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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

1951-52 Júlio Pomar Gravuras: a campanha pela paz e as cenas de trabalho, 1954

Júlio Pomar e a politização da arte" (parte III)

À gravura (seis linogravuras e litografias de 1951) cabe um papel essencial no segundo período militante de Júlio Pomar, ao tempo da campanha do PCP contra a NATO, em especial contra a reunião do Conselho da Europa em Lisboa, no IST, em 1951, a seguir à adesão de Portugal à OTAN/NATO em 49, e em defesa da paz no espaço da propaganda política alinhada com Moscovo, no contexto da Guerra Fria.

Convém vê-las em conjunto (o que também não ocorre na actual exposição, aliás, com os dois quadros representativos desse tempo) para ter a dimensão do que foi o envolvimento político do artista, comprovado pelas edições de autor com maiores formatos e tiragens, que passam dos 30 ou 45 exemplares confidenciais para os 150 ou 200 exemplares com distribuição partidária. Esta era assegurada no Porto pela cooperativa SEN, Sociedade Editora Norte (1942-1959). A cooperativa Gravura ainda estava longe (1956). 

A bomba, 1951


Mulheres fugindo ou A Explosão 1951 (nº 9 - Nota 1), (tb conhecida como A Bomba Atómica)
As Mães 1951 (nº 8.)
Linogravuras. 34,4x44cm / papel: 39,7x51. Edições do autor. Tiragem 150 exemplares. Impressas na Tipografia Garcia e Carvalho, Lisboa
Ambas são referidas nos catálogos da II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953, e certamente expostas.


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e a pomba da paz, 1951 (litografias não expostas)
 


Menina e Pombas 2º estado (nº 11), 54,5x38,5 / 65x48,5cm 200 ex.#
Duas meninas com Pomba (nº 12) 32,5x23,5cm, tiragem desconhecida
A Refeição do Menino (nº 13), l50x65cm, Atelier Amândio Silva, Porto, 200 ex. #
(# incluidas nos catálogos, geral e nacional, da representação enviada à II Bienal de São Paulo, 1953)

Menina e Pombas 1º estado (nº 10), 54,5x38,5 / 65x48,5. 45 ex. Exp. SNBA 1951


recorte do Boletim SEN nº 4 Novembro 1951, com várias incorrecções


"As novas urgências da intervenção partidária afirmaram-se com clareza numa série de gravuras dedicadas ao tema da Paz, que tiveram grande difusão e marcaram presença nas casas de todos os intelectuais de feição comunista, distribuídas pela SEN (Sociedade Editora Norte, Porto), pouco depois encerrada. Às linogravuras As Mães e Mulheres Fugindo, que também se chamou A Explosão e foi conhecida como A Bomba Atómica, seguem-se no mesmo ano de 1951 as litografias em que figura a pomba proposta no cartaz de Picasso para o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz de Paris, em 1949, como emblema da causa, com referência à filha Paloma: três versões de meninas com pombas e <uma variação> do Almoço do Trolha na versão A Refeição do Menino (ou com título Família). As quatro gravuras foram enviadas à alargada mostra de São Paulo <II Bienal, participação do SNI>." in A. Pomar, ed. Guerra e paz / Atelier-Museu 2023, p. 139


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1952-1954

São já obras de diferentes características as gravuras seguintes. A 1ª está associada ao quadro com o mesmo título de 1951, as segundas integram o Ciclo "Arroz", a par de várias pinturas e desenhos. É já a observação directa (ou fotográfica) das figuras e do trabalho do povo, que continuará a caracterizar a produção dos seguintes anos 1950 e 60, mesmo depois de deixar o neo-realismo.


Nazaré 1952 e Vila Franca (Arroz) 1954
Arroz, nºs 21 e 22, também 23


Nota 1. Os números indicados reportam-se ao volume Julio Pomar, Obra Gráfica, Mariana Pinto dos Santos coord e Alexandre Pomar catalogação, ed. Caleidoscópio 2015


Fotografias do acervo documental



As fotos da Nazaré são de autor desconhecido
As das lezírias igualmente, ou de Cipriano Dourado. Ver Os Ciclos do Arroz, ed. Museu do Neo-realismo, 2016


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ADENDA


Boletim Nº 4
Segundo uma anotação manuscrita teria sido já antes sorteado entre os visitantes da 
Exposição da Primavera de 1946, no Porto... 

