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terça-feira, 21 de outubro de 2025

1957-59, Cegos de Madrid, pintura de observação, e a Parábola de Brueghel segundo Daniel Arasse

 Cegos de Madrid tem por origem uma cena vista numa rua de Madrid, em 1956, que o artista anotou num caderno de viagem, em duas ou três folhas. É uma situação observada, como então era mais habitual porque lhe faltava imaginação, como o próprio disse, antes do período tardio dedicado a literaturas e mitologias. 

Vários cegos, um grupo, amparam-se mutuamente e caminham, avançam apoiados em bengalas e com as cautelas pregadas à roupa, um deles segue à direita numa espécie de triciclo. Os rostos são ou parecem caveiras. O espaço, certamenre já quase nocturno, é vago, sob um efeito de luz impreciso, abstracto, sem a perspectiva de um fundo urbano; a cena não é localizada.




Como muitas obras dos anos 50 e 60, quando o pintor já abandonara a convicção ou o movimento neo-realista, trata-se de uma pintura de observação, de uma “figuração dinâmica” como o próprio escreveu um pouco mais tarde (Relatórios de Bolseiro, FG), com que procurava explorar caminhos de renovação dos realismos. 

O quadro é datado de 1957-59 e foi exposto na exposição “50 Independentes em 1959”, uma mostra relevante que inaugurou na SNBA no mesmo dia, 1 de Junho, do “Salão dos Novíssimos” no SNI (um episódio oposicionista muito curioso, com catálogos graficamente idênticos). Expôs também “Cena no Cais” (de 1959, nº 157, que ficou em Luanda, oferecido por António Champalimaud ao Museu de Arte Moderna local, que não existe e de lá não dão resposta aos pedidos de imagem e a ofertas de restauros) e igualmente “Boeira (Asturias)” de 1957 nº 143, que há tempos passou em leilão e não tenho agora imagem. 


Todas as pinturas maiores podem ter uma leitura simbólica, o "Gadanheiro", o "Almoço do Trolha", "Mulheres na Lota", "Cegos de Madrid", começando por ser situações vistas pelo artista e escolhidas como assunto de pintura, associando-as ou não a (ou lembrando-se o pintor de) outras pinturas históricas. Essas esforçadas leituras de simbiologias e metáforas em muitos casos não ajudam nada, só estorvam ou desviam do essencial.


Surgiu há tempo uma interpretação erudita, que ignorava o desenho da cena vista na rua, então não divulgado, mas oferecia outra pista. Encontrei-a por acaso, escrita em 20 de fevereiro de 2021, no Facebook de Vitor Serrão, historiador: 

“o pintor tomou a 'Parábola dos Cegos' de Brueghel (1568) e a palavra de Jesus aos Fariseus narrada por S. Lucas ('Quando um cego guia outro, acabam por cair os dois no precipício'), para enfatizar o sentido da parábola do Evangelho: 'O que importa mesmo é que saibamos fechar os olhos para melhor ver'". 




Há razões sólidas para pensar que não foi assim, mas esta versão já foi repetida  (está também na tabela da exposição do Atelier-Museu). Não há episódios bíblicos na sua pintura da época (surgiriam muito mais tarde, anos 80-90, mas livremente tomados como fantasias propícias ao humor). Não há também adaptações de obras históricas, mesmo que haja apropriações e influências de Thomas Benton, Portinari, Picasso, Rivera, talvez Tamayo... Uccello visto em 1958, nos Uffisi, aparece várias vezes de 1961 a 1964 (e outros “estudos foram destruídos em 66/67) , e há identicada  uma “Mogiganga, segundo Goya”, por sinal d'après uma gravura de Goya, entre Tauromaquias.


Julgo que convém entender "Cegos de Madrid" na sequência d as MARCHAS que se iniciam em 1946, que passam por um "Estudo para o Ciclo 'Arroz'" de 1953 e continuam com a "Maria da Fonte" e terão sempre outros afloramentos em que importava representar figuras ou grupos humanos em movimento (é também o movimento que se vê em Tauromaquias, Corridas de cavalos, Metropolitanos e por aí fora).



Madrid, 1956, cena de rua e já estudo de pintura


"Cegos de Madrid" e "A Parábola dos Cegos", 1568 - de Pieter Bruegel o Velho. 

