Nuno Viegas desde 2001
Se há artistas dos anos 00, da primeira década do século, Nuno Viegas é um dos primeiros.
Começou assim em 2001, na colectiva dos dez anos da Arte Periférica:
A rotina do engomadinho, 2001, 250 x 200 cm
(As obras não são cromos, são pinturas, com o que isso implica de matérias, sobreposições, densidades, vestígios, e são de grande formato - ao contrário do que sucede aos artistas de reproduções, são para ver ao vivo)
Não são pinturas "perfeitas", são obras que têm ambições e correm
riscos. Não se nasce ensinado, nem os artistas se "consagram" nas
primeiras exposições: a maturidade de um pintor é uma palavra com
sentido.
2.
2003 "Lava"
Arte Periférica
15-11-2003
N.V. surgiu em 2002 com uma mostra individual que constituiu uma das boas surpresas do ano, vindo da Faculdade de Belas Artes de Lisboa e notado em anteriores colectivas. Confirma agora essa aparição com uma mostra que se apresenta em duas partes, reunindo a primeira trabalhos sobre papel, de desenho e pintura, e a seguinte, a partir de 6 de Dezembro, pinturas de grande formato.
É uma produção proliferante e convulsiva, torrencial, nos seus
materiais e processos (tintas plásticas, esmaltes sintéticos, colas e
vernizes, papel fotográfico, etc.), o que o título «Lava» traduz,
acompanhando-se por um curto texto do autor sobre «a matéria fervente»,
instável e devastadora, com que constrói e destrói, arrasa e regenera,
a imagem - «impregnada pelo germe que foi buscá-la ao imprevisto,
trazendo-a para um estado de constante iminência, que não permita que a
ideia se consolide ou se mantenha na aparência e que a forma se feche
ou acabe».
É uma forma de dizer que o que acontece sobre o suporte
é muito mais do que uma imagem aparente, a qual é visível como matéria
e acção para lá do que se reconhece como motivo e ideia gráfica -
observe-se a distância que vai das reproduções do catálogo às obras
realmente vistas, na sua densidade material e no acerto das escalas, do
pequeníssimo formato dos desenhos à vastidão das telas.
Sublinhe-se
o humor figurativo dos desenhos, a passagem irónica ou perversa da
observação à monstrificação das figuras, a luta contra o fácil e
agradável, a diversidade das experiências e a ambição patente nas
grandes pinturas, onde se circula entre o real quotidiano e o
imaginário. À margem das normas que o sistema recomenda. (Até 5 Dez.) CATÁLOGO, tx NV
Sauna, 2003, esmalte sintético, tinta plástica, acrílico, verniz, cola de madeira e caneta de feltro sobre tela, 220 x 180 cm
3.
2004 "A tinta envenenada"
Centro Cultural de Cascais, Julho
31-07-2004
Um
novo conjunto de pinturas e outro de desenhos dão continuidade ao
trabalho de um dos mais interessantes jovens artistas surgidos já na
presente década. Enfrentando a figura em situações contemporâneas (o
acidente de automóvel, uma devassa de arquivos) ou mais ou menos
fantasistas, aproximando-se de uma visão crítica da sociedade, com um
humor que transcende a observação, N.V. enfrenta o que parecia
impossível nos dias de hoje à figuração pictural.
A invenção de
processos e de materiais (a «lavagem» dos desenhos a tinta da Índia, o
uso de esmaltes sintéticos, cores fosforescentes e colas) sustentam uma
exuberância oficinal paralela à veemência das imagens. (Até 4 Set.)
4.
2006, "O Precipitado", Arte Periférica.
#
VER : 11/29/2008
Nuno Viegas no CCB : A Núvem Nódoa
Arte Periférica 1ª parte: 15 nov. CATÁLOGO tx NV
2ª parte: 15 dez. CATÁLOGO
#
2009 "Temor e tremor"
Arte Periférica, CCB, até 13 de Janeiro
12/24/2009
Pinturas maximalistas
acrílico, esmalte sintético, tinta da índia, verniz, marcador de têmpera, lápis de cor e grafite sobre tela, 220 x 180 cm
"Le Flâneur" - esmalte sintético, acrílico, verniz, tinta da índia,
marcador de têmpera e lápis de cor sobre tela, 220 x 180 cm.
NUNO VIEGAS
desde 2002 regularmente (n. 1977, Almeida), sempre na mesma galeria, salvo em 2004 no Centro Cultural de Cascais, e em 2005, data de dois nºs da revista Colóquio muito ilustrados.
Neste caso há um personagem (o mesmo?) quase sempre presente nos quadros de maior formato. Primeiro "Em águas de bacalhau"; ao centro e ao fundo a "Lavar a roupa suja - despir, torcer, esfregar" (um tríptico que se mostrara na feira de Lisboa), e por fim, no catálogo, a declarar "Lavo daqui as minhas mãos", o que é literalmente feito. As águas são turvas e agitadas, como a pintura que se solidifica sobre a tela sem deixar de ser viscosa, turbulenta e sempre aparentemente ainda líquida, a escorrer entre as figuras e o fundo. Os flamingos são aves aquáticas e o gato que cai ou nada sobre elas calça braçadeiras (quem é aqui o flâneur?); também parece haver uma bóia, ou será satélite?, sobre a cabeça invisual do impaciente, mas há mesmo um balde que se entorna. A tinta está por toda a parte, como a "Lava" e a "Tinta envenenada" de anteriores exposições, é matéria e motivo da pintura, mais do que meio de representação. Inunda a tela e ameaça diluir a figura e a acção. É onda que submerge o protagonista da primeira cena.
