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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

1997 João Cutileiro: "Um lugar na cidade", uma fonte, um anti-monumento, o 25 de Abril no Parque Eduardo VII

"Um lugar na cidade"  


3-V-1997 Expresso Cartaz 


JOÃO CUTILEIRO prepava-se há perto de 40 anos para fazer uma estátua equestre — uma pequena maquete em bronze, de 1962, pensada precisamente para aquele lugar foi mostrada em Lagos, quando, a propósito dos 20 anos do D. Sebastião (1973-1993), se puderam rever os seus projectos de esculturas para espaços públicos. Agora, porém, optou por destruir o plinto que existia no cimo do Parque Eduardo VII, para onde se chegaram a prever, no regime anterior, as figuras de Nuno Álvares Pereira ou D. João I. O cavaleiro que alguém terá ainda de encomendar ao escultor irá para outro lado. 

Ali, no exacto enfiamento do Marquês de Pombal e do obelisco do Rossio, sobre o panorama da cidade e do Tejo, que é também um lugar fisicamente marcado pela monumentalidade do regime anterior (nas colunas de directa referência nazi <quando muito fascista, mas é mais romana e imperial> e, através desta, de invocação de uma mitificada ordem clássica — recorde-se, por exemplo, o projecto de Albert Speer para as portas de Salzburgo, de 37, incluindo um plinto-altar vazio), Cutileiro instalou uma fonte que é, ao mesmo tempo, monumento evocativo e anti-monumento. Não se tratava de substituir os emblemas de um regime pelos de outro, mudando apenas de sinal um acto de celebração do poder (questão ideológica e ético-artística essencial), mas de evocar o 25 de Abril no seu sentido mais decisivo de deposição de uma ditadura e de início de um projecto de democracia que será «o que nós quisermos», como diz o escultor. 

Como diz Cutileiro, o 25 de Abril, data histórica, «é anti-monumental por definição», no acto do derrubar um regime imóvel e autoritário (como um monumento) e de recolocar um destino colectivo nas mãos de um povo. E a sua intervenção de escultor também não quis ser um monumento no sentido tradicional de consagração de um momento congelado no tempo e de sacralização da distância entre os símbolos de um poder, divino ou heróico, e o espaço comum da cidade. A sua «Evocação do 25 de Abril», título presente na necessária lápide inaugural, é uma fonte, tipologia construtiva em que, neste caso, se põe em evidência quer o significado da permanente agitação da água em movimento quer a ideia de que «a fonte é a origem» (J.C.).




A abordagem dos emblemas formais e dos seus sentidos — a fonte e o cravo, o derrubar de uma forma prévia autoritária, a ideia de inacabamento de um processo sempre em construção, a recusa de uma «mensagem» escrita (mas estão lá as marcas de trabalho trazidas da pedreira), a instalibilidade da água, a forma fálica presente em qualquer obelisco ou coluna, mas que aqui remete para a configuração dos megalitos alentejanos — seria inesgotável e prolonga-se com absoluta coerência no equacionar da problemática da escala. A opção do escultor foi a de contrapor uma dimensão humana ao gigantismo autoritário das colunas pré-existentes, transformando um lugar votado à representação do poder (com maiúscula, tal de usa em algumas concepções da arte) num espaço de uso público, de lazer e de prazer: os degraus que limitam um dos lados do lago são um convite directo a mergulhar os pés na frescura da água corrente; o arranjo do espaço envolvente é propício à permanência, inventando uma praça num lugar previlegiado da cidade mais ainda inóspito. Às memória romanas que as colunas transportam, com sentido imperial, contrapõe-se a lembrança das fontes de Roma, despidas das suas mitologias de Neptunos e criaturas marinhas, que também não teriam lugar na evocação do 25 de Abril.

A intervenção de João Cutileiro, com o sentido político da sua reflexão sobre a data e sobre ideia de monumento, com a ironia inerente a uma modernidade que já não quer ser construtora de mitos (ao contrário dos modernismos vanguardistas), exercida na inteligência das formas e também dos seus sentidos, está, como sempre, à beira do escândalo. Como o seu D. Sebastião de Lagos, estátua de menino e equívoco herói nacional, a fonte-evocação do 25 de Abril é um monumento controverso. O que significa, se for necessário dizê-lo, que o escultor não se limita a gerir a sua própria consagração, que a sua obra continua a ser inventiva e problemática.

Vale a pena, por isso, considerar uma primeira explicitação pública das resistências com que a obra de Cutileiro se enfrenta, já expressas num texto de Rúben de Carvalho («Capital, 29 de Abril) — mas sem de modo algum pôr em dúvida o seu «direito a dar opinião», por falta de uma qualquer especialização. O que importa é ver como é decisiva a questão da escala na procura de uma monumentalidade que, sob a aparência de um problema de dimensões, tem a ver com significados, concepções de poder e autoridade, com ideologias. 

«O problema do monumento ao 25 de Abril é que não tem o tamanho, a envergadura, a proporção, o significado do sítio onde está», diz R.C. Duas afirmações anteriores valem como sintomas de uma recusa mais profunda: por um lado, considera que as duas colunas (talvez por efeito de uma contradição entre a encomenda fascista e a autoria democrática de Keil do Amaral, a qual seria essencialmente decisiva, embora sem tradução formal) «têm equilíbrio, proporção, dignidade, coerência, ao nosso lado acompanham na sua altura os quilómetros de vista...». Esses atributos são as de uma ordem que é a da autoridade e não a da vida, são pretensas marcas de um poder que se afirma na arrogância da altura. Noutro passo, atribui ao D. Sebastião, apesar da sua pequena escala, «o fascínio e a grandeza de um monumento» — é a recusa a entender a mesma condição de anti-monumento com que Cutileiro soube sublinhar o sentido mais radical da sua última obra.     


