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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

1951-52 Júlio Pomar Gravuras: a campanha pela paz e as cenas de trabalho, 1954

Júlio Pomar e a politização da arte" (parte III)

À gravura (seis linogravuras e litografias de 1951) cabe um papel essencial no segundo período militante de Júlio Pomar, ao tempo da campanha do PCP contra a NATO, em especial contra a reunião do Conselho da Europa em Lisboa, no IST, em 1951, a seguir à adesão de Portugal à OTAN/NATO em 49, e em defesa da paz no espaço da propaganda política alinhada com Moscovo, no contexto da Guerra Fria.

Convém vê-las em conjunto (o que também não ocorre na actual exposição, aliás, com os dois quadros representativos desse tempo) para ter a dimensão do que foi o envolvimento político do artista, comprovado pelas edições de autor com maiores formatos e tiragens, que passam dos 30 ou 45 exemplares confidenciais para os 150 ou 200 exemplares com distribuição partidária. Esta era assegurada no Porto pela cooperativa SEN, Sociedade Editora Norte (1942-1959). A cooperativa Gravura ainda estava longe (1956). 

A bomba, 1951


Mulheres fugindo ou A Explosão 1951 (nº 9 - Nota 1), (tb conhecida como A Bomba Atómica)
As Mães 1951 (nº 8.)
Linogravuras. 34,4x44cm / papel: 39,7x51. Edições do autor. Tiragem 150 exemplares. Impressas na Tipografia Garcia e Carvalho, Lisboa
Ambas são referidas nos catálogos da II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953, e certamente expostas.


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e a pomba da paz, 1951 (litografias não expostas)
 


Menina e Pombas 2º estado (nº 11), 54,5x38,5 / 65x48,5cm 200 ex.#
Duas meninas com Pomba (nº 12) 32,5x23,5cm, tiragem desconhecida
A Refeição do Menino (nº 13), l50x65cm, Atelier Amândio Silva, Porto, 200 ex. #
(# incluidas nos catálogos, geral e nacional, da representação enviada à II Bienal de São Paulo, 1953)

Menina e Pombas 1º estado (nº 10), 54,5x38,5 / 65x48,5. 45 ex. Exp. SNBA 1951


recorte do Boletim SEN nº 4 Novembro 1951, com várias incorrecções


"As novas urgências da intervenção partidária afirmaram-se com clareza numa série de gravuras dedicadas ao tema da Paz, que tiveram grande difusão e marcaram presença nas casas de todos os intelectuais de feição comunista, distribuídas pela SEN (Sociedade Editora Norte, Porto), pouco depois encerrada. Às linogravuras As Mães e Mulheres Fugindo, que também se chamou A Explosão e foi conhecida como A Bomba Atómica, seguem-se no mesmo ano de 1951 as litografias em que figura a pomba proposta no cartaz de Picasso para o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz de Paris, em 1949, como emblema da causa, com referência à filha Paloma: três versões de meninas com pombas e <uma variação> do Almoço do Trolha na versão A Refeição do Menino (ou com título Família). As quatro gravuras foram enviadas à alargada mostra de São Paulo <II Bienal, participação do SNI>." in A. Pomar, ed. Guerra e paz / Atelier-Museu 2023, p. 139


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1952-1954

São já obras de diferentes características as gravuras seguintes. A 1ª está associada ao quadro com o mesmo título de 1951, as segundas integram o Ciclo "Arroz", a par de várias pinturas e desenhos. É já a observação directa (ou fotográfica) das figuras e do trabalho do povo, que continuará a caracterizar a produção dos seguintes anos 1950 e 60, mesmo depois de deixar o neo-realismo.


Nazaré 1952 e Vila Franca (Arroz) 1954
Arroz, nºs 21 e 22, também 23


Nota 1. Os números indicados reportam-se ao volume Julio Pomar, Obra Gráfica, Mariana Pinto dos Santos coord e Alexandre Pomar catalogação, ed. Caleidoscópio 2015


Fotografias do acervo documental



As fotos da Nazaré são de autor desconhecido
As das lezírias igualmente, ou de Cipriano Dourado. Ver Os Ciclos do Arroz, ed. Museu do Neo-realismo, 2016


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ADENDA


Boletim Nº 4
Segundo uma anotação manuscrita teria sido já antes sorteado entre os visitantes da 
Exposição da Primavera de 1946, no Porto... 

A SEN tinha já editado «Refugio Perdido» e «Engrenagem» - obras inéditas de Soeiro Pereira Gomes (1909 - 1949, na clandestinidade desde 1945, autor de « Esteiros», 1941), e distribuia então as edições em fascículos de "Mulheres do meu País" de Maria Lamas, Ed. Actualis, "História da Cultura em Portugal" de António José Saraiva, Jornal do Foro, e "História da Arte" de Elie Faure, Estúdios Cor, que ficaram na biblioteca familiar.

