domingo, 18 de novembro de 2018
ETHER 1. Exposições e edições 1982 - 1998
sábado, 3 de junho de 1995
1995, MÊS DA FOTOGRAFIA LISBOA (um mês em 1993): Lx 95
MÊS DA FOTOGRAFIA LISBOA (um mês em 1993)
Quando se anuncia a edição (anual) do PhotoEspaña que em 2007 é comemorativa do 10º aniversário e quando o LisboaPhoto (bienal) se interrompeu ao cabo de duas edições, é oportuno recordar que o Mês da Fotografia de 1993 (onde é que isso já vai...), que aconteceu em Lisboa e sob a direcção de Sergio Tréfaut, também ficara sem a anunciada continuidade (em 1995). Estamos sempre a começar... mal (à atenção de António Costa!).
Em 1995, assinalou-se assim a inconstância dos (i)responsáveis:
Tribuna - EXPRESSO/Cartaz de 03 Junho 1995
"Lx 95"
EM 1993 as Festas de Lisboa foram também o Mês da Fotografia.
No
respectivo catálogo, que foi impresso na Suíça, o vereador Vítor Costa,
do Pelouro do Turismo, afirmava então que «numa perspectiva de
diversificação e inovação, as Festas procuram lançar um acontecimento
que se pretende venha a realizar-se no futuro com uma periodicidade
bienal». Palavra de vereador.
Em 1995 não há Mês da Fotografia, tal
como já se deixara cair em 1994 o programa de «Arte Pública». Era uma
iniciativa polémica com grande visibilidade que tornava patente a
dificuldade camarária de estabelecer com a arte — a intervenção dos
artistas no espaço público, a escultura urbana e a decoração — uma
relação que não fosse apenas efémera e instrumental.
A perspectiva da continuidade, que poderia consolidar este período das celebrações tradicionais dos Santos Populares numa dimensão inovadora de festival urbano de base social alargada, articulando diferentes modos de viver a cidade e a cultura (não apenas como estratégia de «animação»), foi sendo sacrificada à falta de memória que convém a cada circunstância. Afinal, 1993 era ano de eleições; em 1995 está-se apenas a meio do mandato. E foi por acaso — a vida cultural portuguesa vive de acasos e de boas vontades — que surgiu o programa da Associação Saldanha, «Mistérios de Lisboa, Monumental 95», a assegurar a necessária marca cosmopolita das Festas e a possibilidade de se enunciar outra nova «perspectiva de diversificação e inovação». Com a retórica sempre fácil dos políticos, Vítor Costa pode dizer dos festejos de 95 que «este programa procura compatibilizar o carácter efémero que caracteriza a Festa, momento de excepção por excelência, e a indispensável continuidade cultural»...
Sabe-se que na sua primeira e única edição o Mês da Fotografia surgiu
marcado por um gigantismo de programação que veio a resultar em
diversos incumprimentos de calendário e também em custos globais que
excederam muito as previsões iniciais.
No entanto, o programa
idealizado por Sérgio Tréfaut confirmou a eficácia da fotografia como
terreno de cruzamento de inúmeros interesses, movimentou um público
muito significativo e articulou à volta de um mesmo projecto uma rede de
agentes que iam dos equipamentos estatais às galerias de arte privadas.
Foi capaz de inaugurar o CCB com uma grande exposição de Sebastião
Salgado e apresentou retrospectivas com uma qualidade pouco habitual
entre nós, como as de Robert Doisneau e Tony Ray-Jones no Convento do
Beato.
No final de 1994, o mesmo comissário apresentou à CML um novo
projecto de programação, possivelmente com níveis de ambição e custos
também excessivos para o orçamento municipal. Mas, em vez de negociar
esse programa ou de impor outro modelo de organização, Vítor Costa optou
por esquecer o que tinha escrito em 1993: «Estou certo de que o sucesso
deste primeiro Mês da Fotografia criará as condições necessárias para a
sua consagração.»
A questão da fotografia, porém, é apenas um sintoma muito particular
numa gestão camarária em que o preço da balcanização é demasiado
gritante. As «novas Festas» pretendem revestir-se de uma componente
cultural, mas a sua organização depende exclusivamente do Pelouro do
Turismo; com o Pelouro da Cultura a jogar noutro campeonato (qual?), o
S. Luiz e o Maria Matos acolhem espectáculos diversos e abrem-se as
portas do Teatro Taborda restaurado, mas as galerias da Câmara (o
Palácio Galveias, a Mitra, a Sala do Risco...) e a Videoteca, a Casa
Fernando Pessoa, etc, estão alheadas da programação, mesmo quando se
encontrem em actividade.
Se é absurdo que as Festas de Lisboa não
possam voltar, depois da experiência feliz da «capital cultural», a
envolver em projectos comuns as instituições do poder central sediadas
na cidade, ultrapassando-se a guerrilha entre Governo e oposição que a
política partidária impõe, numa lógica primária de instrumentalização do
aparelho de Estado, muito mais grave é a transferência para o interior
de um mesmo executivo municipal dos mesmos jogos de pequena política.
sábado, 29 de maio de 1993
1993 Mês da Fotografia, 2003 2005 LisboaPhoto
1 Mês em 1993 2 LisboaPhoto, 2003-05. Indice
Um primeiro Mês da Fotografia em 1993. Duas edições do Lisboa Photo em 2003 e 2005, à volta do Arquivo Fotográfico.
1993
O Mês da Fotografia, Lisboa
Coordenação: Sérgio Tréfaut. Projecto: S.T. e Paula Mascarenhas. Por ocasião das Festas de Lisboa; vereador do Turismo: Vitor Costa.
I: "Festas fotográficas", 29 de Maio
continua em 5, 12 ("Luzes e sombras", II), 19 (III). 26 de Junho e 3 de Julho IV: Notas das exposições
(notas
breves: João Cutileiro; Pena Capital; "1961-1974 Os Anos da Guerra",
Gare da Rocha Conde de Óbidos e A Encenação do Estado Novo", Gare
Marítima de Alcântara)
(Robert Doisneau & Tony Ray-Jones, Convento do Beato, Duas retrospectivas. Ver Artigo de Jorge Calado na «Revista» do Expresso.)
SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém (inauguração), «Trabalho". EXPRESSO/Revista de 19 Junho 1993: "O fim de século como epopeia"
c/ Catálogo geral, Desdobrável-roteiro
uma das muitas boas ideias do Mês era o "Passe das Exposições", feito com um retrato em Photomaton
1995
Dois anos depois, conhecida a não continuidade do Mês da Fotografia, assinalou-se assim a inconstância dos (i)responsáveis: Tribuna - EXPRESSO/Cartaz de 03 Junho
"...na sua primeira e
única edição o Mês da Fotografia surgiu marcado por um gigantismo de
programação que veio a resultar em diversos incumprimentos de calendário
e também em custos globais que excederam muito as previsões iniciais.
(...)"
"No final de 1994, o mesmo comissário apresentou à CML um novo
projecto de programação, possivelmente com níveis de ambição e custos
também excessivos para o orçamento municipal. Mas, em vez de negociar
esse programa ou de impor outro modelo de organização, Vítor Costa optou
por esquecer o que tinha escrito em 1993 no catálogo do evento: «Estou certo de que o sucesso deste primeiro Mês da Fotografia criará as condições necessárias para a sua consagração.»
Em 1994, a vereação da Cultura (João Soares) inaugurou a nova sede do Arquivo Fotográfico, no âmbito da Capital Cultural Lisboa'94. O QUE ESTA "TRIBUNA", ALIÁS, NÃO REFERE - ver Notícia
"A questão da
fotografia... é apenas um sintoma muito particular numa gestão camarária
em que o preço da balcanização é demasiado gritante. As «novas Festas»
pretendem revestir-se de uma componente cultural, mas a sua organização
depende exclusivamente do Pelouro do Turismo; com o Pelouro da Cultura a
jogar noutro campeonato (qual?), o S. Luiz e o Maria Matos acolhem
espectáculos diversos e abrem-se as portas do Teatro Taborda restaurado,
mas as galerias da Câmara (o Palácio Galveias, a Mitra, a Sala do
Risco...) e a Videoteca, a Casa Fernando Pessoa, etc, estão alheadas da
programação, mesmo quando se encontrem em actividade.
Se é absurdo
que as Festas de Lisboa não possam voltar, depois da experiência feliz
da «capital cultural», a envolver em projectos comuns as instituições do
poder central sediadas na cidade, ultrapassando-se a guerrilha entre
Governo e oposição que a política partidária impõe, numa lógica primária
de instrumentalização do aparelho de Estado, muito mais grave é a
transferência para o interior de um mesmo executivo municipal dos mesmos
jogos de pequena política."
2003
1) "Fotografias pela cidade" (Expresso/Cartaz de 24-05-2003, pp. 46-47): LisboaPhoto, a primeira edição da bienal de fotografia promovida pela CML, vai apresentar 22 exposições em torno de questões urbanas. Comissário: Sérgio Mah; José Monterroso Teixeira era director municipal de Cultura.
2) "Retratos da América" (in Expresso/Cartaz 07-06-2003) Dois fotógrafos dominam o programa do LisboaPhoto, o histórico Weegee (Palácio da Ajuda) e o contemporâneo Joel Sternfeld (Cordoaria)
3) "Visões da Cidade" (Expresso/Cartaz 14-06-2003) Lisboa em três exposições: Colecção Ferreira da Cunha, no Arquivo Municipal; Eduardo Portugal, no Convento das Bernardas; e Luís Pavão, "Lisboa, em Vésperas do Terceiro Milénio", Oceanário) e um pequeno salto a Paris, com Eli Lotar (Museu do Chiado).
"...o próprio projecto da bienal veio afirmar com nitidez a importância do arquivo – e concretamento, do Arquivo Fotográfico Municipal – como parceiro e instituição âncora do programa, potenciando uma das raras situações de continuidade de uma missão que tem sido sacrificada noutros casos. Com o curto tempo de preparação que teve a LisboaPhoto, o Arquivo optou por apresentar trabalhos que tinha em curso sobre dois espólios entrados nos seus depósitos. Por sinal, o de Eduardo Portugal * foi o primeiro que recebeu, em 1991, por ocasião da passagem para as instalações na Rua da Palma, inauguradas em 94, e o espólio de Ferreira da Cunha é o mais recente, doado em Junho de 2000 pela Sojornal, depois de ter sido adquirida pela empresa «A Capital»." (* Julgo que o catálogo então organizado nunca foi editado.)
2005
Duas notas: I - «A Imagem Cesura» (in Expresso/Actual 14-05-2005) Nas vésperas do LisboaPhoto 2005. II - "Imagens ou índices" (in Expresso/Actual de 21-05-2005) A teoria e as exposições do LisboaPhoto
III - Helmar Lerski: "As verdades do retrato" (Expresso/Actual de 11 Junho 2005): "Metamorfoses pela luz", na Culturgest
IV - Benoliel, na Cordoaria (com. Emília Tavares): "Génio ou mito?" - Joshua Benoliel continua a ser um fotógrafo desconhecido. (Expresso Actual de 04-06-2005)
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Um primeiro Mês da Fotografia em 1993 (Jorge Sampaio, Festas da Cidade, Vitor Costa - Sérgio Tréfaut). Duas edições do Lisboa Photo em 2003 e 2005, à volta do Arquivo Fotográfico (Santana Lopes, Maria Manuel Pinto Barbosa, José M. Teixeira - Sérgio Mah)
terça-feira, 26 de janeiro de 1993
1993, 1994, 1995, 1996, Culturgest, Rui Vilar, Fernando Calhau, Colecção CGD, Egon Schiele
ARQUIVO EXPRESSO: A CRIAÇÃO DA CULTURGEST em 1993 (há 30 ANOS) - I
A criação da Culturgest em 1993
DOSSIER EXPRESSO 26 Jun.1993, pp. 68-71
1 entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
2. “Cultura sociedade anónima”
3. entrevista de Rui Vilar
1.