Nota: foi uma batalha acesa, com vários participantes aguerridos, moralistas uns (o pirilau), conservadores outros (a escala, o Rúben...)

 

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

a pequena galeria em 2013

Inaugurada em 21 de Março de 2013



realizou ao longo do ano (dez meses) doze exposições ( onze de fotografias e uma de gravuras associada a um leilão ); das exposições de fotografia foram quatro colectivas (três Salões e uma colectiva do acervo), duas mostras de grupo e cinco individuais. As duas mostras de grupo foram apresentadas também em Évora e Sines, uma delas, e a segunda noutro espaço de Lisboa. Apresentou obras de x fotógrafos

Salão #1 (Inauguração), até 31 de Março

  • Expuseram-se obras de Ágata Xavier, António Júlio Duarte, Carlos M. Fernandes, Carlos Oliveira Cruz, Céu Guarda, Filipe Casaca, Guilherme Godinho, Jordi Burch, José Cabral, José M. Rodrigues, Mário Cravo Neto, e também de António Almeida, Augusto Cabrita, Silva Nogueira e vários autores anónimos.





Foto de Luís Pereira ( http://www.imagemfix.blogspot.pt/)

António Júlio Duarte, Shangai #379, 2002

domingo, 14 de julho de 2013

Sines "Grupo de Évora": reportagem (I)

Centro Cultural Emmerico Nunes
 Sala das Índias
5. Vozes de Orgão, 2011.  6. Nossa Senhora de Alcamé, 2010 / 7. Jesus e Madalena, 2011.  8. Sudário, 2011.  9. Santas Relíquias, 2007  /10. Coroa de Espinhos, 2011. 11. Hildegard, 2011/ 12. Cruz nº 73, 2007.  13. Crucifixo Guardado, 2010.   14. Anunciação, 2007.  15. Capela dos Ossos, 2007.  16. Esquartejado, 2011.  

quarta-feira, 10 de julho de 2013

“GRUPO DE ÉVORA” AGORA EM SINES




Centro Cultural Emmerico Nunes
12 Julho - 28 Setembro

Fotografias
António Carrapato, João Cutileiro, Pedro Lobo, José M. Rodrigues + David Infante

Já existiram vários Grupos de Évora, mas neste caso em que se trata de fotografia o grupo não existe, ou melhor, só passou a existir por efeito de uma exposição que se inaugurou em Lisboa, seguiu depois com o nome “4 em Évora” para esta cidade, e está agora em Sines numa nova configuração.

A exposição junta cinco fotógrafos que residem e trabalham em Évora, um deles mais conhecido como escultor, mas que há muito pratica a fotografia. Quatro deles foram  reunidos numa recente exposição d'a Pequena Galeria sob a designação “Grupo de Évora” que assinalou a circunstância de existirem várias obras de grande qualidade que partilham a luz do mesmo lugar, ao mesmo tempo que interrogava essa coincidência, acidental ou talvez não. Entre eles não existiam cumplicidades de trabalho nem qualquer rede de relações comuns, e alguns dos quatro, cinco agora, não se conheciam pessoalmente antes de serem desafiados a associarem os seus trabalhos. Mas sendo a cidade fértil quanto ao surgimento de artistas e iniciativas colectivas (1) importava dar a ver, fotograficamente, esta concentração excepcional, ou única no país, de talentos e de carreiras confirmadas.

Grupo d'Évora no Público (8 de Maio)

por Sérgio Gomes, do Público (#2, Revista,  8 de Maio, pág. 36-39) 

http://artephotographica.blogspot.pt


A Pequena Galeria juntou o Grupo d"Évora, fotógrafos que estavam juntos sem o saber

Damos o primeiro passo e, sem aviso prévio, encontramos logo o riso e a chalaça visual (António Carrapato). Damos outro passo e somos invadidos pelo cheiro a sacristia, cercam-nos os santos, bamboleiam os altares a cair de podre (Pedro Lobo). Um passo para a direita e vemo-nos ao espelho através de um patchwork de retratos pouco vistos no álbum de família da cultura portuguesa (João Cutileiro). Outro passo mais para a esquerda e somos armadilhados pelo jogo sedutor das imagens duplas (José M. Rodrigues). Já no fim, ao quinto passo, voltamos ao início, à fotografia alegre e divertida (Carrapato) e também aos tons de roxo, ao odor a cera e... ao Senhor dos Passos (Lobo).

Mas isto é um grupo? É - o Grupo d"Évora que, sem saber, já existia. Quem os juntou foi Alexandre Pomar para a terceira exposição na Pequena Galeria, em Lisboa, que pretende tão simplesmente reunir fotógrafos que gravitam em torno daquela cidade alentejana mas que têm um olhar muito para lá da geografia. "A ideia foi dar a conhecer um núcleo de fotógrafos de carreira excepcional que não tinha uma dinâmica de grupo. Acontece que Évora já teve uma grande dinâmica de grupos de artistas e por isso achei interessante juntá-los pegando num título que já vem de trás", explica Pomar.

