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domingo, 28 de julho de 2013

Brasil, Intituto Moreira Salles, Lartigue, etc

http://www.lartiguenoims.com.br/

"Jacques Henri Lartigue - A vida em movimento"

Bea Feitler e o “Diary of a century”


Nascida em 1938 no Rio de Janeiro, mudou-se aos 18 anos para estudar na New York School of Design. Na volta ao Brasil, fez trabalhos para a cultuada revista Senhor e para a Editora do Autor, que tinha Fernando Sabino e Rubem Braga entre os seus sócios. Em 1961, de volta a Nova York, foi contratada pela Harper’s Bazaar, revista em que ficou até 1972, realizando páginas marcantes e se aproximando do americano Richard Avedon, um dos fotógrafos mais importantes do século XX. Os dois – e Hiro, assistente de Avedon – se uniram no projeto Diary of a century, livro com fotos de Jacques Henri Lartigue extraídas de seus diários. Lartigue acompanhou todo o trabalho, iniciado em 1968 e lançado em 1970.


Entrevista de Lartigue a Hervé Guibert


Fotógrafo e escritor, Hervé Guibert (1955-1991) foi uma das sensações da vida intelectual francesa entre as décadas de 1970 e 1980. Em 1977, com menos de 23 anos, iniciou no Le Monde uma coluna sobre fotografia que até 1985 foi o posto-avançado para suas múltiplas atividades artísticas, que incluíam ainda teatro e cinema. Em 1990 revelou publicamente sua condição de portador do HIV, tema da trilogia Ao amigo que não salvou minha vida, O protocolo da paixão e O homem do chapéu vermelho. Em 2011 a Maison Européenne de la Photographie realizou a primeira retrospectiva da obra fotográfica de Guibert. A entrevista abaixo foi feita na época da exposição Le Passé Composé e publicada em 1985 no Le Monde.

Florette, Paris, 1944
( Os brasileiros têm um Instituto, Moreira Salles; nós temos um Centro (português) da Fotografia encarrilhado na Cadeia da Relação. O Camilo também esteve lá preso - por adultério ) 

BOM SITE dedicado a Lartigue

e também:

"As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro (1940-1960)"

"Fotolivros latino-americanos": Horácio Fernández fala sobre Fotolivros latino-americanos
http://youtu.be/9igO725jyDI


Fotógrafos em Ouro Preto 
De 1 a 4 de agosto de 2013: http://www.fotografosemouropreto.com.br/

Nos tempos recentes o IMS trouxe-nos notáveis exposições de Maureen Bisilliat (Maio 2011, Casa Fernando Pessoa - blog) e José Medeiros (Janeiro 2013, BES Arte & Finança e Museu das Telecomunicações)

sábado, 20 de maio de 2006

Brasil, 2006, «Artistas Viajantes e o Brasil no Século XIX»

 Pintores viajantes

À descoberta do Brasil no século XIX 


20-05-2006, Expresso


 

FOTOS COLECÇÃO BRASILIANA / FUNDAÇÃO ESTUDAR

 


Panorama do Rio de Janeiro, da autoria do diplomata belga Benjamin Mary, de c. 1835 (30 x 312 cm, pormenor)

 


O Brasil colonial queria-se um segredo bem guardado. Foi sob o domínio holandês (1630-54) que os pintores Frans Post e Albert Eckhout deram a conhecer à Europa as paisagens do Nordeste e, o segundo, a flora e a população, acompanhando as expedições científicas do governador-capitão Johan Maurits van Nassau. Um quadro de Post (Olinda) expõe-se na Colecção Rau.


A reconquista significou o regresso do «black-out», até a família real chegar de Lisboa, em 1808, fugindo às tropas de Napoleão. Nesse ano abriram-se os portos aos estrangeiros e revogou-se a proibição das manufacturas. Vieram depois as missões diplomáticas, comerciais e também artísticas e científicas, ficando na história a Missão Francesa de 1816, já com pintores que eram exilados bonapartistas. Com a proclamação do Reino Unido e da independência (1822), a difusão das imagens da corte, da capital e da vastidão do Brasil tornava-se parte do processo de afirmação da sua identidade nacional.