“Entrar nos circuitos”, entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
«A CULTURGEST é uma empresa privada e comercial que assegura a animação dos espaços culturais da nova sede da CGD», diz o seu principal responsável, Manuel José Vaz. A utilização de tais espaços constituía, inicialmente, um projecto interno à CGD, dirigido para os seus empregados e para actividades de representação ligadas à natureza própria de um banco. Foi Rui Vilar, presidente da CGD, quem, entretanto, resolveu «voltar também para o exterior a utilização do edifício, abrindo-o à cidade e procurando assim suavizar o impacto negativo de uma tão grande concentração de serviços» numa única zona da cidade, decidida de acordo com concepções de gestão que hoje já não são pacíficas.
Abrir a fortaleza a diferentes usos, com novas circulações de público e horários mais flutuantes, implicou algumas alterações na obra e a revisão de condições de segurança. Mas reconheceu-se que o gigantismo da sede veio, de facto, alterar as características ambientais de uma área densamente povoada, sujeitando-a, para além de outros efeitos secundários, a uma nova vocação de serviços e ao peso do fluxo regular dos seus milhares de empregados. Toda a zona sofreria rapidamente, sem o projecto de animação cultural, um processo de desertificação no período posterior ao encerramento do banco semelhante ao que ocorre na Baixa pombalina.
Entretanto, se o mecenato cultural se tornou, para a generalidade das grandes empresas, um processo de adquirir um renovado prestígio através da ideia de uma espécie de retorno de benefícios, a animação do edifício, em especial na sua fachada volta ao Arco do Cego, corresponde também a uma contrapartida oferecida aos moradores das áreas limítrofes, depois de anos de perturbação causado pelo mastodôntico estaleiro da Caixa.
Mas as atribuições da Culturgest voltam-se ainda para o aproveitamento de algumas das potencialidades do edifício na perspectiva da sua rentabilização (congressos, reuniões, etc), actuando como «interface» entre o público e os equipamentos que se integram na estrutura da Caixa. É o caso da biblioteca da CGD, que, além da sua componente mais técnica e especializada, dedicada à economia, finanças e direito, desenvolverá uma nova vertente com criação de um Centro de Documentação Europeia, em colaboração com o Centro Jean Monet, com acesso a bases de dados internacionais. Paralelamente, outro polo reunirá documentação especializada no domínio das artes plásticas, em articulação com a própria colecção de arte da Caixa, e também no campo das artes do espectáculo.
EM TERMOS de estrutura interna, a Culturgest é uma empresa muito leve, que conta apenas com o núcleo formado pela administração, um assessor artístico, António Pinto Ribeiro, e um director técnico, Eugénio Sena, mais um secretariado de duas pessoas. Não terá estruturas artísticas residentes e, em termos práticos, irá socorrer-se da contratação temporária de serviços especializados, embora conte com a disponibilidade das equipas técnicas que pertencem aos quadros da própria CGD.
Entretanto, a natureza própria dos seus «serviços» levou a Culturgest a constituir um Conselho Consultivo, que já reuniu no dia 15 para apreciar a programação prevista e os princípios gerais que enformam o seu plano de actividades. Actualmente preenchido por 12 elementos, num total previsto de 15, o Conselho elegeu, nessa primeira reunião, Rui Vilar como seu presidente e Rui Machete (FLAD) e Yvette K. Centeno como vice-presidentes, sendo os restantes titulares Eduardo Lourenço, António Barreto, João Marques Pinto (presidente da Fundação de Serralves), Isabel Silveira Godinho, Ruy Vieira Nery, Gerard Castello Lopes, Paulo Lowndes Marques, José Mariano Gago e Manuel Pinto Barbosa. Sem poderes vinculativos, o Conselho reune duas vezes por ano.
1993 é o ano de abertura da sede da CGD e das actividades culturais da Culturgest, limitado a um trimestre de lançamento. O próximo ano será excessivamente marcado pela dinâmica da capital cultural para se poder considerar exemplar dos propósitos da empresa, justificando-se mesmo alguma preocupação dos seus responsáveis perante os riscos de um previsível excesso de oferta cultural global. É, por isso, só para a temporada de 94/95 que se prevê uma velocidade de cruzeiro e uma exacta caracterização da sua lógica de programação. Entretanto, irá procurar criar um público novo, alargando o público cultural existente, para o que se conta em especial com a população estudantil do eixo Cidade Universitária-Instituto Superior Técnico.
Para o futuro, não se exclui a hipótese de outros espaços culturais, fora de Lisboa, virem a ser incluidos na órbita da Culturgest. Para já, porém, existe uma sede precisa para a sua acção, e uma clara distinção entre os apoios mecenáticos que continuarão a ser da competência da CGD, e são várias vezes superiores ao orçamento da empresa, e o seu próprio plano de actividades. A Culturgest não é uma instituição-mecenas, disponível para distribuir bolsas ou subsidiar projectos alheios.
NÃO É SÓ por se tratar de uma empresa comercial que a Culturgest se quer definir como um projecto original no terreno da cultura. A própria linha de programação adoptada (ver texto de abertura) reveste-se de características inovadoras, e a lógica empresarial que se lhe impõe pretende igualmente reflectir um conhecimento actualizado da realidade internacional das indústrias e dos mercados culturais.
Por um lado, apresenta-se, segundo Fátima Ramos, como «uma empresa privada, que é gerida por princípios estéticos, artísticos e de gosto da sua única responsabilidade». A procura de um perfil próprio entre as instituições culturais passa por um opção resoluta pela actualidade da criação artística e intelectual.
«A área principal de actuação vai basear-se na actualidade e em geral no século XX mas, na medida em que o século XX também já é em grande parte passado, gostávamos de imprimir à nossa programação a perspectiva de um olhar de hoje, e mesmo a marca da leitura que o final do século faz sobre esse passado». Daí até ao projecto de estruturar um programa de reflexão sobre o modo como as artes abordam as angústias do final do século e do milénio vai um pequeno passo que certamente será dado com o «Ciclo Apocalipse».
A programação por ciclos temáticos, e não como soma de acontecimentos desconexos ou avulsos, é, aliás, uma das regras da casa. Inscritos na programação anunciada estão já os ciclos «Multiculturalismo e novas mestiçagens», em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos, «Mediterrâneos», «Dança do século XX», «La Liseuse» (leituras públicas). «A interdisciplinaridade, o multiculturalismo e o diálogo entre o 'antigo' e o 'novo'. o reportório e o experimentalismo deverão favorecer tensões criativas que contribuirão para uma programação atraente e coerente» — pode ler-se num documento interno.
Por outro lado, a intervenção cultural da empresa pretende expressamente apoiar os artistas portugueses e favorecer o seu acesso às redes da circulação internacional de exposições e espectáculos. Com a reserva das suas limitadas possibilidades de intervenção: «Não queremos sobrepor-nos nem às outras instituições que já existem ou estão a ser criadas, nem entrar em competição com elas, tal como não pretendemos substituir-nos ao que são as obrigações das instituições estatais em matéria de cultura», dizem os administradores.
No entanto, Manuel José Vaz e Fátima Ramos definem como seus objectivos «tentar impulsionar a criação e fazer a melhor divulgação que pudermos das obras dos criadores portugueses, ao mesmo tempo que se apresentarão produtos estrangeiros de boa qualidade». Para além das fórmulas abstractas, trata-se de valorizar a noção de rede e de a traduzir pela prática constante da co-produção, entrando desde o início nos circuitos internacionais: uma estreia não deve esgortar-se na sua apresentação isolada, deve circular; a vinda de uma exposição ou de um espectáculo a Portugal é mais útil e mais económica se ela (ou ele) percorrer um itinerário de várias cidades — e a intervenção cultural é mais sólida, e menos passiva, se for possível participar desde o início na definição do seu programa; melhor ainda se a encomenda feita lá fora tiver as contrapartidas de um processo de trocas.
Segundo princípios já correntes de gestão cultural, mas que são raros em Portugal, trata-se de pensar a programação, desde o início, de parceria com outras instituições, assegurando uma maior divulgação, diminuindo os custos e estabelecendo mecanismos de circulação capazes de assegurar que a importação de criações estrangeiras possa ter a contrapartida da apresentação de autores portugueses no exterior.
Mas será preciso encontrar parceiros em locais exteriores à sede lisboeta, e a realidade nacional não é imediatamente favorável: por toda a parte espera-se acolher espectáculos oferecidos, limitando os investimento à cedência de uma sala.
«É patente a ausência de um mercado de produção e de distribuição artística em Portugal», lê-se no documento já citado. Aí se adianta que «as razões fundamentais residem na inexistência e ignorância dos mecanismos de produção, ... das regras de comportamento laboral e de mercado entre todos os agentes intervenientes no processo cultural, dos artistas aos programadores, na desorganização e na falta de planeamento de produção e organização de reportórios e criações».
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2. “Cultura sociedade anónima”
(a Culturgest abre a 10 Out.)
A NOVA sede da Caixa Geral de Depósitos, ao Campo Pequeno, não é só o maior edifício comercial em construção na Europa — é também o lugar de implantação de uma experiência de gestão cultural inédita em Portugal. A CGD, que tem mantido, nos últimos anos, uma larga mas discreta acção de mecenato, vai ter a partir de Outubro a sua própria «fachada cultural», inaugurando no seu faraónico palácio do Campo Pequeno, um centro de espectáculos e exposições com programação regular.
Não se trata de mais uma fundação, embora houvesse neste caso (ao contrário do que sucede em S. Carlos ou no Centro Cultural de Belém) uma rectaguarda financeira sólida assegurada pelo maior banco português. Para gerir aquela programação e os seus espaços próprios, e rentabilizá-los também através da organização de congressos e da venda de serviços, Rui Vilar criou uma empresa, a Culturgest — Gestão de Espaços Culturais, Sociedade Anónima. Os seus capitais pertencem em 90 por cento ao Grupo Caixa (CGD e a sua holding) e os dez por centos restantes são investidos pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. É uma lógica empresarial, mesmo que inevitavelmente sem resultados lucrativos, que presidirá às suas actividades.
Na respectiva administração encontram-se Manuel José Vaz, engenheiro com uma longa ligação ao S. Carlos (fundador do seu grupo de Amigos e durante três anos membro do conselho de administração, declarando-se, em 1991, indisponível para novo mandato), Fátima Ramos (ex-funcionária superior dos quadros da SEC, vice-comissária geral da Europália 91 e, mais recentemente, chefe de Gabinete de Teresa Gouveia na Secretaria de Estado do Ambiente), e ainda Luís Santos Ferro, em representação da FLAD.