A mescla de estilos, formatos e famílias fotográficas de Grupo d"Évora (até 11 de Maio) é grande, diversidade que o comissário transformou num desafio de montagem nas paredes altas da Pequena Galeria que tem um espaço expositivo que se percorre em breves cinco passos (mais coisa menos coisa). Alexandre Pomar vê esta limitação como uma mais-valia, já que implica mostras com trabalhos de dimensões reduzidas, o que, em regra, também faz baixar os preços (aqui começam nos 100 euros). Pedro Lobo costuma expor o seu trabalho em grandes formatos, mas para esta exposição foi obrigado a repensar as imagens da série In Nomine Fidei, trabalho sobre a decrepitude de espaços e objectos religiosos que o levou a procurar molduras antigas que ditaram novos reenquadramentos (cada trabalho é por isso um objecto único).

Tentando contrariar uma tendência de "usa e deita fora" de muitas galerias que trabalham na área da fotografia de novos autores, Pomar sublinha a importância de mostrar o trabalho menos conhecido de nomes já firmados. Como o de João Cutileiro, dono de um acervo de retratos da cena cultural portuguesa pouco vistos em público. Cutileiro (que nem quer ouvir falar em séries numeradas) optou por mostrar impressões a jacto de tinta feitas na sua impressora caseira. José Manuel Rodrigues, por seu lado, revela uma série de fotografias inédita (água, paisagem e auto-retrato), instaladas com papel vegetal por cima, também ele impresso com imagens da sua autoria. De António Carrapato (colaborador do PÚBLICO) mostra-se uma faceta autoral rara em Portugal: a do humor, da fantasia e do divertimento. Porque rir nunca foi tão preciso.

Da série In Nomine Fidei
© Pedro Lobo

Évora, 2010
© António Carrapato

Gérard Castello Lopes, 1962, Praia da Salema - Algarve
© João Cutileiro

Viana do Alentejo, 2-17-2012, 1h31
© José M. Rodrigues

domingo, 7 de julho de 2013

A seguir SINES

12 de Julho, inauguração às 21h, Centro Cultural Emmerico Nunes


Quatro fotógrafos com carreiras diferentemente extensas e reconhecidas que foram associados para a exposição sob uma designação já usada com frequência por artistas nascidos ou a trabalhar em Évora. Ou seja, o Grupo não existia nem passou a existir, e vários dos fotógrafos nem se conheciam pessoalmente. 
Há outros fotógrafos activos e reconhecidos em Évora, mas a escolha foi esta:
Com o escultor João Cutileiro, também fotógrafo desde os anos 50 (expôs fotografias pela 1ª vez em 1961, publicou em 1971 fotos de 1959 e 1963 - Cutileiro fotógrafo ); o "consagrado" José M. Rodrigues, Prémio Pessoa; o brasileiro de longa obra e itinerância Pedro Lobo e o fotojornalista António Carrapato, 

e agora também
com David Infante (col. Galeria Módulo)

12390948

 

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 Évora, Palácio da Galeria, 17 de Maio a 8 de Junho: "4 em Évora" 

ver: 4 em Évora / Grupo de Évora // “ÉVORA GROUP” / “4 IN ÉVORA”

 




 

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A Pequena Galeria, Lisboa ( 26 de Abril a 11 de Maio )





domingo, 19 de maio de 2013

"4 in ÉVORA"

“ÉVORA GROUP” / “GRUPO DE ÉVORA”
a Pequena Galeria, Lisboa (de 26 de Abril a 11 de Maio, 2013)

“4 IN ÉVORA” / “4 EM ÉVORA”
Palácio D. Manuel, Évora (de 17 de Maio a 8 de Junho)

Fotografias de / Photographs by António Carrapato, João Cutileiro, Pedro Lobo. José M. Rodrigues

IMG_6280(Pedro Lobo)

The exhibition gathers four photographers who reside and work in Évora, one of whom is better known as a sculptor, although he has long been involved in photography. They were brought together in Lisbon, for an exhibition at the “Pequena Galeria”, under the name “Grupo de Évora” (Évora Group); an opportunity for the simultaneous recognition of four bodies of work of great importance and varying visibility, that share the light of the same city. There are not, amongst all of them, complicities of work , nor do they share a common network of relations; some of them didn’t know each other personally before they were presented the challenge of congregating their work. But, in a city that has been fertile when it comes to the emergence of artists and collective initiatives, an exceptional - even unique, in the whole of the country - concentration of talents and established careers in photography also arose.

sábado, 18 de maio de 2013

"4 em Évora"

Inaugura hoje no Palácio D. Manuel, em Évora, em versão alargada.  António Carrapato, João Cutileiro, Pedro Lobo e José M. Rodrigues, com mais obras de cada um.

a PEQUENA GALERIA em itinerância e em maior formato.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Grupo de Évora, no Expresso e no Público

 Jorge Calado, Expresso, Actual, 4 Maio 2013





Público, 2, Revista, pág. 36


Pág. 38, tx de Sérgio B. Gomes, fotos de José M. Rodrigues (auto-retrato) e João Cutileiro (retrato de Gérard Castello Lopes)
Pág. 39. Pedro Lobo I e II, em baixo António Carrapato.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Évora

No Moinho do Cu Torto, ao fundo José Manuel Rodrigues e Pedro Lobo, do próximo "Grupo de Évora", e Paulo Nuno Silva, também fotógrafo de Évora.
Do anunciado "Grupo" também fazem parte António Carrapato e João Cutileiro.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

2008, João Cutileiro fotógrafo, P4


"The nude lies in the centre of Western art"

Inauguração da exposição, dia 9, 5ª feira, a partir das 19h

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Já tem data o leilão de provas vintage e em geral inéditas e ÚNICAS de João Cutileiro, escultor e fotógrafo:

Newsletter-JC-03

a 23 de Outubro e a favor da Abraço.

