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domingo, 14 de novembro de 2010

Eduardo Batarda, 1983 1992 2001 2004 2010 2011

1983


Uma exposição:


Batarda na 111


DN 09 02 83, caixa


Eduardo Batarda Fernandes está de regresso com uma importante exposição na Galeria 111, ao Campo Grande, que vem demonstrar a constância de uma notável carreira e, simultaneamente, dar a conhecer uma nova direcção do seu trabalho.

Dois processos, a aguarela e o acrílico, e duas fases cronologicamente diferenciadas, de 1972 a 1980 e deste ano a 1982, marcam as obras agora mostradas: as agrupadas no primeiro período são a reapresentação - já em grande parte observada na exposição que em 1979 Batarda fez no Teatro da Cornucópia, ou até na que como bolseiro levou à Gulbenkian em 1975 - de uma imaginativa figuração sarcástica classificável dentro das fronteiras da «pop-art». Nas pinturas posteriores a 80, observa-se uma decidida viragem assente, contudo, sobre fundamentais continuidades.

As obras despem-se do seu aparente suporte anedótico, substituem ao comentário de elementos da actualidade política ou de narrações paródicas a ocasional referência a fragmentos de realidade («Candeeiros, cubismos, cães e colunas»), integram o seu erotismo no diálogo das cores, prescindem da anterior rede de cruzadas mensagens escritas. Afastando-se da citação dos «comics» e da anterior legibilidade narrativa e satírica, os novos acrilicos de Batarda mantêm a mesma ausência de espírito construtivista <??> e um idêntico humor paródico exercido sobre os elementos da pintura, os «significados» e os estilos.

A meticulosa anotação de pormenores, o rigor da execução sob a «desordem» das citações, inscrições e grafismos, o trabalho de sobreposição de possibilidades de leitura, convertem-se, na sequência de algumas aguarelas onde os elementos figurativos iam rareando (sem que tal facto alterasse os processos de composição, ou assumindo explícitas sugestões de mapas), numa luta contra o domínio do desenho, numa mais livre prática da pintura, tão pouco interessada pelas evidências ou pelas conveniências da «arte» como os trabalhos anteriores.

Estritamente pessoal, mesmo quando se cruzava com as «novas figurações» dos anos 60 ou se deixa comparar a outros «regressos à pintura», o trabalho de Batarda, agora lançado numa investigação (que o número das obras expostas mostra ser intensamente trabalhada) de novos caminhos, reafirma-se como um dos importantes itinerários plásticos que entre nós se percorrem.

As aguarelas de Batarda foram, num plano imediato de leitura, um inventário de actualidades e de «citações» mitológicas, políticas, literárias, de crítica mordacidade, que o autor, porém, expressamente assumia como «um comentário permanente ao estado

actual das artes visuais». É óbvia a permanência nos trabalhos recentes dessa mesma vontade do «comentário”, que investe por igual sobre a sua própria produção. Abandonada a carga «literária» e ilustrativa dos primeiros trabalhos, a pintura de Batarda

continua a ser um exercício de humor. Continuidade de um posicionamento pessoal, essa é também uma via de radical actualidade.


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EDUARDO BATARDA

111

EXPRESSO, 1983 23 fevereiro, nota


“O meu trabalho», dizia Batarda em 1975 (referindo-se então às aguarelas directamente satíricas em que uma figuração bem legível era aproximável de uma origem Pop), tornou-se «um comentário permanente ao estado actual das artes visuais». Dez anos depois, passado da aguarela ao acrílico e praticando uma pintura em que um primeiro olhar não encontra relação com a obra anterior, o trabalho de Batarda é também um comentário ao estado actual da pintura.

Nesse comentário se soma à mesma ironia, uma extensa informação (e Batarda foi também autor, em 74-75, de críticas de arte de grande rigor, certamente bem incómodas também para os críticos de ofício) e uma originalidade criativa a grande altura: o dito comentário não é uma actividade apenas analítica, defensiva ou austera, mas uma intensa prática que através de varios desafios e riscos se coloca, hoje num primeiríssimo plano da criação plástica.

Prática por isso, claramente afirmativa, onde o humor continua a ser uma das qualidades no reexame do que podem ser os temas ou pretextos da pintura, as regras de composição, os códigos de oficina ou de leitura. Prática sem literatura, mesmo quando o prazer ou gozo desta pintura se prolonga nos titulos de cada peça (exemplo «Capitel/ Pêndulo (Terror)») ou nas inscrições codificadas de alguns quadros.


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1992


Dificuldades e armadilhas


Batarda pinta com ideias (de pintura), mas não tem só uma ideia de cada vez



EDUARDO BATARDA 

Galeria 111

Expresso 4 04 1992


Reconhece-se o estilo, a autoria, logo no tratamento das superfícies lisas, envernizadas, aparentemente a preto e branco, e tambem na malha das barras/riscas que ora são rectas, ora se encurvam e sobrepõem, ora se enredam em elípticos turbilhões: um quadro reinvia-nos sempre para outros quadros. Observa-se depois a variação desde as telas da última exposição (em Lisboa, Dezembro 1989): os formatos são menores e a fragmentação e acumulação dos elementos menos vertiginosa.