É SÓ A 10 ou 11 de Outubro que se abrirão as portas da CGD/Culturgest, com um concerto inaugural e duas exposições simultâneas: a apresentação das obras de arte da colecção da própria Caixa e da grande mostra de fotografia que comemorou os 50 anos da agência Magnum e se encontra em digressão mundial desde 1989 (passou pela Hayward Gallery de Londres, Folkwang Museum de Essen, Stedelijk Museum de Amsterdão, Pallazo delle Expozioni de Roma, Museo Alinari de Florença, Palais de Tokyo de Paris, e está desde a passada segunda-feira no Centro Reina Sofia de Madrid, para citar apenas alguns pontos da viagem da sua «edição» europeia). As 300 fotografias da Magnum, «In Our Time» no seu título inglês, são uma indicação bastante do «fôlego» imprimido a uma programação que corresponde, de facto, à abertura de um novo polo cultural na capital.
Quanto à colecção de arte, mostrada apenas uma vez, em 1989, em instalações do Ministério das Finanças, ela foi entretanto sujeita ao reexame da sua representatividade, confiado a Fernando Calhau, iniciando-se depois um novo programa de aquisições. A colecção surgirá, portanto, já redefinida e ampliada.
Para Dezembro, continuando no capítulo das exposições, a programação promete uma mostra de 22 jovens artistas portugueses seleccionados por Fernando Pernes, «Imagens dos anos 90», em co-produção com a Fundação de Serralves e com passagem também por Chaves, e «Cem aguarelas de Egon Schiele», mostra com origem na colecção Sabasky, de Nova Iorque, organizada para celebrar o centenário do nascimento do grande pintor vienense (1890-1918).
Depois, anuncia-se um panorama da arte belga, «Resistências poéticas», também em colaboração com Serralves; «Máquinas de Cena», com cenários e adereços do grupo de teatro O Bando; uma mostra subordinada ao tema «Arte e dinheiro», paralela a um colóquio organizado no âmbito de Lisboa 94 e comissariada por Alexandre Melo, e, por fim, «Paraísos e outras histórias», novas séries ainda inéditas de pinturas de Júlio Pomar, também no quadro da programação da Capital Cultural.
A MÚSICA, a dança e o teatro serão outras áreas de programação regular, dispondo a sede da Caixa de um Grande Auditório com 700 lugares, plenamente equipado e com fosso de orquestra para 40 músicos, e de um outro mais pequeno com 150 lugares, vocacionado para conferências e espectáculos de cunho experimental. Entretanto, tal como no capítulo das exposições, também na programação da área dos espectáculos há duas constantes que podem ser sublinhadas: a programação a longo prazo (o que é raríssimo nas instituições nacionais) e a opção pelas co-produções, com abertura às circulações nacionais e internacionais (ver texto ao lado).
Significativamente, o segundo concerto previsto será de jazz, com a Big Band do Hot Club e um solista de renome, ficando assim provada desde logo a intenção de não restringir a agenda musical às áreas eruditas, mesmo que não se preveja a concorrência com os empresários do rock. O jazz, aliás, dará lugar imediatamente a um mini-ciclo dedicado à música americana, das raízes autênticas dos espirituais, do gospel ou do dixieland, aos grandes êxitos de Gershwin, Cole Porter, etc, segundo um programa da responsabilidade de Gary Gibbs, que é o animador cultural da Ópera de Houston. Mas os grandes acontecimentos do próximo ano serão a colaboração com a Capital Cultural num «Ciclo de Integrais» (32 concertos, de Janeiro a Novembro, sucessivamente dedicados aos quartetos e quintetos de Beethoven, Mozart, Bartok ou da Segunda Escola de Viena e ainda a obras solísticas de Schubert, Ravel e Bach) e, por outro lado, a divisão com a Fundação Gulbenkian da responsabilidade pelos Encontros de Música Contemporânea, em Maio.
Outros acontecimentos, reduzindo sempre o calendário aos grandes títulos, serão a apresentação em Maio da ópera Orfeu, de Walter Hus, encenada por Jan Lawers e que fez parte do Festival de Ópera Contemporâna de Antuérpia 93; um recital de obras de Rachmaninov por Sequeira Costa, por ocasião do lançamento de um disco gravado com a Royal Philarmonic Orchestra, patrocinado pela CGD, já em Novembro; e, em Outubro de 94, o acolhimento de um Concurso Internacional de Clarinete organizado pela RDP.
MAS a dança terá também um lugar destacado na programação do primeiro ano da Culturgest, a que não é alheia a presença de António Pinto Ribeiro como assessor artístico. Anuncia-se já a estreia mundial de uma coreografia de Vera Mantero (Sob) que inaugura um ciclo intitulado «Mediterrâneos» e irá depois encerrar a programação de dança de Antuérpia 93, numa co-produção com Tejo Trust e Ferme de Buisson. Depois, num outro ciclo dedicado à Dança do Séc. XX, seguir-se-ão espectáculos de solos em homenagem a Isadora Duncan, por Margarida Bettencourt, Miguel Pereira e Allison Green, sob o título genérico Atiro uma flecha pelo ar; mais tarde, um espectáculo de Meg Stuart, No longer ready made, numa alargada co-produção da Culturgest com os festivais de Klapstuk, Springdance, etc; uma Homenagem aos Ballets Russes, pela Companhia de Angelin Preljocaj; uma nova criação de Joana Providência com uma bailarina de Cabo Verde, a integrar num ciclo denominado «Novas mestiçagens»; Corol.la, de Angels Margarit; e, a encerrar o ano, a comemoração do centenário do nascimento de Martha Graham, ainda em coprodução com Lisboa 94.
Passando ao teatro, que terá menor expressão no primeiro ano devido à longa preparação de que necessita, alinhem-se os espectáculos Songo la Rencontre, de Vincent Mombachaka, com encenação de Richard Demarcy e actores da República Centro-Africana (ciclo «Multiculturalismo»); Miscelânia de Garcia de Resende, a encenar por Rogério de Carvalho e com vídeos de Daniel Blaufuks (em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos e no quadro do VI centenário do Infante D. Henrique); um ciclo de três encenações sucessivas da peça de Pirandello Esta Noite Improvisa-se, por Fernando Mora Ramos, Isabel Câmara Pestana e João Brites, em colaboração com Lisboa 94; e ainda «As Novas Marionetas», com o apoio do Théâtre de Marionettes de Paris.
Para além dos «workshops», ateliers de experimentação e colóquios, que acompanharão, por regra, a actividade da Culturgest, deve ainda destacar-se um programa original de leituras em voz alta, com debate final sobre os textos — nomes anunciados desde já são os de José Alberto de Carvalho, Eduardo Prado Coelho, Helena Amaral, Paulo Ferreira de Castro, Isabel Matos Dias, como leitores, e Musil, Joyce, Gertrude Stein, Adorno e Merleau-Ponty. O título geral será «La Liseuse».
3
"Eficácia empresarial", entrevista de Rui Vilar
Rui Vilar é o mentor do novo projecto cultural da Caixa, mas é ele próprio quem sublinha a independência empresarial e programática dos responsáveis pela Culturgest. As suas respostas a um questionário escrito definem, no seu medido laconismo, o quadro global em que se moverá «este novo tipo de gestão cultural», com a «preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial».
EXPRESSO — Com a inauguração da nova sede, a CGD vai alterar o modo como anteriormente praticou o mecenato cultural, constituindo-se como um dos polos culturais de Lisboa?
RUI VILAR — Não. A CGD não vai alterar no essencial a sua prática de mecenato cultural. Vai, outrossim, complementá-la com outras actividades artísticas e culturais cuja programação será da exclusiva responsabilidade da Culturgest.
EXP. — A criação da Culturgest é significativa de um projecto de gestão empresarial da cultura?
R.V. — A Culturgest foi criada como empresa com o objectivo principal de gerir de forma eficaz e planeada os recursos físicos disponibilizados pela CGD. Este novo tipo de gestão cultural pretende beneficiar directamente a cidade, a comunidade no seio da qual o Grupo CGD está implantado, os seus clientes e também, e de certo modo, os empregados do Grupo.
EXP. — Qual é o horizonte financeiro e qual a orientação predominante, em termos culturais, que lhe atribui?
R.V. — A programação das actividades culturais e artísticas da Culturgest é da responsabilidade do seu Conselho de Administração. A Culturgest é dotada de um subsídio anual que corresponderá a uma determinada percentagem da previsão de custos globais para cada ano e será medido em função do contributo efectivo para os objectivos previamente definidos. Segundo as linhas programáticas da Culturgest elaboradas pelo Conselho de Administração e já apreciadas pelo seu Conselho Consultivo, no horizonte imediato, a Culturgest orientar-se-á para uma programação que privilegia a interdisciplinaridade, o multiculturalismo, a criação portuguesa contemporânea e a reflexão em torno das ciências humanas.
EXP. — Como entende as responsabilidades sociais das grandes empresas e instituições bancárias no domínio da cultura?
R.V. — As empresas têm hoje a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento, em sentido amplo, das comunidades onde estão inseridas. A preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial não é contraditória com as actividades culturais: uma sociedade informada e criativa terá mais capacidade de entender e de realizar as transformações necessárias, designadamente no campo económico. Mas, como é também evidente, esta acção das empresas não desresponsabiliza, nem se substitui, ao Estado, aos demais agentes culturais, criadores e público.
1993
26 Jun. pp. 68-71, “Cultura sociedade anónima” (Culturgest abre a 10 Out). / “Entrar nos circuitos”, entr, c/ Manuel José Vaz e Fátima Ramos / Eficácia empresarial, ent. C/ Rui Vilar (I)
9 out 93 "A modéstia do gigante" (a colecção de Fernando Calhau) - (II)
Colecção da CGD, Arte Moderna em Portugal: "Contemporâneos” - 16 out , 6 e 13 nov. notas
(abertura) exp. Magnum 50 Anos, «Janela aberta» 16 Outubro - notas 23 e 30 out
24 Dez. “Schiele, o maldito”, p. 13
Imagens para os anos 90 (dd Serralves): INAUG. 6 dez. - nota 18 dez.
A COLECÇÃO DE FERNANDO CALHAU: "A modéstia do gigante" (uma colecção de tendência) - II
NA ABERTURA DA SEDE DA CULTURGEST/CGD
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EXPRESSO - 9 out 93
"constituição de um acervo prioritariamente orientado para a actualidade, acompanhando os desenvolvimentos mais interessantes da criação artística dos nossos dias», Rui Vilar
Fernando Calhau (vindo da SEC e da antiga DGAC) à frente da colecção *
agrupando «autores que, embora pratiquem formulações estéticas diferentes, se aproximam conceptualmente»
a mesma área da «actualidade», entendida como a produção dos artistas afirmados desde meados de 70, e alargada a um ou outro artista tido por «precursor”, em que estão a actuar as várias instituições com intervenção neste terreno (Gulbenkian, Serralves e FLAD)
*(sobre Fernando Calhau, 1948-2002: foi artista (da geração de Júlião Sarmento e dele mt próximo; em sintonia com os programas da arte conceptual e minimalista, segundo a Wikipedia) e foi desde cedo funcionário da antiga SEC - actividade que a biografia no site da colecção Gulbenkian omite. Na administração cultural, ocupou cargos na Direcção-Geral de Acção Cultural, na comissão organizadora do Museu de Arte Moderna do Porto, na orientação da Colecção de arte contemporânea da Caixa Geral de Depósitos e no Instituto de Arte Contemporânea, que dirigiu entre 1997 e 2000. (** ver abaixo)
A PRIMEIRA exposição da colecção da Caixa Geral de Depósitos aconteceu em 1989 por iniciativa do Governo, num momento em que este promovia uma política muito voluntarista de estímulo do mecenato. O próprio Ministério das Finanças, a pretexto do seu bicentenário, reunira uma colecção própria (com contribuições alheias...) e mostrara-a sob as arcadas do Terreiro do Paço, antes de apresentar o acervo da Caixa. Na FIL, por esse tempo, a SEC montava uma Feira das Indústrias Culturais que não teria continuidade.