E ANTES DO LEILÃO VÃO ESTAR EM EXPOSIÇÃO NA P4 A PARTIR DE DIA 9

http://www.p4liveauctions.com

http://www.p4…limited_editions/…

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João Cutileiro expôs fotografias na sua 1ª exposição, em 1961 (que foi a 2ª, contando uma em Monsaraz e Évora aos 15 anos, em 1951). Continuou sempre a fazê-las e,  de longe a longe, a mostrá-las.

Além de escultor é fotógrafo, ou faz óptimas fotografias, em especial retratos. É mesmo um dos nomes certos da revolução fotográfica dos anos 50 e um dos poucos, um dos primeiros, que nesse tempo mostrou publicamente as suas fotografias. Aliás, João Cutileiro até foi fotógrafo profissional, já que tratou durante uns anos a fotografia como uma actividade que podia e devia ser remunerada, no caso de se tratar de prestação de serviços e resposta a encomendas, para além de fotografar por gosto amigos e amigas. Construiu assim uma galeria de retratos que fixou uma geração, ou duas, e deixou registados os tempos de liberdade em Londres (1955-1970).

Também foi e é às vezes um fotógrafo de esculturas, as suas.

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Em Novembro de 1961, na Sociedade Nacional de Belas Artes, o folheto que acompanhou a mostra não trazia reproduções (o autor informa que eram praticante todas retratos). Mas teve título: "25 Esculturas / Fotografias / Desenhos de João Cutileiro"

 Dos "modernos" ou novos desse tempo, tinham mostrado fotografias em exposições individuais de galeria só o Fernando Lemos (em 1952-53) e a dupla Victor Palla/Costa Martins (1958). Foi um pioneiro, portanto.

Um segundo passo público (publicado, neste caso) foi dado só dez anos depois (1971) com a impressão tardia de algumas imagens de Monsaraz (as mais antigas de 1959 e outras de 63, estas expressamente feitas) no livro do irmão José Cutileiro A Portuguese Rural Society (Oxford, Clarendon Press), onde se publicaram também outras fotografias do então desconhecido Gérard Castello-Lopes (era conhecido como crítico de cinema, e tinha mostrado 30 fotografias no pavilhão português da Exposição de Osaka, no ano anterior). Essas fotografias documentais de João Cutileiro eram então "neo-realistas" em sentido lato – mas os retratos de 1961 e os nus que agora se conhecem escapam a todas as classificações. Estas últimas são fotografias do quotidiano, gestos de amizade e amor, descobertas de corpos (explorações físicas antes de serem estudos de formas), momentos de vida antes de serem ou não arte.

Algumas daquelas imagens de Monsaraz e outras mais foram republicadas e expostas em 2005 e 2006 por iniciativa da Fundação PLMJ (Em Foco. Fotógrafos portugueses do pós-guerra, ed. Assírio & Alvim e mostra no Museu da Cidade, Lisboa, com catálogo próprio, em reimpressões digitais modernas).

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"Domingo, a chegada do fotógrafo, Monsaraz, 1963" – impressão digital, jacto de tinta. Col. Fundação PMLJ, de "Em Foco", 2004

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Muitos mais anos depois voltou a expor por ocasião do Mês da Fotografia que aconteceu em Lisboa em 1993, e ficou sem continuidade. Foi na Galeria Valentim de Carvalho: "Memória" (Fotografias inéditas – Colecção do autor). No catálogo geral publicaram-se dois notáveis retratos, um de Álvaro Lapa, 1958, outro de Maria Cabral e Vasco Pulido Valente.
Eram 100 fotografias "vintage", de 1958 a 1970, que não foram então acompanhadas por qualquer outra edição. O que sempre se lamentou, até porque além da importância dos retratos também os retratados tinham razoável notoriedade.

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"Álvaro Lapa em casa de António Caldeira", 1958 (cat. Mês da Fotografia)

((Na ocasião sairam duas "notas" no Expresso (foi pouco, mas o programa do Mês era muito intenso): a 29/05/1993 e 05/06/93))

«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. As fotos foram-se perdendo pelas gavetas e pelas paredes (serviram até de alvo para setas), amareleceram e comeu-as o bicho. Juntas agora, traçam uma galáxia de relações, amizades e amores que veremos ao sabor das identificações disponíveis a cada um: Fernando Mascarenhas (em 65), Jorge Sampaio e Karin Dias, João Cid dos Santos, Francisco Keil do Amaral, Ana Viegas, Maria Cabral e Vasco Pulido Valente, Mário Cesariny (uma parede com seis fotos de 64), Menez (Londres, 63), Reg Butler, José Cardoso Pires (60), Ruy Cinatti, Gérard Castello-Lopes, etc, e um auto-retrato legendado «Paul Newman». Por vezes, as cabeças deixam adivinhar um olhar escultórico, a caminho de outros retratos (Helder Macedo, Azevedo Gomes, Keil do Amaral). Com os retratos de Lemos, tão diferentes, estas fotos privadas levantam um véu sobre um passado oculto, aqui apercebido como um tempo feliz. São pequenos grandes nadas.

