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sábado, 21 de junho de 2003

2003, Bienal de Veneza, os Giardini, Pedro cabrita Reis

"Bazar veneziano"

EXPRESSO/Actual de  21-Junho-2003 (pág. 36-37)

Bienal gigantesca expõe débil panorama internacional <onde Bruno Gironcoli era a única surpresa relevante>

Veneza-pcr

Foto PCR Studio / Tânia Simões. <A obra veio de Veneza para se arruinar ao longo de anos no Pátio da Inquisição em Coimbra, à porta do chamado CAV - ainda haverá restos? nunca + lá fui...>

A República Popular da China, que devia comparecer oficialmente em Veneza pela primeira vez, cancelou a viagem por causa da pneumonia atípica, mas muitos jovens chineses participam, com uma energia transbordante, numa das exposições sectoriais de uma bienal apostada em comprovar a globalização do universo artístico. Questões da actualidade também atingiram o pavilhão da Venezuela, que não chegou a abrir devido a declarações anti-Chavez. No entanto, foi muito mais notado o encerramento do pavilhão da Espanha por um muro de blocos de cimento erguido 65 centímetros a seguir à entrada (Parede Fechando um Espaço, é
o título da "obra"), enquanto o nome do país foi embrulhado em plástico negro - «Palavra Tapada é uma simples escultura realizada com materiais pobres», assegura a comissária.
Dois seguranças armados exigem o passaporte espanhol para se aceder pelas traseiras ao interior vazio e devastado. O sempre demagógico Santiago Sierra diz tratar-se de uma
«performance» sobre a fronteira e as políticas de imigração, acrescentando que «o orgulho nacional é um conceito do século passado». A direita civilizada <no caso, o governo de Aznar> já aprendeu a administrar a irrelevância do espectáculo cultural e as respectivas clientelas / ou camarilhas.

As bandeiras do arco-iris pacifista que pendem de muitas janelas de uma cidade assaltada pelas exposições da Bienal, como metásteses que invadem igrejas e palácios ao longo dos canais, são o testemunho mais directo da conjuntura internacional (e também da contestação a Berlusconi); o efeito é bonito mesmo se o argumento é atacável. Entretanto, o título escolhido para a 50ª edição da Exposição Internacional de Arte, «Sonhos e Conflitos» - seguido por um complemento mais obscuro, «A Ditadura do Espectador» -, aponta para uma polarização da criação contemporânea nas direcções alternativas do «sonho estético», mais ou menos separado do mundo, e o «documento do conflito», segundo a lógica rudemente esquemática de Francesco Bonami, um italiano sediado na América nomeado comissário-director.

A alternativa mais evidente, no entanto, é a que resulta do modelo organizativo da Mostra: por um lado, os representantes dos países (63, número record) que expõem em pavilhões próprios (ou por vezes em conjunto, mas há também mostras /nacionais ou regionais?/ autónomas da Escócia e do País de Gales, por exemplo), uns construídos há muitos anos nos Giardini di Castello e outros alugados em lugares mais ou menos periféricos, como se fossem embaixadas oficiais; em simultâneo, o comissário encarrega-se duma exposição colectiva onde propõe um tema ou uma perspectiva genérica sobre o estado das artes.
Este ano, porém, Bonami decidiu partilhar responsabilidades e dividiu os 12 mil metros quadrados dos antigos Arsenais com mais 11 comissários, que apresentam oito exposições temáticas sucessivas, conseguindo assim fazer das divergências estéticas assumidas uma demonstração equívoca da unicidade do mundo da arte. Se no subtítulo se pretendeu sublinhar a liberdade de apreciação do espectador face à singularidade das obras, o resultado acaba por ser uma esmagadora demonstração da ditadura dos comissários, cuja visibilidade autoral suplanta em muito a dos artistas. Como estes são perto de 400, o espectáculo é o de um gigantesco bazar, e o calor sufocante dos dias da pré-inauguração ainda tornou um pesadelo maior a romagem dos seis mil jornalistas e críticos acreditados. Até 2 de Novembro esperam-se mais de 350 mil visitantes, em geral turistas estrangeiros, o que resultaria em receitas globais de cinquenta milhões de euros para um investimento de cerca de oito milhões, segundo números do «Corriere dela Sera».

