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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

1945-48, Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte I). Do fim da Guerra até Norton de Matos

Da página "ARTE", 1945, à candidatura frustrada de Norton de Matos


Se procurarmos focar a relação de Júlio Pomar com a política na sua obra (a propósito da exp. "Neorrealismos ou a Politização da Arte em Júlio Pomar" (até 02.11 exposicoes/neorrealismos ), devemos destacar dois tempos distintos, os anos 1945-48 e 1951-54, que se identificam com dois diferentes contextos nacionais. Entre eles existe um intervalo com características próprias: a perda das expectativas de uma queda do regime no imediato pós-guerra, uma situação pessoal que inclui o casamento e o nascimento dos filhos, a que se associará uma vertente lírica que será objecto de autocrítica escrita em 1953, e um maior investimento na profissionalização como pintor, entre a desistência do curso de Belas Artes no Porto, 1947; a expulsão de um lugar de professor, 1949; e a primeira individual de pintura em 1950 e 51.

Antes da afirmação neo-realista, que ocorreu nas páginas do suplemento "Arte" e na Missão Estética de Évora, em 1945, tinham aparecido temas de índole política e social, com incidência da pobreza, desde 1942, na guerra e na prisão, FERROS* de 1944. O que se verá adiante.

O Gadanheiro* (ou Gadanho), nº 29, é a obra emblemática, trazida de Évora e exposta também na SNBA em 1945. As obras então mostradas foram objecto de um primeiro artigo crítico de Mário Dionísio,  influente crítico literário e figura política, publicado na Seara Nova: "O princípio de um grande pintor?". Referia-se aí igualmente à primeira mostra de 1942 no atelier da Rua das Flores e ao itinerário seguinte (ver 1944), e foi determinante na projecção muito rápida da notoriedade do artista.

De regresso ao Porto, três obras exibem uma intenção política que é própria das expectativas do pós-guerra e marcam as colectivas de 1946 e 47: Estrada Nova*, Marcha* e Resistência*. 
Duas outras pinturas de 1947, Parlatório e Bailique, mostram cenas da prisão de Caxias, obviamente não expostas. Parece improvável que fossem pintados na prisão.

JP começara a pintar os frescos do Cinema Batalha, 1946-47, nº 38, terminados após sair da prisão em simultâneo com a 1ª mostra individual, de desenhos, na liv. gal. Portugália. Foram ocultados em 1948, já no contexto repressivo que acompanha a candidatura presidencial de Norton de Matos, do qual (em 47 ou 48?, por iniciativa de Mário Soares) desenhara um retrato que foi muito reproduzido em postal e telões de comícios - é uma lacuna injustificada na exposição. A candidatura estava em marcha em 1947 e a desistência à boca das urnas ocorre em 1949 por pressão do pcp contra as posições moderadas de democratas e socialistas. Fecha-se um ciclo político iniciado com o fim da II Guerra.

O Almoço do Trolha*,  de 1946-50, nº 39, é contemporâneo: tem por origem o que observa no Batalha, foi exposto inacabado na 2ª EGAP e terminado para a individual de 1950 na SNBA. Imediatamente considerado uma obra maior, não vai à individual no Porto, Portugália 1951, e terá sido objecto de uma tentativa de aquisição de Diogo de Macedo para o MNAC (o preço de 10 mil escudos, enorme para a época, fora impresso no catálogo como 1000 escudos - comprou mais tarde Menina com um Galo (Morto), de 1948, através da Gal de Março em 1952).

Três outros quadros, não expostos, FARRAPEIRA, CARVOEIRAS, CARQUEJEIRA fazem parte deste tempo inicial de grande acutilância política. São figuras populares do Porto, mulheres especialmente marcadas por trabalhos muito duros (conhecem-se imagens da rampa do Douro às Fontaínhas que subiam com grandes cargas de carqueija) e as suas figuras rudes e agrestes surgem tratadas com uma áspera densidade matérica.