100 fotografias que traçam um percurso de cumplicidades pessoais, mostradas em provas de época que transportam as memórias do seu uso (as paredes, os álbuns, o tempo) e um seguro valor de documento sobre os meios intelectuais do seu tempo. Mas é também a procura do sentido do retrato que nelas se encontra, na diversidade dos enquadramentos e das poses «colhidas do natural», ao mesmo tempo que o olhar do escultor se adivinha. Cutileiro mostrara fotografias numa exposição em 1961 e fez parte da geração dos «olhares inquietos» (António Sena) — foi mais um passo na recuperação de uma indispensável memória fotográfica.

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Mário Cesariny em Londres, 1968/69 (De "Londres e Companhia")

Uma dezena desses ou outros retratos foram publicados já em 2004 num livro de memórias de Londres de Luís Amorim de Sousa – Londres e Companhia, ed. Assírio & Alvim, aí se acrescentando um belíssimo encontro com Doris Lessing. Alguns também estiveram expostos no Centro Culturais de Cascais ("Memorabilia", com desdobrável, Nov.-Dez. 2005)

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Doris Lessing, 1963. (De "Londres e Companhia")

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Entretanto, no Museu de Évora, em 1999, apresentou-se "Flores – Esculturas de João Cutileiro – Homenagem a Mapplethorpe". No catálogo publicaram-se 13 fotos suas de esculturas a preto e branco e de página inteira, sendo as do catálogo final de João Cutileiro Junior, com textos de Hellmut Wohl, João Caraça e José Monterroso Teixeira. Das fotografias de flores de Mapplethorpe às flores construídas em mármores e bronze, a cores, somando-se imagens vistas às flores tiradas do natural, e depois refotografadas a preto e branco pelo escultor. Escultura de câmara – a pequena escala e a máquina de ver.

No Expresso Actual publiquei uma entrevista sob o título "De Mapplethorpe a Cutileiro", a 18 de Dez.: http://cutileiro-1999—entrevista.html , e Jorge Calado escreveu a 15 de Jan. 2000 "Flores são flores são flores"

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Por fim (até agora, e se não faltou mais nada pelo caminho), regista-se em Agosto de 2004, na Casa das Artes de Tavira, a exposição "Homenagem a Gustave Courbet"

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"Homenagem a Courbet 10", 2004

fazendo o título e as fotografias púbicas explícita referência ao preciso quadrinho intitulado A Origem do Mundo, desde 1995 exposto no Museu d'
Orsay.  Eram cerca de quatro dezenas de fotografias organizadas em conjuntos de imagens que colocam a par flores, plantas e corpos de mulher, segundo disse Ana Ruivo no Expresso/Actual de 28 de Agosto ("Herbário feminino").

A 4ª exposição em perto de cinco décadas de fotografias está aí. Para se recuperar o tempo perdido. Os negativos perderam-se, as provas são em geral únicas e marcadas pelo tempo. Estão vivas.

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Exposições individuais:
"25 Esculturas / Fotografias / Desenhos de João Cutileiro", SNBA, 1961
"Memória", Galeria Valentim de Carvalho – Mês da Fotografia, 1993
"Homenagem a Gustave Courbet", Casa das Artes,Tavira, 2004

Publicações
José Cutileiro, A Portuguese Rural Society (Oxford, Clarendon Press), 1971 – também com fotografias de Gérard Castello-Lopes.
"Flores – Esculturas de João Cutileiro – Homenagem a Mapplethorpe", Museu de Évora, 1999.
Luís Amorim de Sousa, Londres e Companhia  (Assírio & Alvim), 2004.
Em Foco. Fotógrafos portugueses do pós-guerra. Obras da Colecção da Fundação PLMJ (ed. Miguel Amado),  ed. Assírio & Alvim, 2005, e Fundação PLMJ – Museu da Cidade, Lisboa, 2006

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http://www.p4… photography_books

Estas fotografias de corpos não são esculturas. São corpos de mulheres, tomando o referente fotografado pela coisa mesma (uma facilidade de linguagem, e é uma virtualidade das imagens o tomarem a vez das coisas, substituirem-se a elas, suprirem ou compensarem (em parte) a sua falta; são fotografias de nus (um género fotográfico com grandes tradições, desde o início e, por exemplo, com Edward Weston e Bill Brandt ou o famoso Lucien Clergue, mas as minhas preferências vão para Lee Friedlander (Nudes, Jonathan Cape, London, 1991, por ocasião de uma exposição no MOMA, NY, comissariada por John Szarkowski) – em Portugal, Fernando Lemos e o Victor Palla descoberto na P4, o José M. Rodrigues; e neste caso podemos também vê-las associadas ao trabalho do escultor, que fez muitos corpos de mulheres em pedra, etc. É curioso que a um corpo perfeito ou com qualidades (formais) se chame escultural…

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E agora algumas esculturas: 1969-70, duas páginas de um catálogo da Galeria 111, Lisboa, Dezembro, 1970. (Fotog. de J. Santa-Bárbara)

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Parte de um texto publicado no catálogo da exp. "Amantes". Agosto 1997, Centro Cultural São Lourenço, Almancil