A fórmula dos pavilhões dos países é uma herança oitocentista das exposições universais e das escolas nacionais (a Bienal festejou o centenário em 1995, mas os anos de guerra atrasaram a chegada à edição nº 50). Criticada por alguns, porque as nacionalidades artísticas são uma questão controversa face à dominação dos grandes centros e à circulação dos artistas, ou porque muitas presenças periféricas nunca acertam com o padrão dominante, não deixa de ser uma oportunidade de competição internacional arduamente disputada, e cada país dedica sempre o maior espaço informativo a defender os seus representantes.

Não é possível fugir à regra e não há que temer dúvidas de chauvinismo quanto à participação de Pedro Cabrita Reis como representante português, reforçada por um convite de Bonami para expor uma segunda obra nos Giardini. A apresentação dos projectos em Lisboa (ver «Actual» de 24 de Maio) assegurava que um forte impacto visual os distinguiria da cacofonia ambiente, mas essa é apenas uma questão de eficácia elementar. No terreno, a presença espectacular das duas obras, diversas entre si mas identificando nas suas estruturas formais uma mesma autoria, é também a afirmação da densidade poética de um artista que se serve da escala arquitectónica para equacionar simbolicamente questões vitais e que se arrisca a utilizar de novo a condenada palavra beleza.

A dupla presença de Pedro Cabrita Reis é uma das mais destacadas da 50ª Bienal

Nomes Ausentes, uma casa fechada instalada nos Giardini, pintada no interior com um uniforme cor-de-laranja incendiado sobre o qual se desenham, por vezes em desordem, centenas de lâmpadas brancas de néon (em que cada um poderá ler os nomes das suas próprias memórias), habita-se como um lugar de recolhimento e celebração, um espaço monumental e de dimensão humana, ao mesmo tempo dramaticamente íntimo e solar. Viagens Cada Vez Mais Longas é uma longa estrutura de vigas de alumínio, de dois pisos, como uma casa inacabada, cortada por portas móveis pintadas de um branco irregular e néons também brancos. Fotografada antes ao ar livre, percorre-se (na Giudecca) no espaço imenso de um antigo depósito de cereais, de paredes de pedra, numa disposição ligeiramente oblíqua, com um perfeito sentido de escala e, como dissera Cabrita Reis, «com a leveza e o rigor de um traço de desenho no papel». Ideia de casa e arquitectura ambiguamente precária, confronta-nos com a estranheza absoluta do próprio acto de construir.
Um livro monográfico onde se ilustra e comenta toda a obra de Cabrita Reis acompanha a presença em Veneza, cujos ecos na imprensa internacional já tinham principiado antes da inauguração, apontando-a como uma das mais destacadas da Bienal. A concorrência, acrescente-se, não é grande, nomeadamente quanto aos países que justificariam maiores expectativas.

Gironcolli 

Bruno Gironcoli, um veterano escultor austríaco (n. 1933)

É o caso da França com Jean-Marc Bustamante (n. 1952), que juntou a fotografias «sem qualidade nem actualidade» (será um elogio do «Le Monde»?), ampliadas como grandes quadros, mais algumas pinturas banais transformadas em fotografias sobre plexiglas. E também o da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, ambos com representações decerto muito correctamente políticas, confiadas a artistas identificados como negros que «reflectem» sobre questões de identidade rácica. 

Chris Ofili (1968, Manchester, com raízes na Nigéria), Prémio Turner  98 e vedeta da exposição «Sensation» graças a uma Virgem com bosta de elefante, pintou agora «amantes afro-lunares» com a grosseira debilidade «kitsch» de decorações de bar em versão popular africana, inevitavelmente apoiados em volumosos dejectos, forrando as salas com o mesmo verde ou vermelho berrante dos quadros (cores do nacionalismo pan-africano). As autoridades britânicas queixaram-se de a oposição à guerra do Iraque lhes ter tirado o prémio
Fred Wilson (1954, Bronx, NY) reuniu referências aos negros na arte veneziana e também em bugigangas decorativas, colocando à entrada do pavilhão um dos muitos irmãos de cor, mas não de classe, que pela cidade vendem malas de senhora aos turistas – tudo mais do domínio da sociologia da arte do que da criação artística.