A SEN tinha já editado «Refugio Perdido» e «Engrenagem» - obras inéditas de Soeiro Pereira Gomes (1909 - 1949, na clandestinidade desde 1945, autor de « Esteiros», 1941), e distribuia então as edições em fascículos de "Mulheres do meu País" de Maria Lamas, Ed. Actualis, "História da Cultura em Portugal" de António José Saraiva, Jornal do Foro, e "História da Arte" de Elie Faure, Estúdios Cor, que ficaram na biblioteca familiar.

Para as edições da SEN JP colaborou com uma ilustração, desenho de 1947, Caxias, para o conto «Week End» de José Cardoso Pires, no nº 1 de "Meridianos de Arte e Cultura" (pág. 139).

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

1951 1954. Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte II). O 2º tempo miltante, A Guerra Fria

 2º PERÍODO MILITANTE, 1951-1954

OS CARPINTEIROS* 1953 nº 100, 144x112cm. Exposto na 7ª EGAP.  Col. Sociedade Portuguesa de Escritores (1956-1965) > Associação... após o seu encerramento. A bicicleta era muito usada pelos funcionários clandestinos do PCP por razões de segurança - pode ser essa a "razão" do quadro, depois da bicicleta ter surgido noutra obra de 1950 com um casal de namorados (Na estrada de Aveiro, 1950 nº 66).


MULHERES NA LOTA (NAZARÉ)* 1951 nº 74, 74x121cm aglom. Exp. XLVIII Salão da Primavera SNBA. Col. Alice Jorge > ... AMJP. Uma fotografia que ficou no acervo documental registava esta cena, e uma linogravura de 1952 usou parte desta composição.

Não exposto:

MARCHA 1952 (nº 86) 122x199cm. Col. particular. Reproduzido pela 1ª vez no Cat. Raisonné em 2004; exposto no Atelier-Museu em 2020, em "O rosto impreciso... Retratos de JP". José Dias Coelho esta representado ao centro, entre o jovem casal; à direita o eng. Frederico Pinheiro e a sua mulher, Dina, camarsadas e proprietário do quadro; no bordo direito o escultor Vasco Pereira da Conceição, chefe do atelier da Praça da Alegria, que foi também lugar de tertúlia e ante-câmara da SNBA, então encerrada. Ver o capítulo "Marcha" em A. Pomar, 2023.


Em 1953, num artigo publicado em O Comércio do Porto, JP fazia a revisão (e reorientação) do percurso do neo-realismo e a auto-crítica dos desvios que ocorriam desde 1949:

"Entre aqueles que se afirmavam dentro dos princípios da corrente, alguns perigosos caminhos começaram a desenhar-se. Um lirismo, complacente, tende a substituir a agressividade dramática das primeiras tentativas. A procura de soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor de conteúdo; e isto não reflecte senão um alheamento dos problemas realmente vivos. Boa parte do que pintei nos anos de 49 a 51 oferece tais características, e desvios de tipo análogo marcam a obra plástica de Mário Dionísio. 

Tinham-se aberto «as portas ao maneirismo e ao formalismo e, em último grau, à renúncia dos objectivos abraçados com entusiasmo» 

"As razões desta fragmentação [no seio da corrente ou tendência do ‘realismo social’] devem procurar[-se] na evolução dos acontecimentos da vida portuguesa, no cair das ilusões que uma interpretação apressada das consequências da II Guerra Mundial ajudara a criar."

in «A tendência para um novo realismo entre os novos pintores portugueses», 22 dez 1953, reeditado em Estrada Larga 2, Porto Editora 1959, pp. 40-45 (antologia d'O Comércio do Porto, dir. Costa Barreto); reed. no catálogo Arte em Portugal nos anos 50, 1992, pp. 48-50 (dir. Rui Mário Gonçalves), e em Notas sobre uma arte útil, Atelier-Museu/Documenta 2014, pp. 287-288. Porque foi este o seu último artigo publicado na imprensa, à época, ficou sempre por esclarecer. 

 A mudança envolvia a temática de várias das pinturas posteriores a 1951, numa nova militância política, e partidária, e também o estilo ou linguagem da pintura, que é mais austera (sem a pulsão lírica e decorativa anterior) e de uma figuração mais exacta, numa certa aproximação ao que era o realismo socialista de produção francesa, e tinha, aliás, larga expressão internacional, em especial americana: na exposição "Postwar" de Enwezor, 2016, JP é exposto ao lado de Alice Neel. A par de numerosas obras decorativas de encomenda, incluindo vitrais e baixos-relevos, uma outra linha de produção experimentava livremente  a paisagem sem sentido naturalista, antes com abertura ao imaginário (Barcos, Ericeira 1953- nº 94*) e que há data não foi exposta -, e produziu várias gravuras que se integravam na campanha política pela paz. (ver a seguir)

A antologia de 1986 (itinerante no Brasil e vista no Centro de Arte Moderna) passava directamente de 1951 para 1960. Na anterior retrospectiva (1978 Gulbenkian, Museu Soares dos Reis e Bruxelas) tinham entrado onze obras da década de 40 e só duas da de 50: só Mulheres na Lota (Nazaré)*, que ficara na casa de Lisboa com Alice Jorge, e o Estudo para o Ciclo 'Arroz' II. É um tempo de crise, também pessoal, de escassa produção e em grande parte encomendas decorativas. foi depois um tempo de apagamento de memórias.

