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domingo, 15 de maio de 2016

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 Nuno Viegas desde 2001

2011 A de Animal

Arte Periférica 5 nov. CATÁLOGO (tx NV)

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05/15/2016

Nuno Viegas na Colecção Cachola

domingo, 14 de novembro de 2010

Eduardo Batarda, 1983 1992 2001 2004 2010 2011

1983


Uma exposição:


Batarda na 111


DN 09 02 83, caixa


Eduardo Batarda Fernandes está de regresso com uma importante exposição na Galeria 111, ao Campo Grande, que vem demonstrar a constância de uma notável carreira e, simultaneamente, dar a conhecer uma nova direcção do seu trabalho.

Dois processos, a aguarela e o acrílico, e duas fases cronologicamente diferenciadas, de 1972 a 1980 e deste ano a 1982, marcam as obras agora mostradas: as agrupadas no primeiro período são a reapresentação - já em grande parte observada na exposição que em 1979 Batarda fez no Teatro da Cornucópia, ou até na que como bolseiro levou à Gulbenkian em 1975 - de uma imaginativa figuração sarcástica classificável dentro das fronteiras da «pop-art». Nas pinturas posteriores a 80, observa-se uma decidida viragem assente, contudo, sobre fundamentais continuidades.

As obras despem-se do seu aparente suporte anedótico, substituem ao comentário de elementos da actualidade política ou de narrações paródicas a ocasional referência a fragmentos de realidade («Candeeiros, cubismos, cães e colunas»), integram o seu erotismo no diálogo das cores, prescindem da anterior rede de cruzadas mensagens escritas. Afastando-se da citação dos «comics» e da anterior legibilidade narrativa e satírica, os novos acrilicos de Batarda mantêm a mesma ausência de espírito construtivista <??> e um idêntico humor paródico exercido sobre os elementos da pintura, os «significados» e os estilos.

A meticulosa anotação de pormenores, o rigor da execução sob a «desordem» das citações, inscrições e grafismos, o trabalho de sobreposição de possibilidades de leitura, convertem-se, na sequência de algumas aguarelas onde os elementos figurativos iam rareando (sem que tal facto alterasse os processos de composição, ou assumindo explícitas sugestões de mapas), numa luta contra o domínio do desenho, numa mais livre prática da pintura, tão pouco interessada pelas evidências ou pelas conveniências da «arte» como os trabalhos anteriores.

Estritamente pessoal, mesmo quando se cruzava com as «novas figurações» dos anos 60 ou se deixa comparar a outros «regressos à pintura», o trabalho de Batarda, agora lançado numa investigação (que o número das obras expostas mostra ser intensamente trabalhada) de novos caminhos, reafirma-se como um dos importantes itinerários plásticos que entre nós se percorrem.

As aguarelas de Batarda foram, num plano imediato de leitura, um inventário de actualidades e de «citações» mitológicas, políticas, literárias, de crítica mordacidade, que o autor, porém, expressamente assumia como «um comentário permanente ao estado

actual das artes visuais». É óbvia a permanência nos trabalhos recentes dessa mesma vontade do «comentário”, que investe por igual sobre a sua própria produção. Abandonada a carga «literária» e ilustrativa dos primeiros trabalhos, a pintura de Batarda

continua a ser um exercício de humor. Continuidade de um posicionamento pessoal, essa é também uma via de radical actualidade.


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EDUARDO BATARDA

111

EXPRESSO, 1983 23 fevereiro, nota


“O meu trabalho», dizia Batarda em 1975 (referindo-se então às aguarelas directamente satíricas em que uma figuração bem legível era aproximável de uma origem Pop), tornou-se «um comentário permanente ao estado actual das artes visuais». Dez anos depois, passado da aguarela ao acrílico e praticando uma pintura em que um primeiro olhar não encontra relação com a obra anterior, o trabalho de Batarda é também um comentário ao estado actual da pintura.