Estrada Nova* 1946 nº 31 40x57cm, carvao aguarelado papel, 1ª Exp. da Primavera, Porto e 1ª  EGAP. Col? >... AMJP

Marcha* 1946 nº 36, 42x58 carvao aguarelado, 1ª Exp. da Primavera, Porto e 1ª  EGAP. Col. MBGomes > Rosa Pomar

Resistência* 1946 nº 37, 33x73 aglomerado, 2ª EGAP: apreendido. Col. Rui Perdigão, Porto > of. CML

Parlatório* (Caxias) 1947 nº42, 54x88 papel/aglom. exposto em 1978. Col. M Barreira e VPConceição>MNR

* obras expostas no Atelier-Museu
n: numeração do Catálogo Raisonné Vol I

OBRAS NÃO EXPOSTAS

Bailique (Caxias) 1947 nº43, 87x52 papel/aglom. Exp. 1983. Col Joaquim Namorado>PCV

Farrapeira Porto 1947 nº 40, 70x40 agl., 2ª EGAP, Col Jorge A Monteiro, Bombarral >...

Carvoeiras Porto 1947 nº41, 36x54 aglom., 1950-51 Ind. Col. MBGomes > ... Rui Victorino

Carquejeira Porto 1948 nº 45, 48,5x33 aglom. Exp. ? Col. Euclides Vaz > ... Moncada


RETRATO DE NORTON DE MATOS, 1947 ou 1948?

comício com Maria Lamas










sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Kerry James Marshall: The Histories, em Londres até 18 jan.


Kerry James Marshall: The Histories


20 September 2025 - 18 January 2026

Main Galleries | Burlington House 

This autumn, experience the epic style of America's most important artist, Kerry James Marshall, whose powerful paintings place the lives of Black Americans front and centre. 

Internationally acclaimed artist Kerry James Marshall is one of the most important painters working right now.

His vivid and mostly large-scale paintings place the Black figure front and centre. Marshall builds upon the Western tradition of history painting and makes visible those people who were so noticeably absent in the works that came before him.

These powerful paintings are full of references which span art history, civil rights, comics, science fiction, his own memories and more. He uses these to comment on the past, celebrate everyday life and imagine more optimistic futures.

This exhibition of his paintings will be the largest outside of the US, and the first chance for many to experience his works in the UK.

See 70 works including his monumental commission from the City of Chicago Public Art Program and the Chicago Public Library, Legler Regional Library, Knowledge and Wonder(1995), which has never been loaned before.

Exhibition organised by the Royal Academy of Arts, London in collaboration with the Kunsthaus Zurich and the Musée d'Art Moderne, Paris.

Download our large print guide.

Introduction to Exhibition

Kerry James Marshall (b. 1955, Birmingham, Alabama), is celebrated for his figurative paintings that “unapologetically” centre Black people. This exhibition highlights eleven distinct cycles of his work, the earliest dating back forty-five years, and the most recent premiering here. 

Marshall’s practice is grounded in a deep engagement with the histories of art. He reimagines and transforms the conventions and genres of Western painting, from portraiture and landscape to history painting, a genre that was first concerned with Biblical and mythical narratives, and has been used to depict contemporary political events. 

He also draws from the art of Africa and its diasporas, for instance Kongo ‘nkisi nkondi’ “power figures’”, and Haitian Voodoo ‘veves’ – drawings used to invoke spirits. 

For Marshall, it is important that an artist knows the histories of art in detail in order to contribute to them in powerful, meaningful and original ways. Many of the works in this exhibition address moments in Black history from the Middle Passage and slave rebellions to the Civil Rights and Black Power movements which formed a backdrop to Marshall’s childhood. 

Recently, challenging romantic representations of a past in Africa, his paintings have confronted difficult historical subjects that others prefer to avoid. In the late 1940s and 1950s, popular American artists were championed or their expressive and intuitive paintings. Marshall, by contrast, gravitated towards a more rational approach to picture making, planning his compositions meticulously, every element carefully orchestrated. 