Percebe-se, a seguir, no formato dos quadros, no sistema de composição e nos títulos, e por último no texto de E.B. incluído no catálogo, que o retrato ou «a cabeça» (o género académico, a «figura») ocupam o pintor em parte significativa do que expõe. Mas estamos sempre perante enigmas (ou paródias de enigmas): o retrato aqui não é figuração, não representa o mundo nem transporta expressão emocional ou carga simbólica - Batarda pinta com ideias (de pintura, claro), coloca «dificuldades e armadilhas» ao espectador, e cada elemento é sempre a ocultação-sedimentação de outros elementos, o «significado» de cada forma é sempre a possibilidade da deslocação permanente e infindável do seu sentido (não há uma chave última).


Estes quadros, escreve E.B., «"baseiam-se" na representação cónica dos Infernos (é mentira) combinada (o gajo quererá dizer "icónica"?) com as cabeças, urnas, torsos (tónica?), couraças, escudos de armas, e pelo menos um objecto reconhecível da tradição modernista (mentira?)». (Sic)

Não escreve, mas vê-se que um «objecto reconhecível» é o secador de garrafas de Duchamp. Não se trata de uma citação, mas de um comentário (o objecto é invertido e «analisado» do interior - ver, por exemplo, Seca e Interior), ou de uma atitude (persistir na reconciliação de Duchamp com a pintura, o que para a história se deve atribuir definitivamente a Jasper Johns), e também da conversão de uma forma escolhida em emblema neutro, deslocando o seu carácter específico para o interior de uma outra estrutura, tomando-a por base de uma nova «multiplicidade de níveis de interpretação».

Outra passagem por Duchamp parece também fazer-se, a propósito das «cabeças» ou caveiras/retratos: é a Fonte ou urinol, como sugere explicitamente um título, “Fontana Candida”. Mas Batarda avisa-me que este é o nome de um vinho romano (há outros dois vinhos na exposição: Batard-Montrachet e Bucelas); e, como se sabe, Fontana é o nome de outro pintor, Cândida é neme de mulher, e as fontes na pintura são ainda uma memória antiga — como sempre, tudo se complica também pelos lados da história e da autobiografia. O retrato não é representação, nem pretexto para fazer «abstracção»: é, se se quiser, motivo, uma maneira de começar um quadro, uma escolha indiferente, talvez uma imagem-tipo, e o valor referencial importa menos (nada) que as operações em jogo na pintura, as regras e sistemas da pintura, o encontro com as imagens da tradição e da atualidade da pintura, o entendimento do acto de ver e do que ser artista quer dizer.


Nada está ali para facilitar a vida ao espectador (embora esta pintura também seja, natural e intencionalmente, decorativa - mas não se julgue que esta e uma palavra fácil). O exercicio artesanal/pictórico é aqui uma prática da inteligência e de conhecimento («há sempre quem veja erudição no alfabeto», E.B.), onde o humor rima com o enigma (teriamos metafisica ou esoterismo sem o humor) — mas nunca a pintura foi só um exercitar da visão, e Duchamp foi mais uma chamada «à ordem». Sabe-se que a (aparência de) actualidade («uma ideia de cada vez», E.B.) não suspende o tempo, antes e depois — o trabalho de Batarda já tem um tempo longo (gozo nosso, problema dele) e antes outros pintores houve, o que não lhe traz, escreve, «desejos de intemporalidade». Por isso, os seus quadros «deverão fingir anacronismos ou, talvez, paródias de tentativas de acronismos». «Não são "de agora". São quadros».

No texto do catálogo, Batarda diz ainda que «fazer contra» e «opor-se à estupidez» foram o seu programa desde sempre. Ele é o melhor «leitor» da sua pintura e avisa agora que abandonou a subversão e se instalou na neutralidade. Não faz «exercícios de espirito»; menos programatico, trabalha a pintura «entre a dúvida e a indiferença».





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Eduardo Batarda

Galeria 111, Porto   

26-05-2001

Batarda não costuma facilitar a vida ao espectador e é sempre conveniente avaliar com precaução as pistas que fornece ao apresentar a sua pintura. Desta vez ele próprio avisa que é costume ser tomado a sério quando está manifestamente a brincar. Ao dizer agora que com as suas mais recentes obras quis «memorizar as pinturas e mais bonecadas que ornamentam alcovas e roulottes das nossas porno-divas favoritas», com referência precisa aos filmes X da TV Cabo, a pista é decididamente inverosímil, mas constituirá um travão à pulsão interpretativa que procure traduzir a pintura em representações e significados. 

O que vemos é um exercício de encobrimentos, ocultações e camuflagens que torna inviável o reconhecimento do que quereríamos encontrar no quadro para repetir e confirmar o que já vimos noutro lado. É de pintura que se trata, como realidade própria, com o seu acontecer irredutível a outra sorte de imagens, e é de uma autoria e certamente de um estilo que se dão provas, sucedendo-se a si mesmo sem se programarem como capítulos ou séries. E entretanto há indícios a seguir, como sucede no título do mesmo texto, «Cataventos — Paisagens — Suburra», sendo o último o nome de mal afamado bairro de Roma e, portanto, a sequência dos anteriores quadros «porno-romanos». Paisagens, logo pelo formato trabalhado, algumas saloias, outras elegantes ou turbulentas nos seus labirintos vertiginosos. 