Nesse comentário se soma à mesma ironia, uma extensa informação (e Batarda foi também autor, em 74-75, de críticas de arte de grande rigor, certamente bem incómodas também para os críticos de ofício) e uma originalidade criativa a grande altura: o dito comentário não é uma actividade apenas analítica, defensiva ou austera, mas uma intensa prática que através de varios desafios e riscos se coloca, hoje num primeiríssimo plano da criação plástica.

Prática por isso, claramente afirmativa, onde o humor continua a ser uma das qualidades no reexame do que podem ser os temas ou pretextos da pintura, as regras de composição, os códigos de oficina ou de leitura. Prática sem literatura, mesmo quando o prazer ou gozo desta pintura se prolonga nos titulos de cada peça (exemplo «Capitel/ Pêndulo (Terror)») ou nas inscrições codificadas de alguns quadros.


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1992


Dificuldades e armadilhas


Batarda pinta com ideias (de pintura), mas não tem só uma ideia de cada vez



EDUARDO BATARDA 

Galeria 111

Expresso 4 04 1992


Reconhece-se o estilo, a autoria, logo no tratamento das superfícies lisas, envernizadas, aparentemente a preto e branco, e tambem na malha das barras/riscas que ora são rectas, ora se encurvam e sobrepõem, ora se enredam em elípticos turbilhões: um quadro reinvia-nos sempre para outros quadros. Observa-se depois a variação desde as telas da última exposição (em Lisboa, Dezembro 1989): os formatos são menores e a fragmentação e acumulação dos elementos menos vertiginosa.

Percebe-se, a seguir, no formato dos quadros, no sistema de composição e nos títulos, e por último no texto de E.B. incluído no catálogo, que o retrato ou «a cabeça» (o género académico, a «figura») ocupam o pintor em parte significativa do que expõe. Mas estamos sempre perante enigmas (ou paródias de enigmas): o retrato aqui não é figuração, não representa o mundo nem transporta expressão emocional ou carga simbólica - Batarda pinta com ideias (de pintura, claro), coloca «dificuldades e armadilhas» ao espectador, e cada elemento é sempre a ocultação-sedimentação de outros elementos, o «significado» de cada forma é sempre a possibilidade da deslocação permanente e infindável do seu sentido (não há uma chave última).


Estes quadros, escreve E.B., «"baseiam-se" na representação cónica dos Infernos (é mentira) combinada (o gajo quererá dizer "icónica"?) com as cabeças, urnas, torsos (tónica?), couraças, escudos de armas, e pelo menos um objecto reconhecível da tradição modernista (mentira?)». (Sic)

Não escreve, mas vê-se que um «objecto reconhecível» é o secador de garrafas de Duchamp. Não se trata de uma citação, mas de um comentário (o objecto é invertido e «analisado» do interior - ver, por exemplo, Seca e Interior), ou de uma atitude (persistir na reconciliação de Duchamp com a pintura, o que para a história se deve atribuir definitivamente a Jasper Johns), e também da conversão de uma forma escolhida em emblema neutro, deslocando o seu carácter específico para o interior de uma outra estrutura, tomando-a por base de uma nova «multiplicidade de níveis de interpretação».

Outra passagem por Duchamp parece também fazer-se, a propósito das «cabeças» ou caveiras/retratos: é a Fonte ou urinol, como sugere explicitamente um título, “Fontana Candida”. Mas Batarda avisa-me que este é o nome de um vinho romano (há outros dois vinhos na exposição: Batard-Montrachet e Bucelas); e, como se sabe, Fontana é o nome de outro pintor, Cândida é neme de mulher, e as fontes na pintura são ainda uma memória antiga — como sempre, tudo se complica também pelos lados da história e da autobiografia. O retrato não é representação, nem pretexto para fazer «abstracção»: é, se se quiser, motivo, uma maneira de começar um quadro, uma escolha indiferente, talvez uma imagem-tipo, e o valor referencial importa menos (nada) que as operações em jogo na pintura, as regras e sistemas da pintura, o encontro com as imagens da tradição e da atualidade da pintura, o entendimento do acto de ver e do que ser artista quer dizer.