A nova política iconográfica, em que se associavam sem fronteiras reconhecíveis a descrição topográfica e a arte da paisagem, a exploração naturalista e a atracção pelo exótico, era favorecida pela chegada de mais pintores viajantes, pela curiosidade científica do século XIX e o gosto romântico pelo pitoresco ou o sublime dos lugares distantes, além de poder contar com o êxito da litografia, que atingira níveis de produção industrial antes da descoberta da fotografia. São as fascinantes imagens desse novo mundo que chegaram ao Palácio da Ajuda (e já antes estiveram no Museu Soares dos Reis), no regresso do ano do Brasil em França.


 



«Natureza-morta com Flores», de Agostinho José da Motta, 1873

 

No Museu da Vida Romântica de Paris exibiram-se com um catálogo que por cá não se editou, sob o título «Os Pintores Viajantes Românticos no Brasil (1820-1870)». Quase tudo o que se expõe, aliás, tem origem na Colecção Brasiliana dum grande antiquário parisiense, Jacques Kugel, que foi casado com a poetisa Merícia de Lemos e durante a II Guerra viveu em Portugal. É um acervo de excepcional qualidade, até há pouco tempo desconhecido, agora pertencente à Fundação Estudar e confiado à Pinacoteca do Estado de São Paulo.


Abrem a mostra os retratos da família real, reunidos a outros do Palácio de Queluz, e estampas da sagração de Pedro I e da aclamação de Pedro II, da autoria de Jean-Baptiste Debret (parente e seguidor modesto de David, professor de influência neoclássica no Brasil). Destacam-se a Marquesa de Belas por Nicolas-Antoine Toney, outro pintor da Missão Francesa, e a imperatriz Tereza Cristina por F.-A. Biard, já de 1858.


Mais surpreendente é a secção «O Registo dos Viajantes», aberta pelo panorama do Rio de Janeiro de Benjamin Mary, onde os estudos da vegetação em primeiro plano se sobrepõem à paisagem desenhada ao longo de mais de três metros. Seguem-se as vistas desenhadas por Karl von Planitz (c. 1840) num preto e branco muito fotográfico, em aguada de tinta da China, enquanto as gravuras a água-tinta aguarelada dum álbum de Johann Jacob Steinmann, editado em Basileia em 1839, antecipam em absoluto o bilhete postal colorido. Depois de mais panoramas de Henry Chamberlain, tenente da marinha britânica e artista amador, as gravuras em água-forte e buril feitas a partir dos desenhos do alemão Thomas Ender, ou as litografias do livro de viagem de Johann Moritz Rugendas (seguidor de Humbolt, desenhador documentalista romântico) são outros exemplos maiores da arte da descrição de lugares, enquanto as cópias das aguarelas do arquitecto militar português Joaquim Cândido Guillobel fazem o registo de tipos urbanos brasileiros, em especial de figuras de escravos.


O último núcleo é dedicado à pintura da paisagem, que já se antecipava num soberbo nascer do sol sobre a baía do Rio pintado pelo italiano Alessandro Ciccarelli (1844) em fulgurantes tons de laranja e ouro. O anterior registo «parafotográfico» dos álbuns de gravuras dá lugar às mais amplas visões embelezadas pela imaginação e o gosto românticos, nomeadamente na representação de negros e índios. É o caso da importante tela de François-Auguste Biard, Índios da Amazónia Adorando o Deus-Sol (c. 1860), que supostamente os surpreende numa floresta densa e misteriosa. Biard viajara pelo Egipto, Síria e Lapónia, possuindo o Louvre uma sublime aurora boreal em Magdalena Bay, exposta no Salon de 1941, à altura de um Friedrich ou dos grandes paisagistas norte-americanos da Escola de Hudson.