Candida Höfer comprovou os limites inultrapassáveis de um género alemão de grandes fotografias neutras de interiores arquitectónicos; Jana Sterbak, canadiana nascida em Praga, apresentou ao som de Glenn Gould uma instalação-vídeo em grandes ecrãs articulados, usando o ponto de vista irrequieto do seu cão, que transportava a câmara numa viagem até Veneza; Thierry de Duve comissariou uma representação belga confiada a discretos discursos confessionais femininos.
A um nível mais afirmativo deve citar-se a presença do Brasil, com Beatriz Milhazes e Rosângela Rennó, que já expuseram em Portugal, pintora a primeira de abstractos motivos florais e geométricos, vibrantes de cor, e a segunda fotógrafa pictural que tinge de vermelho sangue quase invisíveis retratos antigos. Olafur Eliasson, pela Dinamarca, é um construtor de experiências perceptivas, que, num espaço labiríntico, oferece ao visitante visões caleidoscópicas ou o coloca no interior de espelhos multifacetados.

Presença insólita num contexto filtrado pelo grande mercado institucional globalizado é a de Bruno Gironcoli, veterano escultor austríaco (n. 1933) pouco conhecido no exterior, de quem se apresentou uma antologia de obras singulares. Algo de Giacometti e Moore (nomes finais da tradição da escultura?) comparece nas suas obras monumentais, onde elementos biomórficos ou a figura humana se fundem em estruturas maquínicas de ficção científica ou em composições teatrais de formas simbólicas proliferantes, com elementos ornamentais de aparência oriental, sempre integrando a «assemblage» sob a cor uniforme (prateada, amarela, etc) do metal. <Foi apresentado por outro veterano: (Commissioner: Kasper König)>

Museu Gironcoli, Viena

O júri preferiu a surpresa de premiar a representação do Luxemburgo confiada a uma jovem sino-britânica estudante em Paris, Su-Mei Tse (n. 1973), muito pouco visitada por se situar fora dos Giardini. Trata-se de uma instalação-vídeo em dois ecrãs, um ocupado por varredores parisienses (imigrantes, claro) a vassourarem um deserto africano e o outro pela própria artista tocando violoncelo diante de uma «paisagem das montanhas suiças, idílica ou mesmo kitsch-sublime», em estilo «Heidi», segundo o catálogo. Air Conditioned (jogando com o sentido de era, ária e área) era o título mais promissor sob o sol abrasador de Veneza.


sábado, 16 de junho de 2001

Veneza 2001: João Penalva, "R."

 "Um palácio em Veneza"

Expresso (Cartaz Actual de 16/6/2001, pp. 4 e 5, e antes/abaixo  19-08-2000)

Portugal em competição em Veneza com uma cenográfica instalação de João Penalva

Coexistem duas bienais em Veneza. Uma é a das representações nacionais, apresentadas quer em pavilhões próprios nos Jardins do Castelo, construídos desde 1907 numa bem curiosa sucessão de estilos arquitectónicos (a bienal seguiu o modelo das exposições universais), quer dispersas pela cidade em espaços variados, no caso dos países sem pavilhão. Outra bienal, a grande exposição do director de cada edição, que visa ser uma proposta cosmopolita sobre o estado da arte e o seu futuro. Esse diálogo, em grande medida um diálogo de surdos, entre valores nacionais e um ponto de vista internacional, no qual intervêm tanto os países do centro como as periferias mais distantes (excepto a África), é bem elucidativa das resistências à globalização da arte do mundo, que não é o mesmo que «o mundo da arte».

Candidato à construção de casa própria desde 1995, para o que foi convidado Álvaro Siza (mas nesse ano suspenderam-se todas as solicitações nacionais), Portugal é um dos exilados dos «Giardini», compensando a localização periférica com a dignidade de um palácio alugado e vontade de identificar-se com os valores dominantes do «art world». Depois de Julião Sarmento e Jorge Molder, em 97 e 99, é João Penalva quem ocupa o Palazzo Vendramin dei Carmini, por escolha do comissário nacional designado para este ano, Pedro Lapa, director do Museu do Chiado.