"As for João Cutileiro, he understands the human body and draws out from it what is perhaps most moving: the harmony of its imperfection. All the eroticism of the women hr sculpts resides in this apparent paradox. Today, a Venus created by Cutileiro might have a waist too fragile for the volume and weight of her breasts, frail arms, the shoulders of a young girl, and thighs, compact and disturbing as mercury. Before these figures of Cutileiro, the pleasure is truly an erotic one. But it is not the ambiguous and impotent pleasure of the voyeur. Here the observer leaves himself, transforms, dissimulating himself as agent and accomplice. Looking at these nudes, the well known and calming assertion that complete nudity is chaste loses all sense. These men and women are not undressed to be displayed in a Greek temple or a modern museum: they are naked for love. Which, of, course, is the best reason to be without clothes." text José Saramago (trad. de Glyn Uzzel)


sábado, 28 de agosto de 1993

1993 João Cutileiro D. Sebastião 1973-93, 20 anos depiois

"Vinte anos depois"

Para comemorar os 20 anos do monumento a D. Sebastião, que derrubou as regras da estatuária do Estado Novo poucos meses antes do 25 de Abril, o Centro Cultural de Lagos reuniu em exposição as maquetas feitas por João Cutileiro para esculturas a instalar em espaços públicos. O escândalo já foi esquecido, mas a idade não lhe pesa

«D. Sebastião, 1973-1993”, João Cutileiro
Centro Cultural de Lagos


EXPRESSO/Revista 28 Agosto 1993, pp. 26-27


LAGOS celebra o aniversário do D. Sebastião de João Cutileiro que se ergue na Praça Gil Eanes com uma exposição de «maquetas de esculturas para espaços públicos», em companhia de fotografias das obras executadas, quando o foram. Apresenta-se no Centro Cultural da cidade, que, por coincidência, acolhe também uma segunda mostra comemorativa de outros 20 anos, os do Expresso.

Para Cutileiro, a simultaneidade das exposições faz algum sentido. «Não é por acaso que nelas se celebram os 20 anos do D. Sebastião e do Expresso - nós somos ambos precursores do 25 de Abril. Eu costumo dizer por graça que o MFA, em 73, veio ter comigo e pediu-me: 'fazes uma estátua controversa, pões na praça de Lagos e, ao fim de seis meses, se ainda lá estiver, é porque isto já está podre e nós podemos entrar'. Embora seja uma graça, também é a realidade: tenho a impressão de que, cinco anos antes, aparecia uma grua e aquilo vinha abaixo.»

Vinte anos depois, o D. Sebastião não é só uma estátua duplamente histórica, é também um exemplo de como a «Situação» e a «Oposição» se enfrentavam em todos os domínios da sociedade. E era sob o primado da política que se opunham, em torno desse preciso monumento, o modelo institucional da estatuária e a possibilidade da inovação na escultura portuguesa.

Estava-se em 1973, em Setembro de 1973, e era a presença de Américo Thomaz que devia assinalar, entre a multidão saída à rua, o centenário de Lagos. Instalada por iniciativa da Câmara, graças à relativa autonomia de decisões que o marcelismo permitia, a obra de Cutileiro era «um dos melhores monumentos portugueses, por razões plásticas e intelectuais também» e uma «ruptura escandalosa» com as regras vigentes, como escrevia José-Augusto França, aparecido em sua defesa no «Diário de Lisboa» e na «Colóquio-Artes», antes de que se avolumassem as pressões apostadas no derrube da estátua irreverente.

Tratava-se, de facto, de uma peça realizada à margem dos cânones com que a estatuária do Estado Novo trocara as pobres tradições naturalistas vindas de Oitocentos pela procura de uma pretensa austeridade neoclássica, bem representados por um Infante D. Henrique hieraticamente sentado em bronze logo a cerca de 500 metros, com a assinatura de Leopoldo de Almeida e data de 1960.

A inovação (e não estilização decorativa de volumes, essa tolerada) era imediatamente visível na construção articulada com mármores de cores diferentes, em vez do talhe de um bloco único, no corte mecânico deixando à vista as marcas dos instrumentos, em lugar do «bom acabamento» obrigatório, e na ausência do pedestal que respeitosamente elevasse a figura acima dos comuns mortais. Mais grave ainda era a figura ambígua de menino com que o rei se retratava miticamente, imberbe e inseguro, entre o sonho e o susto, anti-herói desengonçado, com as mão perdidas nos guantes e o elmo desmesurado caído aos pés.

Era a representação de um rei, mesmo se de um rei vencido, e a sua presença devia ser autoritária e institucional. Não é. E tocava-se então em coisas sérias ao revisitar o seu mito.

«O D. Sebastião era o símbolo da derrota de África. Essa era uma das razões por que eu mais gostei da ideia de fazer o D. Sebastião. Se fosse outro rei qualquer, tinha de me informar historicamente, de fazer pesquisas... O D. Sebastião era já um mito, era um misto de derrota e de esperança.»


JOÃO Cutileiro vivia então em Lagos, desde 1970 em permanência (e estivera desde 1959 «em 'navette'» entre Londres e Portugal, onde descobrira «um pequeno paraíso na terra»). Já vinha de longe a ideia de fazer uma escultura para aquele local, e três maquetas para um Pescador, de 1969, estão na exposição a prová-lo: «Pensei que seria uma bonita maneira de ocupar aquele espaço, que estava mesmo a pedir estátua, sem ser um Leopoldo de Almeida, ou um monumento ao Tenreiro, ou qualquer coisa do género. Aquela praçazinha tinha-a debaixo de olho, e ofendia-me que fossem lá meter o trabalho de outro escultor.»

Foi então que surgiu a oportunidade da comemoração dos 400 anos da cidade e o convite do presidente da Câmara, José Figueiredo Luís, marcelista e amigo pessoal, para fazer uma medalha. Desta se passou à estátua, por insistência de Cutileiro, que praticamente a ofereceu, pagando-se apenas do material e horas de trabalho.

