Há uma obra a merecer a visita, a pintura sem título de Ana Mata
(Setúbal, 1980). Dizem-nos que começa por ser um auto-retrato, o que é,
aliás, muito frequente na sua obra, que se tem podido ver na Módulo
(2003, 2006 e já em 2007 - ver notícia
de 4 de Maio), e são evidentes as relações entre fotografia e pintura -
deixando-se logo nesse enunciado o caminho das evidências e das
facilidades.
O olhar frontal sob um foco de luz, a lanterna na mão direita, a
ideia habitual do auto-retrato (e a pose) negada no inesperado ou
acidental da situação surpreendida, a presença material da luz e a
circulação entre processos com incertas fronteiras ou passagens, o
grande formato do retrato de aparato e a ironia do aparente instantâneo
furtivo, a sugestão ficcional condensada numa vista única, sem título e
destituída de imediatas referências literárias. Tudo isto constitui um
campo infindável de interrogações e de exploração do que é materialmente
visível.
Ana Mata é um(a) das mais interessantes jovens artistas. O facto das premiações a terem poupado é uma garantia adicional.
Os
prémios são geralmente entendidos como actos de cooptação pelas tutelas
do meio da arte - é natural que se escolha o menos bom ou o mais
insignificante, por complexas razões ou manobras. Mas, como aqui
acontece, os júris desclassificam-se muito visivelmente com as escolhas
que fazem, e com as quais se julgam defender premiando-se a si próprios.
Ignore-se a ingenuidade do "prémio distinção" e a preguiçosa vacuidade
pretensiosa do 1º prémio, à boleia de Aurélia de Sousa. Olhe-se para um
júri que premeia um artista, aliás interessante, José Baptista Marques,
que aqui se candidatou com uma pintura à maneira dos históricos cromos
ditos hiperrealistas de Malcolm Morley. Há coisas que não passam - e é
bom que aconteçam para nos alertar.
Outras obras a reter ou a considerar serão os guaches de André
Almeida e Sousa, registos mediados e suspensos de paisagens,
representações contrariadas, sob influência ainda bem reconhecível;
talvez a instalação de pinturas de Marta Moura. Há quem aprecie o género
de ideias ou achados postos em prática por Nuno Sousa, espécie de
auto-caricatura ou declaração de impotência da pintura, elogio crítico
do vazio? E abaixo de prestações anteriores encontram-se as propostas de
Marco Pires e Rita GT (a autocomplacência, já?).
No actual estado de coisas, um artista só ou uma única obra recomendável (Ana Mata) já fazem uma boa exposição.
Mas o Prémio Ariane de Rotschild tinha começado melhor em 2003 e
2005, com a presença algo insólita de Vicente Todolí e Julião Sarmento
nos júris dessas edições, e alguma irreverência ou imprevisibilidade nas
admissões. Havia uma presença mais substancial da pintura que o título
do prémio continua a prometer. VER AQUI
E o facto de se aceitar uma obra única (condição agora torneada por
alguns instaladores que se julgam espertos) era outra diferença
corajosa, tal como a montagem "tipo Salão" (não é defeito). Agora, lá
para Alcântara (para além do agradável passeio de reconhecimento), o
armazém arruinado é menos propício.
A edição de 2007 contou no júri, entre outros, com uma tal Lilian
Tone, vinda do MoMA, e Pedro Cabrita Reis, com coordenação e escrita de
Filipa Oliveira, que nos explica "o conceito", ou "o âmbito", ou "a
filosofia" - serão agora sinónimos? Chama seminal a uma especulação
fúnebre de Arthur C. Danto e cita Yve-Alain Bois - são caminhos
obscuros. O facto de pintura não ser o mesmo que quadro dá origem a
muitas confusões. Mas conviria considerar o quadro pintado (mais ou
menos plano...) como o resultado de uma longa evolução que o torna um
objecto quase perfeito, talvez inultrapassável. (O quadro fotográfico
teve uma vida breve, mas ainda há quem use.)
BES Revelação em Serralves
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Em tempo - ao sair dos barracões da baronesa Rothschild pensava que
alguma coisa que se chamou arte se ía acabando (com o Anteciparte 2007, o
EDP Novos Artistas no Porto, etc). Depois, visitei a exposição de
pintura da Maria Condado, a sua "Promised Land", na Caroline Pagès Gallery...
Rua Tenente Ferreira Durão, 12 – 1º Dto. [Campo de Ourique] Lisboa
Tel. 21 387 33 76 Tm. 91 679 56 97 - www.carolinepages.com
Até sábado 22 - e por marcação até 5 de Janeiro
(Maria Condado aparecera no 2º Prémio Rotschield, em 2005, e as suas paisagens continuam a ser uma "terra prometida")
Comentário: "(...) os exercicios que reflectem o autor como tema principal da obra pensei q se esgotaram c a Frida Khalo, mas, nos nossos dias parece ser ainda tema recorrente... (penso que fruto do excessivo individualismo ou até de solidão)
aqui a figura é desfocada ou parcialmente tapada, mas não deixa de ser um exercicio centrado na propria autora do trabalho
são belas imagens sem duvida e não questiono o virtuosismo da técnica da captura de luz, mas não deixa de me remeter para um qualquer album privado de familia (logo, de interesse relativo, quiçá como documentos históricos dentro d algumas decadas) ..."
O comentário assinado que chegou por outra via fica aqui registado, porque será significativo lê-lo e talvez interessante responder-lhe, logo que possível.