É o período das campanhas pela paz que o PCP promovia nos anos 1949-54, no quadro da Guerra Fria e da guerra quente da Coreia. Mobilizavam-se acções de rua e abaixo-assinados de apoio ao Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, aprovado em 1950, e em especial contra a reunião do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952 no Instituto Superior Técnico, depois da adesão portuguesa à NATO ter sido ratificada em Julho de 1949 – acontecimento e movimentações que vinham abrir brechas nas dinâmicas da Oposição, antes tendencialmente unitária, separando comunistas e democratas, estes favoráveis ao lado ocidental. 

É também um período de forte repressão policial e censória que decorreu durante e depois das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Ruy Luís Gomes (em 1949 e 1951, respectivamente, quando falhara a candidatura do almirante Quintão Meireles e a de R. L. G. não foi aceite). Naquele ano de 1952 a SNBA foi fechada e interrompeu-se a sequência das Exposições Gerais, por Eduardo Malta ter sido expulso de sócio devido a um conflito público com Dias Coelho. Era também o tempo da polémica interna do neo-realismo, em torno da orientação da Vértice, a que se liga um «desvio sectário» que fracturava os meios intelectuais, com um PC debilitado por muitas prisões. (Depois, com a morte de Stalin e o relatório de Khrushchev, viria o chamado «desvio oportunista de direita», de 1956-59, a seguir outra vez «corrigido» pela fuga de Cunhal de Caxias, em 1961.)


Em 1952 fizera uma declaração de independência, numa publicação francesa em que José-Augusto França o associava ao realismo socialista:

Sem título [ Le sujet n’est pas le contenu» (O assunto não é o conteúdo) ]

«Deformação profissional: não acredito na infalibilidade do Papa. Cada dia, cada minuto, reponho o mundo em questão. O trabalho (métier) de pintor é um trabalho de pesquisas, de descobertas, de invenções: pesquisas, invenções, descobertas que nascem da vida e a ela retornam. Houve um tempo em que desprezei certos assuntos? Erro meu. O assunto não é o conteúdo, é um pretexto, e mais nada. O conteúdo é a síntese dialéctica entre o tema e a experiência pessoal e vivida do artista. Ela manifesta-se na forma, vive nela, é exaltado por ela. Os conteúdos das minhas telas são “as razões que me ajudam a viver”.»

in Premier bilan de l’art actuel 1937-1953 (sous la direction artistique de Robert Lebel), Le Soleil Noir: Positions, Paris. Cahiers Trimestriels, n.º 3 et 4, p. 314


As pinturas políticas:




Esse segundo período, que se situa a partir de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951, recupera a firmeza austera de um realismo social interventivo, seguramente sensível à disciplina estética que chegava de França (era o "nouveau réalisme" de breve curso), mas com liberdade formal. Fez nesse ano a primeira viagem a Paris e aí visitou Pignon, Fougeron e Taslitzky, mas não deixou testemunho do que viu, apenas referência ao facto. Ao tempo Mário Dionísio publicava na Vértice os seus Encontros em Paris, onde dialogava com muita reserva com os dois últimos pintores franceses referidos, e em 1952 deixou o PCP, na sequência do conflito sobre as colaborações de comunistas na revista Ler, das Publicações Europa-América; a seguir condenou a participação portuguesa na 2ª Bienal de São Paulo tutelada pelo SNI, deixou de expor nas Gerais e desligou-se da SNBA. Em face do artigo publicado no "Comércio", cortou logo relações (até 1966). Ver M. Dionísio, "Passageiro Clandestino" Volume I, p. 112: um breve parágrafo em que o refere como "uma das várias serpentes que ingenuamente abriguei no meu seio"

De facto, a reconsideração do movimento neo-realista e a explícita autocrítica presentes no artigo de Pomar publicado em 1953 n’O Comércio do Porto (e não na Vértice como era mais habitual) não seria uma cedência circunstancial à pressão partidária, mas foi muitas vezes como tal interpretada - e por isso depreciada. 


