A pintura não se interrompeu nem escondeu, na primeira metade do século XX, e por isso não regressou, o “ainda” é mais um SEMPRE, sempre com alguma boa pintura e muita outra não, que também tem direito a existir. Nas décadas de 1920 e 30 houve muita pintura, de mestres ou pioneiros consagrados (Bonnard, Derain, Picasso, Matisse vivos...) e de novos artistas que começavam. O discurso institucional, a academia e a crítica que se diz de vanguarda, e tece sempre novas teorias apontadas ao fim da arte, à “anti-arte” e/ou à indiferenciação geral, é que mudou o discurso escolar e “readmitiu” a pintura como tradição e inovação, no Pos-Guerra e depois nos anos 1980, e hoje em novas reviravoltas pragmáticas em tempo de pluralismos e de novas alianças sem regras entre museus e grande mercado. A ideia de “AINDA A PINTURA” é errada. Sem fazer nenhuma defesa fetichista da pintura ( que existe em excesso, boa e má, o que importa é distinguir), é afinal o discurso crítico que AINDA não fez a revisão necessária. Há que passar a notas de roda-pé muito que se pôs nas velhas montras "alternativas", e redescobrir artistas postos à margem da “história” escolar da sucessão de novidades e estilos colectivos. Por exemplo Paula Modersohn-Becker , Alice Neel, Rober Colescott. Não por acaso, duas mulheres e um afro-americano. A revisão está em curso (e já cá chegou com Miriam Cahn na Central Tejo até dia 27).
A agência de comunicação que escreve os textos de parede do CCB (é uma hipótese benevolente...) devia ser reexaminada. Isto é muito mau, provado pelas fotos apropriadas do percurso expositivo.
Muita coisa mudou no Pós-Guerra (ver por exemplo, "Postwar", Enwezor, Munique 1916), entre projectos de reconstrução, o início da Guerra Fria, os medos nucleares e as expectativas de progresso - e com importantes trocas intercontinentais: surrealista para lá, abstracções ditas expressionistas para cá. A exposição dita permanente "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo" marca esse período com dois textos de parede que confusamente se intitulam AINDA A PINTURA I e II, como se o "ainda" tivesse algum sentido, sugerindo um lamento, crítico / críptico.
Ou seja, segundo o mainstream escolar, as vanguardas (anos 10/20) tinham condenado a pintura. Mas não a extinguiram, e ela regressava sempre, inconvenientemente plural e indisciplinada, logo no 1º Pós-Guerra como "regresso à ordem", que é tido por reaccionário, depois como liberdade decorativa ou libertária, nos anos 30 surrealistas... muito pintavam os surrealistas com automatismos e inconscientes dirigidos, como aqui se comprova. E continuava durante e depois da 2ª Guerra, alheia ou cúmpice das imposições das ditaduras nazi e estalinista, e realismos autoritários equivalentes, mas depois voltando à superfície diversa, resistente (os artistas da Resistência), e em muitos casos intérprete e agente da reconstrução europeia: o realismo social norte americano dos anos 30/50, o neo-realismo no México que invadira os EUA, logo o neo-realismo em Portugal (há um pioneirismo geracional em 1945, fruto de um isolamento informado), em França depois, antes de chegar o realismo socialista de exigência soviética.
De facto reafirmam-se realismos que marcaram os anos 30 europeus, impulsionados pela Revolução Mexicana e a América do New Deal, de um realismo social e regionalista anti-fascista: foi consagrado como o primeiro estilo original do continente americano, não europeu. Sob a influência dos surrealistas expatriados, o expressionismo abstracto tornava-se o estilo dominante em Nova York, pronto para exportação como padrão do mundo livre, então como poderosa novidade, ao mesmo tempo individualista e linguagem colectiva que durou duas gerações. É esse um panorama plural e também conflitual, em que se reencontram os velhos mestres europeus e surgem novas geraçãoes de pintores.
Não, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial "as profundas transformações políticas e sociais então vividas" não "questionaram a antiga supremacia hierárquica da pintura a cavalete" (sic!) e a necessidade de um regresso à ordem" (este um assunto antigo que englobava  a nova objectividade esquerdista). E é prematuro invocar "o espectro das novas tecnologias da imagem que haviam invadido a vida quotidiana", face" à pluralidade de outras linguagens estéticas como a escultura, o cinema, a televisão ou a música": a França virou-se para a reabertura dos museus, o retorno dos mestres e a recuperação das antigas tradições artísticas, o vitral, a tapeçaria, etc; a Inglaterra  estava a reconstruir-se e esperou por 1950 para um primeiro grande festival; Portugal e a Geração de 45 foram mais rápidos e originais...
ROLAND PENROSE, ANOITECER, 1940
Sim, "a pintura conheceu um novo fôlego na segunda metade do século XX", após o fim da Guerra, e poupe-se o disparate "apesar dos abalos que as vanguardas lhe infligiram antes e continuariam a infligir" ... (sempre houve "abalos" e os maiores foram os da guerra e dos fascismos), mas sempre que se fala de pintura aparece logo o fantasma insidioso e "gauchiste" do mercado:
"estimulada por um mercado em crescimento". Há tambémuma subtil referência-reverência a Clement Greenberg, para os íntimos, esta certa: "estimulada pelas teorias modernistas dos críticos que exaltavam a exploração do medium e a arte abstracta".
Porque o que lhes importa, aos autores desta escrita, é o "incorporar a experimentação e a iconoclastia da vanguarda". Mas a experimentação avalia-se pelos resultados e a iconoclastia provém da religião...
Acrescenta-se: "Em muitos artistas a pintura tornou-se um comentário à sua própria história, interrogando passado e presente, com a consciência finissecular crescente do seu papel na construção da modernidade ocidental." Percebe-se? Finissecular a meio do séc XX? Sim a pintura como comentário da pintura e "aconsciência finissecular crescente" (há-de vir o fim prometido, radioso e nulo).
E uma lamúria final e autofágica: "Ainda a pintura, apesar de tudo; ou, apesar de tudo, ainda a pintura, consolidando-se enquanto referência histórica quando parecia ter estado em vias de extinção." Isto não se acredita!
Não se extinguiu ainda. Acabem com ela, é para isso que ocupam os museus.
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