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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

1951 1954. Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte II). O 2º tempo miltante, A Guerra Fria

 2º PERÍODO MILITANTE, 1951-1954

OS CARPINTEIROS* 1953 nº 100, 144x112cm. Exposto na 7ª EGAP.  Col. Sociedade Portuguesa de Escritores (1956-1965) > Associação... após o seu encerramento. A bicicleta era muito usada pelos funcionários clandestinos do PCP por razões de segurança - pode ser essa a "razão" do quadro, depois da bicicleta ter surgido noutra obra de 1950 com um casal de namorados (Na estrada de Aveiro, 1950 nº 66).


MULHERES NA LOTA (NAZARÉ)* 1951 nº 74, 74x121cm aglom. Exp. XLVIII Salão da Primavera SNBA. Col. Alice Jorge > ... AMJP. Uma fotografia que ficou no acervo documental registava esta cena, e uma linogravura de 1952 usou parte desta composição.

Não exposto:

MARCHA 1952 (nº 86) 122x199cm. Col. particular. Reproduzido pela 1ª vez no Cat. Raisonné em 2004; exposto no Atelier-Museu em 2020, em "O rosto impreciso... Retratos de JP". José Dias Coelho esta representado ao centro, entre o jovem casal; à direita o eng. Frederico Pinheiro e a sua mulher, Dina, camarsadas e proprietário do quadro; no bordo direito o escultor Vasco Pereira da Conceição, chefe do atelier da Praça da Alegria, que foi também lugar de tertúlia e ante-câmara da SNBA, então encerrada. Ver o capítulo "Marcha" em A. Pomar, 2023.


Em 1953, num artigo publicado em O Comércio do Porto, JP fazia a revisão (e reorientação) do percurso do neo-realismo e a auto-crítica dos desvios que ocorriam desde 1949:

"Entre aqueles que se afirmavam dentro dos princípios da corrente, alguns perigosos caminhos começaram a desenhar-se. Um lirismo, complacente, tende a substituir a agressividade dramática das primeiras tentativas. A procura de soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor de conteúdo; e isto não reflecte senão um alheamento dos problemas realmente vivos. Boa parte do que pintei nos anos de 49 a 51 oferece tais características, e desvios de tipo análogo marcam a obra plástica de Mário Dionísio. 

Tinham-se aberto «as portas ao maneirismo e ao formalismo e, em último grau, à renúncia dos objectivos abraçados com entusiasmo» 

"As razões desta fragmentação [no seio da corrente ou tendência do ‘realismo social’] devem procurar[-se] na evolução dos acontecimentos da vida portuguesa, no cair das ilusões que uma interpretação apressada das consequências da II Guerra Mundial ajudara a criar."

in «A tendência para um novo realismo entre os novos pintores portugueses», 22 dez 1953, reeditado em Estrada Larga 2, Porto Editora 1959, pp. 40-45 (antologia d'O Comércio do Porto, dir. Costa Barreto); reed. no catálogo Arte em Portugal nos anos 50, 1992, pp. 48-50 (dir. Rui Mário Gonçalves), e em Notas sobre uma arte útil, Atelier-Museu/Documenta 2014, pp. 287-288. Porque foi este o seu último artigo publicado na imprensa, à época, ficou sempre por esclarecer. 

 A mudança envolvia a temática de várias das pinturas posteriores a 1951, numa nova militância política, e partidária, e também o estilo ou linguagem da pintura, que é mais austera (sem a pulsão lírica e decorativa anterior) e de uma figuração mais exacta, numa certa aproximação ao que era o realismo socialista de produção francesa, e tinha, aliás, larga expressão internacional, em especial americana: na exposição "Postwar" de Enwezor, 2016, JP é exposto ao lado de Alice Neel. A par de numerosas obras decorativas de encomenda, incluindo vitrais e baixos-relevos, uma outra linha de produção experimentava livremente  a paisagem sem sentido naturalista, antes com abertura ao imaginário (Barcos, Ericeira 1953- nº 94*) e que há data não foi exposta -, e produziu várias gravuras que se integravam na campanha política pela paz. (ver a seguir)

A antologia de 1986 (itinerante no Brasil e vista no Centro de Arte Moderna) passava directamente de 1951 para 1960. Na anterior retrospectiva (1978 Gulbenkian, Museu Soares dos Reis e Bruxelas) tinham entrado onze obras da década de 40 e só duas da de 50: só Mulheres na Lota (Nazaré)*, que ficara na casa de Lisboa com Alice Jorge, e o Estudo para o Ciclo 'Arroz' II. É um tempo de crise, também pessoal, de escassa produção e em grande parte encomendas decorativas. foi depois um tempo de apagamento de memórias.