Vejamos a seguir as obras decorativas, as paisagens "íntimas" e imaginárias, por fim as gravuras que participam da militância pela paz.



quarta-feira, 8 de outubro de 2025

1945-48, Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte I). Do fim da Guerra até Norton de Matos

Da página "ARTE", 1945, à candidatura frustrada de Norton de Matos


Se procurarmos focar a relação de Júlio Pomar com a política na sua obra (a propósito da exp. "Neorrealismos ou a Politização da Arte em Júlio Pomar" (até 02.11 exposicoes/neorrealismos ), devemos destacar dois tempos distintos, os anos 1945-48 e 1951-54, que se identificam com dois diferentes contextos nacionais. Entre eles existe um intervalo com características próprias: a perda das expectativas de uma queda do regime no imediato pós-guerra, uma situação pessoal que inclui o casamento e o nascimento dos filhos, a que se associará uma vertente lírica que será objecto de autocrítica escrita em 1953, e um maior investimento na profissionalização como pintor, entre a desistência do curso de Belas Artes no Porto, 1947; a expulsão de um lugar de professor, 1949; e a primeira individual de pintura em 1950 e 51.

Antes da afirmação neo-realista, que ocorreu nas páginas do suplemento "Arte" e na Missão Estética de Évora, em 1945, tinham aparecido temas de índole política e social, com incidência da pobreza, desde 1942, na guerra e na prisão, FERROS* de 1944. O que se verá adiante.

O Gadanheiro* (ou Gadanho), nº 29, é a obra emblemática, trazida de Évora e exposta também na SNBA em 1945. As obras então mostradas foram objecto de um primeiro artigo crítico de Mário Dionísio,  influente crítico literário e figura política, publicado na Seara Nova: "O princípio de um grande pintor?". Referia-se aí igualmente à primeira mostra de 1942 no atelier da Rua das Flores e ao itinerário seguinte (ver 1944), e foi determinante na projecção muito rápida da notoriedade do artista.

De regresso ao Porto, três obras exibem uma intenção política que é própria das expectativas do pós-guerra e marcam as colectivas de 1946 e 47: Estrada Nova*, Marcha* e Resistência*. 
Duas outras pinturas de 1947, Parlatório e Bailique, mostram cenas da prisão de Caxias, obviamente não expostas. Parece improvável que fossem pintados na prisão.

JP começara a pintar os frescos do Cinema Batalha, 1946-47, nº 38, terminados após sair da prisão em simultâneo com a 1ª mostra individual, de desenhos, na liv. gal. Portugália. Foram ocultados em 1948, já no contexto repressivo que acompanha a candidatura presidencial de Norton de Matos, do qual (em 47 ou 48?, por iniciativa de Mário Soares) desenhara um retrato que foi muito reproduzido em postal e telões de comícios - é uma lacuna injustificada na exposição. A candidatura estava em marcha em 1947 e a desistência à boca das urnas ocorre em 1949 por pressão do pcp contra as posições moderadas de democratas e socialistas. Fecha-se um ciclo político iniciado com o fim da II Guerra.

O Almoço do Trolha*,  de 1946-50, nº 39, é contemporâneo: tem por origem o que observa no Batalha, foi exposto inacabado na 2ª EGAP e terminado para a individual de 1950 na SNBA. Imediatamente considerado uma obra maior, não vai à individual no Porto, Portugália 1951, e terá sido objecto de uma tentativa de aquisição de Diogo de Macedo para o MNAC (o preço de 10 mil escudos, enorme para a época, fora impresso no catálogo como 1000 escudos - comprou mais tarde Menina com um Galo (Morto), de 1948, através da Gal de Março em 1952).

Três outros quadros, não expostos, FARRAPEIRA, CARVOEIRAS, CARQUEJEIRA fazem parte deste tempo inicial de grande acutilância política. São figuras populares do Porto, mulheres especialmente marcadas por trabalhos muito duros (conhecem-se imagens da rampa do Douro às Fontaínhas que subiam com grandes cargas de carqueija) e as suas figuras rudes e agrestes surgem tratadas com uma áspera densidade matérica.