Neste, os cegos tombam, arrastam-se uns aos outros para a queda, é uma visão com mensagem religiosa, uma condenação do homem, são cegos que guiam cegos para o abismo; os outros (de Madrid) avançam em grupo amparando-se uns aos outros, de cabeça levantada, caminham pela rua sem cair,  com as cautelas da lotaria presas à roupa (2). É um "quadro de viagem”, como as séries das Asturias (1957-61, da mesma viagem), de Marrocos (1962-63), as tauromaquias espanholas... e há também séries de férias....


Escrevia Vitor Serrão: FECHAR OS OLHOS PARA VER. Recordo a propósito as palavras de Júlio Pomar a respeito do seu icónico quadro 'Cegos de Madrid' (1959), no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian <como?, quando?>: o pintor tomou a 'Parábola dos Cegos' de Brueghel (1568) e a palavra de Jesus aos Fariseus narrada por S. Lucas (“Quando um cego guia outro, acabam por cair os dois no precipício”), para enfatizar o sentido da parábola do Evangelho: “O que importa mesmo é que saibamos fechar os olhos para melhor ver”. A tela, de uma enorme força goyesca, força-nos, assim, a ver o que tantas vezes queremos ignorar: as feridas da exclusão, as mágoas da fome e da guerra, a desesperança. E, mais, força-nos a pensar na justeza das bandeiras que assumem a igualdade, o bem-estar, o trabalho, a justiça para todos, como mais-valias inalienáveis. Em tempos em que a globalização pandémica se junta ao drama da migração, ao calvário dos refugiados das guerras de cobiça, a pintura e a palavra de Pomar ensinam: ver mais e melhor, e por dentro... (20-02-2021)


Pode ter interesse lembrar o quadro de Brughel, que seguramente Pomar conhecia, mas convém limitar a imaginação escolar. Não é uma eventual lembrança nos "Cegos de Madrid" da muito famosa pintura de Brueghel que nos orienta na apreciação do quadro, ou então teremos dizer que ele o vira do avesso, o nega ou "desconstrói". Aí os cegos não caem num qualquer abismo bíblico, não há a condenação da humanidade inscrita na parábola, pelo contrário. 


E a melhor análise do quadro de Brughel que conheço é a de Daniel Arasse em  "Un siècle d'Arpenteurs. Les Figures de la Marche"Musée Picasso, Antibes / RMN, 2000. (fica para depois, o catálogo não conhece o século XX)


Ao contrário da "Maria da Fonte", "Cegos de Madrid" não é pintura de história nem de imaginação.Tal como as obras que os acompanham no piso superior da exposição: o "Almoço do Trolha", uma cena vista quando pintava os frescos do Batalha, tornada um ícone de referência social, e a "Pisa III", certamente um cena vista em Aregos, Viseu, que tratou em mais duas telas.  

Sabendo-se da cena vista numa rua de Madrid, que o artista desenhou no caderno de viagem (há inúmeros cadernos, alguns com estudos do Louvre), não há que forçar a interpretação, tanto mais que ela desvirtua a obra.


Se virmos o "Almoço" como uma variação sobre a “Sagrada Família” (como se lembrou Alfredo Margarido, criticando uma visão do núcleo familiar que seria conservadora), afastamo-nos do sentido e ambição do quadro, e em especial da sua concreta realidade figurativa. Já "Maria da Fonte" surge num período em que a “influência” de Goya, atentamente visto na viagem de 1956, e também muito presente dos "Cegos de Madrid" e noutras obras, se associa ao interesse pelo Columbano dos primeiros tempos, em busca do que poderia ser um "estilo" ibérico. Precedida pelas ilustrações e muitos estudos para "O Romance de Camilo", de Aquilino Ribeiro, era uma obra de grande ambição levada à 1ª exp. Gulbenkian de 1957 (o prémio foi para as gravuras...).


