Abbas/Hébel «Fórmula Magnum»
entrevista com António Pedro Ferreira
Expresso Revista 17 Julho
45 ANOS DE reportagem na Europa de Leste por 45 fotógrafos da mais mítica das agências apresentam-se na Estufa Fria, numa sumptuosa montagem ainda integrada no «Mês da Fotografia» promovido pela Câmara de Lisboa. Abbas e François Hébel foram os representantes da Magnum presentes na inauguração e é com eles que se faz adiante uma viagem ao interior da cooperativa criada em 1947 por Robert Capa, David Saymour, George Rodger e Henri Cartier-Bresson, à procura das razões por que, tantas décadas depois, os seus fotógrafos continuam a estar na primeira linha.
Abbas, iraniano nascido em 1944, é fotógrafo da Magnum desde 1981 e o actual vice-presidente da agência de Paris. Publicou três livros, sobre o Zaire, o Irão e o México, e apresentará no próximo ano, em exposição itinerante e em livro, o resultado de seis anos de reportagem sobre o Islão. François Hébel é director da Magnum de Paris desde 1987, depois de ter dirigido os Encontros Internacionais de Arles; é também o responsável principal pelo projecto «À l'Est, de Magnum», em colaboração com o fotógrafo René Burri, que assegurou a direcção artística.
Depois da exposição «Magnum no Leste», em circulação mundial desde 1990, Lisboa verá em Outubro, na nova sede da Caixa Geral de Depósitos, a grande retrospectiva dos 45 anos da agência Magnum, criada em 1989, por ocasião das celebrações dos 150 anos da divulgação da fotografia. É a ocasião de um acerto de contas com a história do mundo e da fotografia.
EXPRESSO — O que distingue a Magnum das outras agências?
ABBAS — A diferença é que a agência pertence aos fotógrafos. Eu trabalhei na Sipa, na Gamma e depois na Magnum... Quando estava na Sipa, era o caos. Se saía em reportagem, era eu que tinha de comprar o bilhete do avião, de arranjar os filmes, tudo. Depois fui para a Gamma. Quando partia, davam-me um cartão para o telex, o dinheiro, o bilhete do avião, a lista dos voos nos quais era possível enviar os filmes, etc. Tudo estava organizado, tudo era perfeito. Vou para a Magnum, e é o caos total outra vez. Mas há uma diferença: dão-nos a chave da agência. A Magnum é uma cooperativa de fotógrafos, pertence aos fotógrafos e eles têm o controle político, digamos, sobre a agência — são eles que definem as grandes linhas, e depois há um «staff» que gere o dia a dia. A outra grande diferença é que na Magnum os fotógrafos são sempre os donos e senhores do seu trabalho, e todos os negativos continuam a pertencer-lhes. Cada fotógrafo paga os seus filmes e as suas revelações. E a Magnum é uma agência que não pode ser comprada pelos bancos ou pelos grandes grupos industriais, como sucede com as outras.
EXP. — Também não é uma empresa que só quer conseguir o maior «chiffre d'affaires»?...
A. — Não, é até um pouco o contrário. Há alguns anos, quando a agência começou a ganhar dinheiro, todos andavam nervosos... enfim, eram «os antigos» que estavam nervosos. Agora, a filosofia já mudou um pouco, mas a ideia essencial é que é a agência que deve servir os fotógrafos no seu trabalho e não o contrário. Ela fornece a logística para que os fotógrafos possam trabalhar.
EXP. — E cada um faz o seu trabalho pessoal?
A. — Não há apenas fotógrafos a trabalhar nas suas histórias pessoais. Há o trabalho pessoal e há igualmente as encomendas para a publicidade, a fotografia industrial, etc. Há as duas coisas.
EXP. — É possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo?
A. — A estrutura permite-o.
FRANÇOIS HÉBEL — Há uma diferença essencial em relação às outras agências, que resulta da posição do fotógrafo em relação ao seus «irmãos» da agência. Nas outras, como há um chefe de redação que distribui o trabalho, não há, em geral, dois fotógrafos a trabalhar sobre o mesmo assunto, e, finalmente, há muito pouca emulação entre eles. Tudo é regulamentado, cada um tem o seu compartimento, a sua especialidade. Connosco é a anarquia total. Não existe nenhuma consulta entre os fotógrafos: se um deles pensa num trabalho, e se tem os meios para o fazer, ou se arranja alguém que o compra, arranca para a sua história. Pode acontecer, como foi o caso da Jugoslávia, que durante um ano e meio não tenhamos ninguém numa região e, depois, de repente, há um que resolve lá ficar, outro que parte para lá, etc. Há casos incríveis, como aconteceu com o muro de Berlim: chegámos a ter dez fotógrafos ao mesmo tempo a trabalhar sobre o muro. A Magnum é isto. O que quer dizer que se cria uma emulação entre os fotógrafos que é única. Eles estão, de facto, em competição consigo próprios, em primeiro lugar, em seguida em competição em relação ao grupo e só depois com o mundo exterior, enquanto os fotógrafos das outras agências estão em competição em relação a um mercado. Não temos essa noção. Não estamos em competição com o mercado.