Nada está ali para facilitar a vida ao espectador (embora esta pintura também seja, natural e intencionalmente, decorativa - mas não se julgue que esta e uma palavra fácil). O exercicio artesanal/pictórico é aqui uma prática da inteligência e de conhecimento («há sempre quem veja erudição no alfabeto», E.B.), onde o humor rima com o enigma (teriamos metafisica ou esoterismo sem o humor) — mas nunca a pintura foi só um exercitar da visão, e Duchamp foi mais uma chamada «à ordem». Sabe-se que a (aparência de) actualidade («uma ideia de cada vez», E.B.) não suspende o tempo, antes e depois — o trabalho de Batarda já tem um tempo longo (gozo nosso, problema dele) e antes outros pintores houve, o que não lhe traz, escreve, «desejos de intemporalidade». Por isso, os seus quadros «deverão fingir anacronismos ou, talvez, paródias de tentativas de acronismos». «Não são "de agora". São quadros».

No texto do catálogo, Batarda diz ainda que «fazer contra» e «opor-se à estupidez» foram o seu programa desde sempre. Ele é o melhor «leitor» da sua pintura e avisa agora que abandonou a subversão e se instalou na neutralidade. Não faz «exercícios de espirito»; menos programatico, trabalha a pintura «entre a dúvida e a indiferença».





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Eduardo Batarda

Galeria 111, Porto   

26-05-2001

Batarda não costuma facilitar a vida ao espectador e é sempre conveniente avaliar com precaução as pistas que fornece ao apresentar a sua pintura. Desta vez ele próprio avisa que é costume ser tomado a sério quando está manifestamente a brincar. Ao dizer agora que com as suas mais recentes obras quis «memorizar as pinturas e mais bonecadas que ornamentam alcovas e roulottes das nossas porno-divas favoritas», com referência precisa aos filmes X da TV Cabo, a pista é decididamente inverosímil, mas constituirá um travão à pulsão interpretativa que procure traduzir a pintura em representações e significados. 

O que vemos é um exercício de encobrimentos, ocultações e camuflagens que torna inviável o reconhecimento do que quereríamos encontrar no quadro para repetir e confirmar o que já vimos noutro lado. É de pintura que se trata, como realidade própria, com o seu acontecer irredutível a outra sorte de imagens, e é de uma autoria e certamente de um estilo que se dão provas, sucedendo-se a si mesmo sem se programarem como capítulos ou séries. E entretanto há indícios a seguir, como sucede no título do mesmo texto, «Cataventos — Paisagens — Suburra», sendo o último o nome de mal afamado bairro de Roma e, portanto, a sequência dos anteriores quadros «porno-romanos». Paisagens, logo pelo formato trabalhado, algumas saloias, outras elegantes ou turbulentas nos seus labirintos vertiginosos. 

Mais uma «radiografia», que serve de pista para a presença do corpo e talvez do retrato como género, bem como de ponto de partida para uma diferente «maneira» em que se trocam as relações entre figura e fundo, em espaços intersticiais que se conjugam nas curvas e contracurvas de formas invasoras com sugestões orgânicas e heráldicas, «cataventos» abertos a muitos sentidos. (Até 26 Jun.)