Serralves, que dava os primeiros passos, já tinha realizado exposições dedicadas às colecções da União de Bancos Portugueses (em 87) e do Banco Português do Atlântico (88). Nesse mesmo ano de 89, o Banco Hispano Americano fazia coincidir a sua ofensiva no mercado nacional com uma vasta exposição na Gulbenkian.
Outras operações do mesmo tipo se seguiram com a visita, também à Gulbenkian, da colecção da Telefónica de Espanha (um conjunto excepcional de obras de Chillida, Gris, Tàpies e Luis Fernández), e com a apresentação em Serralves da arte espanhola dos anos 50-80 pertencente à Caixa de Barcelona («La Caixa»), ambas em 91.
As colecções de empresa afirmavam-se então como uma realidade internacional de alguma importância, que se justificava por razões de representação social e publicidade de imagem, por opções de investimento e, em especial, por recentes concepções de responsabilização cultural que pareciam substituir parcialmente o tradicional coleccionismo mecenático praticado pelos ricos amadores de arte. Tal circulação de exposições abrandou nos anos seguintes (como muitas outras coisas no domínio da Cultura), mas já no início do programa de Lisboa'94 se irá ver no CCB a colecção de arte francesa contemporânea da Caisse des Dépots et Consignations, de Paris.
O QUE a CGD mostrou em 1989 era uma escolha de 60 pinturas e esculturas de outros tantos artistas contemporâneos (ou, pelo menos, ainda vivos), seleccionados do total de 204 (!) autores representados na sua colecção. A montagem inábil agravava a dificuldade de entender uma exposição que parecia guiar-se, tal como a colecção, pelo princípio de não fazer escolhas: seguia-se o princípio de mostrar apenas uma obra de cada artista, maior ou menor, ao longo de uma sucessão de gerações que vinha dos anos 30 até às revelações da década de 80.
Alguma crítica lamentou o que através dessa mostra se podia reconhecer como uma ausência de critérios de colecção, dispersando-se as compras com a ambição de incluir um pouco de tudo e de todos, de modo a satisfazer os vários níveis que estruturam o mercado da arte e sustentam a diversidade dos gostos. Era também possível considerar, então, que uma instituição financeira com a dimensão da Caixa tinha obrigação de se aventurar no mercado internacional, trazendo para o país obras e autores ignorados ou fora do alcance dos museus nacionais.
A colecção tinha-se iniciado em ritmo lento sete anos antes e cresceu com o «boom» da segunda metade da década, mas esforçara-se por evitar a exposição pública e a curiosidade jornalística. As aproximações tentadas pela Imprensa esbarravam com a vontade de evitar controvérsias críticas, bem como com o receio de chocar os «clientes» sujeitos às duras mensalidades dos empréstimos com a aplicação das suas economias em obras de ostentação mais ou menos artística.Com a inauguração da nova sede, pesadelo faraónico cuja absurda arquitectura se espera que seja para sempre inultrapassável, esse segundo tipo de preocupação deixou de ter pertinência. Pelo contrário, tornou-se até necessário contrariar, graças ao lançamento de um programa de actividades que possam ser consideradas socialmente úteis, a péssima imagem pública que a CGD adquiriu com o gigantismo exibicionista do edifício. É com a criação de um centro cultural na sede da CGD - que será gerido pela Culturgest como um conjunto de equipamentos também parcialmente rentabilizáveis na área dos congressos e serviços afins - que a colecção de arte, remodelada nos seus critérios, volta a surgir a público.
Entretanto, com a abertura do edifício vai tornar-se bem visível que o universo da CGD é atravessado por sensibilidades ou opções culturais contraditórias. Para além da própria arquitectura, a decoração interior, na qual se fizeram avultados investimentos em obras de arte (encomendadas a Lagoa Henriques, Sá Nogueira, Júlio Pomar, Júlio Resende, Sebastião Rodrigues, Eduardo Nery, Graça Morais, Fernando Conduto, Charrua, etc., com resultados de muito desequilibrada eficácia), é o resultado de critérios estéticos manifestamente divergentes dos que se revelarão na exposição a inaugurar na segunda-feira.
DE FACTO,
é a uma profunda reformulação da colecção de arte da CGD que se irá
assistir. A parir de 1991 e já por iniciativa de Rui Vilar, procedeu-se à
inventariação e reavaliação do património antes reunido, tarefa de que
se encarregaram Fernando Calhau e Margarida Veiga, funcionários da SEC
com intervenção no sector das artes plásticas. No ano seguinte, as
aquisições foram reactivadas sob a responsabilidade de F. Calhau e com
base nas recomendações resultantes desse estudo. A orientação actual
definiu-se “no sentido da constituição de um acervo
prioritariamente orientado para a actualidade, acompanhando os
desenvolvimentos mais interessantes da criação artística dos nossos
dias», conforme escreve Rui Vilar no catálogo.
São
agora 14, apenas, os artistas expostos, mas com várias obras cada um:
Pedro Cabrita Reis, Julião Sarmento, Pedro Sousa Vieira, Rui Sanches,
Álvaro Lapa, Graça Pereira Coutinho, Gaetan, Gerardo Burmester, João
Jacinto, Michael Biberstein, José Pedro Croft, Pedro Casqueiro, Alberto
Carneiro e Vítor Pomar (a ordem segue a do percurso expositivo). Segundo
F. Calhau, o conjunto constitui-se como «uma opção pessoal assumida mas
não estática», agrupando «autores que, embora pratiquem formulações estéticas diferentes, se aproximam conceptualmente». Outros núcleos e diferentes abordagens da colecção surgirão em exposições futuras.
A
responsabilização individual de um único comissário e a clarificação
das opções postas em prática são dados abertamente positivos da nova
orientação. Mas, enquanto se aguarda o contacto directo com a exposição,
há algumas interrogações a colocar:
Não é
precisamente na mesma área da «actualidade», entendida restritivamente
como a produção dos artistas afirmados desde meados de 70, e alargada a
um ou outro artista tido por «precursor”, que estão já a actuar as
várias instituições com intervenção neste terreno (Gulbenkian, Serralves
e FLAD)? Não é esse mesmo o campo mais acessível ao coleccionismo de
pequena escala, em termos de disponibilidade de obras e de prelos de
mercado?
Não está em curso uma
uniformização das colecções em torno de um pequeno núcleo de artistas
«dos nossos dias», os quais serão certamente as primeiras vítimas do
excesso de visibilidade institucional? Não caberá às grandes
instituições uma prática aquisitiva menos dependente das conjunturas, ou
mais distanciada da lógica das consagrações, revelações e promessas?
Não terá uma instituição como a CGD, com a imensidade dos seus recursos,
a responsabilidade de intervir num plano menos circunstancial da
circulação artística, definido já não pelas regras de uma actualidade
apenas sazonal mas pela avaliação da excepcionalidade e importância
histórica das obras concretas? Não lhe caberia actuar decididamente como
comprador no terreno de um coleccionismo menos imediatista, em vez de o
deixar, mais uma vez, à responsabilidade dos grandes colecionadores
privados e inviabilizar assim o destino público dessas mesmas obras? Num
nível de ambição e de responsabilidade cultural ainda mais elevada, não
seria possível que a Caixa definisse também uma vocação forte no campo
da arte internacional?
Não são excessivamente modestas as ambições do gigante?
publicado no dossier
MERCADOS: Empresas na infância da arte, Alexandre Coutinho / Vitor Andrade
“Bem publicitar”, Vitor Andrade
“A maioria das empresas e instituições continua a investir pouco na aquisição de obras de arte. Caso especial, se bem que discutível, é o da CGD"
Pp. 41-44
** F. CALHAU: uma longevidade gestionária com mais de 20 anos, que atravessou sucessivos governos a partir da Divisão de Artes Plásticas da Direcção-Geral de Acção Cultural da antiga SEC, criada em 1976.
Um
itinerário que passou pela «Alternativa Zero», em 1977; pelas Bienais
Internacionais de Desenho de 79 e 81; «Depois do Modernismo», em 83, e
os primeiros anos da galeria Cómicos, continuando com intervenção em
opções de subsidiação, aquisição e selecção coordenadas ao longo dos
anos.
Toda uma história de
animação e gestão pública centralizada, que se identificou com
orientações estéticas determinadas e também com cumplicidades pessoais e
geracionais, graças à coesão inicial de uma equipa que contou com Julião Sarmento, Margarida Veiga, Cerveira Pinto e outros.
(Também com João Vieira, Nikias Skapinakis, Rogério de Freitas, Victor
Belém (?) e outros.) Ainda em funções na SEC, Calhau, Margarida Veiga e
Delfim Sardo criam a empresa Modus Operandi que prestaria serviços de
produção (espécie de braço executivo de várias entidades) - os dois
primeiros deixam a empresa por outras actividades e D. Sardo continua-a
por algum tempo.
As intervenções de F. Calhau nas comissões de compras de obras para a SEC, para Serralves, depois também para a CGD, bem como a concertação de acções com outras entidades públicas, mantiveram uma condução crescentemente unificada das políticas do sector, já ao longo dos anos 90.
Tal
continuidade traduziu-se por um lado em êxitos de promoção de artistas
no país e no estrangeiro, mercê da concentração de investimentos em
calculadas estratégias de longo prazo. Mas por outro lado foi-lhes
subordinados o crescimento e a abertura pluralista do campo da arte, bem
como a consolidação de uma retaguarda histórica e esteticamente
informada, prejudicando-se a transparência dos critérios de selecção em
favor de segmentos oficializados da arte nacional, que se apoiaram em
anos mais recentes em chocantes situações de promiscuidade entre
artistas, críticos, funcionários e directores, exercendo papéis
rotativos. A concentração dos meios teve êxitos, mas instalou um clima
de suspeição face aos poderes oficiais, estreitando a capestreitando a
capacidade de diálogo com outros agentes. Adaptação de "O estado da arte do Estado", Expresso Cartaz 24/2/2001.
Egon Schiele, 100 aguarelas col. Sabarrsky: INAUG. 15 dez.
EGON SCHIELE
“Schiele, o maldito”
24 dez. 93 - p. 13
Cem aguarelas trazem-nos um artista maldito que foi uma das máximas expressões do modernismo vienense. A apresentação da obra de um clássico do século XX é um acontecimento de excepção, com que a Culturgest alcança o primeiro plano entre as instituições culturais e esconjura uma aparente condenação portuguesa à exterioridade das grandes circulações internacionais.
Schiele, hoje, é ainda o escândalo de uma sensualidade ao mesmo tempo dramática e provocante, cruamente inscrita em corpos atormentados pela violência do sexo e da morte. A memória das condenações do seu tempo não é, neste caso, uma informação anedótica, mas sim um convite a aprofundar o contacto com uma obra que continua a ser polémica: deverá notar-se que esta própria antologia apresentada por Serge Sabarsky, itinerante desde 1990 e feita de peças de colecções particulares americanas, não é inteiramente exemplar da manifesta obscenidade de tantos dos seus mais notávels desentos. O comissário e historiador é antes um paladino da “normalidade» de Schiele, como se pode ler no texto do catálogo, onde se esforça por distanciar a temática» daquilo a que chama “o talento» e «a forma de desenhar”: desse modo, a selecção e o comentário são ainda processos de repressão que dão sequência ao conhecido episódio da prisão de Schiele, em 1912, acusado de corrupção de menores e depois condenado por pornografia.