Escrevia ao tempo J.A França sobre os os quadros mostradas em “50 Independentes”: “Pomar vai firmemente e com extraordinária qualidade pictórica no caminho em que o víramos no Salão Moderno da S.N.B.A. <"Lota", 1958, nº 151> aceitando já em perfeita consciência valores abstractizantes que o próprio ritmo do pintar lhe impõe. O encontro de Goya e de Columbano do seu «projecto», é agora absorvido, reelaborado interiormente com uma «fugue» que a pintura portuguesa não iguala — e que tem paralelo na perfeição com que Vespeira desenvolve os seus espaços quase orgânicos, num ritmo pulsatório. Pintura lógica, ...” (in "Da Pintura Portuguesa", Ática 1960, p. 209-2018de O Comércio do Porto, 25-12-59)



(1) A ONCE  Organización Nacional de Ciegos Españoles "Tiene reconocida una concesión estatal en materia de juego para la comercialización de loterías, que le permiten financiar su labor social y crear empleos para sus afiliados. " Wikipedia


DANIEL ARASSE "Un siècle d'Arpenteurs. Les Figures de la Marche", INTRODUCTION  pp. 36-60















segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atelier-Museu, neorrealismos: Divergências e discrepâncias

 Alguma tabelas em "Neorrealismos ou a politização da arte em Júlio Pomar" (Parte IV). Não é por nada..., desculpem contrariar, mas depois de ter feito os 2 catálogos raisonnés e publicado o livro "Júlio Pomar. Depois do novo realismo" (Guerra e Paz / Arelier-Museu, 2023) acho que tenho responsabilidades factuais e críticas.


Cinema expressionista alemão? Cromatismo dramático a preto e branco? E temos de falar de Thomas Hart Benton: a informação norte-americana era então predominante.


Aeronaves? A base dos Açores? Apesar de algumas "Velhas" neo-realistas, Lanhas, abstracto ou não, anda mais pela metafísica: as almas-pássaros voam e elevam-se à volta de uma montanha simbólica (não é o Pico...); mas as interpretações são livres.


Sim, Goya, mas trata-se de uma visão anti-bruegel, anti-bíblica. Os cegos não caem, a humanidade não está condenada. Trata-se de uma cena vista numa rua de Madrid em 1956 (há desenhos de observação) e podemos ver como mais uma "marcha", na qual os cegos avançam em grupo aparando-se mutuamente. Fica bem ao lado de outra marcha, a Maria da Fonte.


Não tinha associado a pintura ao título..., mas não é uma "monumental tela", é um pequeno papel. E é mais uma "Marcha",  uma imagem de luta que é paralela e idêntica a "Noite" (do mesmo ano, Cat. Rais. nº 32 - não localizado - apreendido? destruído?), mas aí com actuação da polícia




sábado, 18 de outubro de 2025

CCB 2025: Ainda a pintura-ainda, sempre apesar da "iconoclastia da vanguarda"

A pintura não se interrompeu nem escondeu, na primeira metade do século XX, e por isso não regressou, o “ainda” é mais um SEMPRE, sempre com alguma boa pintura e muita outra não, que também tem direito a existir. Nas décadas de 1920 e 30 houve muita pintura, de mestres ou pioneiros consagrados (Bonnard, Derain, Picasso, Matisse vivos...) e de novos artistas que começavam. O discurso institucional, a academia e a crítica que se diz de vanguarda, e tece sempre novas teorias apontadas ao fim da arte, à “anti-arte” e/ou à indiferenciação geral, é que mudou o discurso escolar e “readmitiu” a pintura como tradição e inovação, no Pos-Guerra e depois nos anos 1980, e hoje em novas reviravoltas pragmáticas em tempo de pluralismos e de novas alianças sem regras entre museus e grande mercado. A ideia de “AINDA A PINTURA” é errada. Sem fazer nenhuma defesa fetichista da pintura ( que existe em excesso, boa e má, o que importa é distinguir), é afinal o discurso crítico que AINDA não fez a revisão necessária. Há que passar a notas de roda-pé muito que se pôs nas velhas montras "alternativas", e redescobrir artistas postos à margem da “história” escolar da sucessão de novidades e estilos colectivos. Por exemplo Paula Modersohn-Becker , Alice Neel, Rober Colescott. Não por acaso, duas mulheres e um afro-americano. A revisão está em curso (e já cá chegou com Miriam Cahn na Central Tejo até dia 27).

A agência de comunicação que escreve os textos de parede do CCB (é uma hipótese benevolente...) devia ser reexaminada. Isto é muito mau, provado pelas fotos apropriadas do percurso expositivo.

Muita coisa mudou no Pós-Guerra (ver por exemplo, "Postwar", Enwezor, Munique 1916), entre projectos de reconstrução, o início da Guerra Fria, os medos nucleares e as expectativas de progresso - e com importantes trocas intercontinentais: surrealista para lá, abstracções ditas expressionistas para cá. A exposição dita permanente "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo" marca esse período com dois textos de parede que confusamente se intitulam AINDA A PINTURA I e II, como se o "ainda" tivesse algum sentido, sugerindo um lamento, crítico / críptico.