Nas pinturas de menor formato, naturezas mortas, ou fragmentos de interiores, onde os objectos são animados por acções inexplicadas, vêem-se outros desastres ou a iminência deles, numa sempre presente instabilidade que é ameaça ou já situação de derrocada. Uma barra de krytonite na cesta das frutas e um computador a explodir iniciam a série de desastres. A terra treme.
O título geral é o do mais famoso livro de Kierkegaard
#
2010 O Náufrago
Teatro Municipal da Guarda
nov.2010 jan: CATÁLOGO tx NV.
#
2011 Parafrenália
1ª parte - Desenhos
Arte Periférica 30 Abril. CATÁLOGO
2011 A de Animal
05/15/2016
Nuno Viegas na Colecção Cachola
Certamente a lista de artistas da
Colecção António Cachola está ainda "in progress", mas parece-me
chocante notar-se já a falta de um pintor que o próprio colecionador
quis associar especialmente à inauguração do seu Museu em Elvas: o Nuno Viegas,
que pintou três grandes telas à escala dos corredores do antigo
hospital, com destino à instalação inaugural: essas grandes pinturas
sobre tela, que se referem ao lugar do museu enquanto hospital e à
específica função deste, bem como uma
série associada de trabalhos sobre papel, foram realizadas num atelier
em Benfica, alugado durante um ano - e aí as pude ver logo que
concluídas. Mas as obras não foram apresentadas na inauguração, de que
encarregou João Pinharanda, e só algumas outras obras foram mais tarde
expostos (2012).

Acho o Nuno Viegas um dos artistas mais importantes entre os surgiram
ou se afirmaram nas primeiras décadas do novo século, mas o "gosto
oficial", o mecanismo das exclusões institucionais, com a sua lógica
clientelar, tem coartado a visibilidade da sua obra. Aposto que é uma
das grandes apostas originais da colecção - que na maior parte dos nomes
segue a rotina dos artistas do sistema galerístico-oficial. N.V. teve
uma única mostra institucional em 2004, “A tinta envenenada”, no Centro
Cultural de Cascais, e expõe regularmente, desde 2002, na galeria Arte
Periférica. Não é fácil resistir ao muro de isolamento que é
habitualmente levantado à volta dos artistas que se destacam da mediania
que o sistema favorece, mediania formada por pequenas promessas
surgidas à volta de três ou quatro nomes oficiais, envolvidos num
sistema protector que eles próprios controlam, sob a tutela das
"galerias líder". Acontece que a protecção dada às emergências fugazes e
à mediocridade ambiente - tal como a insignificância de uma crítica
oportunista - está a tornar o meio das artes visuais num terreno sem
credibilidade, minado pelas suspeitas e só sustentado por tutores
institucionais, de que se afastam espectadores e compradores. Os
leilões, onde o segundo mercado estabelece os valores do reconhecimento
das carreiras, estão a confirmar o descrédito do sistema oficial.
Duas
pinturas de grande formato do Nuno Viegas mostradas na exposição
"Génesis" do Museu de Arte Contemporânea de Elvas (na foto instaladas no
Museu): "A colisão improvável", 270 x 360cm, 2008, e "A nuvem que nos
separa", 270 x 360cm, 2008.
Têm
o defeito de serem a cores e não do preto e branco, conforme o regime
vigente, e de não serem "minimalistas" - pelo contrário, são
maximalistas, podem ser observadas como comentários do presente (em vez
de serem apenas um exercício formal, ou uma obra de arte sobre a ideia
de arte), são comunicativas e despertam emoções, são livres de tutelas
escolares ou críticas, são formal e materialmente poderosas na sua
realização pictural, são abertamente imaginativas quanto à sua temática
figurativa e narrativa.
Da
colecção António Cachola fazem parte as três telas adquiridas pelo
coleccionador na perspectiva da inauguração do seu museu, a que acima me
refiro, mais 14 desenhos dentro da mesma temática, bem como outras duas
telas de grande formato adquiridas mais tarde e que integraram a
exposição "Génesis" do MACE em 2012. Defendo que são obras mais
poderosas e radicais do que a generalidade das peças da colecção.
Suspeito que é por isso que se exerce alguma censura - ou será
distração?
Certamente a lista de artistas da Colecção António Cachola está ainda "in progress", mas parece-me chocante notar-se já a falta de um pintor que o próprio colecionador quis associar especialmente à inauguração do seu Museu em Elvas: o Nuno Viegas, que pintou três grandes telas à escala dos corredores do antigo hospital, com destino à instalação inaugural: essas grandes pinturas sobre tela, que se referem ao lugar do museu enquanto hospital e à específica função deste, bem como uma série associada de trabalhos sobre papel, foram realizadas num atelier em Benfica, alugado durante um ano - e aí as pude ver logo que concluídas. Mas as obras não foram apresentadas na inauguração, de que encarregou João Pinharanda, e só algumas outras obras foram mais tarde expostos (2012).
