VICTOR PALLA [1922-2006]
Arquitecto
e fotógrafo, com trabalhos de referência em ambas as áreas, Victor
Palla foi também pintor, ceramista, designer gráfico, editor, tradutor,
galerista, agitador de ideias e animador de muitas iniciativas.
“Lisboa
Cidade Triste e Alegre”, que expôs e publicou em 1957-1959, em
colaboração com o também arquitecto Manuel Costa Martins (1922-1995),
foi uma obra de excepção no panorama da fotografia portuguesa.
Redescoberto - ou reapresentado, melhor - e redistribuído em 1982 por António Sena e a
associação-galeria Ether, o livro tem vindo a ser internacionalmente
valorizado como uma das realizações editoriais mais significativas do
seu tempo, nomeadamente por Martin Parr e Gerry Badger, na sua história
do livro fotográfico, «The Photobook», vol. 1, em 2004.
Victor Palla nasceu em Lisboa em 1922 e aqui faleceu também, em 2006,
com 84 anos. Começou por estudar arquitectura em Lisboa, antes de se
transferir para o Porto, onde se diplomou. Ainda como estudante, logo
em 1944, no Porto, dirigiu a Galeria Portugália e foi um dos dinamizadores das
Exposições Independentes, onde expôs pintura ao lado de Fernando
Lanhas, Júlio Resende, Nadir Afonso e Júlio Pomar. De regresso a
Lisboa, participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, em quase
todas as edições entre 1947 e 1955, com obras de desenho, pintura,
artes decorativas, escultura e fotografia (esta só em 1955,
autonomamente, para além das ilustrações de arquitectura e design).
Em 1973 fundou a galeria Prisma com Costa Martins, Rogério de Freitas e
Joaquim Bento de Almeida, onde expôs pintura no ano seguinte. Além das
inúmeras mostras colectivas em que participou, fez outras exposições
individuais de pintura, desenho ou colagens - Galeria de Arte Moderna
da SNBA, em 1977; Diagonal, 1983; Diário de Notícias, 1984.
A partir do início da década de 50, Victor Palla foi um dos
modernizadores da arquitectura portuguesa, seguindo os princípios
funcionalistas do Estilo Internacional com particular radicalidade
plástica, sob influência brasileira. À intervenção teórica e de
divulgação em revistas (algumas sob a sua direcção) juntaram-se obras
como a escola do Vale Escuro, de 1953, projectada com Joaquim Bento de
Almeida. Com atelier conjunto durante 25 anos, esta dupla de arquitectos
teve acção relevante na renovação dos espaços comerciais de Lisboa, em
paralelo com Keil de Amaral e Conceição Silva. Em especial, ficou a
dever-se-lhes os novos cafés e snack-bares Terminus, Tique-Taque,
Suprema, o antigo Pique-Nique, no Rossio, e o Galeto, já em 1966. O seu
talento multifacetado está presente no dinamismo espacial e material
dos volumes arquitectónicos, conjugado com o design inovador do
mobiliário e da iluminação, adequados aos novos consumos da «vida
moderna».
O design gráfico e a edição foram outras áreas em que Victor Palla se
destingiu desde muito cedo, com trabalhos importantes para criação de
um gosto visual moderno. Em 1952, frequentou o Publishing and Book
Production Course em Londres, criando a seguir a famosa colecção de
bolso “Os Livros das Três Abelhas” e as edições Folio, ambas com José
Cardoso Pires. Fundou com Orlando da Costa, o Círculo do Livro e, entre
outras actividades de editor, autor, tradutor e capista, realizou o
plano gráfico da editorial Arcádia.
Para além do livro
"Lisboa...", as fotografias de Victor Palla continuaram a ser pouco
conhecidas, em especial quanto à vertente mais experimentalista e ao
cruzamento com as inquietações do artista plástico ou com as actividades
do arquitecto e do designer, que foram as suas outras carreiras
paralelas. Essa vertente experimental foi ensaiada logo nos primeiros
anos da década de 50 e voltou a estar muito presente em várias
exposições realizadas a partir dos anos 80, com destaque para a
representação nas mostras colectivas da Festa do Avante, “Objectiva 84” e
"Objectiva 86", ou a individual “A Casa”, em 2000, no Centro Cultural
da Gulbenkian, em Paris.
O Centro de Arte Moderna da Fundação
Gulbenkian dedicou a Victor Palla uma grande antologia fotográfica em
1992, onde se mostraram obras de 1948 a 1991 (foi repetida nos 12ºs
Encontros de Fotografia de Coimbra, nesse mesmo ano). O Centro Português
de Fotografia atribuiu-lhe o Prémio Nacional em 1999.