Ou seja, segundo o mainstream escolar, as vanguardas (anos 10/20) tinham condenado a pintura. Mas não a extinguiram, e ela regressava sempre, inconvenientemente plural e indisciplinada, logo no 1º Pós-Guerra como "regresso à ordem", que é tido por reaccionário, depois como liberdade decorativa ou libertária, nos anos 30 surrealistas... muito pintavam os surrealistas com automatismos e inconscientes dirigidos, como aqui se comprova. E continuava durante e depois da 2ª Guerra, alheia ou cúmpice das imposições das ditaduras nazi e estalinista, e realismos autoritários equivalentes, mas depois voltando à superfície diversa, resistente (os artistas da Resistência), e em muitos casos intérprete e agente da reconstrução europeia: o realismo social norte americano dos anos 30/50, o neo-realismo no México que invadira os EUA, logo o neo-realismo em Portugal (há um pioneirismo geracional em 1945, fruto de um isolamento informado), em França depois, antes de chegar o realismo socialista de exigência soviética.

De facto reafirmam-se realismos que marcaram os anos 30 europeus, impulsionados pela Revolução Mexicana e a América do New Deal, de um realismo social e regionalista anti-fascista: foi consagrado como o primeiro estilo original do continente americano, não europeu. Sob a influência dos surrealistas expatriados, o expressionismo abstracto tornava-se o estilo dominante em Nova York, pronto para exportação como padrão do mundo livre, então como poderosa novidade, ao mesmo tempo individualista e linguagem colectiva que durou duas gerações. É esse um panorama plural e também conflitual, em que se reencontram os velhos mestres europeus e surgem novas geraçãoes de pintores.




Linha a linha, os escritos de parede são um chorrilho de disparates, de confusões de tempos, ora focando o 2º Pós-Guerra ora falando de "consciência finissecular" (XIX ou XX?). A pintura podia ter sido antes desvalorizada por um discurso vanguardista muito minoritariamente confidencial (desde os anos 1910?), mas não se apagara nunca (basta ver ali a imensa montra surrealista) - o discurso crítico académico é que vai dando cambalhotas oportunistas, entre revoluções e extinções, propondo sempre novas defenitivas rupturas apontadas ao anunciado fim da arte, hegeliano e/ou proletário, ou só boémio.
E note-se que entre os "ismos" ali enumerados sem tempo certo ("entre o gestualismo e informalismo, a abstracção lírica e geométrica, o expressionismo abstracto ou brutalista, ou ainda uma arte minimalista, surrealista, óptica, ou pop" - que amálgama de estilos colectivos alargados no tempo... - em "Ainda..." Parte II) faltam em especial os realismos que se voltavam a impor e se renovavam nesse pós-guerra, como se mostra ali com Guttuso, Gruber e Helion, Bacon e outros.

Não, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial "as profundas transformações políticas e sociais então vividas" não "questionaram a antiga supremacia hierárquica da pintura a cavalete" (sic!) e a necessidade de um regresso à ordem" (este um assunto antigo que englobava  a nova objectividade esquerdista). E é prematuro invocar "o espectro das novas tecnologias da imagem que haviam invadido a vida quotidiana", face" à pluralidade de outras linguagens estéticas como a escultura, o cinema, a televisão ou a música": a França virou-se para a reabertura dos museus, o retorno dos mestres e a recuperação das antigas tradições artísticas, o vitral, a tapeçaria, etc; a Inglaterra  estava a reconstruir-se e esperou por 1950 para um primeiro grande festival; Portugal e a Geração de 45 foram mais rápidos e originais...