Acho o Nuno Viegas um dos artistas mais importantes entre os surgiram
ou se afirmaram nas primeiras décadas do novo século, mas o "gosto
oficial", o mecanismo das exclusões institucionais, com a sua lógica
clientelar, tem coartado a visibilidade da sua obra. Aposto que é uma
das grandes apostas originais da colecção - que na maior parte dos nomes
segue a rotina dos artistas do sistema galerístico-oficial. N.V. teve
uma única mostra institucional em 2004, “A tinta envenenada”, no Centro
Cultural de Cascais, e expõe regularmente, desde 2002, na galeria Arte
Periférica. Não é fácil resistir ao muro de isolamento que é
habitualmente levantado à volta dos artistas que se destacam da mediania
que o sistema favorece, mediania formada por pequenas promessas
surgidas à volta de três ou quatro nomes oficiais, envolvidos num
sistema protector que eles próprios controlam, sob a tutela das
"galerias líder". Acontece que a protecção dada às emergências fugazes e
à mediocridade ambiente - tal como a insignificância de uma crítica
oportunista - está a tornar o meio das artes visuais num terreno sem
credibilidade, minado pelas suspeitas e só sustentado por tutores
institucionais, de que se afastam espectadores e compradores. Os
leilões, onde o segundo mercado estabelece os valores do reconhecimento
das carreiras, estão a confirmar o descrédito do sistema oficial.
Duas pinturas de grande formato do Nuno Viegas mostradas na exposição "Génesis" do Museu de Arte Contemporânea de Elvas (na foto instaladas no Museu): "A colisão improvável", 270 x 360cm, 2008, e "A nuvem que nos separa", 270 x 360cm, 2008.
Têm o defeito de serem a cores e não do preto e branco, conforme o regime vigente, e de não serem "minimalistas" - pelo contrário, são maximalistas, podem ser observadas como comentários do presente (em vez de serem apenas um exercício formal, ou uma obra de arte sobre a ideia de arte), são comunicativas e despertam emoções, são livres de tutelas escolares ou críticas, são formal e materialmente poderosas na sua realização pictural, são abertamente imaginativas quanto à sua temática figurativa e narrativa.
Da colecção António Cachola fazem parte as três telas adquiridas pelo coleccionador na perspectiva da inauguração do seu museu, a que acima me refiro, mais 14 desenhos dentro da mesma temática, bem como outras duas telas de grande formato adquiridas mais tarde e que integraram a exposição "Génesis" do MACE em 2012. Defendo que são obras mais poderosas e radicais do que a generalidade das peças da colecção. Suspeito que é por isso que se exerce alguma censura - ou será distração?
Penso que seria importante que esta discussão se alargasse a outras expressões artísticas.
Um abraço. A discussão e o debate têm que continuar.
Posted by: Carlos Fragateiro | 12/09/2008 at 22:02
Obrigado pela colaboração. Toda a gente manda bocas tipo generalidades políticas (sempre contra), mas sobre questões concretas da agenda faz-se silêncio - um silêncio receoso ou de quem fica à espera duma oportunidade. Então na área da cultura é particularmente evidente a falta de vontade ou coragem de intervir ou a desorientação oportunista.
Mas, quanto ao que propões, haverá de facto um modelo cultural dominante? Ou só uma descosida manta de retalhos sem coerência nem credibilidade, que vai sobrevivendo com as mesmas caras e a mesma falta de decisões, do PS para o PSD e vice-versa?
Será de pensar num (em 1) projecto cultural (unificado, centralizado, estatal) ou de equacionar a pluralidade de dinâmicas, projectos, produções, gerações, interesses, etc, aprendendo a viver com essa diversidade, analisando-a e estimulando-a mesmo?
Porquê pensar a cultura (e em geral é em arte que se pensa) como o centro, em vez de tentar dialogar com credibilidade com outros centros (a educação, a ciência), o que agora quase não acontece?
Porquê pensar Portugal como plataforma (com maíuscula) de encontros, como se alguma coisa passasse por aqui (há apenas turistas, de facto), como se não fôssemos só uma franja, uma periferia - e ganharíamos em tomar consciência dessa posição de distância para equacionar as relações com os outros descentramentos do presente. Depois do tempo perdido, temos de ir à procura, apontar a outros eixos, criar antenas e relações lá fora.
Posted by: Alexandre Pomar
"a segregação dos artistas africanos, das diásporas e das imigrações num elegante ghetto lisboeta"
A Segregação dos artistas africanos, das diásporas, das imigrações e descendentes já existe dê-me exemplos de artistas destes (com nacionalidade portuguesa) que representem ou tenham sido selecionados para representar Portugal ou que tenham apoios do Ministério da Cultura.
Melhor sermos segregados num elegante ghetto lisboeta do que continuarem a fingir que não existimos.
Posted by: Portugal- a negação de algumas existências | 08/06/2009