Outros viajantes, como o inglês Charles Landseer, o italiano Nicolau Facchinetti, multiplicam as vistas do interior do Brasil, e dois brasileiros têm presenças importantes: vejam-se a Grande Cascata da Tijuca, de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), já formado na Academia Imperial de influência francesa (que aprofundou em Paris, onde conheceu e retratou Garrett); e duas luxuriantes naturezas-mortas de Agostinho José da Motta (1824-1878), que actualizam em vernáculo o exemplo barroco de Albert Eckhout.


«Artistas Viajantes e o Brasil no Século XIX» 

 

Galeria de Pintura do Rei D. Luís, Palácio da Ajuda, até 16 de Julho

 


sábado, 6 de janeiro de 2001

Brasil, 2001, CAM, "Mostra do Redescobrimento


Excepções à regra 


SÉCULO XX: ARTE DO BRASIL

 

Expresso, 06-01-2001




foto: Ruben Valentim (1922-91), «Pintura nº 11 - Roma 1965» 


 

AO ASSOCIAREM-SE no CAM os dois núcleos de arte moderna e contemporânea da Mostra do Redescobrimento que se apresentou em São Paulo, com um imenso êxito de público e alguma polémica, foi o segundo segmento cronológico que ficou mais diminuído quanto à possibilidade de tornar inteligível um panorama coerente e representativo, capaz de significar a extensão continental do Brasil e a pluralidade actual dos seus focos criativos, bem como a diversidade das suas dinâmicas artísticas, entre absorção ou dependência dos modelos internacionais e manifestações identificáveis com originalidade própria. 


Têm sido frequentes, já antes da quadra comemorativa, as retrospectivas de figuras que intervieram ou intervêm nas décadas recentes da arte brasileira, em parte por efeito de reavaliações críticas ou à mercê das operações de reconstituição de obras, mas têm faltado as abordagens de conjunto que localizem esses e outros artistas nos seus contextos próprios. É só marginalmente que a actual mostra cumpre essa necessidade, certamente por insuficiências de programação por parte do seu comissário, o brasileiro Nelson Aguilar, como se comprova pelo pequeno esforço argumentativo que o catálogo recolhe. 


A par de algum gigantismo - decerto inferior ao previsto, dada a escassa ocupação das três naves esvaziadas para a ocasião - impõe-se a sensação vaga de que a escolha dos artistas foi em grande medida aleatória, para além de ser insuficiente a representação de muitos deles, limitada a obras únicas. Sabe-se também que diversas obras expostas em São Paulo ou requeridas para Lisboa (uma vez que se pretendeu reajustar o conteúdo da mostra) rumaram a projectos de maior coerência e a países mais atraentes. Para lá de Valência, que apresenta «Brasil 1920-1950: da Antropofagia a Brasília», já inaugurou em Madrid o panorama «Visões do Sul» e vai abrir na Tate Modern «Century City: Art and Culture in the Modern Metropolis», que dedica um dos seus capítulos cronológicos, entre 1955-1969, ao Rio de Janeiro (em coincidência temporal com outro sobre Lagos, capital da Nigéria…), associando numa só explosão criativa neo-concretismo, Bossa Nova, Cinema Novo e nova arquitectura (de 1 de Fevereiro a 29 de Abril). 


No CAM, a história da primeira metade do séc. XX expõe-se com alguma extensão no piso inferior («Cartaz» de 11 de Novembro), fechando com a notável representação de Alfredo Volpi. Foi uma personagem irredutível a qualquer fórmula ou escola, um pintor de origem operária em cuja obra se fundiram raízes populares e aquisições eruditas, com uma energia criativa que atravessou pelo menos cinco décadas. A partir dos anos 50, o despojamento das referências figurativas (fachadas das casas) orienta o interesse prioritário pela cor para uma formulação tendencialmente abstracta, em diálogo com o ambiente concretista instalado a partir da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, sem diminuir o curso original da sua pintura. 


O itinerário expositivo torna-se depois muito pouco coerente, partilhado entre as duas outras naves sem um fio condutor visível, ao sabor das difíceis condições espaciais. Entretanto, dissolve-se a divisão da mostra de São Paulo entre moderno e contemporâneo, fixada no início dos anos 60 e justificada pela rejeição dos suportes tradicionais por artistas que «percebem que a tela e a massa escultural representam uma limitação às aspirações de liberdade que a arte pretende veicular». A fragilidade da tese não resistiu à viagem. 