É o período das campanhas pela paz que o PCP promovia nos anos 1949-54, no quadro da Guerra Fria e da guerra quente da Coreia. Mobilizavam-se acções de rua e abaixo-assinados de apoio ao Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, aprovado em 1950, e em especial contra a reunião do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952 no Instituto Superior Técnico, depois da adesão portuguesa à NATO ter sido ratificada em Julho de 1949 – acontecimento e movimentações que vinham abrir brechas nas dinâmicas da Oposição, antes tendencialmente unitária, separando comunistas e democratas, estes favoráveis ao lado ocidental. 

É também um período de forte repressão policial e censória que decorreu durante e depois das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Ruy Luís Gomes (em 1949 e 1951, respectivamente, quando falhara a candidatura do almirante Quintão Meireles e a de R. L. G. não foi aceite). Naquele ano de 1952 a SNBA foi fechada e interrompeu-se a sequência das Exposições Gerais, por Eduardo Malta ter sido expulso de sócio devido a um conflito público com Dias Coelho. Era também o tempo da polémica interna do neo-realismo, em torno da orientação da Vértice, a que se liga um «desvio sectário» que fracturava os meios intelectuais, com um PC debilitado por muitas prisões. (Depois, com a morte de Stalin e o relatório de Khrushchev, viria o chamado «desvio oportunista de direita», de 1956-59, a seguir outra vez «corrigido» pela fuga de Cunhal de Caxias, em 1961.)


Em 1952 fizera uma declaração de independência, numa publicação francesa em que José-Augusto França o associava ao realismo socialista:

Sem título [ Le sujet n’est pas le contenu» (O assunto não é o conteúdo) ]

«Deformação profissional: não acredito na infalibilidade do Papa. Cada dia, cada minuto, reponho o mundo em questão. O trabalho (métier) de pintor é um trabalho de pesquisas, de descobertas, de invenções: pesquisas, invenções, descobertas que nascem da vida e a ela retornam. Houve um tempo em que desprezei certos assuntos? Erro meu. O assunto não é o conteúdo, é um pretexto, e mais nada. O conteúdo é a síntese dialéctica entre o tema e a experiência pessoal e vivida do artista. Ela manifesta-se na forma, vive nela, é exaltado por ela. Os conteúdos das minhas telas são “as razões que me ajudam a viver”.»

in Premier bilan de l’art actuel 1937-1953 (sous la direction artistique de Robert Lebel), Le Soleil Noir: Positions, Paris. Cahiers Trimestriels, n.º 3 et 4, p. 314


As pinturas políticas:




Esse segundo período, que se situa a partir de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951, recupera a firmeza austera de um realismo social interventivo, seguramente sensível à disciplina estética que chegava de França (era o "nouveau réalisme" de breve curso), mas com liberdade formal. Fez nesse ano a primeira viagem a Paris e aí visitou Pignon, Fougeron e Taslitzky, mas não deixou testemunho do que viu, apenas referência ao facto. Ao tempo Mário Dionísio publicava na Vértice os seus Encontros em Paris, onde dialogava com muita reserva com os dois últimos pintores franceses referidos, e em 1952 deixou o PCP, na sequência do conflito sobre as colaborações de comunistas na revista Ler, das Publicações Europa-América; a seguir condenou a participação portuguesa na 2ª Bienal de São Paulo tutelada pelo SNI, deixou de expor nas Gerais e desligou-se da SNBA. Em face do artigo publicado no "Comércio", cortou logo relações (até 1966). Ver M. Dionísio, "Passageiro Clandestino" Volume I, p. 112: um breve parágrafo em que o refere como "uma das várias serpentes que ingenuamente abriguei no meu seio"

De facto, a reconsideração do movimento neo-realista e a explícita autocrítica presentes no artigo de Pomar publicado em 1953 n’O Comércio do Porto (e não na Vértice como era mais habitual) não seria uma cedência circunstancial à pressão partidária, mas foi muitas vezes como tal interpretada - e por isso depreciada. 


Vejamos a seguir as obras decorativas, as paisagens "íntimas" e imaginárias, por fim as gravuras que participam da militância pela paz.