EXP. — Há também o confronto permanente com a história da Magnum.
F.H. — Absolutamente. Quando falo do grupo, é isso: eles sentem essa responsabilidade.
EXP. — É muito pesado viver com o mito Magnum?
A. — Não. Primeiro, o mito é qualquer coisa que se vê mais quando se está de fora. Quando se está lá dentro, é diferente. É certo que existe o peso dos antigos — que pode ser um pouco difícil, quando se tem a responsabilidade da gestão —, mas há sobretudo a história. Essa é outra diferença em relação às restantes agências: temos uma história atrás de nós, temos uma tradição, o que nos permite, quando temos um problema de identidade, ou de ética, ou problemas financeiros, referirmo-nos ao passado. Às vezes, estamos a discutir um problema grave, há um dossier que circula e descobrimos que, 30 anos antes, já se tinham posto as mesmas questões. Então, quando olhamos para o que viveram os antigos, chegamos à conclusão que é exactamente o mesmo que nós estamos a viver, e que a agência sobreviveu, apesar desses problemas.
EXP. — Como é que se escolhem os novos fotógrafos?
A. — É um processo muito longo, que nem sempre é bem compreendido. E é verdade que quando eu estava fora também não percebia porque é que o processo é tão longo. O fotógrafo que quer ser membro da Magnum propõe um portfolio durante o «meeting» anual; ele é visto pelo colectivo dos membros, unicamente pelos membros, e faz-se uma votação por maioria simples. Se é aceite, torna-se nomeado («nominee»), que é uma associação um pouco fluida. Aprendemos a conhecer-nos mutuamente. É como sucede num par, numa relação entre «boy friend» e «girl friend». O fotógrafo pode conservar os seus clientes exteriores... Ao fim de dois anos, deve apresentar um segundo porfolio para se tornar associado. Aí já é preciso uma maioria de dois terços e, se ele é aceite, é como uma espécie de noivado. Deve dar tudo à Magnum, tudo deve passar pela agência, as suas encomendas, tudo. Depois, para passar a membro há um terceiro voto, em geral dois anos mais tarde — por vezes três ou quatro, mas também há fotógrafos que são associados durante sete e oito anos. Terceiro porfolio e um nova votação por dois terços, e só então é que um fotógrafo se torna membro da Magnum.
EXP. E então é para toda a vida...
A. — É-se membro para toda a vida. Mas eu tenho pena que não haja uma espécie de avaliação permanente do trabalho, um processo de acompanhamento em que todos os fotógrafos se poriam em causa. Ver-se-íam os portfolios dos outros fotografos, nós próprios deveríamos avaliar o nosso trabalho... Há, de facto, alguns que ficam muitos anos e que não produzem grande coisa, ao fim de algum tempo.
EXP. — Como é o «meeting» anual dos fotógrafos da Magnum?
F.H. — Realiza-se todos os anos em Junho, rotativamente em Paris, Nova Iorque e Londres, onde se situam as sedes da Magnum. Há sempre quatro ou cinco que estão em reportagem e não podem ir, mas, em geral, os fotógrafos organizam o ano de trabalho de modo a estarem presentes. É o momento em que eles podem gerir «a loja» colectivamente, em que discutem a entrada de novos fotógrafos, a evolução do mercado ou da técnica. Discute-se tudo durante quatro dias, mas o momento mais forte e que é mais revelador do estado do grupo é a escolha dos novos fotógrafos. Actualmente a Magnum tem 39 membros; na última reunião, em Paris, foram admitidos dois novos membros — Larry Towell, do Canadá, e Steve McCurry, dos Estados Unidos —, que uma semana depois passam a ter os mesmos direitos dos fotógrafos que estão lá desde há 35 anos. Foram aprovados também três novos «nominee», John Vink, belga, Paul Lowe, da Grã Bretanha, e David Harvey, dos Estados Unidos, e um correspondente na China, que usa o pseudónimo de Mr. Mao.