Ao visitante que regressa à nave central do CAM (vindo da primeira metade do século) oferece-se, à esquerda, uma síntese vasta e massificada da abstracção geométrica dos anos 50, com destaque último para as esculturas de Sérgio Camargo, enquanto à direita se agregam vários exemplos desconexos das conjunturas dos anos 60, em que se associaram aceleradamente novas figurações e importações Pop, contestações políticas e experiências vanguardistas (ambientes, «happenings», etc). 


Entretanto, é no piso superior que se sinaliza uma outra situação que também marcou os anos 50-60, a abstracção informal ou gestual concorrente com a arte concreta, mas dando-se logo passagem à efervescência pictural dos anos 80, prolongada por algumas aparições esparsas de artistas já surgidos na última década. Naquele breve conjunto inicial situam-se alguns dos artistas que se destacam da sucessão das conjunturas. 


É o caso de Ruben Valentim, que em São Paulo figurou no núcleo dedicado à arte afro-brasileira e aqui se aproximou da abstracção informal, embora as suas geometrias ritualizadas, em que se adivinharam marcas de um mundo mítico-religioso ancestral, sejam habitualmente associadas aos artistas construtivos do Rio. E também o de Tomie Ohtake, única representante dos pintores nipo-brasileiros de São Paulo, com duas telas de grande tensão, elegância e economia formal. Ou de Iberé Camargo, presente com quatro telas vibrantes de matéria viva, onde se inscreve uma impetuosidade corporal que sobrevive aos códigos gestuais da época. (Centro de Arte Moderna. Até dia 20) Alexandre Pomar 


sábado, 6 de maio de 2000

Brasil, 2000, Chiado, OLHARES MODERNISTAS

Identificação de um país

expresso 6 de Maio 2000

OLHARES MODERNISTAS

Museu do Chiado (Até 28 Junho)


Muitas e variadas histórias se abrigam sob a designação de modernismo, em correspondência, pelo menos, com a diversidade das situações locais em que, nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do séc. XX, se confrontam tradições ou academismos regionalmente estabelecidos com dinâmicas de renovação que se reivindicam da mudança dos tempos. Se, mesmo nas grandes metrópoles, a modernidade não pode sintetizar-se num aspiração unitária e linear, o caso brasileiro é particularmente significativo da pluralidade dos modernismos. 

O que a vontade de mudança transportava de informação internacional (variável consoante a sua proveniência, que está longe de ser apenas parisiense, e com diferentes conteúdos, antes e depois da primeira guerra mundial) não vinha significar um simples e mecânico acertar do passo com «a vanguarda» nem é redutível à interpretação formalista que a voga dos «estudos culturais» atribui ao modernismo, vendo-o como um processo centralista, elitista e autoritário - na caricatura pós-modernista de um Thomas McEvilley diz-se mesmo que «o modernismo incluia no seu âmago um mito da história que visava justificar o colonialismo». 


No Brasil, o modernismo é ao mesmo tempo internacionalista e nacionalista (ou melhor, nativista), e o interesse pelos «primitivos» (os índios e negros bem reais no país) não se confunde com o deslumbramento pelo exotismo descoberto nos ídolos tribais. A vontade de futuro (que pode ser amalgamada com a voga do futurismo) fazia acompanhar a renovação formal com a redescoberta de um outro passado oculto pela colonização, e a abertura cultural ao exterior associava-se ao inquérito sobre a identidade própria, tomando por mito fundador a deglutição pelos índios do bispo português Sardinha, naufragado nas costas brasileiras em 1554. Devorar o outro vindo de fora com a sabedoria autóctone do ritual antropofágico seria a palavra de ordem do manifesto de Oswaldo de Andrade, em 1928, depois com reactivação tropicalista em finais da década de 60. 