O
conhecimento da obra de Victor Palla, e em especial do seu trabalho
fotográfico, ganhou uma nova dinâmica com o leilão de uma parte do seu
espólio levado a cabo por P4 Photography em 29 de Maio de 2008. Aí foram
expostas (e em muitos casos vendidas) provas inéditas do início dos
anos 50, que documentam várias linhas de pesquisa, e também trabalhos
menos conhecidos e provas de autor que mostrou nas suas exposições mais
tardias.
(Inicialmente publicado em tradução inglesa no catálogo do leilão da P4, actualizado e alargado)
Antes e depois de Lisboa 'cidade triste e alegre'"
#
1. Em
1982, a exposição "Lisboa e Tejo e Tudo (1956/59)", que inaugurou a galeria
Ether* e foi acompanhada pela redistribuição do livro "Lisboa, Cidade
Triste e Alegre", apresentou apenas
fotografias inéditas ou que tinham
sido reenquadradas nesta edição (em provas reimpressas para a ocasião, usando sempre o negativo integral),
para além de alguma documentação de trabalho (estudos de paginação,
provas, etc). Foi publicado um catálogo em formato cartaz/desdobrável
com a reprodução de 31 fotografias de Costa Martins e Victor Palla.
Parte da mostra foi reapresentada nesse ano nos Encontros de Coimbra. (*
ether/vale tudo menos tirar olhos, "centro de animação fotográfica,
a.e.p., R. Rodrigo da Fonseca, 25")
Em
1989 a exposição foi repetida com alterações na Casa de Serralves, Porto. Esta 2ª versão de "Lisboa e Tejo e Tudo", com 30 fotografias e 19
documentos/fotografias originais, deu lugar a um novo catálogo, ed.
Ether. Inclui um texto de promoção da edição de 1959.
Os catálogos
contam com dois textos de apresentação sem título e não assinados (mas de
António Sena), que são quase na totalidade coincidentes. Curtas notas biográficas
- no caso de V.P. são omitidas as presenças nas exposições colectivas da
Festa do Avante em 1984 e 86, o que não acontece quanto a Costa Martins;
não é também referida a participação na 9ª EGAP em 1955.
(Ver também "Lisboa e Tejo e Tudo (história de uma exposição)", António Sena, JL, 27 Abril 1982.)
2. A
exposição do CAM em 1992,
intitulada apenas com o nome do autor, não foi de facto uma
retrospectiva, embora apareça com frequência designada como tal (até
pelo próprio V.P.; nos Encontros de Coimbra chamou-se-lhe "Exposição
retrospectiva"). Não podendo incluir as fotografias do livro "Lisboa,
Cidade Triste e Alegre" (e também do respectivo acervo de inéditos) por
serem de autoria conjunta com Costa Martins, nunca descrimidada (**),
esta antologia excluiu também toda a produção fotográfica do autor que
não se integra na tradição alargada da fotografia de rua (street
photography).
Os trabalhos experimentais que se aparentam com as
linhas do movimento Subjektive Fotografie, os nus e os retratos, as
composições com figuras e as provas manipuladas, ficaram ausentes da
exposição sem que uma tal opcão tivesse sido aí indicada e justificada. Os
trabalhos mostrados na "Objectiva 1984" (48 impressões por processos
experimentais) e "Objectiva 1986" (retratos) não foram incluídos, ou escolhidos. Foram
expostas apenas reimpressões feitas em Paris por Ivon le Marlec. No
catálogo, publicam-se fotografias de 1948 (3), 1949 (auto-retrato),
1953,
1956 (17), 1957 (3), 1960, 1980 (4), 1986 (3), 1987 e 88 (2), 1989 (9), 1990, 1991 (3).
(são possivelmente retratos, ou poderiam ser, uma foto de 1948 e a de 1953; de entre as
fotos até 1957 estão praticamente ausentes as captadas nas zonas
populares de Lisboa, que seriam incluídas no acervo do livro
"Lisboa..." - a capa de cat. é uma das duas ou três excepções, e nela aparece Costa Martins à direita, de câmara na mão)
(**)
São comuns ao livro "Lisboa..." pelo menos duas fotografias de 1957 (a
1ª do cat. e pág. 39 de Lisboa; e adiante, Rua Augusta, pág. 100).
Numa
entrevista de Margarida Medeiros (Público, 2 Out. 1992) V.P. diz que o
livro "Lisboa..." resultou de uma sugestão de Costa Martins e "muitas
das fotos eram anteriores a esta decisão. Fomos procurando, entre o
material que já tínhamos e o que fizemos a partir dali."
Em 1992, numa outra entrevista, V.P. refere ter quase prontos para publicação dois livros: "um deles reúne uma
série de retratos, nomeadamente de muitos escritores que conheci... O outro consta de uma
reportagem sobre o 1º de Maio de 1974." (JL, 17 Nov. 1992, Maria Leonor Nunes) Não chegaram a ser editados.