A palavra ocupar tem aqui pleno sentido porque a obra de Penalva se instala cenograficamente ao longo de cinco salas comunicantes entre si, configurando o espaço de um espectáculo sem actores, mas com projecções de vídeo, a percorrer demoradamente para que seja possível detectar e relacionar as pontas das numerosas histórias esboçadas pelo artista. Trata-se de uma instalação, onde a decoração do palácio é em parte utilizada no seu luxo decadente, em parte alterada e ocultada, para acolher três grandes ecrãs, vitrinas com objectos ou documentos, fotografias de grande formato, mobiliário e adereços diversos. Tudo peças de um vasto «puzzle» montado com ambição de obra de arte total (um conceito wagneriano), que por isso mesmo nunca se resolverá numa narrativa ou chave únicas.

O título, "R.", preserva o segredo sobre os «enredos» presentes. Saberão alguns, ou lerão na informação disponibilizada, que a inicial designava Richard Wagner nos diários de Cosima, e a obra do compositor alemão está presente através de "Os Mestres Cantores de Nuremberga" (Die Meistersinger von Nürnberg). As duas salas sem ecrãs são-lhe dedicadas - sem música, mas invadidas pelo som (e diálogos) dos vídeos -, com material gráfico (imagem e texto: retratos de cantores, fotografias de cena, fragmentos do libretto, etc) e adereços que se dispõem nas vitrinas e nas paredes, ocupando espaços da decoração mural. Na mais pequena, apenas um idêntico expositor com bolas de papel: «Cinco críticas muito más a produções de "Os Mestres Cantores"». A citação de Wagner também referirá a relação pessoal de Penalva com os (alguns) críticos. No modelo e uso das vitrinas pode reconhecer-se a referência a Joseph Beuys.

Mais do que a homenagem a Wagner, importa aqui o argumento daquela ópera e também o trânsito entre identidade artística e intimidade pessoal, fazendo um desvio da obra do compositor para a relação com a sua mulher, da arte à vida. "Os Mestres Cantores" é a história de um prova de admissão à respectiva corporação prestada por um jovem aristocrata. O tema envolve um concurso, com regras definidas e júri, logo, as ideias de exame, prova, êxito ou derrota, aprendizagem, perfeição, cumprimento de normas e originalidade. A esses tópicos Penalva associou ilustrações do mundo competitivo do desporto, dos concursos de dança ou patinagem no gelo e mesmo do Festival da Eurovisão, evocando o desaire da «Desfolhada» cantada por Simone em 1969 noutra vitrina de documentos e em fotografias de época. Implicitamente, é a própria participação de Penalva na Bienal que está presente como problema.

O desporto comparece em grandes fotografias a preto e branco dos pódios onde se consagram os vencedores e, em especial, num vídeo de poderoso impacto (projectado em alternância com um texto da ópera) no qual se vê um atleta na prova de argolas, filmado em planos fragmentados e muito aproximados, com a concisão e o ritmo de um «spot» publicitário. Toda a instalação dialoga com esse vídeo, que opõe o vermelho-vivo do fato aos tons barrocos do cenário, a urgência mecânica à lentidão dos outros filmes sem acção, o impacto directo dessas imagens breves à possível densidade narrativa de tudo o resto, um corpo vivo a um mundo de memórias.

Os dois outros ecrãs são preenchidos por imagens quase fixas (um lago da Suiça próximo de Lucerna e um pedaço de paisagem filmada na Madeira, com uma fogueira) acompanhadas por uma presença marcante de textos literários, cartas passionais, o diário de Cosima, etc. - lidos em esperanto com legendas em inglês. Uma dessas projecções é feita sobre um pequeno palco precedido por um piano, diante de filas de bancos desirmanados. O contraste da decoração luxuosa das salas e de algum mobiliário com a precaridade pobre de outros elementos é uma das notas que se reconhecerão lentamente, a somar a outros sentidos alegóricos do trabalho de Penalva.

