quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

ADELINO LYON DE CASTRO


(nota de 05/04/2012, revista:  Adelino Lyon de Castro, um fotógrafo esquecido?)



A morte por doença de Adelino Lyon de Castro no verão de 1953 (nascera em 1910) é seguramente uma das razões do esquecimento deste fotógrafo. As razões políticas serão também significativas, e adiante se referem. Outra razão determinante tem a ver com o facto de ser recente (a partir dos inícios dos anos 80) a alargada atenção à fotografia e a construção mais ou menos rigorosa da sua memória histórica, como algo de exterior aos seus diversos círculos fechados de interessados ou praticantes (fotojornalistas e outros profissionais; amadores e demais salonistas; artistas plásticos que usam a fotografia).

De facto, A.L.C continuou a ser invisível até 2008/09 (*) e foi ignorado na história de António Sena (ed. 1998), tal como sucedeu com Maria Lamas e AS MULHERES DO MEU PAÍS. Quanto a A. Sena, certamente porque as suas obras - e outras mais - contrariavam a tese que aí se quis apresentar sobre os anos 1946-59: a proposta de uma chamada "revolta silenciosa da intimidade", assente em parte na promoção de várias obras deixadas inéditas e em parte na apreciação menos correcta das obras que na época se divulgaram. Refiro-me neste segundo ponto à ocultação da ligação de Fernando Lemos ao movimento da Fotografia Subjectiva de Otto Steinert, para além da sua tardia informação surrealista, e à desvalorização da ligação de Victor Palla e Costa Martins (LISBOA, 'Cidade Triste e Alegre', 1958) a uma ambição de realismo humanista e documental bem como ao efeito "Family of Man" (MoMA, 1955 e seguintes)

O esquecimento de A.L.C. prende-se com uma situação portuguesa mais ampla de incompreensão da fotografia de intenção social (concerned photography ou social documentary photography) enquanto arte - enquanto arte maior ou menor (ou mesmo arte aplicada) numa época em que as várias técnicas ou disciplinas muito se valorizavam (como a gravura, a cerâmica, a tapeçaria, etc), e em especial enquanto objecto de exposição, o que é o mesmo - por parte dos artistas neo-realistas seus contemporâneos, o que, aliás, não tem nada de original. O contrário é que seria excepcional, porque só pelos finais dos anos 70 e inícios dos 80 essa produção fotográfica - destinada em princípio à publicação em livro ou na imprensa - dá entrada nas galerias ao lado da "arte fotográfica" ou "fotografia artística", ou "fotografia criativa" como também se dizia. Essa entrada parece fazer-se primeiro como recuperação histórica, como valorização de clássicos e alargamento da oferta mercantil e coleccionista; depois, num segundo passo, sob a forma de uma produção de raíz ou matriz documental que já tem como destino a parede da galeria e não (apenas) a revista e o livro - o regresso dos grandes formatos facilitou o interesse pelo "quadro fotográfico" e várias formas de neo-picturialismo não declarado.

Adelino expôs imagens do povo e do trabalho popular, fotografias "humanistas", com um sentido de denúncia e de elegia, próximas da arte e do cinema neo-realista, na 5ª Exp. Geral de Artes Plásticas, em 1950, com Keil do Amaral e certamente por iniciativa ou cumplicidade deste, mas os teóricos do neo-realismo (no caso, Júlio Pomar e Mário Dionísio) não as viram ou não valorizaram - não as referem nos seus textos sobre a 5ª EGAP. A fotografia social é então entendida apenas como um auxiliar do artista (da observação e da memória), para além do seu eventual valor informativo e testemunhal. Ao rejeitar o naturalismo, a cópia ou imitação da natureza, a favor dos estilos modernos que cultivam a "deformação" (a estilização), os neo-realistas rejeitam ou ignoram o realismo da fotografia directa no campo das artes plásticas (mas ela pode ser reconhecida, por outros, no espaço da "arte fotográfica", no espaço do Salão).

As razões politicas terão desempenhado também um papel nesse esquecimento, mas um papel relativo, que se terá jogado menos quanto à projecção póstuma do que na ausência de diálogo e ao silenciamento no início dos anos 50. Adelino L.C. foi co-fundador das Publicações Europa-América, com o seu irmão Francisco, no início do pós-guerra, e foi depois o editor da "Ler, Jornal de Letras, Arte e Ciências", mensário assegurado pela Europa-América em 1952-53. Esta publicação foi forçada ao encerramento pelo governo em 1953, um mês depois da morte do editor (último nº, 19, em Outubro), por não ter sido aceite a respectiva substituição, MAS esteve antes no centro de uma grave crise interna aos meios culturais da Oposição. A "Ler" foi duramente combatida pelo PCP por ser redactorialmente orientada por Fernando Piteira Santos, expulso em 1950 e então acusado com Mário Soares de pro-americanismo e de alinhamento com a Jugoslávia de Tito. Os militantes comunistas foram intimados a cessar a colaboração no jornal, que chegou a ser denunciado como "orgão do SNI", num contexto de manifesto sectarismo ideológico com continuidade na chamada "polémica interna do neo-realismo", vivida em torno da "Vértice". O episódio é desenvolvido por Pacheco Pereira no 3º vol. da biografia de Álvaro Cunhal, ed Temas e Debates, Lisboa, 2005, em capítulos que se chamam “A purga dos intelectuais” e “O jornal Ler, ‘orgão do SNI’”. O PCP viria a corrigir o "desvio de esquerda", mas o fotógrafo teria de esperar seis décadas para ser homenageado no Museu do Neo-Realismo...