ROLAND PENROSE, ANOITECER, 1940


ADOLPH GOTTLIEB, HOMEM E FLECHA, 1950

ROTHKO, SEM TÍTULO (ARTISTA E MODELO ) 1937-38

POLLOCK, CABEÇA, 1938-41

POLLOCK 1938-39 E BACON : ÉDIPO E A ESFINGE, A PARTIR DE INGRES, 1983

LEE KRASNER, VISITAÇÃO 1957-1973


Sim, "a pintura conheceu um novo fôlego na segunda metade do século XX", após o fim da Guerra, e poupe-se o disparate "apesar dos abalos que as vanguardas lhe infligiram antes e continuariam a infligir" ... (sempre houve "abalos" e os maiores foram os da guerra e dos fascismos), mas sempre que se fala de pintura aparece logo o fantasma insidioso e "gauchiste" do mercado: 

"estimulada por um mercado em crescimento".  Há tambémuma subtil referência-reverência a Clement Greenberg, para os íntimos, esta certa: "estimulada pelas teorias modernistas dos críticos que exaltavam a exploração do medium e a arte abstracta". 

Porque o que lhes importa, aos autores desta escrita,  é o "incorporar a experimentação e a iconoclastia da vanguarda". Mas a experimentação avalia-se pelos resultados e a iconoclastia provém da religião...


Acrescenta-se: "Em muitos artistas a pintura tornou-se um comentário à sua própria história, interrogando passado e presente, com a consciência finissecular crescente do seu papel na construção da modernidade ocidental." Percebe-se? Finissecular a meio do séc XX? Sim a pintura como comentário da pintura e "aconsciência finissecular crescente" (há-de vir o fim prometido, radioso e nulo).


E uma lamúria final e autofágica: "Ainda a pintura, apesar de tudo; ou, apesar de tudo, ainda a pintura, consolidando-se enquanto referência histórica quando parecia ter estado em vias de extinção." Isto não se acredita!


Não se extinguiu ainda. Acabem com ela, é para isso que ocupam os museus.


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E lá em baixo (Piso zero) continua-se pelas águas paradas dos tempos escolares do Pedro Lapa e do Delfim Sardo "OBJETO, CORPO E ESPAÇO. A REVISÃO DOS GÉNEROS ARTÍSTICOS A PARTIR DA DÉCADA DE 1960": o mínimo, a essência, o conceito, os estilos colectivos são a regra dominadora da arrumação por capítulos, como se não houvesse o presente.
"A partir da década de 1960... os artistas repensam o objeto artístico, os seus processos criativos e a relação com o espectador. A escultura e a pintura, géneros RECONHECÍVEIS (?) no arranque desse <qual?> século, afastam-se progressivamente das suas formas tradicionais e reconfiguram os seus significados, em direto diálogo com o espaço arquitetónico, mas também com a vida e o quotidiano. Os artistas abandonam a pintura ou reduzem-na ao mínimo (em termos cromáticos e formais, uma depuração dos seus elementos essenciais), ou, bem pelo contrário, vinculam-se aos espaços urbanos e à natureza, centrando-se no corpo, individual ou coletivo e usando a fotografia como meio de fixar a vida e a ação, o movimento e a relação com o mundo em convulsão: utopias, guerras, emancipação social, globalização."

Vão sendo cada vez mais notas de rodapé e alíneas da sebenta escolar.



Pode ser um gráfico de mapa, cópia heliográfica, andar e a texto que diz "1. Pintura Sistémica Systemic Painting 2. Minimalismo Minimalism 4. Conceptualismos Conceptualisms 5. Land Art 3. 8 8 Pós-minimalismo Post-minimalism Ee 5 7 6. Arte Povera 8. Realismo traumático 2 Traumatic realism 7. Corpus Situs 9. Discursividades pós-coloniais Postcolonial discourses"




 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

CCB 2025, regresso a "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo". Guttuso


O Museu Berardo/MAC-CCB está a envelhecer rapidamente. As aquisições pararam (não sei se o comendador tem comprado para o seu futuro museu - em Azeitão?, espero que sim.) E as obras compradas pelo 1º director do Museu, Jean-François Chougnet, nos primeiros anos, pagas a meia pelo estado e o comendador, foram recompradas poir este ao preço antigo. 

Não são as exposições temporárias de arte contemporânea (AC) que o animam, depois das inaugurações friendly. O MAC do nome é mais Arte Moderna, e começar uma montagem das galerias pelos inícios do século XX (“É preciso ser cubista?” e ”Construções”) abre um percurso pouco estimulante, fatigante, escolar. Abundam os papéis geométricos e falta o principal do séc XX: os Nabis Bonnard, Vuillard e Vallotton; os Fauves, Matisse etc; os expressionistas alemães que eram já muito mais caros quando Capelo e Berardo começaram a comprar. A coisa fica desfalcada e árida, em favor de uma abordagem académica pelos "estilos colectivos" que queriam ser a vanguarda e combater a “pintura burguesa” (Francisco Capelo quis documentar numa enciclopédia a suposta evolução escola a escola e isso continua a ver-se na montagem de baixo, antes e depois do “Circa’68”, do Pobre e Conceptual e Minimalista à maneira do Pedro Lapa e do Delfim Sardo).