A representação é acompanhada por um catálogo trilingue sobre a instalação, prefaciado por Pedro Lapa, e por uma volumosa monografia sobre a obra de Penalva, em edição Electa, também encadernada, com textos em inglês do comissário e de Mark Gisbourne e Guy Brett, mais um diálogo de Yuko Hasegawa com o artista. Esses são elementos de uma acção promocional de grande escala que tem procurado, desde 1997 (após a mais pobre participação de 95, em que compareceram Croft, Cabrita Reis e Chafes, o que foi uma boa ideia de programação), conferir visibilidade à presença nacional. Conduzida pelo Instituto de Arte Contemporânea, em moldes idênticos aos usados nos festivais de cinema, a operação inclui «marketing» profissionalizado, jantar e festa oferecidos no pavilhão (este ano substituindo o fausto do Pap'Açorda por um mais económico menu italiano), e a presença de alguns convidados, incluindo imprensa, como se diz, especializada. (1)

     Perfil      
João Penalva nasceu em Lisboa em 1949 e reside e trabalha em Londres desde 1976, onde estudou na Chelsea School of Art até 1981. No seu itinerário artístico há que contar os anos anteriores dedicados à dança, tendo chegado a fazer parte da companhia de Pina Bausch, e mais tarde trabalhou como cenógrafo. Em 1990 foi como pintor que expôs no Centro de Arte Moderna, em Lisboa; passou, na década seguinte, a apresentar instalações e montagens de materiais diversos com sentido narrativo. Para além de expor regularmente em Londres, representou Portugal na Bienal de São Paulo de 1996 e o Centro Cultural de Belém organizou em 1999 uma ampla mostra do seu trabalho. Entre outras participações em mostras internacionais, destaca-se a presença na 2ª Bienal de Berlim.

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E a história desta bienal começara assim com a nomeação do comissário:

Pedro Lapa comissário da Bienal de Veneza
Expresso Cartaz (actual) 19-08-2000

O MINISTRO da Cultura, José Sasportes (2), nomeou Pedro Lapa, director do Museu do Chiado, para comissariar a representação portuguesa na próxima Bienal de Veneza, que decorrerá em 2001. Depois da retoma das representações nacionais, em 1995, sucederam-se nessas funções José Monterroso Teixeira, que seleccionou José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis e Rui Chafes; Alexandre Melo, que apresentou Julião Sarmento em 1997, e Delfim Sardo, com a escolha de Jorge Molder, em 1999. Portugal continua, no entanto, a não possuir um pavilhão próprio no recinto da Bienal, sendo forçado a alugar um espaço exterior de menor visibilidade.

Pedro Lapa comissariou - no Museu do Chiado, cujo quadro integrou em 1990 (ainda Museu Nacional de Arte Contemporânea) - a retrospectiva de Jorge Vieira, foi co-responsável pela retrospectiva de Mário Eloy e dirigiu mais recentemente a exposição e o catálogo «raisonné» dedicados a Joaquim Rodrigo. Entre outros projectos, conta-se a apresentação, desde 1995, de dois ciclos de mostras de jovens artistas no mesmo museu (o ciclo «Interferências» prossegue com uma instalação de Miguel Palma), tendo ainda integrado temporariamente o quadro do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, onde programou, a mostra inglesa «Life/Live» e exposições de Picabia e Júlia Ventura. Actualmente, Pedro Lapa prepara uma antologia de Man Ray para o museu que dirige, uma mostra de Stan Douglas e ainda uma colectiva de jovens artistas portugueses para a Culturgest e uma outra, internacional, a ser apresentada na Fundição de Oeiras com o título «More Words About Building and Food». Num texto recente sobre os anos 90, «O Grupo e as Suas Migrações», publicado na revista «Arte Ibérica» de Fevereiro deste ano, Pedro Lapa assumira uma posição muito negativa face ao curso da arte nos anos 80, condenando o «efeito de moda que os 'regressos à pintura' e todos os neo-expressionismos representavam», bem como face aos «investimentos promocionais em artistas contemporâneos já consagrados nessa década», a propósito de uma falta de promoção institucional dos artistas revelados nos anos 90 que se teria verificado nos anos mais recentes.

Quanto aos artistas surgidos na última década, valorizava o «reactivar de uma perspectiva crítica, através de deslocações forjadas pela apropriação dos tradicionais meios de comunicação de massas e respectivas recontextualizações ideológicas». No mesmo artigo destacava os percursos de João Penalva, João Paulo Feliciano, João Louro e João Tabarra, Fernando José Pereira, Miguel Palma, Ângela Ferreira, Augusto Alves da Silva, Cristina Mateus ou Francisco Tropa, tendo alguns deles apresentado instalações no Museu do Chiado.