Paradoxalmente, Adelino Lyon de Castro foi o primeiro fotógrafo dos anos 40/50 a ter a sua obra reunida em livro, O MUNDO DA MINHA OBJECTIVA, álbum fotográfico editado em 1980, com uma nota introdutória (..."um poeta das imagens") do acima referido Fernando Piteira Santos, que era então professor universitário de história contemporânea e director-adjunto do "Diário de Lisboa", sem particular cultura fotográfica ou artística (a antiga cumplicidade política e pessoal tinha-se também associado o gosto comum pelo desporto e pelo campismo).
A edição quis ser uma homenagem póstuma do fotógrafo, mas foi também uma edição comemorativa dos 35 anos da criação das Publicações Europa-América - e certamente por isso o livro terá sido mais destinado a ofertas do que à distribuição comercial normal. Desconheço qualquer recensão ou crítica do volume, que nunca encontrei referido na literatura fotográfica do tempo (A. Sena inclui-o num índice de fotógrafos mas não o comenta). Mais estranhamente, o livro não consta da bibliografia citada no catálogo que acompanha a exposição do Museu do Chiado em Vila Franca de Xira (..."o fardo das imagens", 2011). Julgo que a edição nunca esgotou e, hoje ainda (acedido em 11 Jan. 2018), parece que continua disponível no site da Wook por 15,90 € (e talvez tb nos da Fnac e do editor...).

Depois de o ter depreciado por muito tempo (pelo carácter "salonista" das imagens e por o julgar deficientemente impresso - dois erros!), passei a considerar o álbum - e o seu prefácio - a mais acertada apresentação da obra de Lyon de Castro, em 70 fotografias que são certamente reproduzidas sempre a partir de provas de época, com respeito pelos seus variados enquadramentos.

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BIBLIOGRAFIA

(*) Emília Tavares, "Fotografia e neo-realismo em Portugal", in Batalha pelo Conteúdo..., Museu do Neo-Realismo, 2007 (pp. 263-273). (Um ensaio pioneiro sobre a presença da fotografia nas Exposições Gerais de Artes Plásticas).

Alexandre Pomar, "O neo-realismo na fotografia portuguesa, 1945 – 1963", in INDUSTRIALIZAÇÃO EM PORTUGAL NO SÉCULO XX. O CASO DO BARREIRO, Actas do Colóquio Internacional Centenário da CUF do Barreiro, 1908-2008, Universidade Autrónoma de Lisboa, 2010. (Pp. 423-442). O Colóquio teve lugar no Auditório Municipal Augusto Cabrita, Barreiro, 8-10 de Outubro de 2008. Painel 4 - Do Realismo ao Neo-realismo: imagens do trabalho e do operário na arte portuguesa). Ver tb em http://independent.academia.edu . E outros textos sobre adelino-lyon-de-castro, e temas próximos, desde 16 Maio 2008.

Emília Tavares, BATALHA DE SOMBRAS - COLECÇÃO DE FOTOGRAFIA PORTUGUESA DOS ANOS 50 DO MUSEU DO CHIADO, Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira, 2009 (A primeira leitura de conjunto deste período, através do acervo de provas de época e de autor reunidas pelo Museu)

Emília Tavares, Adelino Lyon de Castro, O Fardo das Imagens (1945-1953), Museu do Chiado, 2011.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Associações e salões, profissionais e amadores (ANOS 50)

Da ignorância da história
citação:
"26 Na década de 50, e paralelamente ao trabalho dos profissionais, os amadores de fotografia passaram a ter algum protagonismo impulsionado pela formação dos fotoclubes e pela organização de exposições nacionais e internacionais um pouco por todo o país, numa imagem sem intuitos comerciais mas com preocupações estéticas, frequentemente no âmbito de um registo documental. São disso exemplos a continuidade dos salões internacionais de arte fotográfica, em Lisboa e Porto, organizados desde 1937 pelo Grémio Português de Fotografia, o I Salão Nacional de Arte Fotográfica da Figueira da Foz (1952), o I Salão de Arte Fotográfica de Setúbal (1954), o II Salão de Fotografia da Guarda (1954), o II Salão de Fotografia organizado pela Câmara Municipal de Barcelos (1952), o I Salão Internacional de Arte Fotográfica de S. Paulo de Luanda (1952) e o I Salão de Arte Fotográfica de Braga (1953).

27 Do mesmo modo, também as organizações laborais criaram os seus concursos e exposições de fotografia, de que foram exemplo: o I Salão de Arte Fotográfica (1951) do Grupo Desportivo da CUF (a quinta edição, em 1955, passaria a salão internacional), o II Salão Internacional Interbancário de Arte Fotográfica (1954), organizado pelo Grupo Desportivo do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa ou, mais tarde o Salão Internacional de Arte Fotográfica da Marinha Mercante, Aeronavegação e Pesca (1956), numa organização do Grupo Cultural e Desportivo da Companhia Colonial de Navegação." 

Israel Guarda e José Oliveira, « A fotografia e os fotógrafos na revista Panorama (1941-1973): 30 anos de propaganda? », Comunicação Pública [Online], Vol.12 nº 23 | 2017, posto online no dia 15 Dezembro 2017, consultado o 11 Janeiro 2018. URL : http://journals.openedition.org/cp/1927

Não, os amadores não passaram a ter "algum protagonismo" na década de 50...
Já tinham protagonismo nos anos 30, e nos 40, sem que amadores e profissionais estabeleçam barreiras relevantes entre si: reúnem-se nas mesmas agremiações e quase todos participam nos mesmos salões. Em muitos casos (Artur Pastor, João Martins, António Paixão) os profissionais da fotografia são também fotógrafos amadores quando participam nos Salões de Arte Fotográfica.

O Grémio Português de Fotografia foi criado em 1931, sucedendo à Sociedade Portuguesa de Photographia; promoveu o seu 1º Salão em 1932, que passou a Internacional em 1937. Era uma secção da Sociedade Propaganda de Portugal, o que define o seu carácter elitista.  Em 1937, o Grémio tinha apenas cem sócios (pagavam 50$ anuais os de Lisboa e 30$ os da província, um preço elevado). Era um número muito baixo de sócios, como a revista Objectiva então assinala, mas só muito mais tarde, no pós-guerra,  aparecem novas associações: o Grupo Câmara em 1949, em Coimbra; o Foto Clube 6 x 6 em 50, Lisboa; a Associação Fotográfica do Porto em 51. Os anos da Guerra e a expansão da fotografia (jornalística e documental ou artística) justificam a multiplicação de fotoclubes nos anos 50; a revista Objectiva e o seu núcleo de animadores tinham falhado em 1937-38 a sua oposição ao Grémio, já no contexto ideológico das comemorações dos centenários.