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Eduardo Batarda  

Gal. 111  

 06-06-2004

«Miniaturas e Pequenos Formatos»: o título refere-se apenas às dimensões das obras expostas, em papel e em tela. Pode ser um convite a que o espectador suspenda a necessidade, ou vício, de traduzir o que vê, entendendo a arte como algo a decifrar (enigma a interpretar como apropriação do real, desejo de transcendência, etc.), e veja apenas: superfícies lisas de cores diversas que são invadidas ou rasgadas por uma forma única ou unificada, proliferante, ora incisão ziguezagueante ora mancha mais rotunda - mas essa «dialéctica» entre figura e fundo perturba-se com as relações entre as respectivas cores (e não-cores) e, ao reconhecer-se na superfície aparentemente lisa que começa por ser fundo, um acto de encobrimento do que já estaria por baixo. Essa prática da ocultação ou da camuflagem torna-se agora apagamento ou obliteração e parece ser aqui levada (depois de estar presente em ciclos de obras anteriores como estratégia de multiplicação de citações, referências e comentários) a uma dimensão extrema, que, em vez de criar enigmas ou segredos, impugna a possibilidade de designar sentidos, para além do sentido determinante dessa própria e decisiva recusa. As tais formas serpenteantes ou gordas «parecem» orgânicas (esqueletos, intestinos ou outros órgãos, possivelmente sexuais, contornos e interstícios de corpos) e, por vezes, prolongam-se, sem interrupção, em formas cortantes que lembram lâminas, serras, pregos, talvez armas ou objectos de tortura - mas estamos apenas diante das nossas projecções. Referências que o artista fez a filmes pornográficos foram pistas marcadas pela ironia, a associação a tatuagens não serve de chave de leitura iconográfica, ou seria apenas uma estreita pista sem saída. Voltando ao formato, recupere-se apenas a classificação como retrato (face à horizontalidade da paisagem), para dele restar a sua impossibilidade, e recorde-se essa outra marca aristocrática de identidade que é o brasão, substituído por vísceras, fissuras e outros acidentes graves. (Até 19)


Galeria 111, "Bicos"

11/14/2010, Blog Typepad


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2011

Eduardo Batarda, “Outra vez não" (Fundação de Serralves, Porto, até 11 de Março) 

O título insólito adequa-se a uma obra que tem feito do humor sempre idiosincrático uma das suas linhas de continuidade, entre a erudição e a auto-irrisão, levantando com múltiplas armadilhas, com inscrições e ocultações, a questão de como interpretar a pintura e as imagens, as suas eventuais referências e os comentários que as acompanham. Os seus inícios propunham narrativas críticas, ligadas à cultura pop e comparáveis aos imagistas de Chicago; as obras posteriores tornaram-se crípticas. A retrospectiva (que se segue à de 1998 na Gulbenkian), é uma coprodução com a Fundação EDP e está associada à atribuição do Grande Prémio EDP Arte em 2007.

sábado, 28 de agosto de 2004

2004, Serralves, "Circa 1968" 3, Arte e Política (Interfunktionen)

 Expresso 28-08-2004

"Arte e política"


Os anos conturbados de 1968 a 1975 revistos numa perspectiva que dissocia a vanguarda artística e o envolvimento político

Cinco anos depois da exposição que inaugurou o Museu de Serralves, regressa-se a «Circa 68», ou seja, a algumas das manifestações artísticas de um tempo de todas as contestações, quando terminava a era de optimismo e desenvolvimento acelerado que, nos países do Ocidente, se seguiu ao fim da II Guerra Mundial. Após a exacerbação da Guerra Fria, com a edificação do Muro de Berlim, em 1961, a crise dos mísseis em Cuba, no ano seguinte, e o envolvimento militar no Vietname, em 1964, tem início um década de radicalização política e social que extravasa os quadros partidários e parlamentares, prolongando-se nos movimentos antiautoritários e num contexto de «mal-estar cultural» antiburguês de profundas consequências. Os ecos da Revolução Cultural na China e o terceiro-mundismo da «tricontinental» de Havana, a partir de 1966, as revoltas estudantis e Maio de 68, os diversos esquerdismos e a passagem à guerrilha urbana e ao terrorismo (a fracção Exército Vermelho, na Alemanha, e as Brigadas Vermelhas, em Itália, a partir de 1970), a invasão da Checoslováquia (68) e o golpe de Estado que derruba Allende (73) são alguns marcos essenciais.