At a time when art was often expected to provide quick meanings, is multilayered works insist on complexity, raising more questions than they resolve.


Madrid, Reina Sofia ew Barcelona, 2014


Dois grandes pintores norte-americanos (por sinal, afro-americanos):
Robert Colescott, 1925–2009, e Kerry James Marshall, n. 1955.



George Washington Carver Crossing the Delaware: Page from an American History Textbook, 1975, Robert Colescott, acrylic on canvas, 84 x 108 in., Private collection, Saint Louis.



School of Beauty, School of Culture, 2012, Kerry James Marshall, acrylic and glitter on unstretched canvas, 108 x 158 in., Birmingham Museum of Art, Museum purchase with funds provided by Elizabeth (Bibby) Smith, the Collectors Circle for Contemporary Art, Jane Comer, the Sankofa Society, and general acquisition funds.
(Claro que o breviário formalista tardo-Greenberg do bando Foster-Krauss-Bois-Buchloch nem os refere - não são pinturas planas d'après Greenberg)

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

João Francisco, "Paredes de Papel" em Torres Vedras, "um jardim"

 Entretanto ficou atrasada a referência à exposição do João Francisco em Torres Vedras na Fábrica das Histórias - Casa Jaime Umbelino: "Paredes Pintadas", com duas instalações em diferentes salas.

Aqui, "Sem título - um jardim", 2025, tinta acrílica sobre papel, a ocupar todas as paredes:






"Tendo como ponto de partida os extraordinários papéis pintados na China e exportados para a Europa a partir do séc. XVII, e que ainda sobrevivem em muitos palácios e casas da nobreza, entramos num jardim onde árvores se sucedem, envolvendo a totalidade do espaço. Talvez este jardim, ao contrário das cenas idílicas e auspiciosas presentes nas porcelanas e papéis chineses, seja menos belo ou elegante. Não será certamente menos convidativo à contemplação e à meditação. Talvez seja o jardim que precisamos, ou merecemos, no tempo presente em que vivemos.
João Francisco

Na folha de sala que escreveu (e ele é um pintor erudito e é sempre o seu melhor intérprete - e legível, objectivo e inteligível) aponta para um prato de porcelana chinesa que colocou na outra sala em lugar de destaque:


"Este fantástico e raro prato chinês (em porcelana Kraak e possivelmente do séc. XVII) apresenta na decoração do seu painel central um jardim onde, rodeada por plantas, uma ave pousa numa estranha estrutura, quase uma escultura modernista. Esta "estrutura" representa na realidade, embora com alguma fantasia, uma pedra Gongshi, pedras com formas bizarras que eram apreciadas pelos eruditos chineses pelas suas qualidades estéticas e usadas em exercícios de contemplação e meditação.

O que encontramos na segunda sala é então, à imagem desta deliciosa imagem pintada em porcelana, "um jardim"."


É o que se pode chamar pintura expandida, onde a "imitação" de papel de parede não se repete como padrão, antes se mostra como um jardim contínuo onde árvores e arbustos circundam o espaço sobre uma faixa de terra na qual se acumulam como restos objectos variados, pedras e folhas secas, livros e cartas de jogar, um caderno desenhado, meia caveira animal, uma sapatilha, etc. e também um auto-retrato pintado. Outro encontra-se numa árvore do painel central, entre janelas, acompanhado por retratos que o têm acompanhado em diferentes pinturas (Gauguin é o mais evidente, outros a identificar). 

E nas árvores à volta há flores, fitas coloridas e pássaros pintados, por vezes acompanhados por outros empalhados, juntando peças das suas colecções às que pertenceram ao proprietário da casa, Jaime Umbelino. 