A lista de salões alinhada acima (locais e "laborais") mostra o crescimento do salonismo ao longo dos anos 50 (a par do associativismo em geral), mas perde o essencial: ignora a actividade expositiva das novas associações surgidas em 1949-51 e não distingue os mais importantes dos salões, os do Barreiro: o 1º Salão de Arte Fotográfica do Jornal do Barreiro, de 1950, que premeia Adelino Lyon de Castro; e em 1951 o Salão já é do Grupo Desportivo da CUF, restrito aos seus associados, sendo o de 1952, 2º Salão, nacional, e o 5º é já internacional, em 1955. Augusto Cabrita afirma-se desde 1950 mas em especial em 1952. E a partir de 1956 também Eduardo Gageiro. 

O que é próprio dos anos 50 é um divórcio definitivo entre amadores-salonistas e amadores que recusam os salões, amadores não associados, independentes desalinhados e elitistas, que vão ser os intérpretes de uma efémera (e em grande parte oculta) renovação fotográfica de sentido não formalista, arredada do culto salonista da Arte Fotográfica. Enquanto noutros países (Espanha, Brasil, etc) as rupturas dos anos 50 nascem nos fotoclubes e contra eles, renovando-os e fracturando-os, em Portugal não parece haver contágio entre praticantes. Depois do solitário e breve Fernando Lemos, 1952, influenciado pela Fotografia Subjectiva de Otto Steinert, uma linha de intervenção marcada pela exposição The Family of Man inclui os isolados Victor Palla e Costa Martins, autores de uma obra só, e os membros de um fotoclube privado com Gérard Castello Lopes, Sena da Silva, Carlos Calvet, Carlos Afonso Dias.

Só recentemente, em especial graças a "Batalha de Sombras", 2009, Vila Franca de Xira (organizada por Emília Tavares) se pôde reconhecer que do lado salonista (Varela Pécurto, Eduardo Harrington Sena, Fernando Taborda) se vivia também uma dinâmica modernizadora, modernista, informada em especial do formalismo norte-americano, apolítica.

(a ausência de acuidade e cultura visual na generalidade dos autores convocados (não li todos), tal como a ausência de um nível mínimo de conhecimento sobre a fotografia e a sua história, são surpreendentes - é o caso das abordagens da fotografia colonial (feita em África) ou da análise da revista Panorama. A Universidade chegou à fotografia mas não aprendeu a ver, limita-se a demarcar um espaço de ignorância impúdica que se diz de investigação. O objecto imagem dissolve-se sob a capa fácil da repetição de banalidades supostamente teóricas sobre a fotografia e da fuga para apreciações ideológicas de um gosto antifascista e anticolonialista primários, vendo "propaganda" por toda a parte, atracção pelo exotismo e outros formulários básicos.) 


 

domingo, 7 de janeiro de 2018

Cronologia FOTOGRAFIA PORTUGUESA (1916-1965

CRONOLOGIA in progress

apontamentos  - registada a 8 de Dez. 2013 - com Actualizações

Boletim Photographico (1900 - 1914), Arnaldo Fonseca e Júlio Worm editores
Illustração Portuguesa (1903-1924), suplemento semanal de O Século. Joshua Benoliel, Aurélio da Paz dos Reis, António Novaes e Arnaldo Garcez.
Arte Photographica (1915 - 1931) editado por B. dos Santos Leitão

1907, criação da  Sociedade Portuguesa de Photographia (integrada na  Sociedade Propaganda de Portugal)
1910, exposição de “Photographia Artística ” ,  Salão de Illustração Portuguesa

Afonso Lopes Vieira, Anibal Bettencourt, Júlio Worm, Maria Lemos de Magalhães,
Domingos Alvão
San Payo

Visconde de Sacavém,  Photograms of the Year

 1916
Exposição Nacional de Photographia, Dezembro SNBA, org. B. dos Santos Leitão. Com Arnaldo Garcez, Domingos Alvão, Fernando Carneiro Mendes, J. de Almeida Lima, Brum do Canto, Pedro Lima (tx o + intrigante e sugestivo profissional: retrato de Santa Rita > Paris)  (AS 224)

1922
António Ferro dirige a Ilustração Portuguesa

1924
Ilustração Moderna, dir. Marques de Abreu (1879-1958)


1926
(-1938) Ilustração

1927
(- 1933) Magazine Bertrand

1928
(-1935) O Notícias Ilustrado, supl. gráfico do Diário de Noticias. Dir. Leitão de Barros. Imp. rotogravura (mm ano que Vu, 1928-38)

Salazar Dinis, Denis Salgado, Ferreira da Cunha, João Martins, Mário Novais e Horácio Novais,  Judah Benoliel.

1929
I Exposição-Concurso de Fotografias, Março SNBA, org. B. dos Santos Leitão (ver 1916), dir. de Arte Fotográfica. Com João Martins, Silva Nogueira e o pp
Salão Kodak?


1930
I Salão dos Independentes: participação de  Mário Novais e de Branquinho da Fonseca e Edmundo de Bettencourt, escritores da Presença
Presença, Jan. publica Branquinho da Fonseca e Edmundo de Bettencourt

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

PANORAMA (30 anos por junto)

É possível escrever sobre a presença da fotografia na revista Panorama sem conhecer nada da fotografia portuguesa?
É uma boa aposta estudar a revista Panorama no seu tempo completo de existência (1941-1973) antes de (ou em vez de) delimitar períodos com diferentes características. A 1ª série, que corresponde à tutela de António Ferro, é um tema bastante para sustentar uma 1ª pesquisa.
Artigos

A fotografia e os fotógrafos na revista Panorama (1941-1973): 30 anos de propaganda?