Se Klint perturbou antes a sociedade vienerse foi porque a sua obra vinha afirmar a relatividade da razão perante os paladinos da ciência e do progresso, em pleno recinto universitário. Schiele, contemporâneo de Freud, vai mais longe quando deixa o reino utópico do erotismo natural e estetizado do seu mestre para fazer do corpo nu um lugar de fascínio e uma ferida aberta, abismo de exasperação e angústia, onde mesmo a plenitude física pode ser já sinal de solidão e de morte. Os corpos amputados, as figuras descamadas, as peles doentias, as mãos angulosas, são aqui um exercício de desfiguração que é revelação de um misterioso e incontornável mal. (Até 13 Fev.)
01 ago 93 ?
100
aguarelas de colecções particulares americanas, numa exp. que é uma
raríssima oportunidade de contacto directo, em Portugal, com um artista
maior do século XX. A revalorização recente do modernismo vienense, com
características muito diversas dos messianismos vanguardistas que lhe
foram contemporâneos, teve um papel essencial na revisão das concepções
lineares sobre o «progresso» da arte que foram durante muito tempo
predominantes. De facto, Schiele não é um expressionista identificável
com os alemães de «Die Brucke» ou «Der Blaue Reiter», nem é a atracção
pelo primitivismo que marca o seu trabalho obsessivo sobre a figura. Nos
seus desenhos, onde os corpos são tantas vezes desarticulados e
amputados, angulosos e descarnados, inscritos em poses encenadas nas
duas dimensões do suporte sem qualquer notação de enquadramento
espacial, exprime-se um mal-estar e uma provocação adolescente que é uma
das mais extremas experiências do erotismo não «voyeurista», revelador
da proximidade entre a sexualidade e a morte, como ao mesmo tempo
demonstrava Freud. A prática realista de Schiele é um radical exercício
sobre um tema maior da arte, o corpo, próprio e alheio, servido por um
excepcional virtuosismo oficinal.
"Não há novos" -18 dez Imagens para os Anos 90, Culturgest e 15 e 22 jan 94
“Não há novos”
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Casa de Serralves - 07-08-93 pág 13
Pelo terceiro ano consecutivo a Fundação de Serralves apresenta durante o Verão uma colectiva com repercussão nacional e com intencional sentido polémico, numa sequência que se vai constituindo como uma referência indispensável no panorama artístico português, embora naturalmente construída por momentos de desigual importância. Este ano foi o próprio director artístico de Serralves, Fernando Pernes, que se reservou a função de comissário (depois de a ter atribuido a Bernardo P. Almeida e a Alexandre Melo, em 91 e 92), conferindo à mostra um duplo projecto de sinalização de mudanças entre as décadas de 80 e 90, e, por outro lado, de revelação de jovens artistas e de outros menos jovens mas de também recente originalidade criativa.
Se o título do seu texto no catálogo ("O espaço e a hora da juventude") reforça a componente de revelação de jovens artistas, deve dizer-se que afinal eles escasseiam na exposição, onde apenas um (Rui Serra) tem menos de 26-27 anos (idade de Paulo Mendes, João Tabarra e André Magalhães). A média etária é de facto muito alta, superior a 30 anos, e sucede até que um número considerável de nomes volta a surgir como jovem depois de uma "revelação" ocorrida já uma década antes (por exemplo, em "Novos, Novos", de 1984, figuravam António Olaio, Catarina Baleiras, Fernando Brito e J. Paulo Feliciano).
A exposição falha, portanto, no seu propósito de revelação dos jovens dos anos 90, embora não fosse difícil acrescentar-lhe vários outros nomes já postos em circulação através de exposições recentes - aliás, Pernes avisa enigmaticamente que a exp. "sofre de várias ausências (pela nossa parte involuntárias)". Mais preocupante é que a visibilidade ou autoridade de alguns novos nomes se demonstre insuficiente, em parte por ser demasiado escassa a sua representação, mas também por um excessivo ecletismo da selecção - é, pelo menos, o caso de Pedro Andrade, André Magalhães, Fernando José Pereira, Baltazar Torres, Carlos Vidal, João Louro e Nuno Santiago.
Notar-se-á, entretanto, que o próprio processo de "prospecção" de novos artistas ou de novas situações artísticas tem sido até agora liderado por críticos e artistas vindos de anteriores gerações, numa dinâmica que em grande parte corresponde a um esforço de conservação de protagonismos numa situação de passagem da década, enquanto são quase inexistentes as iniciativas próprias dos jovens artistas e não ocorre a afirmação de novos críticos com eles geracionalmente identificados. Foi esse, em 1983, o caso de "Depois do Modernismo", tal como, mais recentemente, sucede com as exposições do "Centro Cultural de Lisboa", lideradas por "artistas dos anos 80" (continuando a usar-se, por mero jogo, este tipo de classificações).
Em Serralves, o mesmo se passa, com a condicionante de F. Pernes usar uma grelha ainda mais marcada pelo seu tempo próprio, ao procurar nos anos 90 a renovação do "diálogo com a rebeldia juvenil dos anos 60". Na referência ao "retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e revolta" ele estará duplamente equivocado: na consideração dos reais problemas que atravessam a actualidade artística e no que entende ser "o papel mais adequado ao projecto interventivo" de um centro institucional e museológico.
Genericamente, e sem lugar a surpresas, a colectiva de Serralves é marcada pela reafirmação (ou mera sinalização de presença) de artistas muito diferentes entre si e com notoriedade já reconhecida, sem que qualquer carácter geracional ou problemática comum efectivamente se imponha: João Paulo Feliciano e Daniel Blaufuks, ambos com as presenças mais afirmativas, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Sebastião Resende e Pedro Sousa Vieira. Numa segunda linha, autonomizável desde logo pela ocupação maioritária do piso superior, destacam-se os trabalhos de Fernando Brito, Paulo Mendes, Miguel Palma e João Tabarra, num quadro mais colectivo de intervenção em que imperam o "achado" e a anedota ou a citação-simulação, onde a possível reflexão se expressa maioritariamente como irrisão. Se a eficácia de alguns trabalhos os coloca também no primeiro plano da exp., ela não basta para caracterizar uma mudança sensível de conjuntura nem mesmo para confirmar autorias. É este em especial o caso de Rui Serra, que não conseguiu resolver o complexo problema de ocupação de espaço que se propôs.
Três autores que utilizam a fotografia, André Gomes, Luís Palma e Valente Alves, figuram também na colectiva. No catálogo deverá ler-se um notável texto de João Pinharanda, que constitui uma desmontagem de alguns dos conceitos convocados pela própria exposição.
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Serralves - ver caixa de 08-07-93 E 28-08-93 nota
Sob
um título que pretende ter eficácia jornalística, reúnem-se duas
estratégias expositivas que ficam por compatibilizar. Numa delas
agregam-se, de modo confuso, algumas mais ou menos novas presenças
fortes com outras obras que são sinais de percursos que têm sido objecto
de menos atenção mediática ou tido mais lenta afirmação; na segunda
apresentam-se artistas recentemente vistos na Galeria Quadrum, com
sentido de grupo mas variada eficácia. No catálogo, entretanto,
propõem-se confrontos simplistas entre os «anos 80» e os «anos 90», e
Fernando Pernes comete uma leviandade crítica notória ao caracterizar a
década anterior pela «valoração da eficácia mercantil, da
espectacularidade formal e da consequente conotação da operatividade
profissional à efemeridade da moda» — são fantasmas que deveriam ter
ficado arrumados na prateleira dos «anos 60». João Paulo Feliciano,
Daniel Blaufuks, Sebastião Resende, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa,
Pedro Sousa Vieira, Fernando Brito, Paulo Mendes, João Tabarra e Miguel
Palma destacam-se por motivos vários desta colectiva que se verá mais
tarde em Chaves e em Lisboa, na nova sede da CGD.
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Sede da CGD/Culturgest - 18 dez.
Na
apresentação lisboeta desta colectiva de Serralves, comissariada por
Fernando Pernes, perderam-se as obras de Miguel Angelo Rocha e Miguel
Palma, por razões de espaço no primeiro caso e por desentendimento entre
o artista e a instituição, no segundo; entretanto, Catarina Baleiras
reforçou a sua presença com uma peça não vista no Porto. Estão ainda
presentes Sebastião Resende, Pedro Sousa Vieira, Joana Rosa, Fernando
José Pereira, Pedro Andrade, André Gomes, Manuel Valente Alves, André
Magalhães, Baltazar Torres, Nuno Santiago, Luís Palma, Daniel Blaufuks,
António Olaio, Fernando Brito, João Louro, Carlos Vidal, João Tabarra,
João Paulo Feliciano, Paulo Mendes e Rui Serra.
Quanto à presente
mostra, em primeiro lugar, é preciso salientar as deficiências do átrio
inclinado da CGD como local de exposição. Em segundo lugar, é de notar
que o desequilíbrio das condições de visibilidade existente no Porto em
benefício de um subgrupo organizado de artistas e em desfavor dos
restantes (o que conduziu, aliás, ao abandono da exposição por alguns
outros convidados) evoluiu agora para uma equitativa repartição das
(más) condições de espaço. Reforça-se, assim, uma impressão de
pluralidade de atitudes e direcções individuais, que, de modo algum,
sinaliza uma ruptura significativa entre as décadas de 80 e 90, tanto
mais que não se podem entender os anos 80 como uma conjuntura única e
coerente.
Ao reunir jovens e menos jovens artistas, com ritmos de
aparecimento público e de afirmação criativa muito diferenciados, esta
exp. não define uma nova situação colectiva (que actualmente não existe
em termos unívocos), não propõe a revelação de novos autores (e, por
exemplo, sacrificara a aparição de Pedro Andrade), nem permite a
sistematização das eventuais problemáticas emergentes (até pela ausência
de alguns outros grupos mais ou menos informais que se podem
identificar em torno da Monumental II, Ar.Co e gal. Alda Cortez).
Todos
os equívocos desta pacífica colectiva nasceram, em primeiro lugar, da
atrás referida desigualdade de condições de exposição e, principalmente,
do teor polémico dos textos de F. Pernes e A. Cerveira Pinto incluídos
no catálogo. Por outro lado, é curioso observar o nervosismo que
acompanha agora qualquer iniciativa institucional: o que mais importa
não é a recepção crítica e de mercado, mas sim a entrada nos lugares do
poder. (Até 30 Jan.)
1994
25 jan – «A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» (arte belga) "Visões / ficções"
28 ? —Júlio Pomar, «Paraísos e Outras Histórias» (Lx 94)
CULTURGEST 1994 / 96 - ARTISTAS BELGAS,
ARTE BELGA
Culturgest -EXPRESSO 09-04-1994
Não é apenas o contacto directo com obras históricas — Wiertz, Khnopff, Magritte, Broodthaers, etc — que assegura a importância excepcional desta exp., mas também a possibilidade de contestar uma história canónica de tradição francesa que se construiu sobre o escamotear de obras não redutíveis ao «progressismo» positivista de um caminho linear (realismo-impressionismo-Cézanne-cubismo-abstracção...) exigido pelas leituras formalistas e essencialistas da modernidade. Com a ocultação do simbolismo (que teve uma das suas afirmações mais estruturadas em Bruxelas, com outro polo nos Salões Rosa Cruz de Sâr Paladan, em Paris, entre 1892 e 1897) é a questão do sentido que foi sendo desvalorizada em no terreno das artes plásticas em favor de uma crescente e cada vez mais esvaziada auto-referencialidade da arte — a confrontar com a exp. «Pulsares», no CCB, que constitui um exemplo paradigmático e terminal desse destino. Os núcleos temáticos explicitados no título, «A Máscara, a Mulher, a Morte», não configuram uma estratégia ilustrativa; definem, pelo contrário, através da passagem pelo surrealismo não ortodoxo e do encontro com três autores contemporâneos (Charlier, François e Corillon), uma leitura das «resistências poéticas» que podem estar na base de atitudes criativas actuais e produtivas.