Para as edições da SEN JP colaborou com uma ilustração, desenho de 1947, Caxias, para o conto «Week End» de José Cardoso Pires, no nº 1 de "Meridianos de Arte e Cultura" (pág. 139).

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

1951 1954. Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte II). O 2º tempo miltante, A Guerra Fria

 2º PERÍODO MILITANTE, 1951-1954

OS CARPINTEIROS* 1953 nº 100, 144x112cm. Exposto na 7ª EGAP.  Col. Sociedade Portuguesa de Escritores (1956-1965) > Associação... após o seu encerramento. A bicicleta era muito usada pelos funcionários clandestinos do PCP por razões de segurança - pode ser essa a "razão" do quadro, depois da bicicleta ter surgido noutra obra de 1950 com um casal de namorados (Na estrada de Aveiro, 1950 nº 66).


MULHERES NA LOTA (NAZARÉ)* 1951 nº 74, 74x121cm aglom. Exp. XLVIII Salão da Primavera SNBA. Col. Alice Jorge > ... AMJP. Uma fotografia que ficou no acervo documental registava esta cena, e uma linogravura de 1952 usou parte desta composição.

Não exposto:

MARCHA 1952 (nº 86) 122x199cm. Col. particular. Reproduzido pela 1ª vez no Cat. Raisonné em 2004; exposto no Atelier-Museu em 2020, em "O rosto impreciso... Retratos de JP". José Dias Coelho esta representado ao centro, entre o jovem casal; à direita o eng. Frederico Pinheiro e a sua mulher, Dina, camarsadas e proprietário do quadro; no bordo direito o escultor Vasco Pereira da Conceição, chefe do atelier da Praça da Alegria, que foi também lugar de tertúlia e ante-câmara da SNBA, então encerrada. Ver o capítulo "Marcha" em A. Pomar, 2023.


Em 1953, num artigo publicado em O Comércio do Porto, JP fazia a revisão (e reorientação) do percurso do neo-realismo e a auto-crítica dos desvios que ocorriam desde 1949:

"Entre aqueles que se afirmavam dentro dos princípios da corrente, alguns perigosos caminhos começaram a desenhar-se. Um lirismo, complacente, tende a substituir a agressividade dramática das primeiras tentativas. A procura de soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor de conteúdo; e isto não reflecte senão um alheamento dos problemas realmente vivos. Boa parte do que pintei nos anos de 49 a 51 oferece tais características, e desvios de tipo análogo marcam a obra plástica de Mário Dionísio. 

Tinham-se aberto «as portas ao maneirismo e ao formalismo e, em último grau, à renúncia dos objectivos abraçados com entusiasmo» 

"As razões desta fragmentação [no seio da corrente ou tendência do ‘realismo social’] devem procurar[-se] na evolução dos acontecimentos da vida portuguesa, no cair das ilusões que uma interpretação apressada das consequências da II Guerra Mundial ajudara a criar."

in «A tendência para um novo realismo entre os novos pintores portugueses», 22 dez 1953, reeditado em Estrada Larga 2, Porto Editora 1959, pp. 40-45 (antologia d'O Comércio do Porto, dir. Costa Barreto); reed. no catálogo Arte em Portugal nos anos 50, 1992, pp. 48-50 (dir. Rui Mário Gonçalves), e em Notas sobre uma arte útil, Atelier-Museu/Documenta 2014, pp. 287-288. Porque foi este o seu último artigo publicado na imprensa, à época, ficou sempre por esclarecer. 

 A mudança envolvia a temática de várias das pinturas posteriores a 1951, numa nova militância política, e partidária, e também o estilo ou linguagem da pintura, que é mais austera (sem a pulsão lírica e decorativa anterior) e de uma figuração mais exacta, numa certa aproximação ao que era o realismo socialista de produção francesa, e tinha, aliás, larga expressão internacional, em especial americana: na exposição "Postwar" de Enwezor, 2016, JP é exposto ao lado de Alice Neel. A par de numerosas obras decorativas de encomenda, incluindo vitrais e baixos-relevos, uma outra linha de produção experimentava livremente  a paisagem sem sentido naturalista, antes com abertura ao imaginário (Barcos, Ericeira 1953- nº 94*) e que há data não foi exposta -, e produziu várias gravuras que se integravam na campanha política pela paz. (ver a seguir)

A antologia de 1986 (itinerante no Brasil e vista no Centro de Arte Moderna) passava directamente de 1951 para 1960. Na anterior retrospectiva (1978 Gulbenkian, Museu Soares dos Reis e Bruxelas) tinham entrado onze obras da década de 40 e só duas da de 50: só Mulheres na Lota (Nazaré)*, que ficara na casa de Lisboa com Alice Jorge, e o Estudo para o Ciclo 'Arroz' II. É um tempo de crise, também pessoal, de escassa produção e em grande parte encomendas decorativas. foi depois um tempo de apagamento de memórias.