Photographers and photography in Panorama magazine (1941-1973): 30 years of propaganda?
Israel Guarda e José Oliveira

Resumos

O interesse pela fotografia impressa está longe de ser um facto negligenciável em diversos projetos editoriais. Centrando a atenção sobre a análise da revista Panorama (1941-1973), este artigo testa a possibilidade de uma história alternativa desta publicação por meio da fotografia. Uma análise alargada de algumas edições revelou uma disseminação assimétrica da fotografia ao longo do tempo, que refletia a perca de protagonismo do fotógrafo e da imagem fotográfica nas últimas séries. Impunha-se, portanto, uma análise de conjunto da revista como meio de obter um quadro representativo desse período. A pertinência desta análise, ainda exploratória, é a de trazer novos dados que contribuam para entender até que ponto a fotografia é utilizada como instrumento de propaganda na Panorama ou perde a sua capacidade discursiva, passando a ocupar uma função meramente ilustrativa.
Topo da página

Notas do autor

Artigo desenvolvido no âmbito do projeto de investigação Fotografia impressa. Imagem e propaganda em Portugal (1934-1974) [PTDC/CPC-HAT/4533/2014].

PANORAMA, revista (1941 1949, 1ª série)

Apontamentos de 8 Dez 2013 - com actualizações

... Existe também a luxuosa revista Panorama, Revista Portuguesa de Arte e Turismo, onde a fotografia, na condição de ilustração fotográfica, tem um lugar respeitado e prestigioso, a acompanhar a representação alargada dos artistas modernos oficializados por António Ferro e a presença patrimonial da história da arte e da museologia. "A fase polémica do modernismo já lá vai" escrevia C.Q. (Carlos Queiroz) no nº de Fevereiro de 1944 (nº 19, vol. 4º, edição Secretariado da Propaganda Nacional) na notícia muito ilustrada da 8ª Exposição de Arte Moderna no SPN, onde os surrealistas estão representados por Cândido Costa Pinto, António Dacosta e António Pedro. Logo a seguir, mostravam-se "3 aspectos da casa do pintor António Pedro".

Panorama é essencial para perceber como é complexa e abrangentemente moderna a ordem estabelecida, ou a sua cúpula cultural, ou apenas uma espécie de fachada artística onde se arbitra a moda e o bom gosto num país que escapava às devastações da guerra (e que lucra com ela) - não há vestígios do conflito mundial nem, aliás, de quaisquer outras tensões, nos números de 1944, 45, 46...  Quando se faz referência a "uma hora revolucionária", no nº do Natal de 1944 (nº 22, já editado pelo Secretariado Nacional de Informação e Cultura Popular - S.N.I.C.P.), é para qualificar "esta fase da vida turística em Portugal".

Bernardo Marques (director artístico não creditado), Ofélia Marques, Carlos Botelho, Thomas de Mello (Tom), Estrela Faria, Almada Negreiros são presenças regulares, mas também comparecem Manuel Ribeiro de Pavia (futuro ilustrador de neo-realistas), Eduardo Anahory, Diogo de Macedo (modernista histórico, então director do Museu Nacional de Arte Contemporânea, que então reabre muito remodelado - nº 24 de 1944), Cândido, Dacosta (este no nº especial 25-26 de 1945 sobre touros), Júlio Resende (nº 27, 1946), etc. 

Na fotografia - retratos, monumentos, paisagens, obras de arte, etc - os mais constantes são Mário e Horácio Novais (igualmente os melhores), ao lado de Fernando Vicente, o mesmo Tom, Manfredo (?), João Martins, sempre referidos na página do sumário e junto às imagens (de facto, o reconhecimento da profissão e da fotografia não é um facto recente). Também se publicam Alvão e a Foto Beleza quando necessário, ou um amador como Adriano Lopes Vieira, de Cortes, Leiria, irmão do poeta que também foi um interessante fotógrafo.
No nº 21, Junho de 1944, refere-se a exposição individual de Constantino Varela Cid no Estúdio do SPN, e anunciam-se futuras reproduções que não serão publicadas.

Se o 8º e o 9º Salões de Arte Moderna do SPN/SNI são objecto de várias páginas, o mesmo acontece "A propósito do 9º Salão de Arte Fotográfica" no nº 29, de 1946. O título do breve texto de Américo Nogueira (?) continua na afirmação "A fotografia é uma arte" ... "na medida em que o fotógrafo é artista", defende depois o autor (a acção mecânica não é argumento, porque pode usar-se o melhor equipamento e fazer más fotografias, ou vice-versa). As imagens são de Maria Luisa Viana Jorge, Eduardo Portugal (este um profissional ausente do Salão), Henri Albert (2 de um belga residente em Lisboa), A. Santos André e Álvaro Valente - todas elas fotos directas de paisagem, sóbrias, sem artifícios. Entre esta fotografia artística, em geral de amadores, e a arte dos profissionais da fotografia, que pouco frequentam os salões, existe uma fronteira invisível, e indizível.
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"O 'F-3340'", Maria Luiza Huet Viana Jorge (catálogo do 9º Salão, 1946)

A edição mais surpreendente do Panorama desses anos (a 1ª série vai de 1941 a 1949, até à demissão de Ferro) é talvez a que assinala a morte de Duarte Pacheco, homenageado por Ferro e por Cotinelli Telmo, retratado por Mário Novais, sendo a sua acção documentada por obras de muitos arquitectos e artistas modernos (Pardal Monteiro, Keil do Amaral, Maria Keil, etc.) - é o nº 19, Fev. 1944.

Entretanto, as páginas de publicidade não são menos significativas que as outras, com o seu grafismo  elegante e moderno. Aí se referem (Natal de 1944) outras publicações relevantes do regime como O Mundo Português - Revista Colonial de Arte e Literatura, com páginas de "fotografias de arte, etnografia e iconografia", edição da Agência Geral das Colónias e do S.N.I.C.P., com 130 nºs publicados, então dirigida por Augusto Cunha; ou Atlântico - Revista Luso-brasileira de Cultura e Literatura, 5 nºs publicados, edição S.N.I.C.P. e do Departamento de Imprensa e Propaganda do Brasil. Todas elas têm morada em S. Pedro de Alcântara.