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JULIO GONZÁLEZ
Culturgest/CGD - EXPRESSO 20-04-94
Depois de ter mostrado os desenhos de Modigliani e de Egon Schiele, a Culturgest apresenta a obra gráfica de outro artista da primeira metade do século e que com o primeiro partilhou círculos parisienses. Os desenhos vêm da colecção do Centro Rainha Sofia, de Madrid, e são testemunho de um itinerário particularmente atípico, em grande parte justificativo do seu relativo e injusto desconhecimento internacional até tempos recentes. González nasceu em Barcelona em 1876 e instalou-se em Paris em 1900 seguindo uma honrada carreira de ourives e de pintor, até se revelar, já no final dos ano 20, como um dos mais inventivos escultores do século, responsável por um inédito entendimento escultórico do vazio e por novos processos de soldadura do ferro que associaram desenho e escultura. A colecção distribui-se por um horizonte cronológico que vai de 1904 a 1941 (JG morreu no ano seguinte), documentando toda uma produção inicial cujo classicismo é identificável com o «noucentismo» que em Barcelona sucede a um modernismo Arte Nova, antes do desenho se afirmar especialmente como um meio de experimentação para o trabalho da escultura. Entretanto, a montagem da exposição revela-se particularmente sugestiva ao iniciar-se por um conjunto de auto-retratos tardios que reafirmam a autonomia própria do desenho e terminar com a expressividade dramática dos últimos estudos para a figura de Monserrat, enquanto a zona média exemplifica extensamente a pesquisa formal conduzida na fronteira da abstracção. Através de um balanço constante entre tradição e inovação, entre o desenho do natural e o projecto analítivo-construtivo, entre o visto e o estilizado, sempre conduzido à margem das afirmações de virtuosismo, o percurso de González não se deixa reduzir à condição de um «desenhador de novas formas».
1995
«O capital cultural» (Modigliani/Encontros Africanos, CGD Culturgest) 7 jan 95\+
21 jan Encontros + 11 fev as 2 e 25 fev
«O que é Ist?» (Augusto Alves da Silva)* (data?) Maio Jun.?
Augusto Alves da Silva, CGD, Culturgest 20 mai 3 jun REVISTA
«Lacunas, eixos e ruturas», Colecção CGD, Culturgest 1 abr 95 (25-03-95 + 29-04 e 20-05)
José Aurélio, Culturgest 18 mar
Arte Moderna 2, Culturgest 25 Mar 29 Abr. 20 mai 20 jum
Marta Wengorovius, Culturgest 8 jul
Escultura Ibérica, Culturgest 17 jul
Robert Mangold, Culturgest 23 e 30 set
CULTURGEST 1995: MODIGLIANI e ENCONTROS AFRICANOS
o capital cultural
DESENHOS DE MODIGLIANI
ENCONTROS AFRICANOS
Culturgest/CGD - EXPRESSO 7 jan 95
Caso único entre nós de grande mecenato de empresa, a CGD, através da Culturgest, iniciou ontem o ano pós-capital cultural com duas importantes inaugurações internacionais: «Modiglini — Desenhos da Colecção Paul Alexandre», uma exposição que teve a sua estreia em 1993 no Palácio Grassi de Veneza e que no último ano se apresentou na Royal Academy de Londres, no Museu Ludwig de Colónia e ainda em Bruges e Tokio, e «Encontros Africanos», uma co-produção do Instituto do Mundo Árabe, de Paris, e da Fondation Afrique en Création, também já mostrada em Joanesburgo, e que reune artistas do Magreb e da zona sub-sahariana.
A
primeira reune 250 trabalhos (desenhos e aguarelas) dos primeiros anos
da obra de Modigliani, entre 1906, data da sua chegada a Paris, e 1914,
com o interesse particular de permitir acompanhar exaustivamente a
definição do estilo próprio do pintor, através de séries completas de
estudos e de pesquisas temáticas. Em Lisboa, a exposição foi ainda
acrescentada com uma secção dedicada a Amadeo Souza-Cardoso,
documentando a amizade entre os dois artistas, a sua exposição conjunta
de 1911, no atelier do português, e as possíveis influências mútuas
entre as suas obras.
Amigo e
primeiro mecenas de Amedeo Modigliani, o médico Paul Alexandre conservou
na sua posse, até à morte em 1968, uma acervo de desenhos que é um
documentário sem paralelo sobre a evolução e a coerência de uma pesquisa
plástica pessoal. Reagindo à fama póstuma de Modigliani, morto em 1920 e
imediatamente apresentado como exemplo romantizado do artista boémio,
de vida atormentada e autodestrutiva, Paul Alexandre manteve sempre o
projecto de escrever uma outra biografia fundamentada pelo seu
conhecimento directo do pintor. A revelação dessa extensa colecção de
desenhos e também de fotografias e outros documentos biográficos,
reunidos num volumoso livro-catálogo importado pela Culturgest, viria no
entanto a caber ao seu filho, Noel Alexandre, com a presente exposição.
Os
retratos, os nús, como estudos académicos ou desenhos de observação, os
desenhos de cariátides e de cabeças esculturais, estes marcados pela
descoberta da arte africana e pela influência de Brancusi, constituem os
sucessivos núcleos da mostra.
Depois de, há um ano, a Culturgest ter apresentado os desenhos de Egon Schiele,
seu quase exacto contemporâneo, esta é uma outra oportunidade de
revisitar uma obra feita voluntariamente à margem dos estilos colectivos
do tempo, num momento em que as vanguardas pareciam aplicadas no
puritano exercício de fazer desaparecer do campo da arte a experiência
do corpo. Nesta medida, e também enquanto redescoberta da importância do
estilo individual e do talento ou dom artístico, que se exprime num
modo particular de captar o visível e o vivido, Modigliani pode ser
visto hoje como um dos polos essenciais de uma linhagem afinal
ininterrupta que passa por Soutine, Picasso, Giacometti, Balthus, Bacon,
Freud e Aricka.
Entretanto, a
coincidência das duas exposições no mesmo local permite também reflectir
sobre o significado de dois momentos decisivos do encontro da arte de
tradição europeia com outras expressões culturais: na obra de
Modigliani, primeiro, enquanto exemplo do interesse formalista pelos
códigos não realistas da «arte negra» e, hoje, como abertura à
alteridade e questionamento do olhar etnocêntrico.
«Encontros Africanos» é uma iniciativa nascida na sequência de «Magiciens de la Terre» (Centro Pompidou, 1989) e que em parte responde a algumas das críticas que provocou essa mostra. No caso presente, a que Jean-Hubert Martin está também associado, a responsabilidade da selecção dos autores representados foi confiada a dois artistas africanos e o projecto constitui uma interrogação eficaz sobre as diversas possibilidades de compreensão e de relacionarmento com a produção artística não europeia.
Farid Belkania, um marroquino com formação artística europeia, seleccionou através de uma pesquisa feita na África negra quatro artistas da Costa do Marfim, da Etiópia, Kénia e Benim, cujo trabalho está profundamente enraizado em tradições regionais, sendo indissociável de práticas religiosas, terapêuticas e de revelação cósmica ou de expressão dita «naif». Pelo contrário, a escolha feita por Abdoulaye Konaté, um artista do Mali com formação escolar em Cuba, incidiu sobre os países do Magreb (Argélia, Egipto e Tunísia) e sobre artistas que têm circulação internacional ou adoptam processos criativos (já) informados pela tradição ocidental.
As questões da autonomia, miscigenação e hegemonia cultural, ou da recontextualização das produções africana como objectos integrados pelo seu exotismo na diversidade da arte contemporânea, e, em alternativa, da identificação e preservação de tradições regionais, eventualmente como polos de uma irredutível verdade da arte, são bem afirmadas por esta mostra e prolongam-se ainda em dois debates de grande interesse recolhidos no catálogo original, a que a Culturgest acrescentou ainda um artigo de José António Fernandes Dias publicado no «jornal da exposição».
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ENCONTROS AFRICANOS
21-01-95
Atrasos imputáveis a um dos
coprodutores da exp., a Fondation Afrique Création, não permitiam ainda,
na semana que passou, mostrar todos os artistas anunciados
(aguardavam-se as obras de Kivuthi Mbuno, uma das presenças mais fortes
da montagem que se pôde ver no Instituto do Mundo Árabe, em Paris). O
catálogo original, que inclui textos indispensáveis para compreender a
originalidade e a radicalidade deste projecto, não estará igualmente
disponível, por não cumprimento das relações contratuais estabelecidas
com a Culturgest.
MODIGLIANI e ENCONTROS AFRICANOS
11-02-95
Duas exp. de
circulação internacional, a primeira revelando um nome mítico do
modernismo, através de um extenso acervo de desenhos que permite
assistir à gestação do seu estilo, e, em particular, ao confronto com a
descoberta da «arte primitiva»; e uma segunda, uma colectiva de artistas
africanos de hoje, que, por coincidência, permite reflectir sobre uma
muito recente revisão da problemática do multiculturalismo. Ao
apresentar, como artistas contemporâneos de parte inteira, autores
africanos que prosseguem tradições regionais ligadas a práticas
cultuais, mágicas e terapêuticas, transferidos ou não para suportes de
influência europeia, um dos seus comissários, o marroquino Farid
Balkahia, propõe uma concepção da gravidade da arte que desautoriza as
leituras formalistas a que os «primitivos» continuam a ser sujeitos e
também a generalidade das iniciativas expositivas assentes na
globalização da informação.
ENCONTROS AFRICANOS
25-02-95
Quanto a «Encontros Americanos»,
trata-se de uma abordagem da questão da multiplicidade cultural que tem o
mérito de cair na moda e nos logros do multiculturalismo, com que o
centro se recentra devorando as diferenças emergentes da periferia —
esta não é uma exp. «politicamente correcta». Dedicada à produção
africana e confrontando dois olhares africanos, do Magrebe e da África
Negra, a exp. revela algumas obras de grande interesse e coloca
problemas de real importância, quando restringe a escolha da produção do
sul a obras marcadas por funções sociais e por expressões tradicionais,
ligadas à magia e à intervanção terapêutica, mas entendendo-as, por
isso mesmo, como plenamente integradas na contemporaneidade. Não é o
exotismo que com essa selecção se promove, mas, pelo contrário, a
compreensão da respectiva identidade com uma tradição essencial da
produção ocidental, numa linhagem múltipla que passa por Malevitch,
Klein, Beuys ou Tapiès.