(1) Tinha decidido não ir a Veneza (apesar de Szeemann) mas Sasportes insistiu/investiu na cobertura da representação nacional, e fui a convite do MC, o que aconteceu só nesta edição.

(2) Sasportes inaugurou um novo modelo de escolha da representação, atribuindo-a a um museu ou instituição artística. A seguir coube a Serralves e depois o modelo foi abandonado.

Veneza 2001: Harald Szeemann

 "Volta ao mundo"

EXPRESSO/Cartaz, Actual de 16/6/2001, pp. 6 e 7 (e  9/6/2001)

O «Palco da Humanidade» Plateau of Humankind, segundo Harald Szeemann

Vinte e oito pavilhões nacionais nos Jardins, 21 pela cidade, incluindo os do colectivo latino-americano, de Singapura, Taipé e repúblicas ex-soviéticas. Mais as duplas representações que se multiplicam, da Espanha, Holanda, Suiça, etc., e várias mostras «a latere». Ao gigantesco programa, cada vez mais um mercado mundial de exposições, soma-se o projecto do comissário-geral, a ocupar o vasto Pavilhão da Itália (que fica sem presença própria) e um quilómetro de edifícios fabris, o Arsenal, herança da antiga potência marítima.



A 49ª edição é frágil na mostra dos países, pelo menos aos olhos estrangeiros a cada um deles. As atenções voltam-se para o «centro» e as pulsões multiculturais ficam sempre por justificar-se, porque o localismo dos grandes é muito mais poderoso. É o caso norte-americano, onde Robert Gober aparece debilitado num exercício de espaços e objectos perdidos. Ou da França de Pierre Huyghe, com jogo de luzes no tecto, interactivo, e vídeo com heroína Manga.

Já o britânico Mark Walling (n. 1959) dispara uma rajada de ideias jocosas com provocações à pátria e a Deus, desde a bandeira nacional de cores trocadas (irlandesas) e a falsa fachada do pavilhão até ao demasiado humano "Ecce Homo" moldado em resina com coroa de espinhos de arame farpado dourado ou à música de Handel a acompanhar o trânsito em «slow motion» por uma porta de aeroporto ("O Limiar do Reino"). Em "Anjo", o próprio artista com bengala de cego vai descendo uma escada rolante que sobe, entoando uma melopeia: fica ilustrada com humor bastante a desrazão do mundo e da arte.

Mais sério é o pavilhão alemão (estilo imperial de 1938) onde uma estreita porta, ao cabo de uma hora de espera, dá acesso a um velho prédio que se percorre como um labirinto de espaços alterados, secretos e absurdos, que desembocam em escadas e corredores cada vez mais estreitos, em quartos despojados ou com estranho mobiliário, em portas fechadas. Vem à memória o esconderijo de Anne Frank, mas a situação ultrapassa todas as referências, partindo de um mundo pessoal e proporcionando uma insólita experiência. Há vários anos que Gregor Schneider (n. 1969) tem recriado esse espaço, já comparado à estrutura do inconsciente, agora premiado com um justo Leão de Ouro para o melhor pavilhão.

Das periferias fica na memória o chão lavrado de pintura do polaco Leon Tarasewicz, ambiente de cor a compensar a penúria da modalidade; o humor do velho egípcio Ramzi Mostafa, pioneiro modernista em trânsito entre culturas; a dureza auto-sacrificial dos vídeos de Ene-Liis Semper (Estónia). O brasileiro Ernesto Neto é mais eficaz no Arsenal, com os odores exóticos dos seus volumes-sacos de pano. Sem a ambição de se ver tudo.

Entretanto, a mostra de Harald Szeemann é em si mesmo uma dupla volta ao mundo: inventário dos temas que fazem o bom e mau humor da Humanidade, mapa dos jogos e angústias que moldam o quotidiano vivido e também a gratuitidade ou gravidade da arte. O projecto é em absoluto generalista, reúne artistas de todas as idades e disciplinas, e o autor atribuiu-lhe a ambição e o título de «Palco da Humanidade». Associou-o à polémica exposição fotográfica «The Family of Man», de 1959, num apelo «ao que há de eterno no homem, na base dos enraizamentos locais», e ao programa humanista de «Identidade/Alteridade», de Jean Clair, Veneza'95, mas recusando separar figuração e abstracção em arte. Chamou «Plataforma do Pensamento» ao coração da mostra, onde colocou o "Pensador"  e "O Homem que Marcha" de Rodin ao lado de esculturas populares ou ingénuas e divindades hindus.

