído o grau de Oficial da Ordem de Mérito Agrícola e Industrial (Classe do Mérito Agrícola). Registou milhares de fotografias por solicitação dos mais diversos organismos oficiais e grandes empresas, sobretudo no campo da agricultura e turismo.  Colaborou, com centenas de fotografias, em exposições oficiais e feiras, no país e no estrangeiro.

Participou em Salões Nacionais e Internacionais de Fotografia. Nos Salões Nacionais, obteve, com regularidade, os primeiros prémios. Individualmente, realizou 13 exposições fotográficas, com destaque para a que teve lugar no Palácio Foz, em 1970, com 360 trabalhos e no Palácio Galveias, em 1986, com 136 fotografias.
Publicou dois álbuns de grande formato: Nazaré Algarve, sendo da sua autoria os textos, as fotos e a paginação. Ilustrou totalmente, com motivos originais da Nazaré, o álbum de fotografia oferecido à rainha Isabel II, aquando da sua visita a Portugal. Escreveu e ilustrou a separata "A Fotografia e a Agricultura" e forneceu fotografias para o folheto "Alcobaça".
Ilustrou os livros Évora, com textos de Túlio Espanca, As Mulheres do Meu País de Maria Lamas e "A Região a Oeste da Serra dos Candeeiros ".
Em Portugal, colaborou nas publicações Panorama, Mundo Ilustrado, "Agricultura", "Fotografia", "Revista Shell", entre outras, incluindo boletins informativos, almanaques do Alentejo e do Algarve, livros como "Guia de Braga", "Portugal", "Lisboa", "Romantic Portugal", etc., e ainda desdobráveis de turismo, capas de livros e de discos, selos, inúmeros folhetos, agendas, boletins regionais, calendários e cartazes.
Forneceu fotografias para o "National Geographic Magazine" e "Photography Year Book". Foi o autor português que, a convite do editor, escreveu o artigo sobre Portugal, com inclusão apenas de fotos suas, na "The Focal Encyclopedia  of  Photography". Várias revistas e jornais estrangeiros dedicaram artigos relativos ao seu trabalho, tais como a "Art Photography", americana, o jornal "Times" de Londres, ou incluíram diversas fotos, como as revistas "Photography", inglesa, a "Revue Française", as alemãs "Merian" e "Architektur & Wohnen", a "Revue Fatis", o "Photo Guide Magazine", entre outras.

O seu espólio foi adquirido, quase na sua totalidade, em 2001 pelo Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa. Os arquivos fotográficos de Artur Pastor contêm largos milhares de fotografias, centenas das quais com irrecuperável valor histórico, imagens de um país perdido ou alterado, a preto e branco, diapositivos a cores, e em negativos a cores. Para além da cobertura de todas as regiões continentais e insulares do país, constam colecções de várias províncias de Espanha e Itália e das cidades de Paris e Londres.
Deixou preparada a exposição "Uma Visão Histórica e Etnográfica do País", com fotografias de Portugal a preto e branco e a cores, e outras, nomeadamente sobre Lisboa, Porto, Braga, Évora e Sintra.
Fazem parte do seu legado maquetas de livros sobre Portugal e sobre algumas regiões e cidades do nosso país, com fotografia e texto da sua autoria.
Considerado “O Domador da Rolleiflex”, utilizou, ao longo da sua vida, diversas máquinas fotográficas desde a lendária Rolleiflex de película 6x6 até à moderna Nikon de formato de 35mm. Artur Pastor foi um marco importante no panorama artístico português tendo sido carinhosa e justamente apelidado, entre os seus pares, como “ O Poeta da Fotografia”."

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Informação de Artur Pastor (filho)
"O seu espólio encontra-se no Arquivo Fotogáfico da CML. São dezenas de milhares de fotografias que aguardam a sua divulgação. A exposição retrospectiva da obra  fotográfica de Artur Pastor estava pronta a ser exibida nas instalações do Arquivo na Rua da Palma. Com ampliações e textos feitos "apenas" faltou a verba da CML para o catálogo e foi cancelada 15 dias antes."

No site do Arquivo Fotográfico de Lisboa:
Colecção Artur Pastor
Inclui todo o espólio deste fotógrafo no período de 1950 a 1998, de onde se destacam as séries sobre a Nazaré (1950), Algarve (1960), Lisboa, Évora, a recolha do Património construído de todo o país (1980) e a Expo-98. Esta colecção, adquirida em 2001, encontra-se em fase de inventariação.

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