Estrada Nova* 1946 nº 31 40x57cm, carvao aguarelado papel, 1ª Exp. da Primavera, Porto e 1ª  EGAP. Col? >... AMJP

Marcha* 1946 nº 36, 42x58 carvao aguarelado, 1ª Exp. da Primavera, Porto e 1ª  EGAP. Col. MBGomes > Rosa Pomar

Resistência* 1946 nº 37, 33x73 aglomerado, 2ª EGAP: apreendido. Col. Rui Perdigão, Porto > of. CML

Parlatório* (Caxias) 1947 nº42, 54x88 papel/aglom. exposto em 1978. Col. M Barreira e VPConceição>MNR

* obras expostas no Atelier-Museu
n: numeração do Catálogo Raisonné Vol I

OBRAS NÃO EXPOSTAS

Bailique (Caxias) 1947 nº43, 87x52 papel/aglom. Exp. 1983. Col Joaquim Namorado>PCV

Farrapeira Porto 1947 nº 40, 70x40 agl., 2ª EGAP, Col Jorge A Monteiro, Bombarral >...

Carvoeiras Porto 1947 nº41, 36x54 aglom., 1950-51 Ind. Col. MBGomes > ... Rui Victorino

Carquejeira Porto 1948 nº 45, 48,5x33 aglom. Exp. ? Col. Euclides Vaz > ... Moncada


RETRATO DE NORTON DE MATOS, 1947 ou 1948?

comício com Maria Lamas










terça-feira, 2 de setembro de 2025

REALISMO IRREALISMO



 A RIBEIRA DO TEJO, 1949 (col. Casa da Achada / Mário Dionísio)


BARRCOS, ERICEIRA 1953 (col. Novo Banco deposito Museu do Neo-Realismo


FERNANDO LANHAS, PÁSSAROS E ROCHEDOS, 1945

A sequência da montagem que aqui me seduz não foi certamente ocasional, por parte dos comissários Afonso Dias Ramos e Mariana Pinto dos Santos, mesmo que ela não procurasse os sentidos que a mim me aparecem e importam. Interessa-me aqui observar a pulsão irrealista, a pista do imaginário, presente nestas obras, sublinhada pela inesperada comparência de Lanhas.
Depois de FERROS, de 1944, que antecede por um ano o neo-realismo e agora se descobre, depois de ter sido visto em Lisboa só em 1945, na Exposição Independente trazida do Porto ao Instituto Superior Técnico, e que manifesta a circulação rápida do início do artista por diferentes pesquisas - aí com a mais que provável aproximação a Léger. Note-se que Pomar deixou a Escola do Porto em 1947 sem ter frequentado nunca uma aula de pintura: estudava, via ilustrações e experimentava.

Depois de FERROS, vemos A RIBEIRA DO TEJO de 1949 (exposto na 4ª EGAP desse ano e oferecido a Mário Dionísio).  É uma pintura singular, que me parece um estudo para tapeçaria ou mural, na sua inesperada acumulação-dispersão, que se dirá decorativa, de figuras em que comparecem varinas e mulheres do mar ao lado de crianças que brincam, ou esperam. São essas as presenças então as mais frequentes no tempo que preparava a primeira mostra individual na SNBA e que sucede à pintura militante da "Resistência" e da "Marcha" de 1946, e também às agrestes representações de mulheres de trabalhos rudes, "Farrapeira", "Carvoeiras" e "Farrapeira", de 47 ou 46-48 (já foi notada a dureza expressiva e material dessas mulheres do Porto), de um primeiro período neo-realista. 
Mas está aí ausente a atracção lírica que consta das maternidades de 1948 ("Os Gémeos" e "Suburbio" I e II da col. Manuel de Brito), dos namorados e rapazes de "Na Estrada de Aveiro", "O Golo"  e "O Carro na Calçada", continuada ainda em importantes pinturas de 1951, como foram "Meninos no Jardim" e "Vendedeiras de Estrelas" (col. Jorge de Brito). Esse esse intervalo entre "fases" será o "desvio" de que se irá auto-criticar em 1953 num novo tempo militante, de 1951 a 1954. 

Na sua composição dispersiva e flamejante A RIBEIRA DO TEJO distingue-se bem dos três quadros de 1950 onde os corpos femininos são imóveis e recortados como esculturas ("MULHERES NA PRAIA", agora exposto, e "Mulheres no Cais") ou como desenho sólido ("Na Cozinha"), todos da 1ª individual, e é curioso observar que os seus primeiros proprietários foram os amigos e camaradas José Fernandes Fafe (agora na col. CAM), Joaquim Namorado e José Dias Coelho, respectivamente - nota sobre a sociologia do mercado. Poucos quadros se pintavam por ano, mas as orientações mudam depressa. É contemporânea da VARINA COMENDO MELANCIA também de 1949, e é uma outra singularidade que aqui se manifesta, ambas excêntricos a possíveis normas realistas.