Lacunas, eixos e rupturas
ARTE MODERNA 2
Culturgest/CGD
EXPRESSO 01-04-95
É prática comum a constituição de colecções de arte por parte dos bancos e outras empresas, com as quais se cumprem, em geral confidencialmente, objectivos de decoração das instalações, de representação sumptuária e de investimento. A essas muito legítimas razões, que suportam parte essencial do mercado e da produção de arte, a CGD acrescenta a responsabilidade de uma intervenção mais ambiciosa, dando publicamente conta das suas aquisições e atribuindo-lhes uma lógica para-museológica.
Depois de uma mostra inaugural em 1989, a CGD procedeu a uma redefinição de critérios da colecção; apresentou em 1993 um primeiro núcleo de obras reunido sob o título «Arte Moderna em Portugal» e expõe agora um segundo conjunto. Num país sem museus estatais de arte contemporânea e com raras colecções públicas, a iniciativa é sem dúvida meritória, absolutamente respeitável para lá das polémicas que podem justificar os textos dos respectivos catálogos.
Acrescente-se ainda, como genérica reflexão, que uma colecção — por maioria de razão se for privada (ou de empresa, mesmo pública) — não deve nem pode ser consensuamente construida, procurando representar tudo e todos, e seria tão igualmente legítimo seguir um plano de aquisições dedicado à escultura em pedra como à pintura monócroma, às instalações multimédia como ao tema da paisagem, à emergência de novos artistas como a quatro ou cinco consagrados. Ninguém tem, afinal, nada com isso. E será só da soma ou da concorrência das diferentes colecções individualizadas que surgirá a possibilidade de equacionar, sempre ao sabor das permanentes revisões históricas, uma representação momentaneamente universal. Muito mais do que a «abrangência» e os compromissos tácticos, importará a coerência determinada de um gosto ou de uma opção programática, assumidas por um empresário «amador» de arte ou um «expert» contratado.
Em 1993, a colecção da CGD foi apresentada por Fernando Calhau como «fundamentalmente vocacionada para a arte dos nossos dias, acompanhando as tendências emergentes no meio artístico e mantendo uma constante actualização». Aqui se disse então, criticando não a definição de um critério mas as insuficiências dessa definição, que «a arte dos nossos dias» só na superficialidade das aparências e das cumplicidades momentâneas coincide linearmente com «as tendências emergentes». Aliás, não era já de emergências que se tratava, mas da «consagração» institucional de artistas que, desde as décadas de 70 e 80, alegadamente «tiveram ou (têm) um papel fulcral ou paradigmático, como figuras centrais e polarizadoras». Na mesma linha de comentário crítico, sugeria-se que a raridade do coleccionismo de vocação pública e a riqueza dos meios da CGD justificariam uma ambição menos conjuntural e imediatista.
Alguma evolução parece ter-se registado, entretanto, na orientação da colecção. Pelo menos, na apresentação do seu segundo núcleo de obras (ignorando agora as apreciações infelizes incluidas no catálogo, aqui referidas há uma semana) surge justificado o programa das aquisições e da exposição com o objectivo duplo de «corrigir lacunas existentes na colecção» e de apresentar «um grupo de artistas que traçaram os eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70».
Os artistas expostos são Helena Almeida, Eduardo Batarda, René Bertholo, Joaquim Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, António Dacosta, José Escada, Jorge Martins, Menez, Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Ângelo de Sousa, João Vieira e Pires Vieira. As obras distribuem-se cronologicamente entre 1958 e 1992, desde a abstracção geométrica tardo-mondrianesca de Rodrigo, em 58, até uma recentíssima figuração que dialoga com referências clássicas, na pintura de Menez, de 91-92.
O conjunto, se de conjunto é possível falar mais do que como ocasional vizinhança, é obviamente muito diversificado quanto aos itinerários estéticos prosseguidos e às notoriedades reconhecidas, e de alguns dos artistas se poderia dizer, com tanta ou tão pouca justeza, que «traçaram os eixos e as rupturas» também das décadas de 40 e 50, e certamente, porque muitos deles estão activos, traçam os dos anos 80 e 90. Paradoxalmente, perante o programa anunciado, notar-se-á que é afinal destas duas últimas décadas que datam todas as obras expostas de Batarda, Bravo, Dacosta, Martins, Menez e P. Rego, e também grande parte das restantes. Terá algum sentido apresentar rupturas de 60 e 70 com obras em geral posteriores e que contradizem as propostas então formuladas?
Não há, como é óbvio, nenhuma coerência programática nem cronológica neste conjunto de autores e obras, e valeria certamente a pena assumi-lo sem complexos. A consistência do conjunto poderia situar-se apenas na circunstância temporal das aquisições, que a iniciativa da exposição não deveria criticar-se por isso. E nenhuma tentativa de legitimação teórica importa mais do que a eficácia eventualmente alcançada pela proximidade, dialogante ou contraditória, das obras expostas — ou que a afirmação de algumas de entre elas como situações irredutíveis aos momentos colectivamente definidos.
Esqueça-se então a roupagem justificativa, para sublinhar que a exposição, na sua manifesta diversidade e na aleatoriedade das aquisições, conta com trunfos suficientes para impor a sua efectiva importância. Observe-se o processo da desocultação das imagens e dos sentidos a que se assiste nas três pinturas sucessivas de Menês, ou a revisitação, na busca conjuntural de um novo realismo, da tradição dadaista e surrealista da acumulação e da caixa, com Lourdes Castro (1962), ou a descoberta de singularidades tão poderosas como as três telas de Dacosta (83-6), ou os recortes em papel de José Escada com que brinca com a indistinção entre abstracção e figuração (68), ou as duas pinturas quase-monocromáticas e certamente inéditas de Batarda (sem título e sem data, o que é estranho).
Importam, nesta e em qualquer exposição, algumas obras — e outros farão escolhas diferentes... Mas importa também rejeitar em absoluto a grelha de legitimações pseudo-historicistas, guiada pelas ideias pobres das lacunas e das rupturas, subordinando emoções e sentidos, invenções e interrogações a um formulário que substitui as pequenas estratégias de ocasião à capacidade de ver. E é impossível separar essa mesma ineficácia teórica da surpreendente sucessão de equívocos que se pode ler nos textos do catálogo e do «jornal da exposição». À lista esboçada na semana anterior somem-se a comparação Lourdes Castro-Jeff Koons, a Pop Arte de Paula Rego e de L. Castro, a «nova figuração» de Dacosta, a «pintura culta» de Batarda, por exemplo.
As lacunas existem só nos universos finitos das cadernetas de cromos, não numa coleção aberta. E as rupturas, versão «soft» das revoluções ou sobrevivência empobrecida das seriações de «ismos», contraditam-se na sua própria sucessão, sem progresso, como se sabe. Ou então, isolando obras individuais, apontem-se como verdadeiras lacunas a ausência das sombras recortadas de Lourdes Castro, das pinturas de René Bertholo (antes e depois dos objectos com movimento), das colagens anteriores de Paula Rego e das suas últimas pinturas (e se não for a CGD a disputá-las às empresas inglesas quem o fará?). São alguns exemplos que permitiriam pensar com proveito a ideia de ruptura, mas no interior de cada uma das produções autorais que se impõe como obra e não só como sucessão e reiteração de achados.
ARTE MODERNA II, Culturgest/CGD
Expresso 25-03-95 (nota)
Apresentação de um segundo núcleo da Colecção da CGD, com obras de Helena Almeida, Batarda, Bertholo, Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, Dacosta, Escada, Jorge Martins, Menez, Pomar, Paula Rego, Rodrigo, Ângelo, João Vieira e Pires Vieira (a inaugurar na 3ª feira às 18h). No catálogo, parece classificar-se este grupo de artista como uma espécie de «segunda divisão», em relação ao primeiro núcleo da Colecção mostrado há pouco mais de uma ano. Com efeito, Fernando Calhau, responsável pelas aquisições, escreve no catálogo que «nesse primeiro conjunto dava-se conta
de um sector da Colecção centrado num núcleo de autores que têm problematizado, com maior eficácia e visibilidade, os caminhos da modernidade.» Além da alegada «maior eficácia e visibilidade», os mesmos autores, «que (significativamente) construiram o seu percurso após 1974», teriam marcado «a internacionalização da arte portuguesa». Se tais fórmulas revelam, pelo menos, uma total inabilidade e deselegância, no momento e no lugar em que se publicam, sucede também que o juízo crítico que eventualmente as sustenta (ou será antes um «juízo» geracional, ou de grupo?) se afigura muito mal fundamentado nos comentários propostos como «Itinerário para uma exposição».
Alguns exemplos: a respeito de Paula Rego (e da «maior parte dos artistas presentes») aponta-se «a mistura de referências portuguesas com as referências culturais que surgiram da Pop Arte»; uma obra de René Bertholo é considerada «certamente representativa da arte cinética»; de Jorge Martins diz-se que «sempre aliou a paixão pelo racionalismo francófono a um interesse particular pela arte do post-expressionismo americano» e que «é patente no seu trabalho a dimensão cosmopolita tributária das suas longas permanências no estrangeiro». A polémica em torno desta exp. está
assegurada, mas vale a pena alargá-la à consideração das razões de fundo de uma situação mais geral de que ela é, apenas, um descuidado emblema.
ARTE MODERNA 2 - 29-04-95 (nota)
Num segundo núcleo da colecção da Caixa reunem-se, em geral, autores com forte presença na arte portuguesa desde o início dos anos 40, embora com obras datadas em geral das décadas de 60 a 80. Alguma incerteza na aquisição das obras faz-se por vezes notar, mas, mesmo assim, o conjunto tem uma qualidade museológica global que ultrapassa a de outras colecções públicas e que faz desta exp. um acontecimento de excepcional importância. Noutro plano de considerações, esta mostra permite identificar um muito curioso confronto entre o circunstancial discurso de legitimação escrito para o catálogo e outros discursos que a presença das obras autorizam ao espectador interessado. Mas o mais interessante que aqui sucede, a partir de uma não controlada oportunidade de ver, num mesmo lugar — num itinerário não disciplinado pela cronologia nem subordinado ao reducionismo fácil da ideologia da novidade —, obras que representam situações de maturidade e continentes autorais afirmados num tempo próprio ao lado de outras que importam como documentos de um suposto processo evolutivo global que as obras individuais apenas ilustrariam, é a desmontagem em acto das abordagens mais usuais e mais empobrecidas sobre o objecto artístico. As grandes obras são indisciplinadas e vivem as suas próprias mutações (em relação com o seu tempo, mas com uma necessidade própria) segundo sensibilidades próprias e problemáticas irredutíveis a uma história feita por décadas, estilos, rupturas e fórmulas críticas; as outras são obras irremediavelmente menores que só existem enquanto exemplos episódicos, ilustrações, de um exercício que tem do tempo uma noção jornalística. Entretanto, esclareça-se que os dois quadros inéditos, sem título e sem data, de Eduardo Batarda são trabalhos escolares do Royal College of Arts de Londres realizados entre Outubro de 1971 e Janeiro de 1972.
ARTE MODERNA 2, 20-5-95
Abrindo com uma tela de Paula Rego, de 1984 (exemplar único na colecção, já adquirido na década passada...), a exp. desconstroi no seu efectivo percurso a proposta de leitura formulada nos textos que a acompanham — os «eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70» não são mais que etapas de uma vulgata que dissolve a obra dos artistas numa sucessão progressiva de estilos colectivos, ou só de inovações (aliás, em geral, de importação de inovações), que ilustrariam o «progresso» da arte. A pessoalíssima figuração narrativa de "The Mosquito House", que deve menos à Pop Arte que a Dubuffet, aos Cobra e às ilustrações de livros infantis, ou as últimas telas de Menez e o regresso à pintura de Dacosta, ou Jorge Martins e Batarda, colocam problemas mais incontornáveis e mais abertos ao futuro do que as obras que exemplificam a abstracção geométrica, a não-objectualização, a desconstrução do objecto-quadro ou a auto-referencialidade da superfície. Através dessa resistência de alguns artistas, por vezes expressa nas contradições ou «rupturas» da sua própria obra, à linearidade dos estilos e das cronologias simplistas, demonstra-se a dualidade de alternativas que se colocam a esta colecção «in progress».
