51A
iconografia referente ao território angolano, especialmente no que toca
às sociedades autóctones, foi ampliada, na década de 30, pelo
levantamento etnofotográfico de Elmano Cunha e Costa, entre 1935 e 1938,
que forneceu um conjunto alargado de imagens que iriam povoar diversas
publicações, de entre as quais a reedição do relato de viagem de
Henrique Galvão, Outras Terras, Outras Gentes, transformado em álbum profusamente ilustrado.
52 Entre
1935 e 1938, o advogado Elmano Cunha e Costa (1892-1955), juntamente
(?) com o padre espiritano Carlos Eastermann (1896-1976), empreende um
levantamento etnofotográfico de grande parte do território angolano, com
especial destaque para o centro e sul (ver Castelo & Mateus, 2014).
A sua atenção recairá não só na catalogação de ‘tipos étnicos’, mas
também em todos os aspetos ‘típicos’ que pontuam as vivências
quotidianas – o espaço doméstico, a paisagem, os adornos, os penteados,
as atividades económicas e os usos e costumes –, impregnados de um gosto
pelo pitoresco e pelo exótico das “várias dezenas de tribos indígenas
que povoam a grande colónia de Angola, cuja área territorial é catorze
vezes e meio superior à da Mãe-Pátria” (Cunha e Costa, 1946).
- 1 A edição consultada foi a da Imprensa do Jornal de Notícias em virtude
de esta incluir um grande número de fotografias da autoria de Elmano
Cunha e Costa e e reprodução gráficas e pictóricas realizadas por
diversos artistas.
53 Estes
levantamentos fotográficos forneceram um manancial inesgotável de
imagens e representações que irão povoar o imaginário português acerca
de África em geral, e particularmente de Angola, na medida em que as
imagens foram utilizadas até à exaustão em publicações periódicas,
ensaios etnográficos, álbuns (de entre os quais se destacam as
coletâneas
Outras Terras, Outras Gentes1 e a Ronda de África,
da autoria de Henrique Galvão, na década de 40), cartazes, postais e
foram integradas nas exposições coloniais e outros eventos de especial
relevo em termos da propaganda política. Para além desta multiplicidade
de caminhos propostos pela
fotografia etnográfica, ela assumir-se-á
ainda como uma importante referência visual para alguns pintores e
ilustradores que recorrerão frequentemente aos registos fotográficos
como base do trabalho.
54 O
levantamento fotográfico de Elmano Cunha e Costa conheceu, na verdade,
uma larga divulgação em diversos suportes, a começar pelo conjunto de
exposições realizadas e organizadas pelo SPN/SNI a partir de 1938. Na
exposição realizada em 1946, no estúdio do SNI, intitulada Exposição de
Etnografia Angolana, as 500 fotografias exibidas, que abrangiam
paisagem, sociedades e cultura, eram acompanhadas de uma carta
etnográfica com distribuição das “tribos” por territórios demarcados,
ostentando as “actuais denominações”, numa passagem da nota de imprensa,
avançada pelo Diário de Notícias, que repete o texto do catálogo da exposição.
55 Acompanhado
da sua “inseparável Rolleiflex”, Cunha e Costa refere as motivações
deste levantamento, que visava, em primeiro lugar, a satisfação pessoal
de “realizar um documentário que não fizera ainda” e, em segundo lugar, a
reunião de um conjunto de “materiais para base de estudos científicos
que aos mestres compete fazer” (Cunha e Costa, 1946). O fotógrafo
sublinha a importância documental da fotografia de campo, servindo de
suporte à investigação científica – realizada sob a orientação de
etnógrafos como o padre Estermann –, mas igualmente inscrita num plano
da propaganda colonial , e integrada numa economia da imagem mais ampla
como afirmará de seguida:
A ocupação científica das Colónias portuguesas é uma realidade que só os ignorantes desconhecem. (...)
56 "Creio
poder afirmar que a imagem fotográfica é prestimosa, e que os
documentários deste género são indispensáveis, quer para a sempre útil
divulgação e propaganda, quer para a utilização em conferências,
palestras (…) quer para a ilustração de livros, quer finalmente para
alicerce de trabalhos em profundidade (Cunha e Costa, 1946).
57** Na
verdade <!!!>, longe de se assumir como documento etnográfico, de valor
cientificamente reconhecido, a coleção de Cunha e Costa assume uma
função essencialmente propagandística (Castelo & Mateus, 2014), que
corresponde a um “natural entusiasmo pelo exótico” (Anónimo,
1951) por parte da sociedade da metrópole. Não é assim de estranhar que
as suas fotografias tenham integrado uma “microfísica do poder” – termo
utilizado por Michel Foucault, sendo usado por Terry Smith no contexto
do discurso da propaganda colonial (Smith, 1998: 483) –, através de uma
economia visual que compreende a produção, a circulação, o colecionismo e
as múltiplas apropriações e as reciclagens.
(...)
** Aqui temos a cambalhota académica em total evidência, a reverência da moda ideológica actual à tutela dita "anti-colonial": o que era levantamento etnofotográfico, como atrás se disse, passa a essencialmente propagandístico. Antes qualificara-se o que é interesse pelo diferente, trabalho documental e suporte para a investigação como "gosto
pelo pitoresco e pelo exótico". é a universidade no seu pior...
Bibliografia específica
Castelo, C. & Mateus, C. (2014).
“Etnografia Angolana” (1935-1939): histórias da coleção fotográfica de
Elmano Cunha e Costa. In: Vicente, F. (org.) O Império da Visão. Fotografia no contexto colonial português (1860-1960). Lisboa: Edições 70: 85-106.
Cunha e Costa, E. (1946). Catálogo da Exposição de Etnografia Angolana (Prefácio). Lisboa: Agência Geral das Colónias.
Galvão, H. (1931). Portugal Colonial. Uma apresentação. Portugal Colonial. Revista de Propaganda e Expansão Colonial, 1(I), março: 1-2.
Galvão, H. (1934). A Função Colonial de Portugal. Razão de Ser da Nacionalidade. s/l: Edições da 1ª Exposição Colonial Portuguesa.
Galvão, H. (1936). O Império. Lisboa: Edições SPN.l
Galvão, H. (1944). Outras Terras, Outras Gentes (vol.I). Porto: Imprensa do Jornal de Notícias.