Em RIBEIRA DO TEJO temos em cima à direita os meninos que brincam e à esquerda estão as varinas de canasta à cabeça, estilizadas. Nenhum espaço definido incluiu as figuras com verosimilhança e geométrica composição. É uma colagem de situações que se dispersam e se imbrincam no espaço plano do quadro sem se fundirem com nenhum "realismo". Não existe aqui figura e fundo, mas motivos e personagens que se acrescentam e sobrepõem, entre fragmentadas zonas/planos de cor lisa e as formas ondulantes abstractas e orgânicas que acentuam o irrealismo da representação. Algo de surrealismo se insinua.


Duas mulheres do mar, ou uma mulher com o bebé à esquerda junto ao barco que tem a data na proa (49) e um corpo agachado no bordo à direita, uma mulher que chora (?). Em cima as aves que voam, abstractas, e no bordo inferior central a gamela de madeira onde se reconhece uma raia de cabeça para baixo - mas ela assemelha-se à metade inferior de um sereia e pinta-se de vermelho, cor insólita.




Recorde-se que a Ribeira era um lugar muito percorrido por Pomar quando evitava (com Vespeira, em especial) as aulas no Convento de São Francisco, que mulheres do mar e peixeiras são motivos repetidos de gravuras dos anos 1956-58, e que pintou um outro "Cais da Ribeira" em 1958, ao que parece do natural, de cavalete às costas, disse (col. Mário Soares).

Ao lado dos Barcos da Ericeira e antes dos Pássaros que rodeiam a montanha de Lanhas, esta pintura ganha um interesse que nunca tinha notado.


Cais da Ribeira, 1958

Não conheço nenhuma referência de Mário Dionísio sobre este quadro, enquanto crítico exigente - e o facto de ser uma troca entre dois amigos e companheiros de militância artística reveste-se de especial significado. De Dionísio recebeu Pomar o "O Músico", 1948, 130x97cm (3ª EGAP), que circulou na família e pertence hoje a José Berardo. É também uma obra heterodoxa, de uma arriscada pesquisa formal.



A SEGUIR, BARCOS


 



sábado, 30 de agosto de 2025

Neo-realismo sem ortodoxia



Uma das boas surpresas da exp do Atelier-Museu, na minha opinião, é a aproximação de três obras que descartam a ideia de haver um neo-realismo ortodoxo (ou do que se chamou realismo socialista). Sem sequência cronológica vemos A RIBEIRA DO TEJO, de 1949, que foi de Mário Dionísio e hoje na Casa da Achad (foi trocada pelo seu "Músico", agora na col. Berardo), depois BARCOS, ERICEIRA, 1953 (depósito do Novo Banco no Museu de Vila Franca de Xira), e a seguir um quadro de Fernando Lanhas, PÁSSAROS E ROCHEDOS, de 1945, deixado inédito até 1987. É um dos "achados" da exp comissariada por Afonso Dias Ramos e Mariana Pinto dos Santos)

Ao subir ao piso superior, ainda ao cimo da escada, encontramos a pintura mais antiga, FERROS, 1944 (col. CAM e antes de Manuel Filipe, provável), uma obra anterior à afirmação do neo-realismo, exposto pela 1ª vez na Exp. Independente trazida do Porto ao IST, em 1945, no tempo de abertura anti-regime do imediato pós-guerra. Foi depois esquecido, e nunca reproduzido até 2021 no catálogo de uma exp no MACNA, ...Nadir Afonso, em Chaves, organizada por Maria do Mar Fazenda. Em FERROS está presente a intervenção política (o prisioneiro entre grades e o arame farpado) e o interesse por Léger, que é confirmada pela posse de um pequeno álbum onde se encontram anotações desenhadas  (existe um outro pequeno livro da mesma colecção dedicado ao cubista Louis Marcoussis com assinatura de 1942). O espaço plano dos fundos e figuras aparece também em "Café" e "Taberna" do mesmo ano de 1944, quando entra na Escola de Belas Artes do Porto.



Diante do quadro de Lanhas (presença de excepção entre as obras de Pomar) está uma vitrina com exemplares da página quinzenal ARTE (publicada no jornal A Tarde, Porto) também de 1945. É Lanhas quem recomenda e apoia a entrega a Pomar a direcção da página naquele jornal conservador, em mudança devido a uma conjuntura em que se aguarda o fim do regime sob a pressão dos Aliados e Salazar promete eleições. É na página ARTE que Pomar refere como neo-realista os desenhos de Manuel Filipe, usando-se a designação pela primeira vez na área das artes plásticas, vinda da literatura. Aí se divulgam as referências internacionais que são determinante para os jovens artistas: os muralistas mexicanos e os realistas e regionalistas norte-americanos, como Thomas Benton e Mitchell Siporin (1910–1976), e Picasso. E nesta página reune-se numa frente única a colaboração dos artistas e poetas vindos da Escola António Arroio e das Belas Artes de Lisboa (Vespeira, Cesariny, Pedo Oom, Fernando Azevedo - então neo-realistas depois surrealistas) e dos artistas do Porto (Lanhas só com um desenho, Victor Palla, vindo de Lisboa, como Pomar). É o preciso momento de uma forte afirmação geracional, a Geração de 45, que depressa se dividirá entre realistas, abstractos e surrealistas. 