Modernismo tardio, o brasileiro encontra-se já com o clima cultural dominante na Europa dos anos 20, que é mais o do chamado regresso à ordem do que das primeiras vanguardas, aproximando-se assim de outros contemporâneos realismos nacionais e vivenciando em simultâneo orientações desencontradas, expressionismos vários, o cubismo disciplinado da «art deco» e surrealismo, por exemplo.


Organizada em quatro secções temáticas e genericamente cronológicas que cobrem um itinerário que vai de 1915 ao início dos anos 40 -  «Princípios», «Explosão Tropical», «Urbanidades» e «Reivenção da História» -, a mostra é um panorama sintético e didáctico, que insere as criações visuais no contexto literário e cultural do tempo, acompanhando a interdisciplinaridade própria das manifestações modernistas brasileiras (que na famosa Semana de Arte Moderna de 1922, se prolongou com a música de Villa-Lôbos). 

No primeiro espaço destaca-se o papel pioneiro de Anita Malfati, com trânsito anterior pela Alemanha e Estados Unidos, cuja exposição de 1917 gerou os primeiros escândalos - leia-se a crítica de Monteiro Lobato, onde a posição anti-expressionista, contra os que «vêem anormalmente a natureza», se funda nas referências modernas de Lenbach, Zorn, Rodin e Zuloaga. 

As obras do escultor Victor Brecheret, com formação em Roma, e de Vicente Rego Monteiro dão conta da transição prudente e da informação sincrética que ainda preside à Semana de 1922, sem que se chegue a revelar a originalidade posterior da obra do segundo.

É em «Explosão Tropical» que se observa a viragem para a descoberta da realidade brasileira, estimulada pela visita de Blaise Cendrars e pelos estudos parisienses de Tarsila do Amaral, em que predomina a lição de Léger. Em O Lago, a paisagem molda-se com um colorido vibrante e uma ingenuidade mágica, enquanto os estudos desenhados para A Negra e Abaporu (que ilustrou o «Manifesto Antropófago») recentram o nacionalismo modernista brasileiro sobre as culturas étnicas. Com Lasar Segall, artista de origem lituana, com fortes relações com o expressionismo alemão, idênticos interesses inscrevem-se na tela O Bananal e projectos decorativos sobre a fauna local. 

São os mesmos dois artistas que logo a seguir testemunham que não é só uma visão edílica e primitivista que marca o modernismo brasileiro, mas também a transformação do país sob a dinâmica do desenvolvimento económico e urbano. As excelentes gravuras de Lasar Segall tomam por tema os novos arranha-céus de São Paulo e a aglomeração dos deserdados nas favelas que envolvem as cidades – significativamente, em Favela, de 1930, o espaço ogival do morro ocupado pelos negros é idêntico ao do superlotado convés do seu famoso Navio de Emigrantes (1939-41). As Meninas de Fábrica, na xilogravura de Livio Abramo que serve de aproximação à tradição brasileira da gravura de intervenção social, e a Rua das Mulheres, de Emiliano Di Cavalcanti, são duas observações simétricas das transformações da sociedade moderna.

A secção final é dominada pela presença de Portinari, já precedida pela exibição do Chorinho (1942) da colecção do próprio Museu do Chiado. Uma sequência de desenhos ilustra o tema da antropofagia, enquanto um estudo Brasil, de 1953-61, documenta a ambição de sintetizar a história nacional.


Aracy Amaral

textos sobre relações entre Portugal e Brasil, nomeadamente com um importante inventário de contactos e trânsitos estabelecido por José-Augusto França (que no entanto não refere a longa presença do brasileiro Waldemar da Costa)



Nota:

A exposição ocupa o espaço do Museu habitualmente atribuído à sua colecção de obras do século XX português, já antes deslocada para acolher uma anterior mostra. Não se deverá acolher como um facto banal essa suspensão da função essencial que se espera de um museu, mas antes como a escandalosa demonstração de que urge proceder à ampliação das suas instalações. Já autorizada pela resolução de fazer sair a polícia do edifício, já com previstas comparticipações comunitárias, só os impasses políticos explicam o actual silêncio em torno da questão.