Nada ou quase nada desse muito conturbado mundo político está explicitamente presente na actual mostra (a excepção, sem a pretensão de ter assistido a todas as projecções, será um filme de Wolf Vostell, de 1969, onde se vêem apenas as palavras «estado de emergência» projectadas sobre as paredes de Munique ao longo de sete soporíferos minutos). Poderá dizer-se que, nesta recuperação museológica dos objectos e documentos das acções artísticas destes anos de revolta, a arqueologia oculta a história.

«Por Trás dos Factos», título que no Porto não se traduziu (ao contrário do que aconteceu em Barcelona), sugere uma ligação subterrânea ou oculta da arte com os acontecimentos sociais e políticos. Mas é, de facto, a um fechamento da arte sobre si mesma que quase sempre se assiste, enquanto experiência dos seus limites (a inovação, ainda) e fronteiras (incluindo tudo o que poderia ainda ser não-arte), «reflexão» sobre a identidade essencial do fazer artístico, os seus códigos linguísticos e o contexto da circulação dos objectos (por exemplo, Hans Haacke apresenta os sucessivos proprietários de um quadro de Seurat), ou como a sua própria autocontestação («a arte corrompe», dizia Jochen Gerz; é «objectivamente reaccionária», insistia Buren).

Observa-se em paralelo uma ensimesmada e narcísica exposição do artista em si mesmo, do seu rosto e corpo, muitas vezes nu e em vários casos em acções autosacrificiais (Gunther Brus e Valerie Export), que podem ter a interacção com o espectador como pretexto ou privilegiar o exame conceptual do «eu» físico e psíquico no espaço fechado do estúdio (nas impressivas obras de Bruce Nauman). Preferindo os comportamentos artísticos às obras, numa lógica de recusa da autonomia do objecto de arte e do seu destino mercantil, «há um deslocamento da obra dita aurática para o artista aurático... a dessacralização da arte culmina na fetichização/histerização do artista», como escreve Birgit Pelzer num importante texto do catálogo que foi traduzido em A Obra de Arte sob Fogo. Inovações Artísticas 1965-1975 (co-edição de Serralves com o jornal «Público»).

No entanto, ao contrário do que leva a supor a escolha das obras e documentos expostos (sempre de artistas que colaboraram na revista alemã «Interfunktionen», mas sem coincidirem com as aí reproduzidas), os anos em causa são marcados por uma tendência generalizada da arte para a sua politização, o que, entre muitas intervenções de circunstância (e de instrumentalização da arte), inclui o uso militante das imagens e várias formas críticas de realismo.

A alegada neutralidade da pop é interrompida em 1965 pelo F-111 de Rosenquist, Rauschenberg utiliza imagens da actualidade serigrafadas, Kienholz é um crítico violento da sociedade americana, Golub e Nancy Spero são artistas políticos, Mark Di Suvero desenha a monumental Tower for Peace em Los Angeles onde se acumularam pequenos quadros de 400 artistas (1966) e exila-se depois em Itália, as «Angry Arts Week’s» sucedem-se em 1967, a Art Workers Coalition é criada em 1969, etc. Muitas obras de Öyvind Falström têm um explícito conteúdo militante, a Figuração Crítica francesa organiza em 69 a Sala Vermelha pelo Vietname, e o Salon de la Jeune Peinture declara-se ao lado da classe operária; na Alemanha, em 1970, grandes colectivas intitulam-se «Funções da Arte na Nossa Sociedade» e «Arte e Política»; o Equipo Crónica intervém na Espanha franquista; Baselitz e Schonebeck, Lupertz e Penk enfrentam o passado alemão, Polke propõe com ironia o Realismo Capitalista. A cronologia publicada em Face à l’Histoire (Centre Pompidou/Flammarion, 1996) é eloquente.