VER ABAIXO: TROCAS NEO-REALISTAS DE 1945




CONTINUA



quarta-feira, 27 de agosto de 2025

TROCAS NEO-REALISTAS DE 1945. Fernando Lanhas

FERNANDO LANHAS, PÁSSAROS E ROCHEDOS, 1945, exposto agora no Atelier-Museu, "Neorrealismos...". 

JÚLIO POMAR, MULHER COM UMA PÁ 1945, Col. Fernando Lanhas. 

O mais significativo par de obras trocadas por Júlio Pomar e outros artistas, colegas e camaradas, e sem dúvida o mais relevante, inclui "Mulher com uma Pá" e "Pássaros e Rochedos", de Fernando Lanhas, ambos de 1945, que sinalizam a relação de cumplicidade que se estabeleceu logo depois da chegada de Pomar à escola do Porto, sendo Lanhas figura decisiva no seu itinerário pelas Exposições Independentes, a página «Arte», a Missão Estética de Évora e a Galeria Portugália. Pelo seu lado, Pomar promoveu a apresentação do primeiro quadro abstracto de Lanhas na Exposição Independente levada a Lisboa em 1945. 

Ambos os quadros ficaram inéditos, num tempo em que poucas obras se produziam, e quando tudo o que se pintava se ia mostrar logo nos Salões, lembrava Pomar. E assim desconhecidos ficaram por muito tempo, ambos não assinados e não datados, não expostos e fora do mercado. Intencionalmente inéditos, deliberadamente escondidos? Ficará sem se saber, mas é uma intrigante coincidência, como se de um pacto se tratasse. 

O quadro de Pomar mostrou-se pela primeira vez – por iniciativa de Fernando Guedes, e Lanhas – em 1967-68, em Bruxelas, Paris e Madrid ("Art Portugais. Peinture et Sculpture du Naturalisme à nos Jours", organização SNI e Gulbenkian); fora reproduzido em 1965 pelo mesmo Fernando Guedes num artigo sobre as Exposições Independentes, que não consta ter integrado («Vinte anos depois», Colóquio nº 32, fevereiro). Com o título "Mulher" esteve na retrospectiva de 1978, por escolha do artista. Quanto a Lanhas, a sua pintura foi exposta só na primeira retrospectiva, na Galeria Almada Negreiros, SEC, e Casa de Serralves, em 1988, por lembrança minha, mas não houve tempo para a reproduzir na monografia "Os sete rostos", de Fernando Guedes, ed. INCM, nem no catálogo - o que só veio a acontecer na 2ª retrospectiva, em 2001 (Museu de Serralves). 

Mulher com uma Pá é seguramente anterior às pinturas da 9ª Missão Estética do mesmo ano (de que Gadanheiro é emblema), pintado no Porto a seguir a "A Guerra", "Taberna" (antiga col. Rui Pimentel) e "Café" (a primeira colecção é desconhecida, depois Manuel de Brito), num tempo de rápida circulação por maneiras diferentes: de uma pintura de formas recortadas e lisas, decorativamente planificada, a uma áspera deformação expressionista que ficou sem paralelo. É uma pintura maior, singular e rude, que só terá alguma equivalência na "Varina Comendo Melancia" de 1948, ambas irreverentes e desamparadas, como as duas mulheres que se equilibram na pá e no braço desconforme. Picasso e Portinari comparecem na desarticulação e desmontagem do corpo, com as mãos e pés desmesurados que são marca do tempo. A expressão de dor associada ao trabalho duro é também inquietação, mais que revolta, no espaço fechado e monumental de um arco que é uma dupla moldura, interior. Os cinzentos, que são únicos, lembram os de Lanhas, que por esse altura (ao tempo da página «Arte») pintava rostos amargos de mulheres, já depois de produções abstractas. Contágios? 