Passando quadro à instalação de pintura, J.F. prossegue com o papel de parede ou "Parede de papel" a exploração que antes passou pela referência à tapeçaria "mille-fleur" (gal. 111 2018) e por outras árvores pintadas (Sintra 2022)



quarta-feira, 1 de outubro de 2025

José Veloso de Castro, major; Fotógrafo de Angola 1904-1914 (II)


 É, sem dúvida, um grande fotógrafo, com uma prática diversificada, em cenas de acção e guerra, na observação de nativos e retratos, lugares e cenas de trabalho, com um notável sentido da composição e enquadramento no espaço natural, com um forte interesse sociológico que parece respeitador dos seus modelos, e um gosto pelo auto-rertrato que o identifica como fotógrafo consciente. 

Um grande fotógrafo de ou em Angola, fotógrafo militar e colonial, antes de Elmano Cunha e Costa (1935-1939). Foi editor de séries de postais, revistas e livros, mas certamente não expôs em vida.

Curadoria: Carlos Pedro Reigadas. Impressões de Roberto Santandreu (colaboração da Galeria Arte Periférica)

Tenente Veloso de Castro - 1910
Combate no reconhecimento a Macuvi - 1907


Na Sala Vasco da Gama,  a branco e preto

 
Legenda (?): "Mulheres do Lubango". 1910

Na legenda (?): 'Prisioneiros de guerra' - 1907

Congo - Ribeira do Bende - 1914

 "Actual rei do Congo" - 1914


https://www.belasartes.ulisboa.pt/jose-veloso-de-castro-a-revelacao-de-um-artista/

terça-feira, 30 de setembro de 2025

José Veloso de Castro, major; Fotógrafo de Angola 1904-1914

 O Pedro Reigadas dá a conhecer um grande fotógrafo no Museu Militar: “José Veloso de Castro. A Revelação de um Artista” até 31 de dezembro.

Com muito boas impressões feitas pelo Roberto Santandreu, dimensão de 46x61cm.

As fotografias não eram desconhecidas na área da história militar e colonial (foi também editor de séries de postais), mas surge agora como um excelente fotógrafo, um artista, de facto.
120 fotos são apresentadas no Museu, distribuídas ao longo de 29 (?!) salas do Palácio/Museu e são uma oportunidade para (voltar a) visitá-lo.



Sem querer exagerar, arrisco que por vezes me faz lembrar o Sebastião Salgado.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Se houver 44 €, o catálogo-livro de MIRIAM CAHN no MAAT

 Em havendo € 44 é de trazer.

Não se cumpre a anunciada "responsabilidade cívica" com um catálogo deste preço, não há responsabilidade social, mecenática e/ou fundacional que se comprove. Mas Miriam Cahn em Lisboa, na Central Tejo / MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, é um acontecimento sem paralelo. (Havia que trazer a Marlene Dumas... e as duas dominam a situação actual da arte contemporânea)







Excessiva, perturbadora, desafiadora, insólita e única, a pintura de Miriam Cahn, artista suíça n. 1949, é uma experiência vital, da pintora e para o visitante. Não se encerra na denúncia da violência sexual sofrida por mulheres, aparece a violência da guerra, em particular na Ucrânia, o envelhecimento, o parto, nunca ou muito raramente representado, a dor e o medo - e também a afirmação do corpo próprio e alheio. E há tanques e armas, fábricas de meios de morte, aviões, um desenho obsessivo, compulsivo, uma pintura rápida, quase sempre numa sessão única de trabalho, directa, consagrada e à margem.
"O que nos olha", o título, até 27 outubro.
(páginas de um catálogo demasiado caro, também excessivo, torrencial, com obras expostas e outras, que se afasta em demasia do itinerário da exposição para ser um jogo livre com as imagens, de pouco texto, com "conceito" e design Ilhas Studio)

VER
UM CATÁLOGO SEM RESPONSABILIDADE. MIRIAM CAHN NO MAAT.


terça-feira, 2 de setembro de 2025

REALISMO IRREALISMO



 A RIBEIRA DO TEJO, 1949 (col. Casa da Achada / Mário Dionísio)