Mais uma «radiografia», que serve de pista para a presença do corpo e talvez do retrato como género, bem como de ponto de partida para uma diferente «maneira» em que se trocam as relações entre figura e fundo, em espaços intersticiais que se conjugam nas curvas e contracurvas de formas invasoras com sugestões orgânicas e heráldicas, «cataventos» abertos a muitos sentidos. (Até 26 Jun.)


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Eduardo Batarda  

Gal. 111  

 06-06-2004

«Miniaturas e Pequenos Formatos»: o título refere-se apenas às dimensões das obras expostas, em papel e em tela. Pode ser um convite a que o espectador suspenda a necessidade, ou vício, de traduzir o que vê, entendendo a arte como algo a decifrar (enigma a interpretar como apropriação do real, desejo de transcendência, etc.), e veja apenas: superfícies lisas de cores diversas que são invadidas ou rasgadas por uma forma única ou unificada, proliferante, ora incisão ziguezagueante ora mancha mais rotunda - mas essa «dialéctica» entre figura e fundo perturba-se com as relações entre as respectivas cores (e não-cores) e, ao reconhecer-se na superfície aparentemente lisa que começa por ser fundo, um acto de encobrimento do que já estaria por baixo. Essa prática da ocultação ou da camuflagem torna-se agora apagamento ou obliteração e parece ser aqui levada (depois de estar presente em ciclos de obras anteriores como estratégia de multiplicação de citações, referências e comentários) a uma dimensão extrema, que, em vez de criar enigmas ou segredos, impugna a possibilidade de designar sentidos, para além do sentido determinante dessa própria e decisiva recusa. As tais formas serpenteantes ou gordas «parecem» orgânicas (esqueletos, intestinos ou outros órgãos, possivelmente sexuais, contornos e interstícios de corpos) e, por vezes, prolongam-se, sem interrupção, em formas cortantes que lembram lâminas, serras, pregos, talvez armas ou objectos de tortura - mas estamos apenas diante das nossas projecções. Referências que o artista fez a filmes pornográficos foram pistas marcadas pela ironia, a associação a tatuagens não serve de chave de leitura iconográfica, ou seria apenas uma estreita pista sem saída. Voltando ao formato, recupere-se apenas a classificação como retrato (face à horizontalidade da paisagem), para dele restar a sua impossibilidade, e recorde-se essa outra marca aristocrática de identidade que é o brasão, substituído por vísceras, fissuras e outros acidentes graves. (Até 19)


Galeria 111, "Bicos"

11/14/2010, Blog Typepad


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2011

Eduardo Batarda, “Outra vez não" (Fundação de Serralves, Porto, até 11 de Março) 

O título insólito adequa-se a uma obra que tem feito do humor sempre idiosincrático uma das suas linhas de continuidade, entre a erudição e a auto-irrisão, levantando com múltiplas armadilhas, com inscrições e ocultações, a questão de como interpretar a pintura e as imagens, as suas eventuais referências e os comentários que as acompanham. Os seus inícios propunham narrativas críticas, ligadas à cultura pop e comparáveis aos imagistas de Chicago; as obras posteriores tornaram-se crípticas. A retrospectiva (que se segue à de 1998 na Gulbenkian), é uma coprodução com a Fundação EDP e está associada à atribuição do Grande Prémio EDP Arte em 2007.

sábado, 26 de setembro de 1992

1992, Europália'91, orçamentos e custos (tropelias da SEC)

 Europália, os custos do sucesso

Expresso Cartaz, Actual, 26 Setembro 1992, pág. 4


HÁ um ano anunciou-se a reedição das exposições da Europália no Convento de Mafra, logo para Janeíro de 92; estava-se em tempo de capitalizar o êxito do festival belga e em vésperas de eleições. «Janeiropália 92»  era o título do «Independente», a traduzir a leviandade com que a SEC anuncia iniciativas que não prevê cumprir e a ignorância geral sobre o estado daquele monumento e sobre as condições de climatização, segurança e cenografia necessárias às exposições. 

Depois, para dar o conveniente verniz cultural ao semestre da presidência portuguesa da Comunidade, repetiram-se algumas das iniciativas da Europália, mas ficaram por concretizar as promessas feitas de mostrar «Os Mecanismos do Génio» no Palácio de Queluz, «O Triunfo do Barroco» no Centro Cultural de Belém, «Manufacturas» na Cadeia da Relação, no Porto, ou «Tríptico» na Central Tejo. Nestes três últimos casos, tais anúncios eram tão irrealistas como a ideia anterior do Convento de Mafra. 

Note-se, a propósito, que a remontagem das exposições só foi possível graças à promoção de Simoneta Luz Afonso ao lugar de directora do novo Instituto Português dos Museus, uma vez que nenhum mecanismo fora previamente activado para prever a circulação das iniciativas da Europália após o termo do mandato do seu Comissariado. Várias solicitações estrangeiras não tiveram resposta, e só a exposição sobre a arte medieval se deslocou a Madrid. 

