O Gadanheiro foi exposto nas mostras da 9ª`Missão Estética, em Évora e na SNBA em 1945 (título Gadanha) e não na 1ª EGAP; e tb na 1ª Exposição da Primavera, Porto, Ateneu Comercial.Foto atribuida a Eduardo Nogueira (1898-1969), com estúdio em Évora CME: https://arqm.cm-evora.pt/
Dordio Gomes, que chefiou a Missão, escreve no Relatório apresentado à Academia Nacional de Belas Artes, que organizava as missões anuais (1937-1963): «(...) só Júlio Pomar se não interessou pela cidade, inteiramente absorvido pelo homem e pelo drama, luta titânica com a vida e a natureza rebelde (...) É este homem sofredor e heróico, movendo-se no seu cenário próprio, que surge em todos os seus trabalhos e constitui uma outra face do Alentejo, que era preciso ir procurar fora de muros». In Joana Baião, Cem anos depois: a Academia Nacional de Belas-Artes. Contextos, protagonistas, ações (1932-1974), 2016. - https://www.academia.edu/29957248/
Dos trabalhos de Júlio Pomar realizados em Évora conhecem-se, além do Gadanheiro; Descanso (antes Ceifeiro – doado por Castro Rodrigues ao Museu do Neo-Realismo); Retrato de Camponês (Évora), col. Fundação Júlio Pomar, agora exposto; e um fragmento de Semeador (col. particular), obra destruída pelo artista, enquanto Sábado desapareceu acidentalmente – nos dois casos conservam-se as respectivas fotografias. Mais um fresco transportável, Ceifa, deixado nas arrecadações do Liceu e nunca foi encontrado (Cat. Rais. vol I Nºs 24 a 29.
Pomar participou na 9ª Missão quando apenas tinha iniciado o 2º ano da Escola do Porto, certamente em substituição de Fernando Lanhas, a quem já ficara a dever a entrega da direcção da página ARTE.
Mário Dionísio escreveu na Seara Nova (08-12-1945):
«A posição ideológica perante a realidade, o consciente aproveitamento da lição de alguns dos maiores pintores de hoje, nomeadamente dos mexicanos (seria possível sem Orozco os arrojados planos do Semeador e do Gadanheiro?), as várias experiências de cor para que se atira (repare-se no céu, no chapéu, no lenço do Gadanheiro, ...) atiram-no para o caminho das amplas tentativas para onde a mansa pintura portuguesa precisa de ser sacudida». E não falava aí de realismo.
Col. MoMA. (Note-se que então e em geral as obras se conheciam a preto e branco)
Armando Gusmão (Democracia do Sul, Évora, 09-10-1945):
«Mas entre todos os jovens pintores, o mais arrojado pela concepção é Júlio Pomar. Na pintura e no desenho deste artista de 19 anos, há intenção e vigor quase brutal de expressão. Transforma os tipos em forças. Se a sua pintura é boa já, e lhe vaticina largo futuro, os seus desenhos são do melhor que temos visto. É bom lembrar que Pomar fêz o primeiro ano do curso; os outros eram finalistas. Um quadro deste moço agitou a opinião dos visitantes: o Gadanhelro. É de facto o melhor, como pintura, num moço a quem ainda se não ensinou a pintar; o Semeador, no entanto, pode vir a ser superior, quando vier a ser terminado. Houve quem dissesse que o Gadanheiro de Pomar não era alentejano; e creio que na afirmação ia certa censura. Eu confirmo a opinião; confirmo... mas esclareço. Pomar deturpa ou deforma as figuras no sentido da magestade do conceito; mas não do conceito indivíduo, sim do conceito espécie, porque na sua arte não se traduz nem o indivíduo a nem o indivíduo b, mas o tipo potencial comum a todos os indivíduos duma mesma espécie. Que importa não ser o Gadanheiro de cá, nem de lá? Que importa não ser o Gadanhelro alentejano, nem beirão, nem minhoto, se essa não foi a intenção do seu autor?! O quadro de Pomar não representa um indivíduo: representa uma ideia, Pomar faz da sua arte uma arma de combate. Na sua arte não se dirige ao público que o vê nas exposições; dirige-se àqueles que representa, para lhes dizer: este é o que te quero.»
Em artigo anterior: (07-10-1945): "Arte é deformação e não servilismo ao formal da Natureza. A arte existe na Natureza, em sugestão e potência; para criar obra de arte é necessário dissociar da Natureza os elementos artísticos para os associar de novo. A Natureza carece, pois, de interpretação. Dá-la, tal qual ela se nos apresenta, não é necessário: temo-la diariamente sob os nossos olhos. Registá-la fotograficamente, não interessa. Mas observá-la, senti-la e transformá-la, para dela nos dar os seus múltiplos pormenores de sugestão, aí reside a função do artista. Transformá-la, sim! porque realizar, em arte, é transformar».