Como resolver o impasse e o envelhecimento desse itinerário escolar pela Arte Moderna e agora já não Contemporânea? A hipótese indicada abaixo é a de começar pelo meio, pela animação optimista do 2º Pos-Guerra e criar dois percursos, um vindo até ao presente e outro da frente para trás de interesse, documental. 

Abrir um circuito expositivo com 60-peças-60 (refotografias, antigas fotografias copiadas) que não são para ver, porque o que importa é só o título e o conceito explicado na tabela junta, resulta num convite à indiferença e ao cansaço. É o enunciado seco de uma estratégia que já não é dos dias de hoje. A arte não tem de ser chata, autista, virada para dentro ou vazia.

Note-se que aquilo só podia ser uma aquisição do Estado (Coleção de Arte Contemporânea do Estado) e Coleção Ellipse: foi a meias com o Rendeiro? foi compra conjunta? - a promiscuidade era conhecida, via Pedro Lapa (Chiado) e Alexandre Melo (Gabinete Sócrates). Faz muita falta indicar a data das aquisições e até a galeria que vendeu.



A exposição tem um início "difícil" (árido) com as secções É PRECISO SER CUBISTA? (não, os expressionistas iam por outros lados, os italianos também, mas a colecção falha aí, os expressionistas dos anos 1900/20 eram muito mais caros que os papéis geométricos) e CONSTRUÇÕES ("a ênfase experimental") - apesar do sucesso da sala Lourdes Castro com a mala de Duchamp (mas não é "a vertigem da reprodução técnica" que guiava a artista, era o desenho, a observação e o desenho do contorno).
Continua o percurso com ABSTRAÇÕES DISSONANTES e o foco nas "propostas radicais de abstracção" e nas teorias. O SURREALISMO é um extenso cortejo de obras maiores e menores, ilustrativas das receitas do estilio (a col. Berardo conta com muitas obras menores que não são de rejeitar), no entanto mantém-se a ideia aqui questionável de "vanguarda" e sublinha-se o momento "fortemente politizado à esquerda e "ao serviço da revolução" de Breton, o que não se comprova... A Academia curaturial quer ser revolucionária - é um tique falsamente adolescente.
De facto a exposição "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo" devia começar na área levianamente chamada AINDA A PINTURA (o 2º Pós-Guerra, que nos é ainda próximo, na sua diversidade figurativa e abstraccionista e com trânsitos intercontinentais, a tal "deriva" do título) e deveria ir continuando até ao presente com NOVOS REALISMO (? sic) E POP, e abrindo-se às boas figurações da colecção que aqui não se mostram por não caberem no restrito propósito teórico das responsáveis -, incluindo o espaço REVOLUÇÕES para encontrar temas actuais da "politização da arte".
Começando então nos anos 40/50, anos fortes de reconstrução e inquietação "Postwar" (Enwezor, Munique 2016), o percurso avançaria com interesse até ao presente, enquanto outra direcção contrária voltaria para trás até ao início do século XX, por origens e revivalismos, numa perspectiva hoje escolar - regressiva-progressista. Nesse retrocesso cronológico e temático caberiam GEOMETRIA ÓPTICA e VOLTAR AO ZERO, mais as suas supostas vanguardas e purismos em que o zero é insignificância e formalismo. E também os PAPEIS cuja escolha procura favorecer a "desmaterialização" e a experimentação conceptual: mais do mesmo, regressos, extermínios.
É uma exposição que volta a mostrar a riqueza da colecção Berardo, mas muito marcada por concepções académicas que se querem encostadas a serôdios futuros.



Renato Guttuso (1912-1987): Studio e Paesaggio / Atelier e Paisagem, 1960, 200x320cm. Col. Berardo. Uma das mais poderosas obras do Museu Berardo/CCB.

É também auto-retrato (em cima à esquerda) e natureza-morta, interior e exterior, pintura e colagem, reflexão sobre a pintura e o trabalho do pintor.