É o período das campanhas pela paz que o PCP promovia nos anos 1949-54, no quadro da Guerra Fria e da guerra quente da Coreia. Mobilizavam-se acções de rua e abaixo-assinados de apoio ao Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, aprovado em 1950, e em especial contra a reunião do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952 no Instituto Superior Técnico, depois da adesão portuguesa à NATO ter sido ratificada em Julho de 1949 – acontecimento e movimentações que vinham abrir brechas nas dinâmicas da Oposição, antes tendencialmente unitária, separando comunistas e democratas, estes favoráveis ao lado ocidental. 

É também um período de forte repressão policial e censória que decorreu durante e depois das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Ruy Luís Gomes (em 1949 e 1951, respectivamente, quando falhara a candidatura do almirante Quintão Meireles e a de R. L. G. não foi aceite). Naquele ano de 1952 a SNBA foi fechada e interrompeu-se a sequência das Exposições Gerais, por Eduardo Malta ter sido expulso de sócio devido a um conflito público com Dias Coelho. Era também o tempo da polémica interna do neo-realismo, em torno da orientação da Vértice, a que se liga um «desvio sectário» que fracturava os meios intelectuais, com um PC debilitado por muitas prisões. (Depois, com a morte de Stalin e o relatório de Khrushchev, viria o chamado «desvio oportunista de direita», de 1956-59, a seguir outra vez «corrigido» pela fuga de Cunhal de Caxias, em 1961.)


Em 1952 fizera uma declaração de independência, numa publicação francesa em que José-Augusto França o associava ao realismo socialista:

Sem título [ Le sujet n’est pas le contenu» (O assunto não é o conteúdo) ]

«Deformação profissional: não acredito na infalibilidade do Papa. Cada dia, cada minuto, reponho o mundo em questão. O trabalho (métier) de pintor é um trabalho de pesquisas, de descobertas, de invenções: pesquisas, invenções, descobertas que nascem da vida e a ela retornam. Houve um tempo em que desprezei certos assuntos? Erro meu. O assunto não é o conteúdo, é um pretexto, e mais nada. O conteúdo é a síntese dialéctica entre o tema e a experiência pessoal e vivida do artista. Ela manifesta-se na forma, vive nela, é exaltado por ela. Os conteúdos das minhas telas são “as razões que me ajudam a viver”.»

in Premier bilan de l’art actuel 1937-1953 (sous la direction artistique de Robert Lebel), Le Soleil Noir: Positions, Paris. Cahiers Trimestriels, n.º 3 et 4, p. 314


As pinturas políticas:




Esse segundo período, que se situa a partir de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951, recupera a firmeza austera de um realismo social interventivo, seguramente sensível à disciplina estética que chegava de França (era o "nouveau réalisme" de breve curso), mas com liberdade formal. Fez nesse ano a primeira viagem a Paris e aí visitou Pignon, Fougeron e Taslitzky, mas não deixou testemunho do que viu, apenas referência ao facto. Ao tempo Mário Dionísio publicava na Vértice os seus Encontros em Paris, onde dialogava com muita reserva com os dois últimos pintores franceses referidos, e em 1952 deixou o PCP, na sequência do conflito sobre as colaborações de comunistas na revista Ler, das Publicações Europa-América; a seguir condenou a participação portuguesa na 2ª Bienal de São Paulo tutelada pelo SNI, deixou de expor nas Gerais e desligou-se da SNBA. Em face do artigo publicado no "Comércio", cortou logo relações (até 1966). Ver M. Dionísio, "Passageiro Clandestino" Volume I, p. 112: um breve parágrafo em que o refere como "uma das várias serpentes que ingenuamente abriguei no meu seio"

De facto, a reconsideração do movimento neo-realista e a explícita autocrítica presentes no artigo de Pomar publicado em 1953 n’O Comércio do Porto (e não na Vértice como era mais habitual) não seria uma cedência circunstancial à pressão partidária, mas foi muitas vezes como tal interpretada - e por isso depreciada. 


Vejamos a seguir as obras decorativas, as paisagens "íntimas" e imaginárias, por fim as gravuras que participam da militância pela paz.