Mais recentemente, após a entrega do relatório final do Comissariado da Europália, a SEC esteve na origem de outras notícias sobre o festival, de cariz menos triunfalista. O «Independente» voltou a usar um título imaginativo: «Europálida». O «Público» falou de «Um triste fim de festival», assegurando que Santana Lopes não quer pagar as dívidas da Europália. Em causa estará o esgotamento das verbas do Fundo de Fomento Cultural (que são, entretanto, o tema do mais recente folhetim editado pela SEC) e também uma reacção à transparência e ao estilo frontal usados no relatório do Comissariado.

Nesse documento, a que o Expresso teve acesso, Rui Vilar e a sua equipa esclarecem, pela primeira vez, o difícil contexto administrativo em que a operação Europália foi montada, e não se coíbem de referir, «para além dos constrangimentos financeiros, (...) inúmeras dificuldades e incompreensões» que respeitam, em grande parte, à própria SEC. 


Os ditos constrangimentos iniciaram-se logo em 1989, quando o primeiro orçamento proposto se reduziu de 50.070 contos para 25 mil contos, provenientes do FFC. Em 1990, o projecto de Orçamento Geral do Estado deveria ter incluído a verba de 400 mil contos, mas a saída do Governo de Miguel Cadilhe e Teresa Gouveia acabou por gorar essa previsão; foi então atribuído apenas um subsídio de 150 mil contos, pago, parcelarmente, através do FFC. Entretanto, a emissão de uma moeda comemorativa também não se concretizou. 

Foi só em 1991, o ano do próprio festival, que a Europália ficou incluída no OGE, com uma verba de 520.280 contos, acrescida de uma dotação provisional de cem mil contos. Quanto a 1992, a proposta de orçamento do Comissariado era de 330 mil contos, dos quais foram, num primeiro momento, assegurados apenas 240 mil, acabando por serem autorizados apenas 200 mil contos, com a garantia de transferência do saldo final para o FFC. 


No relatório final, assinala-se a gravidade do desajustamento temporal e quantitativo entre as sucessivas fontes de receita e os programas aprovados pelo Governo e negociados com a Fundação Europália Internacional. «Para além dos cortes sucessivos», aponta-se a falta de disponibilidade orçamental durante quase metade do ano de 1990, o excessivo parcelamento na entrega dos subsídios por parte do FFC e, em especial, «o incumprimento de obrigações assumidas por parte de algumas instituições». Referindo a importância do apoio mecenático, em dinheiro (267 mil contos) e em espécies (atingindo um valor total de 402 mil contos, cerca de 30 por cento dos custos totais da realização do festival), o Comíssariado precisa que «nem sempre encontrou a compreensão e suficiente disponibilidade financeira junto da Administração Pública». 

O Instituto Português do Património Cultural (IPPC) é particularmente visado pela falta de cumprimento de um acordo que garantia o restauro das peças pertencentes às colecções do Estado, daí resultando custos superiores a 66 mil contos. Mas o relatório, neste ponto, é um testemunho essencial sobre a situação do então IPPC e sobre o Instituto José de Figueiredo, e vale a pena citá-lo largamente: «Quase mais importante do que a despesa foi o facto de o Comissariado ter tido de assumir as tarefas relativas à compra de todos os materiais (desde a cera, o álcool e os pincéis até aos produtos mais sofisticados e especializados), às ajudas de custo, às deslocações, à segurança das instalações, às horas extraordinárias do pessoal, às tarefas suplementares, ao registo fotográfico dos vários estádios do restauro das peças, e até à compra de equipamento (ar condicionado, balanças, unidades de desacidificação, jactos abrasivos, humidificadores, prensas, etc.) e às reparações de base nas instalações (esgotos, eanalízações).» A Europália pagou ainda a deslocação, a estadia e os honorários a restauradores estrangeiros que vieram efectuar trabalhos na Biblioteca Nacional, no Instituto José de Figueiredo e no Museu Nacional de Arte Antiga. Q custo totaI elevou-se a 66 mil contos, referente a obras das colecções do Estado, num montante global para restauros de mais de 91 mil contos. 


Outra problema do Comissariado correspondeu à falta de material fotográfico de qualidade, no caso das colecções públicas e nomeadamente das peças apresentadas na XVII Exposição do Conselho da Europa (Lisboa 1983). Os encargos com o trabalho do pessoal do Arquivo Nacional de Fotografia (deslocações, honorários, horas extraordinárias, compra de película e trabalho laboratorial) foram assumidos pela Europália, e os custos globais da operação ultrapassaram os 54 mil contos, ficando cópia de todas as fotografias nas instituições emprestadoras e no referido Arquivo. 


Em embalagens adequadas ao transporte de obras de arte, também inexistentes nas instituições oficiais, a Europália despendeu 67.443 contos, revertendo os materiais adquiridos para as entidades emprestadoras. Só em serviços de escolta e guardaria pagos à PSP e à GNR foram orçamentados 23.660 contos, sem se terem obtido quaisquer reduções de tarifas, que seriam naturais para uma iniciativa oficial. 54.500 contos foi, ainda, o montante somado do IVA e do imposto de selo devidos pelo Comissariado. 