BARRCOS, ERICEIRA 1953 (col. Novo Banco deposito Museu do Neo-Realismo


FERNANDO LANHAS, PÁSSAROS E ROCHEDOS, 1945

A sequência da montagem que aqui me seduz não foi certamente ocasional, por parte dos comissários Afonso Dias Ramos e Mariana Pinto dos Santos, mesmo que ela não procurasse os sentidos que a mim me aparecem e importam. Interessa-me aqui observar a pulsão irrealista, a pista do imaginário, presente nestas obras, sublinhada pela inesperada comparência de Lanhas.
Depois de FERROS, de 1944, que antecede por um ano o neo-realismo e agora se descobre, depois de ter sido visto em Lisboa só em 1945, na Exposição Independente trazida do Porto ao Instituto Superior Técnico, e que manifesta a circulação rápida do início do artista por diferentes pesquisas - aí com a mais que provável aproximação a Léger. Note-se que Pomar deixou a Escola do Porto em 1947 sem ter frequentado nunca uma aula de pintura: estudava, via ilustrações e experimentava.

Depois de FERROS, vemos A RIBEIRA DO TEJO de 1949 (exposto na 4ª EGAP desse ano e oferecido a Mário Dionísio).  É uma pintura singular, que me parece um estudo para tapeçaria ou mural, na sua inesperada acumulação-dispersão, que se dirá decorativa, de figuras em que comparecem varinas e mulheres do mar ao lado de crianças que brincam, ou esperam. São essas as presenças então as mais frequentes no tempo que preparava a primeira mostra individual na SNBA e que sucede à pintura militante da "Resistência" e da "Marcha" de 1946, e também às agrestes representações de mulheres de trabalhos rudes, "Farrapeira", "Carvoeiras" e "Farrapeira", de 47 ou 46-48 (já foi notada a dureza expressiva e material dessas mulheres do Porto), de um primeiro período neo-realista. 
Mas está aí ausente a atracção lírica que consta das maternidades de 1948 ("Os Gémeos" e "Suburbio" I e II da col. Manuel de Brito), dos namorados e rapazes de "Na Estrada de Aveiro", "O Golo"  e "O Carro na Calçada", continuada ainda em importantes pinturas de 1951, como foram "Meninos no Jardim" e "Vendedeiras de Estrelas" (col. Jorge de Brito). Esse esse intervalo entre "fases" será o "desvio" de que se irá auto-criticar em 1953 num novo tempo militante, de 1951 a 1954. 

Na sua composição dispersiva e flamejante A RIBEIRA DO TEJO distingue-se bem dos três quadros de 1950 onde os corpos femininos são imóveis e recortados como esculturas ("MULHERES NA PRAIA", agora exposto, e "Mulheres no Cais") ou como desenho sólido ("Na Cozinha"), todos da 1ª individual, e é curioso observar que os seus primeiros proprietários foram os amigos e camaradas José Fernandes Fafe (agora na col. CAM), Joaquim Namorado e José Dias Coelho, respectivamente - nota sobre a sociologia do mercado. Poucos quadros se pintavam por ano, mas as orientações mudam depressa. É contemporânea da VARINA COMENDO MELANCIA também de 1949, e é uma outra singularidade que aqui se manifesta, ambas excêntricos a possíveis normas realistas.

Em RIBEIRA DO TEJO temos em cima à direita os meninos que brincam e à esquerda estão as varinas de canasta à cabeça, estilizadas. Nenhum espaço definido incluiu as figuras com verosimilhança e geométrica composição. É uma colagem de situações que se dispersam e se imbrincam no espaço plano do quadro sem se fundirem com nenhum "realismo". Não existe aqui figura e fundo, mas motivos e personagens que se acrescentam e sobrepõem, entre fragmentadas zonas/planos de cor lisa e as formas ondulantes abstractas e orgânicas que acentuam o irrealismo da representação. Algo de surrealismo se insinua.