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Adelino Lyon de Castro publicado na Panorama: 1. Uma fotografia de Lyon de Castro tinha sido publicada no nº 39 da revista "Panorama", em 1949 (1ª série). Um "Número dedicado à província", onde Artur Pastor e Tom (Thomaz de Mello) estão muito presentes.. Com uma legenda onde se expressava uma especial deferência.
2. A fotografia de Adelino Lyon de Castro que obteve o 1º Prémio no Salão de Arte Fotográfica Panorama foi reproduzida em "Panorama - Revista portuguesa de Arte e Turismo", II Série, nº 4, 1952; ed. Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo; director Luís Ribeiro Soares. Extra-texto (não paginado).

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

"Fotografia e propaganda colonial" (...)

 A ler:  

1. a fotografia feita em África, sobre África e os seus habitantes (os indígenas, as tribos, as suas culturas) é sempre "PROPAGANDA COLONIAL? Não será nunca divulgação, informação, etnografia? O artigo vai dizendo que sim, que é fotografia etnográfica, que se trata de levantamento etnofotográfico, mas é sempre preciso prestar vassalagem à rotina ideológica e chamar-lhe propaganda, e apontar "o gosto pelo pitoresco e pelo exótico". De imagens não se sabe falar, repete-se o formulário tido por anticolonial.

2. Elmano Cunha e Costa, advogado e fotógrafo, é uma figura central e não uma sombra ou agente de Galvão.

http://journals.openedition.org/cp/1966

"Fotografia e propaganda colonial. Notas sobre uma união de interesses na primeira década do Estado Novo"

Photography and colonial propaganda. Notes on an interests union in Estado Novo first decade
Teresa Matos Pereira
As ligações entre o discurso da propaganda colonial e o discurso fotográfico contribuíram para criar, nos primeiros anos do Estado Novo, uma imagem dos territórios africanos sob domínio colonial (incluindo a terra, os seus habitantes e respetivas culturas) que permaneceu muito após o final do regime e do processo de descolonização. Neste texto são delineados os princípios em que assenta este feixe de ligações, a partir de duas publicações que têm Henrique Galvão como figura central: a revista Portugal Colonial e o álbum Outras Terras, Outras Gentes.
Propaganda colonial, fotografia, “colonialismo visual”

3. Rondas de África

51A iconografia referente ao território angolano, especialmente no que toca às sociedades autóctones, foi ampliada, na década de 30, pelo levantamento etnofotográfico de Elmano Cunha e Costa, entre 1935 e 1938, que forneceu um conjunto alargado de imagens que iriam povoar diversas publicações, de entre as quais a reedição do relato de viagem de Henrique Galvão, Outras Terras, Outras Gentes, transformado em álbum profusamente ilustrado.
52 Entre 1935 e 1938, o advogado Elmano Cunha e Costa (1892-1955), juntamente (?) com o padre espiritano Carlos Eastermann (1896-1976), empreende um levantamento etnofotográfico de grande parte do território angolano, com especial destaque para o centro e sul (ver Castelo & Mateus, 2014). A sua atenção recairá não só na catalogação de ‘tipos étnicos’, mas também em todos os aspetos ‘típicos’ que pontuam as vivências quotidianas – o espaço doméstico, a paisagem, os adornos, os penteados, as atividades económicas e os usos e costumes –, impregnados de um gosto pelo pitoresco e pelo exótico das “várias dezenas de tribos indígenas que povoam a grande colónia de Angola, cuja área territorial é catorze vezes e meio superior à da Mãe-Pátria” (Cunha e Costa, 1946).
  • 1 A edição consultada foi a da Imprensa do Jornal de Notícias em virtude de esta incluir um grande número de fotografias da autoria de Elmano Cunha e Costa e e reprodução gráficas e pictóricas realizadas por diversos artistas.
53 Estes levantamentos fotográficos forneceram um manancial inesgotável de imagens e representações que irão povoar o imaginário português acerca de África em geral, e particularmente de Angola, na medida em que as imagens foram utilizadas até à exaustão em publicações periódicas, ensaios etnográficos, álbuns (de entre os quais se destacam as coletâneas Outras Terras, Outras Gentes1 e a Ronda de África, da autoria de Henrique Galvão, na década de 40), cartazes, postais e foram integradas nas exposições coloniais e outros eventos de especial relevo em termos da propaganda política. Para além desta multiplicidade de caminhos propostos pela fotografia etnográfica, ela assumir-se-á ainda como uma importante referência visual para alguns pintores e ilustradores que recorrerão frequentemente aos registos fotográficos como base do trabalho.

54 O levantamento fotográfico de Elmano Cunha e Costa conheceu, na verdade, uma larga divulgação em diversos suportes, a começar pelo conjunto de exposições realizadas e organizadas pelo SPN/SNI a partir de 1938. Na exposição realizada em 1946, no estúdio do SNI, intitulada Exposição de Etnografia Angolana, as 500 fotografias exibidas, que abrangiam paisagem, sociedades e cultura, eram acompanhadas de uma carta etnográfica com distribuição das “tribos” por territórios demarcados, ostentando as “actuais denominações”, numa passagem da nota de imprensa, avançada pelo Diário de Notícias, que repete o texto do catálogo da exposição.

55 Acompanhado da sua “inseparável Rolleiflex”, Cunha e Costa refere as motivações deste levantamento, que visava, em primeiro lugar, a satisfação pessoal de “realizar um documentário que não fizera ainda” e, em segundo lugar, a reunião de um conjunto de “materiais para base de estudos científicos que aos mestres compete fazer” (Cunha e Costa, 1946). O fotógrafo sublinha a importância documental da fotografia de campo, servindo de suporte à investigação científica – realizada sob a orientação de etnógrafos como o padre Estermann –, mas igualmente inscrita num plano da propaganda colonial , e integrada numa economia da imagem mais ampla como afirmará de seguida:
A ocupação científica das Colónias portuguesas é uma realidade que só os ignorantes desconhecem. (...)
56 "Creio poder afirmar que a imagem fotográfica é prestimosa, e que os documentários deste género são indispensáveis, quer para a sempre útil divulgação e propaganda, quer para a utilização em conferências, palestras (…) quer para a ilustração de livros, quer finalmente para alicerce de trabalhos em profundidade (Cunha e Costa, 1946).
57**  Na verdade <!!!>, longe de se assumir como documento etnográfico, de valor cientificamente reconhecido, a coleção de Cunha e Costa assume uma função essencialmente propagandística (Castelo & Mateus, 2014), que corresponde a um “natural entusiasmo pelo exótico (Anónimo, 1951) por parte da sociedade da metrópole. Não é assim de estranhar que as suas fotografias tenham integrado uma “microfísica do poder” – termo utilizado por Michel Foucault, sendo usado por Terry Smith no contexto do discurso da propaganda colonial (Smith, 1998: 483) –, através de uma economia visual que compreende a produção, a circulação, o colecionismo e as múltiplas apropriações e as reciclagens. 
(...)