Os anos que se seguiram não envolvem ainda o D. Sebastião na imobilidade de algo já visto, integrado pela aceitação reverente do peso da história. A surpresa pública mantém-se perante aquele corpo insólito em figura de boneca articulada, talvez «parecido», talvez impróprio de um rei ou de uma estátua, que ao mesmo tempo marca fisicamente um espaço e cumpre-desafia a antiga função segurizante e sacralizadora associada à ideia de monumento - no qual a grandeza da escala faz parte de um mesmo sistema simbólico, ligando a imagem e o discurso numa ostensiva relação conceptual com o sítio (Rosalind Krauss).

Adivinha-se, por outro lado, que para a crítica do tempo, que assistia com uma distância incomodada à consagração pelos coleccionadores de uma carreira realizada à margem das «correntes», o enfrentamento político terá permitido ultrapassar os conflitos teóricos que se situavam no seu próprio terreno, a respeito da invenção em escultura ou na arte em geral. Embora J.-A. França tivesse admitido a possibilidade de «uma nova monumentalidade figurativa», a impressão que hoje se tem é de que, em geral, se despejava a criança com a água do banho. Ou seja, com aquele monumento único, tratar-se-ia apenas de pôr termo ao academismo da estatuária do Estado Novo, sem que se entendesse o renovar da tradição moderna da escultura ou a singularidade de toda uma obra. Cutileiro viria a declarar, por provocação, o seu abandono da criação artística, passando a identificar-se como «produtor de objectos decorativos para a burguesia intelectual».

Pesava sobre o entendimento crítico de então, quando se não falava ainda de pós-modernismos, uma longa sequência de interditos que constituíam a suposta evolução modernista na escultura: a figuração, o corpo, a semelhança, a verticalidade, a marca do fabrico, a prática artesanal, a expressão, o objecto construído, ou simplesmente «o escultural», cujo apagamento pode passar por ser o destino decisivo da escultura, numa história de impossibilidades crescentes.

«Eram interditos para uma crítica talvez muito intelectual a que eu nunca liguei. Nunca achei que fossem interditos, não os sentia na pele. Para mim, havia coisas interditas, por exemplo, em relação à estatuária do Estado Novo, pelo lado ideológico e formal, aquelas formas que se usavam na estatuária. Havia umas pessoas mais benévolas que diziam que o [Francisco] Franco era bom e os outros é que eram maus, e que faziam umas hierarquias dentro daquela porcaria toda; mas, para mim, eram todos muito maus, não havia nada de aproveitar. Nem o Martins Correia, nem o António Duarte... Quando jovens, certamente que uns eram mais talentosos do que outros, mas como tinham todos optado por fazer aquele frete...»

Se a obra de Cutileiro retomava a tradição da estatuária, centrada na representação do corpo, a seu modo prolongando investigações de Brancusi e de Moore, mas já sem nostalgias de um qualquer passado arcaico de formas ideais ou aspirações a um classicismo intemporal de «serena espiritualidade» (Margit Rowell), uma observação mais ideológica que atenta aos objectos não permitiria reconhecer o que de inovador surgira com os meios mecânicos de corte da pedra. De facto, ao inventar um outro processo de talhe directo, com recurso às serras eléctricas, e de construção por montagem de fragmentos, Cutileiro reencontrava-se com toda a problemática da colagem e da «assemblage», transferindo-a para a pedra e para a figuração, ao mesmo tempo que inaugurava um modo de produzir escultura que substituía técnicas condenadas pelos seus excessivos custos (a passagem do gesso a bronze, o talhe do bloco único). Assim se viabilizava uma nova prática da escultura e, desde logo, a sua própria sobrevivência como escultor - facto inédito, na sua independência do ensino e da encomenda oficial. E também um escândalo perante certas fatalidades portuguesas.

«A própria encomenda estava vedada aos artistas. A palavra encomenda já trazia uma conotação chata: era o emprego. As pessoas em Portugal não podem gostar do trabalho de que se ganha dinheiro, faz muito parte da cultura e da mentalidade portuguesa. Ganhar dinheiro era uma chatice, nós devíamos ser todos artistas e livres... Mas nunca me fez confusão ganhar dinheiro e gostar dos trabalhos que fazia.»


ENTRETANTO, a celebração do aniversário, promovida por outro escultor, Xana, de novo com o apoio da Câmara, é também a oportunidade para observar que o D. Sebastião teve escassíssima descendência. Foram muito poucos os monumentos erguidos entretanto por João Cutileiro, como se, em questões de gosto oficial e de encomenda de escultura pública, decorativa e/ou comemorativa, rapidamente se tivesse voltado à mesma vontade de celebrar o passado com a reverência do conservadorismo estético, se impusesse a mesma marcação autoritária de espaços (e o formalismo abstraccionista pode fazê-lo diligentemente), ou, pura e simplesmente, como se nada mudasse no que era mais simplesmente a incultura artística. Como se comprova em Lagos, mesmo que a exposição não seja exaustiva, as encomendas foram raras entre 73 e 93, embora Cutileiro multiplicasse as suas peças monumentais em espaços privados e públicos.