ALEXANDRE POMAR

sábado, 26 de fevereiro de 2000

Brasil, 2000, «Mostra do Redescobrimento» , «Artes Indígenas»

 Repensar as artes indígenas 

26-02-2000 Expresso


José António Braga Fernandes Dias. Fazer entrar as artes indígenas brasileiras no mapa das artes universais


 

 UMA das grandes exposições que vão assinalar em São Paulo os 500 anos do Brasil, precisamente a mostra sobre as Artes Indígenas, foi concebida e projectada em Lisboa pelo antropólogo José António Braga Fernandes Dias, que partilha o respectivo comissariado com Lúcia Hussak van Velthem, do Museu de História Natural Emílio Goeldi, de Belém do Pará. O convite para dirigir um dos 12 núcleos da gigantesca «Mostra do Redescobrimento» levada a cabo na Fundação Bienal de São Paulo, a partir de 24 de Abril, decorreu do reconhecimento que alcançaram as exposições «Memória da Amazónia: Etnicidade e Territorialidade», que teve lugar na Alfândega do Porto em 1994, e «Memória da Amazónia. Expressões de Identidade e Afirmação Étnica», organizada em Manaus em 1997.


 Entretanto, Fernandes Dias, que é professor na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, será o próximo conferencista no ciclo sobre multiculturalismo e pós-colonialismo promovido pela Culturgest no âmbito do programa «Extremos do Mundo» (segunda-feira, às 18h30). A intervenção intitula-se «Diferença Cultural na Arte do Séc. XX» e abordará a descontinuidade das relações da arte ocidental com a alteridade não-europeia e também com as diferenças culturais que existem no interior das próprias metrópoles euro-americanas.


 Reunindo cerca de 900 objectos nos três pisos de um edifício semi-esférico desenhado por Niemayer (a Oca), enquanto a respectiva cave será destinada aos testemunhos arqueológicos pré-cabralinos, a exposição «Artes Indígenas» apresentará no Brasil, pela primeira vez, o essencial dos espólios antropológicos conservados em museus europeus (de Copenhaga, Berlim, Dresden, Viena, Roma e também Lisboa e Coimbra - neste caso, um núcleo do acervo trazido pela «Viagem Philosófica» de Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1783-92). Aos objectos históricos que vão do séc. XVI até ao início do séc. XIX, de que o Brasil não possui quaisquer testemunhos, juntam-se peças posteriores oriundas das grandes colecções brasileiras e também objectos de uso ou de produção indígena actual.


 As duas anteriores exposições sobre a Amazónia tiveram um enfoque etnográfico predominantemente académico, além de envolverem a consideração dos processos de esmagamento das populações autóctones e da actual reafirmação étnica das nações índias. Em Manaus, a mostra foi mesmo acompanhada por um segundo núcleo programado por organizações indígenas.


 O actual projecto para São Paulo é, pelo contrário, uma exposição destinada ao grande público - são milhões os visitantes esperados no conjunto das mostras, até 7 de Setembro - e foi delineada como uma exposição de arte, apresentando os testemunhos da cultura material índia não como objectos etnográficos mas como objectos artísticos.


 J. A. Fernandes Dias refere que a concepção da mostra se distancia dos pressupostos correntes na consideração das artes indígenas do Brasil, que continuam a ter por referência padrões estéticos e culturais herdados do séc. XIX e do modernismo. Aliás, as artes tradicionais ameríndias, e mais particularmente no caso do Brasil (com a excepção mais recente da plumária), não participaram do interesse modernista pela «arte primitiva», pelo que se trata ainda de as fazer «entrar no mapa das artes universais».