** Aqui temos a cambalhota académica  em total evidência, a reverência da moda ideológica actual à tutela dita "anti-colonial": o que era levantamento etnofotográfico, como atrás se disse, passa a essencialmente propagandístico. Antes qualificara-se o que é interesse pelo diferente, trabalho documental e suporte para a investigação como "gosto pelo pitoresco e pelo exótico". é a universidade no seu pior...

Bibliografia específica
Castelo, C. & Mateus, C. (2014). “Etnografia Angolana” (1935-1939): histórias da coleção fotográfica de Elmano Cunha e Costa. In: Vicente, F. (org.) O Império da Visão. Fotografia no contexto colonial português (1860-1960). Lisboa: Edições 70: 85-106.

Cunha e Costa, E. (1946). Catálogo da Exposição de Etnografia Angolana (Prefácio). Lisboa: Agência Geral das Colónias.

Galvão, H. (1931). Portugal Colonial. Uma apresentação. Portugal Colonial. Revista de Propaganda e Expansão Colonial, 1(I), março: 1-2.
Galvão, H. (1934). A Função Colonial de Portugal. Razão de Ser da Nacionalidade. s/l: Edições da 1ª Exposição Colonial Portuguesa.
Galvão, H. (1936). O Império. Lisboa: Edições SPN.l
Galvão, H. (1944). Outras Terras, Outras Gentes (vol.I). Porto: Imprensa do Jornal de Notícias.

FOTOGRAFIA (e Informação) e PROPAGANDA no Estado Novo Português

uma edição importante?:

Trata-se de fotografia e só às vezes de fotógrafos (Maria Lamas fica por entender; descortinar o Elmano Cunha e Costa não é fácil...). 

Propaganda é um termo de uso questionável, porque até 1940-45, II Guerra, ainda não se distinguia de Informação - daí a passagem de SPN a SNI, que não é cosmética. Daí a SPP - Sociedade Propaganda de Portugal (essa entidade fantasma) que incluía a Propaganda-Informação e a vertente da "Arte Fotográfica". O título "Fotografia, Informação e Propaganda" seria mais correcto (mas há ainda pouca informação...) 

Vol.12 nº 23 | 2017
Fotografia e Propaganda no Estado Novo Português

capa 23

Editores convidados
Filomena Serra, Instituto de História da Arte, IHA, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH, Universidade Nova de Lisboa
Paula André, DINÂMIA'CET-IUL, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa
Bruno Marques, Instituto de História da Arte, IHA, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH, Universidade Nova de Lisboa

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

MARIA LAMAS FOTÓGRAFA






 Em 1947, quando Maria Lamas dá início às suas viagens pelo país para a publicação de 'As Mulheres do Meu País', tem 53 anos, e fora até há pouco directora de 'Modas e Bordados', jornalista e romancista. "Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa", lê-se numa notícia publicada no boletim 'Ler - informação bibliográfica', Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948, pág. 10).
"A obtenção de fotografias, confessa, foi uma das maiores dificuldades que encontrou, pois queria-as ‘verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas’. Acabará por assumir-se como repórter fotográfica, num trabalho pioneiro" – 'O Primeiro de Janeiro', Porto, 28 de Abril de 1948 (entrevista na pág. "Das artes e das letras").
Os seus inúmeros retratos de mulheres devem ser vistos como uma grande aventura fotográfica, com um sentido de documentário social, de denúncia e de esperança ou optimismo que tem de ser associado ao neo-realismo, como uma contribuição muitíssimo original (o neo-realismo nunca teve fronteiras conceptuais fechadas e pode/deve ser identificado como tal, ou como aproximação a, sem que os autores dele se reclamem).
Herdeiras de uma prática fotojornalística recorrente - o retrato individual que acompanha as notícias - , as fotos de ML têm uma verdade e uma energia contagiantes, que desde logo decorrem e comungam da situação concreta do inquérito e do voluntarismo da autora. Toda a ambição esteticista ou artística está ausente: são documento e testemunho, tanto das mulheres encontradas no terreno como na atitude da autora. Nunca foram expostas até aos anos 2000 (e seguramente não foram pensados como objecto de exposição, ou colecção, ou edição autónoma), e nem mesmo foram incluídos ou referenciados, ao que julgo, nas exposições documentais tardias sobre Maria Lamas.
Não referidos por António Sena na sua história, permaneceram como material não visto, não reconhecido, não valorizado, ignorado pelo neo-realismo oficial (o das EGAP de 1946 a 1950...) e também, naturalmente, pelos meios da "arte fotográfica", em que também o neo-realismo penetrou (Lyon de Castro, Cabrita e outros). Não um não-dito da fotografia portuguesa, que por vezes continua a incomodar quem se rege por etiquetas e não por dados visíveis.
São na maior parte das vezes retratos individuais e também de grupo. Retratos directos e frontais realizados nos locais de trabalho, como que interrompendo momentaneamente a faina. Noutros casos são mesmo momentos ou situações de trabalho que se ilustram, procurando registar a dureza do esforço físico. Totalmente despidas de efeitos de luz e sombra, feitas sob o sol directo e cru, as imagens prescindem também de toda a anedota ou nota de mistério, à beira de uma impressão de banalidade que se desmente na cumplicidade dos olhares trocados, na firmeza, confiança ou dignidade dos rostos, na eficácia documental das roupas, utensílios e outros objectos visíveis, numa objectividade enxuta e tocante. A banalidade, o banal (a suspensão da arte), é um tema essencial da prática e da teoria fotográficas, que se manifestara uma década antes durante a "polémica do flagrante" e foi tendo sucessivos afloramentos (Walker Evans, a Pop, etc)
Cada fotografia é acompanhada por várias linhas de texto que ultrapassam a condição de simples legendas para fornecer informações complementares e comentar o contexto económico e social de cada situação.
Realizadas por um fotógrafo-não-fotógrafo (nem profissional, nem "amador", no sentido habitual de aficionado da arte fotográfica), que apenas por necessidade recorreu por algum tempo a um "caixote Kodak", estas fotografias suplantam o interesse das restantes imagens do livro, assinadas por um heteróclito grupo de outros autores. Essa outra muito vasta antologia fotográfica documental que ML escolhe e inclui no seu livro comprovam a forte relação com o medium (com o acesso a importantes acervos e o relacionamento com fotógrafos, ou seja, uma cultura fotográfica assinalável) para além da produção própria.
No seu recente livro (Maria Lamas, Mulher de Causas - biografia breve, ed. Município de Torres Vedras, 2017) e nos comentários que deixou escritos numa nota abaixo, José Gabriel Pereira Bastos acrescenta informações essenciais para se perceber o contexto ideológico e político, profissional e pessoal, da obra de M.L.



