«Ofereci aquela, mas não poderia oferecer muitas mais. Eu não me mexo para as encomendas, mas o certo é que as estátuas, os monumentos públicos, aparecem feitos. Se calhar, em todas as sociedades é assim; se lermos a autobiografia do Cellini, vemos que na Renascença aqueles meninos se envenenavam uns aos outros para sacar a encomenda. A mim, talvez por uma herança de passado antifascista, como se diz, repugna-me andar a esfregar os ombros com o poder para sacar as estátuas. Há pessoas responsáveis com quem tenho o maior dos prazeres em lidar, há outras que não, e eu transmito, um pouco como os cães, um cheiro que diz às pessoas que não gosto delas, e eles não me encomendam. De facto, as grandes coisas nunca vêm para mim.»

Em Lagos, são em número de 19 as maquetas apresentadas, ou 14 se se descontarem as variantes de um mesmo projecto, mas em apenas oito casos se verifica a passagem à execução, documentada em fotografias. E isto apesar da cronologia da exposição começar muito antes do D. Sebastião, logo em 1962, apontando com as peças iniciais duas direcções constantes da obra de Cutileiro.

A primeira maqueta, ainda em bronze, é de uma estátua equestre pensada para o alto do Parque Eduardo VII. Trata-se do exemplo inicial de uma longa série de cavaleiros, que, como se viu na retrospectiva de 1990, continuaram em cimento fundido e em «polyester», primeiro, em mármore, depois, a partir de 67, e mais insistentemente em 89-90, como foi a seguir mostrado em Almancil, sob o título «Homenagem a Paolo Uccello». Na presente antologia, o tema só regressa num Monumento a D. Afonso Henriques, já de 92, mas o certo é que a designação «maqueta para estátua equestre» foi insistentemente usada em pequenas obras com destinos privados, expressando assim a vontade de enfrentrar um dos desafios superiores da estatuária clássica.

Com a segunda das obras expostas, uma mulher reclinada, em maqueta de 68 para o Hotel do Alvor, onde o modelo clássico é violentamente sujeito às fragmentações da «assemblage», abre-se a via para uma outra longa série de esculturas desenvolvidas sem necessidade de projecto prévio. O mesmo, aliás, sucederá com os «Guerreiros», peças monumentais também insistentemente exercitadas, de que não se mostram maquetas em Lagos.


DE FACTO, esta exposição confirma que a maqueta, imposta pela encomenda, não faz parte dos processos de trabalho preferidos pelo escultor. As suas peças, na generalidade dos casos, surgem directamente em dimensão monumental sem estudos feitos em miniatura.

«A manufactura da maqueta é uma limitação horrenda. Quando um tipo tem a maqueta aprovada dá muito gozo, mas depois sinto-me um mero lacaio de mim próprio.» É possível sempre alterar o projecto em andamento, mas Cutileiro entende a solução como «uma quebra de compromisso»: «Se aqueles senhores exigiram uma maqueta, eu tenho a obrigação moral - não digo artística, mas moral - de apresentar uma coisa minimamente conforme a maqueta. Já me aconteceu, durante a execução, pensar que talvez outra solução seja melhor, e então páro a execução, faço uma nova maqueta e vou apresentá-la. Mas repete-se o problema. Uma vez aprovada, estou tão limitado como antes.»

Outra constatação: a figura histórica só existe na obra de Cutileiro associada à encomenda, e por isso é rara. Descontando um ou outro retrato, contam-se apenas o D. Sebastião e um Camões de 1980, encomendado para Cascais no tempo de Vasco Pulido Valente, mais um Monumento a D. Sancho, já de 1990, em Torres Novas, e o Monumento a José Fontana, do mesmo ano, no jardim do mesmo nome, em Lisboa, onde um retrato gravado marca um feixe de colunas de sugestão vegetal. Em maqueta ficou o referido D. Afonso Henriques, de 92, e a exposição termina com uma Inês de Castro já de 93, que é outra magnífica interpretação de um mito nacional. E também um curiosíssimo exemplo da transformação que ocorre entre a maqueta e a obra terminada, quando nenhum compromisso prende o escultor: o volume inteiro do corpo ou manto real, onde, na falta de rosto, a coroa vem a assentar directamente na larga gola, acaba por dar lugar a uma «assemblage» de volumes articulados na peça construída.

Pelo caminho estão os projectos para duas fontes monumentais, de 87 e 88, a segunda instalada na sede da Bonança, em Lisboa, obras decorativas e «abstractas», tal como o são três pórticos para Macau, de 89, não executados (título: Macau), e também o Monumento a Mértola, de 91, instalado. Peça original e única é um Dragão, de 90, previsto para o Jardim do Canal dos Patos, em Macau, uma divertida figura de animal construída em grosseiros blocos encaixados, sobre duas bases desiguais que surgem integradas no movimento da peça.

Por mostrar, por agora, ficou uma obra pensada para a nova sede da CGD sob a forma de um friso decorativo, que viria a ser cancelada em fase de corte orçamental no edifício; em alternativa surgiu a hipótese de uma peça monumental para o exterior do edifício, mas o desenho prévio não foi aprovado. Cutileiro insistiu em executar o projecto, por sua conta e risco; com os seus 5,5 metros, ficou a ser a sua maior peça de sempre.

«Um escultor gosta de fazer coisas grandes. Como eu ganho muito dinheiro e tenho boas condições de trabalho, posso-me permitir fazer coisas grandes sem ter de estar à espera da encomenda. Faço-as e depois vendo-as. Estão prontas, são grandes, são aptas para um lugar público, são monumentais, e quando me vêm encomendar uma peça eu digo: 'Encomendar para quê? Está aqui esta, que serve perfeitamente'.»

Vinte anos depois, o novo regime não tornou Cutileiro um escultor institucional.