No jornal A Defesa, orgão da Igreja (06-09-46):
«...dois nomes que a ordem alfabética juntou mas a arte diametralmente separou. Resende é todo amoroso em luminosidade e em caracteres (...) Júlio Pomar é medonho nos seus óleos Sábado, Gadanha, Ceifeiro [depois chamado Descanso] e Semeador, lembrando as mãos crispadas e formidáveis do primeiro luvas de ‘boxeur’ e os rostos inspirações de Gorki. As figuras de Júlio Pomar reflectem grande anseio social e revolucionário, bebido mais na literatura estrangeira do que no convívio com o bom homem da terra alentejana. E no entanto estes dois artistas de mérito são da EBAP»
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Gadanheiro é o mais conseguido de uma série de quatro óleos, quase todos de grande formato, portadores de uma ambição pictural e política desmesuradamente heróica para a experiência do pintor. A concretização do projecto revolucionário sustenta-se aí numa firme estrutura compositiva diagonal e numa construção de profundidades espaciais, na paisagem estudada com Thomas H. Benton, que ampliam ameaçadoramente o movimento da figura do camponês brandindo a foice como uma alavanca que mudaria o mundo.
Pomar dirá mais tarde (*) que «acontece aqui pela primeira vez, ou pelo menos de uma forma mais nítida, qualquer coisa que vais ser uma constante na minha pintura, e que é uma relação entre o que se passa dentro da tela e os limites que o quadro tem. (…) há aqui um movimento, um tentativa de expansão, uma vontade de explosão, um choque com o limite, com os quatro bordos do quadro. Ou seja, o quadro é aqui duplamente investido pelo corpo em movimento: como acto e como imagem.» (A.Pomar, 2023, pp. 29-30) *em In Alexandre Melo, Júlio Pomar, suplemento de Arte Ibérica, Lisboa, nº 14, Maio 1998.
Michel Waldberg, Pomar, Ed. La Différence 1990, pág. 22:
"A mais 'demonstrativa' das telas antigas de Pomar é certamente o Gadanheiro (Ceifeiro). É uma figura 'banal' do mundo camponês, que a hipérbole transforma em símbolo, em arquétipo, que a hipertrofia (da foice, da perna, da mão, da manga, do pescoço, do queixo, do nariz, do chapéu) torna exemplar e ameaçadora. Que vai ceifar o ceifeiro? Quem o ceifeiro vai ceifar? De facto, para além, ou, talvez, aquém desta simbólica social (onde o fraco incarna a força, a desmesura) encontram-se já colocados todos os problemas que Pomar enquanto pintor, enfrenta: a relação da cor e do desenho, da cor e da luz, do fixo e do movente, da parte e do todo; a autonomia e a interdependência das formas; e mais concretamente ainda 'as mil e uma formas de utilizar a brocha, que aqui pica e ali raspa, palavras de quem surpreendeu Pissarro e Cézanne diante do motivo' *). Logo a lâmina da foice reclama a sua autonomia enquanto forma (pura forma, arrancada ao cabo pelo turbilhão do feno); logo aí ela escapa ao conhecido para se constituir à revelia (au su, a l'insu) do pintor em puro objecto de pintura. (...) Erigindo o ceifeiro como justiceiro, como corrector de males, Pomar erige-o também enquanto forma, na sua verticalidade; confere-lhe uma dupla rectidão. Mas Pomar, enquanto pintor, interessa-se menos pela injustiça e a sua reparação (que lhe importam como homem) do que pelo próprio processo da erecção.” (* J.P., Discours sur la cécité du peintre, La Différence 1985, pag 181 - traduções minhas.
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| Island Hay, 1945, Lithograph |
MUNCH, Ceifeiro, The Haymaker ,1916
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Com a abertura do Museu do Chiado que veio substituir o velho MNAC em 1994, a sua primeira directora, Raquel Henriques da Silva, conseguiu os fundos necessários para adquirir o Gadanheiro e também o O2–44, 1943–1944, de Fernando Lanhas. A colecção contava apenas com Menina com um Galo Morto, de 1948, adquirido por Diogo de Macedo em 1952 durante a exposição na Galeria de Março. O quadro era então da colecção de Manuel de Brito, que por cumplicidade com o artista e responsabilidade cultural, acedeu a vendê-lo.








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