Dois, três pontos: 
1. os pintores e os teóricos do NR não reconheceram a fotografia senão como documento para artistas ou informação (mesmo que vários deles fotografassem: Lima de Freitas, Cipriano Dourado e outros - ver "Ciclo do arroz"). Colocando a prioridade no 'neo' (realismo) e logo na fuga ao naturalismo, entendem a 'deformação' como índice do moderno - a fotografia não deforma, copia. 
2. o NR plástico que se inicia em 1945, com pioneirismo em relação à França ou à Inglaterra (que estavam mais ocupados com a Guerra e a reconstrução), depende em especial da informação norte-americana que é amplamente distribuída durante a 2ª Guerra (Biblioteca americana, Academia de Belas Artes, etc), com foco nos realistas americanos de direita e de esquerda (Benton e Ben Shan), mexicanos e brasileiros: todos eles são à época a nova arte própria da América, antes de se afirmar Pollock e o expressionismo abstracto. Não há lugar para falar em realismo socialista de imposição soviética antes de c. 1948, ou mm 1952, e aí começa a divisão no campo NR e afins, que é até essas datas um espaço pluralista e livre. 
3. Até c. 1952 e à querela dos intelectuais, e o 'desvio de esquerda', não se pode atribuir à linha do PC a condução da criação intelectual e artística; as estruturas são frágeis e as figuras que se destacam como criadores, mesmo entrando no PC, têm mais importância que os controleiros e que uma direcção fraca e distante. É necessário não ver Stalin por toda a parte antes de se extremar a Guerra Fria. 
4. O destino soviético de M. Lamas, por um lado, e as afinidades titistas de Adelino Lyon de Castro (com Piteira Santos, a Ler, Mário Soares, etc), para mais morto por doença muito cedo (1953), devem ter inviabilizado ou pelo menos demorado o reconhecimento das suas contribuições fotográficas durante décadas. Para além do que deriva da escassa cultura visual reinante, como se observa neste "caso" Lamas levantado por uma experiêrcia ensaística do Manuel Villaverde Cabral.

Adenda
É um artigo de Manuel Villaverde Cabral publicado no Vol.12 nº 23 | 2017 de Comunicação Pública
"Fotografia e Propaganda no Estado Novo Português", com o título
"Texto e imagem fotográfica no primeiro contra-discurso durante o Estado Novo: «As mulheres do meu país» de Maria Lamas" 
que justifica o regresso à obra fotográfica de M.L.

Depois de apontar textos antigos no blog Typepad e em especial "O neo-realismo na fotografia portuguesa, 1945 – 1963"
publicado em INDUSTRIALIZAÇÃO EM PORTUGAL NO SÉCULO XX. O CASO DO BARREIRO, Actas do Colóquio Internacional Centenário da CUF do Barreiro, 1908-2008, Universidade Autrónoma de Lisboa, 2010. Pp. 423-442.
(colóquio que teve lugar no Auditório Municipal Augusto Cabrita, Barreiro, 8-10 de Outubro de 2008. Painel 4 - Do Realismo ao Neo-realismo: imagens do trabalho e do operário na arte portuguesa)
https://www.academia.edu/525938/O_neo-realismo_na_fotografia_portuguesa_1945_1963

...passei a referir-me ao texto do MVC, recém-chegado tarde e descuidadamente a assuntos de fotografia:
1

  " "convém clarificar nesta secção inicial que não se pode falar d’As Mulheres do meu País como um foto-livro. Com efeito, no período do Estado Novo (1934-1974), há apenas um foto-livro propriamente dito, a saber, Lisboa: Cidade Triste e Alegre dos arquitectos Costa Martins e Victor Palla (1959)"
O MVC vem destacar a importância do livro de ML, redescoberto a partir de 2002 graças à notável reedição da Caminho dirigida por José António Flores, onde o facsimili se recortou para incluir a reprodução das fotos originais da Maria Lamas. (Com uma 2ª ed. logo em 2003 que acabou em parte laminada pela Leya.) António Sena na sua história ignorou (ou ocultou) a obra e a autora, fotógrafa de um livro só. 
Mas MVC engana-se ao identificar apenas um "foto-livro propriamente dito" no período do Estado Novo (1934-1974, se é que o E.N. veio até esta data). Eu alargaria o conceito de foto-livro para incluir "As Mulheres..." porque a presença da fotografia é essencial à reportagem-ensaio, que é também um ensaio fotográfico - mas não se percebe como MVC esquece ou ignora os foto-livros do regime, os de Artur Pastor e alguns outros."

O MVC quereria referir-se ao único foto-livro contra o regime... (como lembrou o Zé Neves e o MVC agradeceu:"Obviamentre, obrigado Zé!" 
Mas qualificar de livro "contra o regime" o de Palla e Costa Martins é redutor para a obra e para o regime...
 