Os responsáveis pela Europália admitem no seu relatório que as previsões globais de custos, feitas em 1990, foram ultrapassadas em cerca de 210 mil contos, mas consideram-nos justificados pelas razões já apontadas. E acrescentam, aliás, que o défice é largamente compensado pelos benefícios directos (91.732 contos em restauros, 53.904 contos em fotografias, 60.994 em equipamentos, 67.443 em embalagens, etc.) e pelas mais-valias que resultaram para as instituições, os artistas e os agentes culturais. 


Mesmo tratando-se de um relatório oficial, várias passagens deixam bem transparecer o «clima» em que a Europália foi organizada - e não se deverá esquecer que o seu Comissariado foi uma das raras equipas sobreviventes da gestão de Teresa Gouveia. Quando se escreve «poderia aproveitar-se a receptividade que o festival criou para facilitar a inserção de instituições portuguesas nos circuitos internacionais, tanto como receptoras como fornecedoras de manifestações culturais», está-se certamente a usar, com a segurança dada pelo êxito alcançado, uma forma diplomática para comentar a gestão da herança da Europália e mesmo a situação geral da política cultural. 

sábado, 2 de maio de 1992

1992, A SEC de Santana Lopes "Cultivar o confronto"

 SEC, Cultivar o confronto


Expresso Revista 2 Maio 1992, pp. 72-73



Quando o debate sobre a actual reestruturação da SEC se afastou das questões técnicas e das orientações estratégicas, Santana Lopes pôde voltar a usar a Cultura como mera trincheira política. A sua arma é a falta de memória


“ A SEC JÁ INICIOU o processo de extinção da Direcção-Geral da Acção Cultural, a qual dará lugar ao Instituto de Artes Cénicas e do Bailado (lACB), anunciou hoje o secretário de Estado da Cultura. Segundo Pedro Santana Lopes, o decreto-lei que regulamenta esta medida será aprovado em Conselho de Ministros até ao final de Maio. O secretário de Estado salientou que a extinção da DGAC se faz com o acordo da directora-geral, Maria Manuel Pinto Barbosa, e que o IACB terá maior autonomia administrativa em relação ao Governo, tal como já acontece com o Instituto Português do Cinema. O IACB terá como principal competência a coordenação e aplicação das políticas governamentais nas áreas do teatro e do bailado. 

Sobre as orquestras, Santana Lopes afirmou que no próximo dia 22 apresentará à subcomissão parlamentar de Cultura um plano nacional para a música. Este plano, afirmou, prevê a inclusão da Orquestra do Teatro Nacional de S. Carlos na Régie Sinfonia - que actualmente só funciona no Porto - para além da criação de, pelo menos, quatro orquestras a nível regional, com descentralização de competências para as autarquias. Santana Lopes explicou que pretende a criação de uma rede nacional de orquestras, sublinhando ainda que, a nível económico, o esforço das autarquias será muitíssimo pequeno.» 


Esta notícia é um despacho da agência Lusa, e as declarações de Santana Lopes foram proferidas após uma reunião com alguns actores de teatro que lhe entregaram uma declaração de apoio à política governamental nesta área. Mas passou-se tudo há praticamente um ano (15 de Maio de 1991).

 

Do Instituto de Artes Cénicas e do Bailado não mais se ouviu falar; a Orquestra do TNSC ainda não tem destino (anunciou-se depois que iria para o Centro Cultural de Belém, a seguir desmentiu.se que tal se tivesse anunciado) e a Régie está mais debilitada que nunca; o plano nacional para a música e a rede nacional de orquestras já foram prometidos várias vezes; Maria Manuel Pinto Barbosa demitiu-se no início de Abril e passou para a Capital Cultural de 94; a DGAC está outra vez em extinção - mas afinal, pelo que se conhece da presente reestruturação da SEC, ela esvazia-se das suas competências principais e perde a prevista autonomia fmanceira para se fundir com a Direcção-Geral dos Espectáculos e Direitos de Autor numa única Direcção-Geral dos Espectáculos e das Artes. 

Há um ano, entre outras promessas feitas e muitas declarações de intenções, este anúncio dos projectos de Santana Lopes não merecera especial atenção, porque se sabe como importam pouco as palavras de alguns políticos. Esperou-se pelos factos e conservou-se o despacho para melhor ocasião: para demonstrar como os projectos que se anunciam raramente se cumprem e como as orientações políticas variam ao sabor de oportunidades e desígnios insondáveis. Como a falta de memória é, paradoxalmente, um estilo de fazer cultura. 


Entre o Instituto das Artes Cénicas e do Bailado de 91 e a Direcção-geral inscrita na reestruturação de 92 vai um abismo que só se explicaria se tivesse mudado o titular da SEC. O teatro, o bailado ou a música, tal como as artes plásticas e a fotografia, continuaram, entretanto, sem orientações que caracterizem uma política coerente e coordenada, capaz de assegurar simultaneamente a eficácia mínima das instituições públicas, o apoio regular à criação, a formação de novos públicos consumidores e, em paralelo, a entrada da produção cultural portuguesa nas redes da circulação internacional, correspondendo a um efectivo alargamento da procura externa. 