Mal recebida por alguns pelo seu ecletismo e, diz-se, por não trazer nada de novo, a opção do velho comissário, que em 1969 e 72 («When Attitudes Become Form» e Documenta de Kassel) ajudou a consagrar as tendências mais radicais, parece voltar-se da arte para o mundo: «Não estamos face a novas revoluções da arte, como no fim dos anos 60, mas num clima de crescente interesse pela existência humana».

Apesar do predomínio do vídeo («a jovem geração exprime-se com a imagem em movimento»), Szeemann fez saber do seu interesse em mostrar pintura e lamentou que só pudesse dispor do pavilhão italiano para tal, por razões de climatização. Aí juntou alguns nomes consagrados (Cy Twombly, Gerhard Richter, Helmut Federle) e jovens como o filipino Manuel Ocampo, o alemão Neo Rauch e o costa-riquenho Federico Herrero. E ele próprio se distanciou do excesso de projecções, que constitui uma queixa recorrente dos visitantes: «Espero que em breve haja menos vídeo, porque começo a estar um pouco cansado...»

Claramente dirigida a um largo público, a mostra associa obras de impacto certo, como os manequins de Ron Mueck, que levam a presença do corpo ao extremo da incerteza entre ilusão e verdade, central a toda a arte (construtor de bonecos para séries de TV, Mueck fez um Pinóquio para servir de modelo a Paula Rego, de quem é genro, e nunca mais parou), a peças de escândalo de recentes mostras londrinas (o papa caído de Maurizio Cattelan, os «clips» eróticos de Chris Cunningham), mas também a outras produções mais discretas ou poéticas, num percurso estruturado por tópicos antropológicos, sem ser escolar ou demagógico.

Um núcleo aproxima figurações do corpo (realismo de Mueck e pequenos monstros criados por Xiao Yu; vídeos contemplativos ou manipulados), adiante há referências ao mundo colonial (imagens recuperadas e algum exotismo multicultural), depois ao desporto (dois treinadores reagem a um jogo invisível; um jogo de futebol disputado de fato completo; duas equipas de futebol e basket no mesmo recinto, com referência a segregações raciais). Diante de uma série fotográfica sobre Chernobil estão os surpreendentes desastres de automóvel, desde os anos 50, de um polícia suíço (Arnold Odermatt); diante dos corpos excessivos do cinema de Cunningham está a observação microscópica e pictural do vídeo de Bill Viola. A tradição da fotografia documental é recuperada num trabalho de Cristina Garcia Rodero sobre cultos vudu e o fotógrafo Nick Wapplington distribui posters de falsos portais da Internet pelos corredores.

Não se trata de sacrificar as obras às intenções da montagem, antes de inseri-las em conjuntos significantes que as justificam ou valorizam, mesmo quando é escasso o impacto individual. Por outro lado, o próprio pluralismo temático e a diversidade das linguagens e das formas concede ao espectador um lugar soberano onde o envolvimento emocional ou intelectual com algumas obras pode coexistir com o desinteresse ou rejeição de outras, sem quebra da relação de empatia habilmente tecida por Szeemann, mesmo que pareça ceder a compromissos com vedetas (as fotos de calendário de Vanessa Beecroft) ou acolha projectos infelizes <?>, como a instalação final de Kabakov, "Nem Todos Serão Levados para o Futuro", um apeadeiro com quadros caídos e o comboio que parte... Próxima, a gigantesca espiral de oblíquas paredes de aço, de Richard Serra, é uma forma que parece nascer do espaço fabril do Arsenal, mas provocar tonturas (a alguns) é um destino pouco credível para uma escultura penetrável.