A nota acima motivou uma resposta de Filomena Serra (directora da publicação e esposa do publicado) que tenta iludir a falta de razão:
 
(3 Dez) "Nao é a primeira vez que Alexandre Pomar se esconde por detrás das três letras MVC evitando colocar o nome por extenso para assim passar despercebido por ele e dizer mal enviesando o que Manuel Villaverde Cabral escreve e fá-lo com todo o à vontade e desfaçatez aqui no seu cantinho. De facto Manuel Villaverde Cabral usa pouco o Facebook e tenho evitado dizer-lhe o que AP escreve por aqui apunhalando pelas costas. Manuel Villaverde Cabral conheceu Maria Lamas muito bem e foi aliás a primeira pessoa que ele viu em Paris quando lá chegou como exilado. Leia bem o texto que em caso nenhum desmerece Maria Lamas, bem pelo contrário. O texto exprime uma profunda admiracao pela mulher e pela fotógrafa. Sim são fotografias "caseiras" e nada desmerecedoras. Nao percebeu? Tem a certeza que leu bem ou tresleu? O fotógrafo Luiz Carvalho compreendeu muito bem. AP deita areia para os olhos de quem provavelmente nao leu. AP é historiador? AP é sociólogo? NÃO! Já alguma vez escreveu mais de 6 páginas sobre Maria Lamas? Que eu saiba Não! Mas continua a espalhar a verborreia neo neo neo que utilizava no jornal Expresso, e agora já bastante enferrujada. Resta-me dizer como co-editora que o artigo de Manuel Villaverde Cabral foi sujeito tal como todos os outros textos a dois peer review anónimos na área da história da fotografia."

2. 

Voltei assim ao assunto:
" Ainda Maria Lamas fotógrafa, em resposta breve a Filomena Serra que veio defender em comentários pouco visíveis o historiador Manuel Villaverde Cabral enquanto observador de fotografia, servindo-se de uma opinião de Luiz Carvalho.
As fotos "parecem feitas por uma principiante", escreve MVC, enquanto LC intitula "as fotos caseiras de ML" uma confusa nota onde se baralha: "É evidente que é um olhar nada treinado, sem técnica nem intenção narrativa. São testemunhos frontais, simples e daí a sua coerência ao ter criado um discurso visual que ultrapassou as suas intenções iniciais." - o que quer isto dizer?  
E que vale a qualificação atribuída por LC a ML face aos comissariados de Jorge Calado? Para não referir o que fui escrevendo sobre ML e que foi fazendo o seu curso... (não tenho presente o que terá escrito Emilía Tavares sobre ML). Se não ignora as exposições e os textos ( esta não é uma área de competência de MVC) impunha-se contra-argumentar. LC é um esforçado divulgador e um bom fotógrafo dado a ressentimentos (nem todos podem ser os melhores). 
ML é uma grande descoberta como fotógrafa : é preciso vê-la com disponibilidade e boa fé, admitindo que há artistas expontâneos, e inesperados, desconhecidos, sem fugir à surpresa e sem precisar de embrulhar as imagens (e a cegueira propria) em enredos ideológicos improdutivos. António Sena tb não a viu - ficam em boa companhia, mas errados: perdem uma pequena obra e um caso de excepção da fotografia portuguesa.
MVC conheceu bem ML ao tempo em que as suas fotografias não se valorizavam nem compreendiam. Posso dizer que conheci bem MVC e que com ele e outros fiz política em 74-75, depois de o admirar nos tempos do exílio, do esquerdismo e da investigação. Depois o mundo deu muita volta. MVC, como eu disse, tem as suas áreas de competência, tb na do comentário político actual, que às vezes partilho. Apesar de ter sido crítico de cinema, a fotografia é uma área em que vê pouco e mal. Insuficiência ou ausência de pesquisa, desde logo quanto à foruna crítica recente de LM; errada desvalorização da qualidade fotográfica da pequena obra de ML (que vale o esforçado LC face aos comissariados de Jorge Calado? - se não os ignora devia discuti-los). Investigar e argumentar são a chave operacional da questão. Gostaria de ter. continuado a ser amigo, cúmplice, camarada, visita de casa de MVC, se julga adequado pôr a divergência em termos pessoais.
Outros artigos da revista (importante por trazer atenção a uma área desabitada) merecem uma abordagem criticamente negativa, por exemplo sobre “propaganda colonial”.

3.
Desde 2009, pelo menos, Maria Lamas é reconhecida como uma grande fotógrafa, mesmo que de uma obra só e por um breve tempo - sem formação na área e sem ter feito exposições (a fotografia tem destes "acidentes", o que a torna ainda + interessante). O artigo de MVC ignora-o e, aliás, não chega a entender ML como fotógrafa - as fotos "parecem feitas por uma principiante", diz, e refere depois um olhar "tecnicamente principiante mas solidário com as personagens do seu livro", o que já é uma pista para entender esta obra - obra-prima de uma fotógrafa ingénua (?, mas com grande experiência da fotografia) ou outsider, tão melhor que tantos profissionais e amadores.

Para além de outros escritos dispersos, por duas vezes Jorge Calado levou ML a grandes exposições internacionais: expôs sete provas de época e uma prova moderna na mostra "Au Féminin", em Paris, no Centro Cultural da Gulbenkian, onde foi a artista mais representada (2009, há catálogo, esg.) e apresentou-a numa representação ibérica de apenas 10 fotógrafos na "Dubai Photo Exhibition 2016".

Basta uma pesquisa na internet para descobrir a fotógrafa Maria Lamas e, se MVC não a fez, devia ter pedido ajuda ou devia alguma comissão de avaliação científica da revista mandar o artigo para trás. MVC tem as suas áreas de competência, até como comentador político, mas neste caso a ousadia de falar do que não conhece e mal investigou não lhe correu bem. Tomemos o caso como exemplo, entre muitos outros, da descuidada compartimentação académica de saberes e da ignorância universitária. (4) 30 dez.