Mas não é isso que se tem discutido, quando se polemiza sobre a cultura. Santana Lopes conseguiu sempre situar os adversários no terreno da argumentação generalista e do combate político, porque tem com a cultura apenas uma relação de óbvia instrumentalização: gere na SEC uma carreira de político, especialmente interessado no quadro estreito das guerras de tendências, ou de pessoas, do partido do Governo. Sabe que, para isso, tem de colocar a sua Secretaria de Estado nas primeiras páginas e não ignora que a cultura só é manchete no terreiro das confrontações. Sabe também que os frutos dos projectos agora delineados só acabariam por ser colhidos pelos seus sucessores, como lhe sucedeu com a Torre do Tombo e as bibliotecas regionais, com o Centro Cultural de Belém e a Casa das Artes no Porto, com a Europália... 


A  CHAMADA reestruturação da SEC, contida em sete projectos de decretos-leis, foi apresentada pela primeira vez em conselho de secretários de Estado a 24 de Fevereiro, depois de ter sido agendada com pedido de urgência. O seu conteúdo era em geral desconhecido dos próprios titulares dos institutos e direcções-gerais do sector. Tudo se cozinhara no segredo do gabinete de Santana Lopes, com recurso aos seus assessores jurídicos mas de costas voltadas para os técnicos e os responsáveis pelos serviços da SEC (com excepção do cinema, por estar envolvido num processo de coordenação interministerial). 

Se a conveniência de uma reforma da SEC poderia, noutras condições de preparação, ser facilmente reconhecida, o certo é que se optou por transmitir de imediato, em transparentes declarações «off the record», a perspectiva terrorista de despedimentos generalizados: 900 lugares de efectivos a menos, e entre 400 a 500 funcionários a transferir para o quadro de excedentes - sem que se confrontassem sequer os quadros orgânicos anteriores com os seus efectivos reais, em muitos casos largamente deficitários. 

A completar o mapa das operações foi-se conhecendo a intenção de venda do edifício central da SEC na Avenidada da República, sem se saber de qualquer novo destino para os serviços, bem como da cedência das instalações do IPLivro e da Leitura ao Ministério da Defesa, vagamente a troco da Cordoaria, para onde se poderia transferir o lucrativo Museu dos Coches, sacrificando uma ampliação prevista do Museu da Marinha (ou do Mar). Fez-se ainda constar que a reforma dos serviços corresponderia a uma economia de um milhão de contos para o orçamento da SEC e que o prédio referido valeria três milhões: era uma ratoeira economicista para desviar o debate do que estava realmente em jogo. 


ENTRE AS primeiras reacções à divulgação parcial das reformas destacou-se logo a do presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura ao «Jornal de Letras» (3 de Março): «Está-se a fazer da cultura um ignóbil entulho.» Surpreendentemente, Artur Anselmo, dois meses depois, ainda está no seu cargo. É que o seu passado de homem de direita, a sua competência reconhecida como investigador da história do livro e a razão dos seus argumentos tiveram peso junto do primeiro-ministro e conduziram, em paralelo com outras intervenções públicas, à introdução de numerosas e decisivas alterações aos diplomas. 

Quando o presidente do IPLL veio reagir publicamente à prevista integração deste organismo na Biblioteca Nacional, classificou-a como «uma verdadeira monstruosidade». Disse mais: «Não ponho em causa a necessidade de reestruturação da SEC, mas exijo que ela seja (feita) pelos padrões da Europa culta e não dos paises subdesenvolvidos (... ). Não me demito. Estarei no meu posto até ao fim e, enquanto puder, farei tudo o que estiver ao meu alcance para travar este projecto viciado e atrasado (...). A cultura precisa de ser despoluida e discutida, de uma forma alargada, para que se encontrem consensos sobre as principais linhas do seu desenvolvimento.» 

Tornava-se evidente que a reestruturação do IPLL, asfixiando a rede de leitura pública e a política de apoio à edição, se delineara às escondidas do seu presidente (“Nem sequer mereci um telefonema da directora da Biblioteca Nacional»), tal como a extinção da DGAC se fazia sem a concordância da sua responsável, que já se demitira a 21 de Fevereiro, cinco dias depois da entrevista da subsecretária Maria José Nogueira Pinto ao Expresso, onde se definiam pela primeira vez algumas orientações das reformas então ainda desconhecidas. 


A  OPOSIÇÃO aos projectos avolumou-se com a crítica, assente em intervenções autorizadas de José Mattoso, à decisão de extinguir o Instituto Português de Arquivos e de o dissolver na Torre do Tombo (a qual, pelo contrário deveria ser orientado pelo IPA, mas a lei que definiria a política dos arquivos estava por aprovar desde 1990). A expressão pública da preocupação de Mário Soares veio a seguir ajudar a alargar o debate. 