ARTE E DINHEIRO, CGD/Culturgest
EXPRESSO 19-11-95 (nota)
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JOVENS PINTORES
Culturgest/CGD, Galeria 2
EXPRESSO 29-10-95
Existe entre nós uma ampla desconsideração da fórmula concurso, que talvez resulte, para lá do excessivo voluntarismo de grande parte dos agentes culturais, da genérica diluição de um sistema minimamente consistente e consensual que possa estruturar os diversos segmentos, sectores e níveis do panorama artístico. Tal desconsideração não é alheia quer a uma instabilização permanente, ou mesmo a uma desvalorização, das instâncias críticas actuais, quer a um desfuncionamento notório das entidades associativas e, ainda, a uma possível falta de transparência e, logo, de credibilidade, dos circuitos de selecção e consagração — que tem por consequência mais imediata os desmandos notórios nos planos da arte pública (monumentos realizados pelas autarquias, novas decorações do Metropolitano, etc). Os concurso abertos a artistas, jovens ou não, podem garantir aquela transparência dos circuitos artísticos e também acautelar canais paralelos de revelação ou validação de notoriedades, funcionando, por outro lado, como estímulo de um interesse público de que outras iniciativas abdicam. Neste prémio promovido pela Companhia de Seguros Fidelidade não ocorrem descobertas empolgantes, nem o panorama médio é susceptível de fundamentar qualquer optimismo, mas não deixa de ser possível constatar algumas das ambições que motivam inícios de carreira. (Até 7 Nov.).
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1996
COLECÇÃO COBRA
Culturgest/CGD - 20-01-96
Uma exposição histórica de uma rara
dimensão e importância no panorama expositivo nacional, a que convirá
reconhecer também uma pouco comum capacidade de questionar o presente — e
um forte sentido de oportunidade, portanto. A mostra, vinda de um dos
mais dinâmicos museus europeus, o Stedelijk de Amsterdão, reconstitui a
breve irrupção do grupo Cobra (activo como movimento entre 1948 e 1951) e
acompanha ainda os percursos individuais dos seus artistas até ao final
da década de 50, enquanto se prolonga a sua eficácia profunda e se
definem as suas expressões individuais próprias, quer isoladamente quer
mediante outras movimentações colectivas: por exemplo, Asger Jorn e
Constant foram participantes activos da Internacional Situacionista, até
esta se converter num grupúsculo orientado para a intervenção política.
Em paralelo com a afirmação da 2ª Escola de Paris e a academização da
sua abstracção lírica, o grupo Cobra, através das contribuições trazidas
de culturas artísticas periféricas (nórdicas, holandesas e belgas) e de
uma convergência de vontades experimentalistas (a «Internacional dos
Artistas Experimentais»), serviu de agente indisciplinador de um período
atravessado por um subterrâneo cruzamento de inquietações onde se
encontram a valorização das expressividades marginais (populares, das
crianças e dos loucos), contribuições surrealistas e atitudes
antiformalistas, preocupações sociais e a defesa da expressão livre e
pessoal contra os vários impasses programáticos do tempo. Segunda vaga
do expressionismo primitivista, segundo a expressão usada por Willemijn
Stokvis no catálogo (na sequência do expressionismo alemão dos anos 10),
os artistas do grupo Cobra tiveram uma influência profunda na
problematização da dicotomia entre abstracção e figuração então
dominante e também na reafirmação de algumas condições essenciais (mas
não essencialistas) da criação artística. Entretanto, esta exp. pode ser
igualmente lida como afirmação do interesse das histórias e dos
itinerários artísticos vividos, quer em situações de periferia
geográfica (sem as marcas da procura de exotismo que caracteriza muito
multiculturalismo actual) quer à margem das sínteses canónicas da
«evolução» da arte. O contacto com as obras reunidas do grupo Cobra, com
a sua inventividade indisciplinada e libertadora, com as suas procuras
individuais da expressividade, surgirá menos como lição de história do
que como reaproximação a necessidades e possibilidades certamente outra
vez reprimidas sob o aparente predomínio actual do discurso
especulativo.
02-03
Movimento sem programa nem
carácter de tendência, o grupo Cobra trouxe à situação do pós-guerra a
frescura da afirmação de alguns jovens pintores, o fermento das
tradições poéticas de regiões periféricas, nomeadamente dos países
nórdicos, e uma rebeldia de heterodoxa filiação surrealizante. Com a sua
breve existência organizada e as suas carreiras individuais
posteriores, os artistas Cobra reactivaram uma linha de fundo
expressionista, sobre um novo primitivismo valorizador da criatividade
popular e infantil, que contribuiu para pôr em causa a dicotomia
figuração-abstracção. Se Asger Jorn, Robert Jacobsen, Alechinsky e Appel
são artistas de destacada presença internacional, as obras de outros
nomes de menor notoriedade cosmopolita testemunham de uma mesma urgência
interventiva e, em especial, comunicativa. (JLP - Revista)
TOM WESSELMANN
Culturgest/CGD, 13-07-96
É um dos cinco nomes mais importantes da Pop Arte americana, embora essa notoriedade histórica e «escolar» não deva fazer ignorar que se trata acima de tudo de um pintor, como aliás também sucede nos casos de Lichtenstein e Rosenquist. A retrospectiva, que já fez uma larga digressão europeia e constitui um dos momentos mais marcantes do verão lisboeta, inclui obras de 1959 a 1993, desde logo com relevo particular para os pequenos trabalhos iniciais, significativos de uma evolução que vai da colagem-assemblage para a pintura, através de uma aproximação muito evidente às questões do desenho e da composição pictural de Matisse. Logo a seguir, é essa mesma linguagem apreendida que Wesselmann «actualiza» e amplia com o recurso às imagens da publicidade, mas revisitando metodicamente os géneros tradicionais do nu, da natureza morta, do interior e da paisagem — e o uso da publicidade e do quotidiano que constituem imagem de marca da Pop são também o retomar de fortes tradições vernaculares americanas. Dominando a composição espacial planificada (de modo a conservar a imagem à superfície do quadro) e também o conceito da colagem e a problemática da escala, W. não é um «pintor de pin-ups», apesar das mais rasteiras considerações moralistas que voltam a ter curso, mas um artista que retoma com a representação do corpo e a relação com o modelo a exploração do campo da pintura. A partir dos anos 80, nas obras recortadas em metal, a relação entre a pintura e o desenho orienta-se para uma autonomia crescente do segundo, com maior facilidade decorativa, mas é ainda à pintura que W. presta homenagem nas referências a Cézanne, Léger, Matisse e Mondrian com que a exp. se encerra. É pena que só se encontrem acessíveis catálogos estrangeiros, embora o «jornal da exposição» que inclui uma mesa-redonda entre quatro mulheres-artistas constitua um curioso documento sociológico.
07Set.96
Últimos
dias de uma exposição retrospectiva que apresentou em Portugal a obra
de um dos nomes maiores da Pop norte-americana. Para além da
característica genérica da utilização das técnicas mecânicas e
impessoais da arte comercial ou da publicidade, que definiu a «ruptura»
trazida pelo novo estilo em relação ao expressionismo abstracto anterior
(mas que é também a recuperação de alguns exemplos da tradição
vernacular americana), a obra de T.W. tem também a particular qualidade
de demonstrar que a Pop Arte é um movimento muito mais rico e complexo
do que as sínteses escolares deixam adivinhar — e, em especial, que é
irredutível às condições da cultura popular dos anos 60 ou ao modelo
único de Warhol. Sob a aparência imediata de um imaginário ligado ao
erotismo de consumo, as «pin-up» de Wesselmann eram a versão
contemporânea das odaliscas de Ingres e Matisse, numa pintura
reconquistada a partir do exercício da colagem e marcada pela influência
forte de De Kooning, apesar do abandono da factura gestual. Das
pequenas colagens ìniciais, raramente mostradas, às «assamblages»
visíveis como «ambientes», a três dimensões e com inclusão de objectos e
mobiliário real, sobre uma metódica reapropriação dos géneros
tradicionais (o nu, a natureza morta, os interiores e a paisagem), a
antologia orienta-se depois para uma cobertura ampla de um mais recente
formulário, onde o desenho é recortado sobre placas metálicas,
procurando conservar uma clássica impressão de espontaneidade.
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NAM JUNE PAIK
Culturgest/CGD - EXPRESSO 05-10-96
«A super auto-estrada electrónica — Nam June Paik nos Anos 90»
é uma grande exposição do pioneiro da video-arte, de origem coreana
(Seul, 1932) e actual nacionalidade norte-americana, discípulo de
Stockhausen, cúmplice de John Cage e militante do movimento Fluxus. A
uma instalação de 30 trabalhos recentes («Cybertown») que se encontra em
digressão norte-america — e tem Lisboa por escala única na Europa —
acrescentaram-se reedições de algumas peças históricas, numa vasta
síntese sobre a sua obra, onde a exploração das virtualidades das novas
tecnologias da comunicação se cruza com o cepticismo próprio de uma
visão paródica sobre as estratégias vanguardistas. A incorporação de
meios informáticos e da Internet vêm actualizar com ironia um exercício
que é o prolongamento do happening neo-dadaista, a que a imaginação
formal e o humor das «assemblages» preserva do risco da mumificação. Um
espectáculo feérico e delirante, mas também mais complexo do que pode
parecer à primeira vista.
07-12-96
Últimos
dias de uma mais das mais surpreendentes exposições do ano, desde logo
pela espectacularidade dos meios envolvidos. «A super auto-estrada
electrónica» é o Nam June Paik dos Anos 90, o artista-Fluxus e
empresário que foi o inventor da video-arte e agora desestabiliza todas
as certezas sobre o progresso das tecnologias, convertidas em lixo e em
materiais de escultura, em monumento e em paródia.
outras
circulações britânicas, como a exposição «From London», dedicada aos
pintores da Escola de Londres (de Bacon a Kitaj), que terminou o seu
itinerário em Barcelona, permanecem menos acessíveis na condição
periférica em que Lisboa se mantém (embora a Culturgest, acrescente-se,
tenha procurado acolhê-la), e permitem-nos uma alegre vertigem da
novidade sem consequências que é a condição do diletantismo. Doherty,
entretanto, «fala-nos» de coisas tão sérias como a guerra civil da
Irlanda, recorrendo a duas «cenas» filmadas, de exibição paralela, e
duas vozes-off, de audição entrecortada. Abreviando razões, o comissário
Michael Tarantino informa que a obra «denuncia a
estupidez de uma atitude que estabelece uma única forma de se olhar uma
imagem, uma única maneira de definir os problemas políticos e religiosos
da Irlanda, uma voz 'certa' e uma voz 'errada'». O nível do sentido da
obra, acrescentado pelo comissário a um material informe e literal, não
podia ser mais rasteiro, mas essa será certamente uma qualidade a
atribuir a um novo neo-realismo sem ilusões ou ambições.