Dedicando-se às neovanguardas dos anos 60/70, circunscrevendo um universo de experimentação interdisciplinar com diferentes «media» e formas artísticas em que o vídeo toma um papel cada vez maior entre as linguagens artísticas, a abordagem da exposição toma a condição de vanguarda como um valor intrínseco, desfazendo-se das formas intervenientes do compromisso político. O ponto de vista «artistically correct», que dissocia a vanguarda artística e a política, pretende ser também uma forma de localizar nessa década os inícios da arte actual: «Foi em 1968 que se inventou um fenómeno ao qual se deu o nome de ‘arte contemporânea’», diz o agressivo marketing de Serralves.

Behind the Facts. Interfunktionen 1968-75
Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, até 3 de Outubro

Keith Arnatt, «I’m a Real Artist», 1969-72
«Salsicha de Literatura», de Dieter Roth, 1969   

II

Expresso 04-09-2004

"Comércio de ruínas"
Segunda visita aos vestígios das rupturas artísticas de 1968

Esta exposição não se percorre numa circulação mais ou menos contemplativa por entre objectos. Em princípio não há, não deveria haver, objectos, mas sim acções e comportamentos, embora estes, recuperados como história, se assemelhem perigosamente a obras de museu. À contemplação, alegadamente passiva, de objectos de arte autónomos, desligados das circunstâncias do seu tempo e lugar, deveria substituir-se a interacção, o envolvimento cúmplice ou reactivo com os propósitos críticos que os motivaram, enquanto arte ou não-arte, contra as convenções artísticas e sociais suas contemporâneas. Estamos, é preciso notar, não no terreno da criação artística especializada, onde a especulação formal levaria sempre mais longe a crítica da tradição, mas no campo da revolução artística, da utopia social e do radicalismo político.
Quando, como escrevia o crítico francês Jean Clay na revista «Studio International» em 1970, se assistia «à agonia do regime cultural mantido pela burguesia nas suas galerias e museus». Mais do que uma ou várias visitas, aliás, seria necessário viver no museu e transferir a realidade colectiva do quotidiano para o seu interior, porque a coincidência romântica entre a arte e a vida foi uma ambição das neovanguardas das décadas de 60/70. Ou, mais prosaicamente, porque assim o exigiria a extensão dos numerosos filmes e vídeos que se exibem - a experiência seria de um aborrecimento mortal.

Entre as projecções eternizadas em «loop» ou em exibição rotativa, não se percam os 96 minutos do filme de Mauricio Kagel, La Baignoire de «Ludwig van», de 1969, uma das mais importantes obras «expostas», discretamente situada no fim da ala direita do museu. Vale a pena acompanhar a câmara que visita a casa onde Beethoven supostamente nasceu, através dos quartos imaginados por Ursula Burghardt, Joseph Beuys, Robert Filliu, Diether Roth, Stephan Wewerka e o próprio Kagel (uma sala de música integralmente revestida por pautas), enquanto se ouve a peça que compôs a partir das sinfonias do seu antecessor.

Neste caso trata-se de um filme e não propriamente da exploração de novos «media», a qual constituía uma das orientações essenciais da revista alemã «Interfunktionen», de 1968-75, cuja evocação serve de argumento à exposição, mas o seu carácter interdisciplinar, em conformidade com o interesse de Kagel pelo teatro musical, satisfaz a defesa da abolição de fronteiras entre disciplinas artísticas. Esta ambição, que já não era inovadora, tinha então como referência mais directa o movimento Fluxus, criado em 1962 nos Estados Unidos, com origem no ensino de John Cage, mas que na Alemanha teve um desenvolvimento menos dadaísta e zen e mais retoricamente político, com Beuys e Wolf Vostell. Os dois tiveram uma influência preponderante nos primeiros tempos da revista de Colónia, e a exposição inclui igualmente obras de Maciunas (as suas latas de alimentos não são arte pop, mas a sua caricatura), George Brecht e D. Roth.