Em Braga, no Congresso de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, o Presidente considerava que, pelo que lera nos jornais, «há fundados motivos para alarme» e defendia a criação de um «movimento de opinião». O subsecretário Sousa Lara proibira entretanto os funcionários dos serviços que tutela de «prestarem quaisquer declarações que não sejam estritamente técnicas, designadamente as que aludam aos processos de revisão das leis orgânicas respectivas»; Artur Anselmo referiu a proibição como «o caso mais lamentável, mais sujo e mais asqueroso» do congresso, disse que «a democracia passa bem sem a censura», defendeu a rede de leitura pública criada pelo seu antecessor, José Afonso Furtado, e confirmou publicamente que não conseguia ser recebido pelos responsáveis máximos da SEC. 


Santana Lopes passou então pelo que terá sido o pior momento do seu mandato (um alto responsável da SEC comparava-o, em privado, a um aflito aprendiz de feiticeiro; porta-vozes de outros ministérios manifestavam, sempre particularmente, a intenção de o deixar «cair»): em conflito com Fernando Nogueira, foi forçado a pedir o adiamento da discussão dos seus projectos no conselho de secretários de Estado, para ter tempo de reestruturar a sua reestruturação e atender a algumas das críticas. Entretanto, o Ministério das Finanças levantava dificuldades a vários dos projectos, inviabilizando a ideia de uma estranha Inspecção Geral da Cultura e limitando a autonomia financeira de alguns organismos. 

«Sei reconhecer os meus erros», veio então dizer Santana Lopes numa entrevista tranquilizadora (“Público» de 15 de Março), aparentemente destinada a recuperar apoios no seu próprio partido. 

A aprovação dos diplomas revistos em Conselho de Ministros verificou-se finalmente a 2 de Abril, depois da adopção de orientações preconizadas por Artur Anselmo, e desde a passada semana que eles se encontram na Presidência da República para a quase inevitável ratificação. 

PARALELAMENTE, o que fora uma contestação técnica à reestruturação e um princípio de debate público sobre as orientações estratégicas da SEC, com intervenções especializadas de, por exemplo, Vitorino Magalhães Godinho, Manuel Villaverde Cabral, Leonor Machado de Sousa e Maria Vitalina Mendes, antigos e actuais directores da BN, tomava-se uma movimentação «frentista», na qual a argumentação concreta se esbatia na teatralização de uma oposição abstracta e na amálgama proporcionada pelo pretexto fácil da extensão do IVA aos livros. 

Entidades reconhecidamente desprestigiadas, como a APE ou a SNBA, outras inexistentes como a ANAP (Associação Nacional dos Artistas Plásticos!), outras abusivamente arroladas, como a Associação Nacional de Municípios, alinhavam em «defesa da cultura» num cortejo onde surgiam como protagonistas figuras que se especializaram em representar tudo o que de mais patético sobrevive na imagem popular do intelectual, como Natália Correia. Autores e artistas situados em áreas de mais vivo dinamismo cultural abstinham-se visivelmente de participar em alianças onde alinhavam sobrevivências corporativas, oportunismos vários e notórias mediocridades. 

Já situado no terreno que mais lhe convém, Santana Lopes podia então dar largas ao seu estilo próprio e recuperar o terreno perdido: desenterra o velho projecto do Congresso da Imaginação, agora dirigido por Ana Salazar, com espectáculos de teatro às seis da manhã, para os noctígavos que saem das discotecas a essa hora, e «drive-in» na praia, segundo comunicou a «O Independente» (será «Salazar ao poder»). Enquanto os subsecretários se dedicavam a acicatar a baixa polémica, o secretário vai ao Porto com uma arregimentada «corte» cultural de funcionários para anunciar com a devida pompa a compra do Teatro S. João, que estava em preparação há vários anos. Depois convida a Assembleia da República a discutir uma reestruturação da SEC, de que só tardiamente se divulgou o efectivo teor, para tentar repetir o êxito alcançado na interpelação comunista de 1991. É toda uma movimentação hábil que lhe deverá permitir recuperar o protagonismo irrequieto capaz de assegurar a sua sobrevivência à frente da SEC, perante o renovar da ameaça de remodelação ministerial no final da presidência da CE. 


DURANTE DOIS anos Santana Lopes destruiu a frágil estrutura técnica da SEC: o historial de demissões do IPPC e do IPLL, dos Teatros de S. Carlos e D. Maria II, do IPA e da Torre do Tombo, dos Museus de Arte Antiga e Contemporânea, entre muitas outras, foi significando a entrada em funções de uma sucessão de funcionários, gestores ou personalidades cada vez mais anónimos, passivos e incompetentes à frente de institutos, direcções gerais, empresas públicas e departamentos. 

O afastamento de um especialista como José Afonso Furtado, responsável pela rede de bibliotecas que Santana Lopes usa agora como prova da seriedade da sua política, foi um dos episódios mais emblemáticos dessa guerra, até por se situar no interior da área do PSD. O silenciamento da anterior subsecretária de Estado Natália Correia Guedes, no precedente Governo, foi um facto nunca esclarecido. Outro episódio, mas de sentido contrário, é a nomeação de Simonetta Luz Afonso para o Instituto Português de Museus (capitalizando o êxito de uma operação Europália conseguido totalmente à revelia da SEC e tantas vezes contra ela), com vista a obviar, com os significativos fundos comunitários entretanto disponíveis, a uma situação geral de catástrofe neste domínio. 