 Além dos objectos rituais que são habitualmente reconhecidos como artísticos devido ao preciosismo da sua execução ou ao investimento decorativo, associando o critério da beleza e a espiritualidade que a tradição ocidental atribui à obra de arte, a exposição reunirá objectos quotidianos de uso pessoal e doméstico, que não costumam integrar as exposições de arte, e ainda objectos ou instrumentos produzidos directamente para o comércio, habitualmente classificados como artesanato, ou obras de artistas indígenas contemporâneos (arte «naïve» e apropriações de linguagens visuais ocidentais). Também estarão presentes objectos efémeros ou «site-specific», comparáveis a «instalações», que são construídos por tribos índias com fins rituais ou de marcação de territórios funerários.


 Fernandes Dias pretende «fazer intervir critérios adoptados pela arte contemporânea», nomeadamente pela chamada arte conceptual, para pôr em questão os privilégios do olhar ocidental e «alargar o âmbito do que é reconhecido como artístico nas produções materiais das culturas indígenas».


 Em causa está a aplicação de um sistema ocidental de classificação dos objectos a culturas que não utilizam o conceito de arte para identificar a respectiva diferença ou autonomia. Pelo contrário, valoriza-se agora a categoria de «objectos autênticos», os quais «podem ser altamente elaborados ou de grande austeridade, mas são feitos com materiais e segundo modos específicos, desempenham funções tradicionais e são carregados de significados culturais, míticos ou cosmológicos, pelo que devem ser vistos como a materialização de ideias complexas sobre o mundo e a vida humana», segundo refere o comissário da exposição.


 Além dos núcleos de Arqueologia e Artes Indígenas, a «Mostra do Redescobrimento», que tem como comissário-geral Edemar Cid Ferreira, inclui outras grandes exposições dedicadas à Arte Afro-Brasileira, produzida ao longo dos séculos por artistas negros e testemunhando a continuidade de relações religiosas e culturais com África - ao qual se acrescentou mais recentemente uma mostra intitulada «Negro de Corpo e Alma», sobre a imagem dos negros na cultura brasileira -, à Arte Popular, incluindo as contaminações entre arte e artesanato e resultantes da miscigenação brasileira, e às «Imagens do Inconsciente», esta oriunda do museu com o mesmo nome criado pela psiquiatra Nise da Silveira.


 Outras mostras ainda acolhem separadamente a Arte Barroca, a Arte do Século XIX, a Arte Moderna e a Contemporânea (as duas últimas comissariadas por Nelson Aguilar, que é também «curador-geral» de todo o projecto), para além do núcleo «O Olhar Distante», sobre o Brasil visto por artistas estrangeiros, e «Carta de Pero Vaz de Caminha», onde o documento original do «achamento» do Brasil é acompanhado por 11 obras de artistas portugueses actuais, num projecto que envolve a Comissão dos Descobrimentos Portugueses. Serão publicados 12 catálogos autónomos e a inauguração ocorrerá com a presença dos Presidentes Jorge Sampaio e Fernando Henrique Cardoso.


 Em Novembro, a Fundação Gulbenkian acolherá a exposição de Arqueologia e uma remontagem dos núcleos respeitantes à arte do séc. XX, que ocuparão todo o CAM, enquanto a mostra «Negro de Corpo e Alma» será apresentada na Alfândega do Porto, em Janeiro.


 Quanto às «Artes Indígenas», cuja cenografia será da responsabilidade de Naum Alves de Souza, figura destacada do «teatro novo» brasileiro dos anos 60, serão apenas mostradas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, também como uma homenagem ao crítico e historiador Mário Pedrosa. Prevê-se, no entanto, que uma sua síntese venha a integrar a montagem panorâmica de toda a «Mostra do Redescobrimento» que se anuncia para os Museus Guggenheim de Nova Iorque e Bilbau.

sábado, 28 de janeiro de 1995

Brasil, 1995, CCB, "O Brasil dos Viajantes"

Mosaico brasileiro 

Expresso 28-01-95 


# O BRASIL DOS VIAJANTES

# LÚCIO COSTA

# RUY OHTAKE

# MÁRIO CRAVO NETO

# COLECÇÃO PIRELLI-MASP

Centro Cultural de Belém


Se se queria provar que depois da Capital Cultural o CCB não ficaria de paredes nuas, a abertura simultânea de cinco exposições vindas do Brasil, ontem, e a inauguração, na próxima terça-feira, de «A Pintura Maneirista em Portugal», organizada pela Comissão dos Descobrimentos e antes prevista para o Palácio da Ajuda, constitui uma aposta ganhadora.  