O óleo de Lanhas (sobre cartão, mais tarde colado sobre tela, 86,5 x 61,5 cm) é paralelo à construção dos sintéticos motivos arquitectónicos de "Cais" e à depuração geométrica do "Violino (O2.43.44)", aqui numa configuração de paisagem imaginada, de potente intensidade especulativa que o voo circular dos pássaros-aviões acentua. Poderá ler-se a simbologia da montanha, eixo do mundo, imagem da transcendência, caminho ascendente rodeado por aves ou anjos, se se tentar a interpretação. Também a 2ª guerra poderá ser aqui evocada. As gradações dos cinzentos contra um céu opaco, com uma matéria densa e quase lisa, a cor espatulada, antecedem as superfícies planas que acolhem sinais geométricos – a moldura veio prolongar a pintura, realizada pelo artista quando em 1988 acompanhou o quadro na retrospectiva. É aqui, nesta abstracção figurativa, que está mais patente a singular dimensão metafísica da sua pintura, que noutros casos se abeira do design. 

Uma das pistas para pensar o primeiro neo-realismo, no tempo que vai de 1945 a 1951, no espaço das artes plásticas, e em especial quanto à obra de Pomar, abre-se com a consideração dos quadros que ele trocou com outros artistas (Lanhas, Mário Dionísio, Victor Palla, João Abel Manta), em que se revelam afinidades e partilham experiências, e em especial se descobrem as heterodoxias comuns à revelia dos estereótipos conhecidos das "histórias". 

Num tempo inicial em que o mercado se restringia a intelectuais amigos ou cúmplices, incluindo nele as ofertas e as trocas entre colegas de escola e de ofício, alguns deles camaradas de partido, essas obras são particularmente significativas de interesses privados que convivem, sem contradição, com as militâncias expostas e/ou publicadas. 

ver "Depois do Novo Realismo", A Pomar, 2023, capítulo 9. "Trocas, mercados, colecções, p. 121-130 Posted at 00:21 in Atelier-Museu Júlio Pomar, Júlio Pomar, Lanhas, Neo-realismo | Permalink | Comments (0)

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Júlio Pomar, 1951, As pombas da paz: o PCP contra a NATO

As pombas da paz. Menina e pombas, 1951. Da campanha do PCP contra a NATO passava pelo Atelier da Praça da Alegria.



 

Duas gravuras de 1951 (não expostas no Atelier-Museu: NEORREALISMOS...) são testemunho de um momento relevante da história da Oposição e em especial das relações da oposição portuguesa com a entrada do país na NATO. 

MENINA E POMBAS - 2º estado. Litografiia. Edição do autor, tiragem 200 exemplares. Exp.: Faculdade de Ciências Lisboa 1952. E II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953. e MENINA E POMBAS - 1º estado. Litografia. Edição do autor, tiragem 45 exemplares. Exp.: SNBA 1951 

Enquanto os sectores republicanos e socialistas viam com bons olhos a adesão à NATO, em 1949, que significava uma aproximação ao lado ocidental da Guerra Fria, com potenciais oportunidades de democratização (logo após as eleições presidenciais em que Norton de Matos foi forçado a desistir; considerando-se que então a Espanha não foi admitida e que o próprio regime se dividira quanto à adesão), o PCP combatia a entrada na NATO e em especial a realização em 1952 em Lisboa, no Instituto Superior Técnico, da reunião do Conselho do Atlântico Norte.
 
Nas duas gravuras e também em outras duas da mesma data aparece na obra de Pomar a "pomba da paz" que Picasso tinha proposto como emblema do cartaz do Congresso Mundial pela Paz de 1949, em Paris e Praga, no qual se reuniu o lado pró-soviético da Guerra Fria, ao tempo da Guerra da Coreia. Os tempos do congresso de Wroclaw, Polónia 1948, e o de Varsóvia em 1950, com a difusão do Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, marcam uma radicalização da política do PCP e uma direcção sectária que terminaria em 1954 com a nova direcção de Júlio Fogaça.
Esse é um segundo momento de maior intervencionismo político do artista, depois do período 1945-1947 que se segue ao fim da II Guerra.
 


 
Meninas com pomba. Litografia 1951. Tiragem desconhecida
A Refeição do Menino (ou Família), litografia 1951. Edição do autor. Tiragem 200 ex. Exp. II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953.
 
As pombas da paz da agitação partidária contra a NATO. O neo-realismo da Guerra Fria (1951-54) - um segundo momento de intensa movimentação política depois dos anos mais militantes de 1945-1947, no caso de Júlio Pomar e não só. 
Veja-se o calendário para 1954 editado por Victor Palla.
 

 


JÚLIO POMAR,  JOSÉ DIAS COELHO e ALICE JORGE