A música, entretanto, está especificamente presente através de obras de Philip Glass, Steve Reich, Kagel e Jon Gibson, que se podem ouvir em auscultadores. Mas são as imagens projectadas que predominam na exposição, continuada, aliás, pela apresentação simultânea da «galeria televisiva» de Gerry Schum. É através do filme e também da fotografia que podem entrar no museu as acções que pretenderam sair dos espaços fechados do atelier e da galeria, com o propósito de intervir na natureza, de a tomar directamente como material, de reviver a ideia de sublime nas imensas paisagens americanas e/ou recusar a recuperação mercantil dos objectos. Seria este último aspecto que mais aproximou a revista dos artistas que se identificam com a Earth Art ou Land Art, como Robert Smithson (a sua Spiral Jetty é tema de um filme), Walter de Maria ou Richard Long.

Outra corrente que está presente através da mediação do filme e da fotografia é a da arte corporal, onde o corpo é usado como objecto ou matéria, nas «missas negras» dos accionistas vienenses (Günther Brus e Valerie Export) ou em acções de Bruce Nauman, Vito Acconci e outros, identificados com a Body Art, enquanto em Rebecca Horn é essencial a criação de próteses ou adereços. Com o aparecimento do vídeo portátil, em 1965, passava-se do registo documental de «happenings» e rituais a outro tipo de «performances» que exploravam a interacção com a imagem espelhada no ecrã (Body Press, de Dan Graham). Entretanto, as correntes do cinema experimental dos anos 50 e o «underground» dos 60 (Robert Frank e a contracultura beat, os Fluxfilms, Warhol) prolongavam-se no cinema dito estruturalista ou conceptual com a desconstrução ou destruição das qualidades materiais do filme (Paul Sharits, George Landow e Wilhelm & Birgit Hein).

O diversificado panorama que a exposição propõe recorta a realidade dos anos 68-75 a partir do activismo da revista «Interfunktionen», surgida da contestação à IV Documenta de Kassel e da agitação da Academia de Dusseldorf, protagonizadas pelo movimento Lidl de Immendorff (as suas pinturas de 1974 pretendiam-se maoístas) e por Beuys, então afastado do ensino. Ao contrário da informação de Serralves, é errado atribuir uma «reaccionária concepção de arte» a uma Documenta inteiramente voltada para a actualidade, que expunha a pop, a arte cinética, instalações ou «environments» e incluía Edward Kienholz, Öyvind Fahlström e também D. Roth e Beuys. No entanto, é oportuno acompanhar algumas questões de fundo que se levantam no catálogo e no livro co-editado por Serralves e o «Público».

Ulrich Loock, director-adjunto do museu, refere que, «dado o fracasso do projecto político da ‘geração de 1968’, não surpreende que hoje se suspeite que a revolução aparentemente bem sucedida verificada na arte cerca de 1968 tenha, na verdade, sido uma revolução conservadora», remetendo para a análise crítica de Birgit Pelzer sobre «estes anos extremamente politizados, amargos, apaixonados, rebeldes, utópicos».

Perdidas as ruas, as neovanguardas ganhavam, a troco da sua neutralização política, a entrada nos museus e no mercado, passando das margens para os centros do poder. É o que sugere Birgit Pelzer: «Ao ratificarem o arbitrário e o absurdo de toda a problemática sobre o valor em arte, estas práticas interpretaram-na, em última análise, estritamente segundo os próprios termos do mercado, ao ponto de hoje anteciparem e explorarem a sua própria recuperação através desses mesmos mecanismos.»
«Instalações cada vez mais gadgetizadas, legitimando-se muitas vezes através de pseudoquestões sociopolíticas, introduzem o espectador numa cacofonia ensurdecedora e na sua própria obsolescência programada. Assistimos agora a eventos de marketing promocional para produtos de consumo em lugar de práticas de pesquisa, de experimentação, de laboratórios de preocupações e dúvidas.»

«Behind the Facts»
Museu de Serralves, até 3 Outubro

legendas
Joseph Beuys, cerimónia messiânica de um escultor social, xamã e activista político
Psicodrama sacrificial de Günther Brus   

sábado, 13 de abril de 2002

1998, 2002, 2004, Culturgest, Colecção CGD

 1998