Mas, na sua diversidade temática e na variável ambição dos respectivos projectos, o presente «pacote brasileiro», talvez mais do uma solução de programação, parece também significar o estabelecimento de uma ponte entre o centro lisboeta e os grandes Museus de Arte Moderna de São Paulo (MASP) e do Rio de Janeiro (MAM), que importaria ver continuada nos dois sentidos.

À frente deste progama múltiplo, a exposição «O Brasil dos Viajantes» é o resultado de um ambicioso projecto de revisão e de síntese do que foi, desde a «descoberta» até ao século XIX, a visão europeia sobre o continente sul-americano. Numa montagem cenográfica de grande efeito, do arquitecto Haron Cohen, contando com recursos mecenáticos invulgares, Ana Maria Belluzzo, da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de S. Paulo, apresenta um exaustivo levantamento histórico das representações iconográficas produzidas por observadores que se sucederam no tempo com diferentes abordagens ideológicas, científicas e artísticas . 

O olhar sobre o outro (o selvagem e a natureza virgem) é aqui devolvido como num espelho, fazendo regressar da observação do que é descoberto para a identidade de descobridor, enquanto sistema de leitura e código de representação. Dos iniciais testemunhos escritos portugueses (Caminha), e da imediata caracterização da alternativa entre o mau e o bom selvagem (O Inferno, do MNAA, e Adoração dos Magos, do Museu Grão Vasco), passar-se-á em seguida a uma galeria internacional de descrições edílicas ou antropofágicas que antecedem as posteriores atitudes «philosophicas» e naturalistas dos séculos XVIII e XIX, até ao romantismo paisagístico da pintura do século XIX. Reunindo livros e ilustrações, tapeçarias e pinturas, encenando um «Gabinete de Curiosidades» ou abrindo espaços à cartografia e aos tratados de História Natural, esta é uma viagem erudita e empolgante que vem complementar utilmente outras redescobertas do Brasil que têm privilegiado o olhar antropológico sobre o passado colonial.

As outras exposições mantêm a fidelidade do CCB à arquitectura e à fotografia, direcções onde as opções podem ter sido por vezes discutíveis mas que procuram preencher espaços vazíos da programação institucional.   

«A presença de Lúcio Costa» é uma exposição documental sobre «a vida e a obra» do urbanista de Brasília, vinda do Paço Imperial do Rio de Janeiro. À breve apresentação da sua figura maior no quadro  do modernismo arquitectónico do Brasil, lugar que partilhou com Niemeyer, segue-se «A  Arquitectura de Ruy Ohtake», um nome afirmado nos anos 60 e hoje proposto como exemplo do que poderá ser, talvez, um genuíno pós-modernismo brasileiro. 

Quanto à fotografia, o CCB acolhe uma antologia da obra de Mário Cravo Neto e a colecção Pirelli-MASP. O primeiro é um grande fotógrafo brasileiro com circulação internacional (a galeria Módulo já lhe dedicara em 1993 uma exposição individual), cuja obra recente encena enquanto criação escultórica (a pose figurativa modelada pela luz num espaço vazio e negro, em permanentes formatos quadrados de grande qualidade superficial) a visão antropológica de um universo cultural marcado pelos rituais da afirmação do corpo e do domínio das forças do desconhecido.

A exposição colectiva faz uma abordagem parcial ao acervo fotográfico do MASP, iniciado há cinco anos com o apoio da empresa Pirelli. Centrada sobre a criação contemporânea, com algumas contribuições dos anos 50, como as de Geraldo Barros ou Pierre Verger, a mostra é a apresentação de um desígnio em curso; não um levantamento estruturado e exaustivo, mas o panorama aleatório de um recente coleccionismo, onde Sebastião Salgado e, outra vez, Mário Cravo Neto ombreiam com numerosos nomes até agora desconhecidos.