Entretanto, a situação de indefinição programática de entidades semi-autónomas como a Régie Sinfonia, a Fundação de Serralves ou o Centro Cultural de Belém, ou de projectos como a Cadeia da Relação, não é mais que a oscilação permanente entre o arrastar de casos por resolver e o uso de momentâneos estandartes desinseridos de qualquer estratégia globalizante. 

No interior da SEC, a um nível menos público, portanto, o poder de decisão, os meios financeiros e o controle da informação foram-se concentrando cada vez mais no gabinete de Santana Lopes, num processo geral de desarticulação deliberada de estruturas e de asfixia de serviços técnicos conducente à substituição de funcionários especializados por assessores sem especial qualificação para além das boas relações pessoais com o secretário de Estado. Depois de um processo de indefinição de políticas e de paralização interna, a reestruturação era efectivamente necessária, especialmente num IPPC entregue a funcionários menores e nos esvaziados serviços centrais da Avenida da República. 


 NA PRESENTE reforma orgânica esteve em causa a sobrevivência de dois sectores estratégicos, mas de reduzido impacto mediático, que Santana Lopes herdou da sua antecessora e cuja importância só reconhece nos momentos em que tem de apresentar serviço: o livro e os arquivos. 

Por outro lado, está em causa um departamento como o IPPC, onde a ineficácia burocrática e a carência de recursos técnicos e financeiros se instalou escandalosamente com o termo da gestão de António Lamas: começou por se criar uma entidade paralela, o Conselho Superior de Defesa e Salvaguarda do Património, por suspender os projectos e as obras em curso, por entregar o Instituto a responsáveis sem competência (Antero Ferreira, Margarida Veiga, Eduarda Coelho, etc.) e por travar a operacionalidade das Direcções regionais e Delegações já criadas pela lei orgânica de 1990. Agora, para contrariar a deliberada inoperância dos serviços prevê-se novamente descentralizar (ou será desresponsabilizar?) o novo Instituto Nacional do Património Arquitectónico e Arqueológico, prevendo-se a criação de centros regionais de conservação e restauro, mas o atraso da regionalização e a falta de técnicos pode vir a levantar novos e mais graves problemas. 

Entretanto, a política do património orienta-se para a mera gestão de projectos que contam com apoio comunitário, por via do interesse turístico ou do desenvolvimento local, com desprezo de tudo o que não possa ser candidato aos apoios externos ou à exploração comercial, 

SE A CONTINUIDADE daquelas políticas definidas antes de 1990 está novamente em risco, toda a acção apontada ao apoio da criação artística, no teatro, no bailado, nas artes plásticas e na música, parece ameaçada por uma «filosofia» que se mascara de desestatização da iniciativa cultural para justificar a inactividade pública e a retirada dos magros apoios à ainda sobrevivente actividade particular - em especial, no campo do teatro e da acção externa das galerias de arte.

Oscila-se entre o mais primário liberalismo (o ataque demagógico aos subsídios, como se eles fossem uma originalidade portuguesa e significassem o último vestígio de uma qualquer oficialização da cultura - a ignorância será tanta que nunca se ouviu falar de um National Endowment for the Arts, suporte constitucional da projecção cultural dos Estados Unidos?) e o voluntarismo populista e autoritário (no apelo à descentralização forçada, que não é apoiada por qualquer incremento da regionalização; na escolha de alguns projectos locais ou individuais ao sabor do arbítrio estatal). 


O que está em causa é o reforço de uma política de actos culturais isolados e de fachada (um festival de teatro desligado de qualquer actividade de formação regular de públicos, por isso condenado a manter salas vazias; uma falhada feira de arte, cuja preparação foi largamente paga a um negociante sem porta aberta; um congresso da imaginação...) e, paralelamente, de atribuição descricionária de encomendas oficiais - observem-se as compras de obras de arte para decorar o CCB, sem claros critérios artísticos e pagas através do IPPC; sigam-se os compromissos com La Féria para subsidiar o teatro comercial. Sectorialrnente, nenhuma lógica programática suporta ou dá continuidade às acções desenvolvidas: durante dois anos iniciou-se uma colecção pública de fotografia, depois não se faz circular a sua exposição e interrompem-se as compras; proclama-se um grandioso programa de exposições para o CCB, mas durante dois anos a Galeria Almada Negreiros esteve encerrada, nunca se utilizou o Palácio Foz ou propôs à Gulbenkian coproduzir as retrospectivas que seriam essenciais para a formação de uma cultura visual; através da Europália patrocinou-se a afirmação de uma nova geração de coreógrafos, mas, terminado o festival, nenhuma perspectiva de continuidade se define no momento preciso em que se abre a possibilidade da sua circulação internacional; provocou-se o afastamento de um Ricardo Pais do Teatro Nacional para depois recuperar a sua competência técnica num projecto exemplar de «capital» do teatro. 

Será de uma chamada Divisão de Sistemas e Programas de Incentivos (notável nome!), a criar sobre os restos da ex-DGAC, que vai nascer, num radioso futuro próximo, a definição das políticas nacionais para o teatro, a dança e as artes plásticas. Mas terá ainda a cultura alguma coisa a ver com a SEC?