Duas mulheres do mar, ou uma mulher com o bebé à esquerda junto ao barco que tem a data na proa (49) e um corpo agachado no bordo à direita, uma mulher que chora (?). Em cima as aves que voam, abstractas, e no bordo inferior central a gamela de madeira onde se reconhece uma raia de cabeça para baixo - mas ela assemelha-se à metade inferior de um sereia e pinta-se de vermelho, cor insólita.




Recorde-se que a Ribeira era um lugar muito percorrido por Pomar quando evitava (com Vespeira, em especial) as aulas no Convento de São Francisco, que mulheres do mar e peixeiras são motivos repetidos de gravuras dos anos 1956-58, e que pintou um outro "Cais da Ribeira" em 1958, ao que parece do natural, de cavalete às costas, disse (col. Mário Soares).

Ao lado dos Barcos da Ericeira e antes dos Pássaros que rodeiam a montanha de Lanhas, esta pintura ganha um interesse que nunca tinha notado.


Cais da Ribeira, 1958

Não conheço nenhuma referência de Mário Dionísio sobre este quadro, enquanto crítico exigente - e o facto de ser uma troca entre dois amigos e companheiros de militância artística reveste-se de especial significado. De Dionísio recebeu Pomar o "O Músico", 1948, 130x97cm (3ª EGAP), que circulou na família e pertence hoje a José Berardo. É também uma obra heterodoxa, de uma arriscada pesquisa formal.



A SEGUIR, BARCOS


 



segunda-feira, 1 de setembro de 2025

DOÇARIA ERÓTICA

 Faltam 6 dias para a exposição encerrar, incluindo o próximo fim de semana - e já foi prolongada de 10 de agosto para 7 de setembro. Discretamente.



Ainda me avisaram a tempo.

"QUANDO O CORPO SE FAZ DOCE - Erotismo e religiosidade na doçaria" percorre o doçaria conventual e tradicional, a das elites e a popular, os doces de feira, focando as sugestões sexuais que estão presentes nos títulos e nas formas.
Está no Museu de Lisboa, núcleo de Santo António à Sé, e resulta de uma parceria com o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da U de Coimbra, onde se investigam Culturas da Alimentação e Patrimónios Alimentares. O comissariado e os textos do catálogo são de Paula Barata Dias e Cristina Oliveira Bastos.
O assunto é sério e é jocoso, e apresenta-se bem no formato expositivo e na publicação que fica: design de Joana Cintra Gomes e Leonor Wagner Alvim (esta também do catálogo).

Orelhas de Abade, Pirilau de Santo Ambrósio, Pitos de Santa Luzia, Garganta e Mimos, Maminha, Barriga de Freira (a freira é produtora e objecto de atração e ofeerta sexual), Pão de Corno, Ferramenta de São Gonçalo são algumas das muitas especialidades, onde a imaginação e o humor são abençoados pela igreja e os santos. Junta-se à malandrice o véu da devoção. Os textos exploram as histórias, as origens locais e os mitos, com uma prosa atraente, rápida e bem acessível. Parecem bem informados.





Entretanto é de sublinhar a ineficácia da Agenda Cultural da Câmara (EGEAC/CML) que é um alinhamento o mais confuso possível de lugares e eventos, de critérios insondáveis, de leitura quase impossível e pejada de erros. Cabe tudo, produções e espaços da CML, que deveriam ter prioridade absoluta, e um mar de miudezas que alguns se reservam mensalmente com habilidade e outros dispensam. Na edição de Julho o destaque da exp. arrumava-se na secção Ciência. É arte. Em Agosto não estava indicada.

E há que prestar atenção a outras exposições que se visitarão não por obrigação e com sacrifício - há artes modestas (di Rosa, Hervé), menores e discretas que se descobrem com gosto e proveito, fora dos holofotes da crítica, se ela existe:

1. NO PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS até 30 dez.



E 2 NO GABINETE DE ESTUDOS OLISIPONENSES - PALÁCIO DO BEAU SÉJOUR, até 28 nov. só em dias úteis 11-17h (páginas da Agenda)