Guttuso foi um artista comunista independente, amigo de Picasso e Pignon, num trio avesso à disciplina do realismo socialista, 

influente entre os realistas britânicos dos anos 1950 (Peter Berger; kitchen-sink-painters ; ver the Estorick Collection of Modern Italian Art|:  renato-guttuso-exhibition-at-the-estorick-collection-london/ , 2015. 


Com um museu na terra natal Bagheria ao lado de Palermo  que fomos visitar em 2003: museoguttuso.com/museo/ : "Dal Fronte Nuovo all'Autobiogrfia 1946/1966"



GUTTUSO E GERMAINE RICHIER (LOUVA-A-DEUS, GRANDE 1946-51)


FRANCIS GRUBER, NU NUMA CADEIRA VERDE, 1944


JEAN HÉLION, OS PÃES, 1951



Mário Dionísio, O Músico, 1948 (antiga Col. Júlio Pomar / Maeria Berta Gomes >... Col. Berardo) 

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At the Estorick exhibition, the room ‘Corrente and the Art of the War Years’ shows the period of Guttuso involved in the group Corrente. The members came together around a magazine with the same name founded in Milan in 1938. The Corrente group referred to the Scapigliati, which literally means ‘dishevelled’ or ‘unkempt’ – an Italian bohemian movement born in the 1860s. Corrente opposed to the official culture of the regime, refusing the cultural isolationism of the Fascism. The importance of Corrente is to have laid the foundation of the Realism movement, which was to dominate the Italian cultural panorama in the post war.

In the 1940 Guttuso became a member of the clandestine PCI (Communist Italian Party). Many of his works were

Heroine (Garibaldean Heroine / Assassinated Partisan), 1954, Co. Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

Heroine (Garibaldean Heroine / Assassinated Partisan), 1954, Co. Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

commercialised in the clandestine market, because the thematic were anti – Nazis and anti- fascist, but also anti – clericalist. However, he continued to participate and winning prizes in exhibitions supported by the government. During the Second World War years, next to members of the Communist Party, Guttuso actively participated in the Resistance.

The room ‘The Post-war period’ shows that in the late 1940s and the following years, Guttuso was one of the most significant artists, who also shaped a style ruling Italian culture. Determinedly popular, his imagery continued to chronicle Italy’s frequently turbulent political life and the changing of its society for over 40 years. The Realism found favour in the PCI (Italian Communist Party).

In 1947 Guttuso joined the Fronte Nuovo delle Arti a movement polemic against the formalist tendencies of many abstract artists, from which he split later.

Strongly confident about his beliefs that art should be ‘useful’, Guttuso continued to use his vigorous and accessible style to socio-political themes over the course of his career.

During his life, Guttuso loyally remained a member of the PCI, the Italian Communist Party, for which he even realised the emblem used until the dissolution of the party in 1991. He was also elected twice (1976 and 1979) member of the Parliament in the Senato chamber.

In the Post-war period, Guttuso was internationally recognised as artist and politician. In 1950, he received the Peace Prize by the World Peace Council. A number of monographic exhibitions were organised outside of Italy, including London (1950 and 1955), New York (1958), Paris (1971) and Moscow (1961).

Neighbourhood Rally, 1975, Courtesy Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

Neighbourhood Rally, 1975, Courtesy Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

At the Estorick exhibition, a special area is dedicated to ‘Guttuso in Britain’. In the years following the war, he was very well considered in the British art world. He found a strong support in the Marxist critic, John Berger, and friendship with Roland Penrose and Kenneth Clark, and of course Eric Estorick. A number of letters and documents on display at ‘Renato Guttuso: Painter of Modern Life’ show these relationships he had.

The third room upstairs, ‘A friendship across Europe: Renato Guttuso and Peter de Francia’ is focused on the relationship between the two artists, who met in Italy during the post war. The British artist De Francia (1921 – 2012) was born and brought up in France, and lived in Italy for a while. He was painter, teacher and writer. He exhibited widely in Milan, London, New York and Delhi. He was teaching in the Royal College of Art. His works are currently on display at the Tate, V&A Museum, MoMA, and the British Museum. Guttuso wrote and introduction to De Francia exhibition in New York (1962).

Guttuso died in Rome, on 18th January 1987. Before his death, it seems he was reconnecting to the Roman Catholic religion. He now rests in his hometown Bagheria, at the Villa Cattolica, where a museum dedicated to him and his work has been established.