O lixo faz parte da actualidade artística que Szeemann condensa na sua mostra (o saco de plástico passado a bronze de Gavin Turk, "Saco de lixo"). Um gesto de humor sintetiza no quadrado de um púbis recortado um dos ícones que marcou o século (Malevitch) e a carne sexuada que a abstracção construtiva combateu: a obra de Tanja Ostojic, jugoslava, n. 1972, terá sido vista por Szeemann, está reproduzida no catálogo mas não é «exposta». A nostalgia e a caricatura da pintura ganham uma presença tão simbólica quanto real com os dois operários que vão cobrindo sucessivamente de branco e de preto, durante os cinco meses da Bienal, as paredes de uma galeria (ideia do búlgaro Nedko Solakov, n. 1957).

Do impossível inventário ressalvem-se as presenças portuguesas: o vídeo de João Onofre, Casting, e a instalação de Egon Ekoyan e Julião Sarmento, na qual imagens fragmentadas de corpos se projectam num estreito corredor onde o espectador quase esbarra no ecrã. Eficaz provação oferecida ao voyeurismo de cada um e ruptura com a rotina da passiva contemplação de tanto vídeo.

(Fotos: «Uma Vida (Preto e Branco)», de Nedko Solakov, com operários em actividade durante cinco meses / «Sem Título (Rapaz)», de Ron Mueck / «Saco de Lixo», em bronze pintado, de Gavin Turk / «Quadrado Negro sobre Branco (no meu Monte de Venus)», de Tanja Ostojic / Espiral de aço de Richard Serra/ «Anjo», vídeo de Mark Wallinger)

history-biennale-arte

The 49th International Art Exhibition took place from June 10 to November 4, 2001, under the title Plateau of Humankind. It was directed, as the 1999 edition, by the Swiss critic Harald Szeemann and attracted over 243,400 visitors. Szeemann said that “No set theme was applied in choosing the artists; indeed, it is their work which decides the dimension of the event. The Venice Biennale hopes to serve as a raised platform offering a view over humankind”. A key work by Joseph Beuys, The End of the Twentieth Century, was exhibited. According to Szeemann, “It was Beuys above all who was the indefatigable spokesman for the concept of liberty”. Alongside Beuys, various other artists of the 20th century were exhibited: “Cy Twombly, whose generous gestures restore myth to the modern world; Richard Serra, the creator of a new concept of the monumental; Niele Toroni, the champion of painting as trace. Then come a number of those contemporary artists who have focused on the human figure – for example, Ron Mueck”.

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Expresso Cartaz Actual 9/6/2001
Prémios da Bienal de Veneza

Cy Twombly e Richard Serra distinguidos com dois Leões de Ouro

A 49ª edição da Bienal de Veneza, que hoje se inaugura, atribuiu dois Leões de Ouro aos artistas norte-americanos Cy Twombly e Richard Serra, designados como mestres da arte contemporânea. As distinções foram concedidas por proposta de Harald Szeemann, director da Bienal e comissário da exposição paralela «Palco da Humanidade», em que ambos participam. Outros prémios são hoje anunciados, para o melhor pavilhão nacional, para mais outros três artistas representados na Bienal e ainda para quatro jovens participantes. 

Cy Twombly nasceu em Lexington, Virginia, em 1928, pertencendo à geração de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, marcada pelo expressionismo abstracto. A sua pintura, inicialmente informal, caracteriza-se por uma despojada e elegante escrita de sinais alusivos, próxima dos «graffiti», em que comparecem gestos gráficos, letras e algarismos ou mais raras figuras, numa aproximação gestual a símbolos culturais e temas da mitologia helénica. Depois de ter viajado por África, Espanha e Itália, deixando-se marcar pelo fascínio da antiguidade clássica, instalou-se em Roma,em 1957, onde ainda reside. A sua obra, luminosa e discreta, influenciou os pintores alemães e italianos revelados nos anos 70.

Richard Serra, escultor, nasceu em São Francisco em 1939, sendo famoso pelas suas paredes ondulantes em aço industrial, com grandes dimensões, de herança minimalista, onde se manifestam questões de escala e equilíbrio. A sua colocação em espaços públicos foi várias vezes objecto de contestação.

A Bienal de Veneza decorre até 4 de Novembro, com a presença de João Penalva como representante oficial de Portugal, enquanto João Onofre, com um vídeo, e Julião Sarmento, com um filme em colaboração com Atom Egoyan, participam na exposição de Harald Szeemann.