A. — O importante é que cada fotófrafo tem um só voto, qualquer que sejam os seus rendimentos ou a antiguidade. Foi esse o golpe de génio dos fundadores, Capa, Cartier-Bresson, «Chim» (David Saymour) e Rodger: criar uma estrutura muito leve e em que cada um tem o direito a um voto.
EXP. — A direcção da agência é sempre entregue a um fotógrafo?
A. — A direcção, não. Os directores são profissionais, são uma espécie de primeiro ministro. Os fotógrafos são o «politburo» e eu, como vice-presidente da Magnum de Paris, sou o secretário geral do «politburo»: asseguro que as grandes direcções definidas pela agência no momento da assembleia geral são seguidas pelos directores. E também as orientações aprovadas pelo «board», que é uma espécie de parlamento, com onze pessoas que são eleitas todos os anos, e de que fazem parte o presidente geral, os vice-presidentes, etc.
F.H. — Durante muito tempo, não houve directores, e o fotógrafo que era vice-presidente devia tomar uma série de decisões que o obrigava, de facto, a aprender uma nova profissão e a suspender em parte o seu trabalho. Desde 1987, já não são os fotógrafos que gerem o dia a dia.
EXP. — Qual é a relação dos fotógrafos da Magnum com a actualidade?
F.H. — Por vezes acontece que nos cruzamos com ela, mas a Magnum não está equipada para fazer a actualidade — para a actualidade a quente. Claro que se há coisas que nos vêm parar às mãos, como foi o caso, por exemplo, da Praça de Tian-an-Men, ou de Salgado com o atentado contra Reagan, nós sabemos vendê-las depressa, tal como os outros. Mas não é a nossa vocação. Temos o maior «staff» de fotógrafos — temos 50 fotógrafos de «staff» —, enquanto Sipa, Sigma ou Gamma têm uns 25, mas eles dispõem de dois mil correspondentes. Por outro lado, esses 50 fotógrafos da Magnum andam em permanência pelos quatro cantos do mundo e, se acontece qualquer coisa, eles podem sempre escolher se a querem cobrir ou não querem.
Aconteceu-nos o caso de termos um fotógrafo na União Soviética, durante o putch de Moscovo, o Sebastião Salgado, que estava a fazer uma reportagem sobre as indústrias no Cazaquistão. Perguntámos-lhe se queria ir para Moscovo e disse-nos que não. Para ele, era mais importante, para a História, fazer a indústria no Cazaquistão, que tinha preparado durante dois anos, que é de difícil acesso, etc, porque, no fundo, isso seria também um testemunho do que foi o comunismo. Disse-nos para arranjarmos outro fotógrafo, e felizmente o Georgui Pinkhassov andava por lá. Não existe a obrigação, na Magnum, de fazer a actualidade, mas há na agência fotógrafos que têm essa fibra ou que fazem essa escolha. James Nachtwey, por exemplo, é um tipo que gosta de seguir a actualidade, é esse o seu tipo de expressão: se há borrasca na Somália, é para lá que ele vai, e a seguir parte para a Bósnia. Mas o próprio Nachtwey, depois de entrar para a Magnum, fez a primeira reportagem em profundidade da sua carreira, sobre a poluição na Europa de Leste, onde passou seis meses — uma fantástica reportagem a cores, para a «National Geographic».
EXP. — Fala-se muito da perda de poder da fotografia de imprensa ou do fotojornalismo, mas o vosso trabalho não é uma prova do contrário?
A. — Depende daquilo a que se chama fotojornalismo. Se são as fotografias publicadas nos jornais, muitos de nós, de facto, não somos fotojornalistas. O fotojornalismo para mim é uma ética, ou seja, é uma visão, é interessarmo-nos pelo outro em primeiro lugar, antes do interesse por nós próprios. Mesmo se existe uma mensagem pessoal que se quer fazer passar, é sempre através da visão que se tem sobre os outros. É isso o fotojornalismo: interessar-se pela visão dos grandes acontecimentos que se passam no mundo. Não quer dizer que sejam os acontecimentos a quente, pode ser outra coisa. Quando o Patrick Zachmann se interessa pelos chineses da diáspora, através deles é o problema da emigração que o interessa. Quando Salgado se dedica a fotografar o trabalho manual, é o homem, na sua dignidade, naquilo que vai desaparecer. Eu interesso-me pelo Islão, mas não é só a religião, é a ideologia do Islão, é o ressurgimento do Islão. São fenómenos absolutamento contemporâneos e que tocam não um país só mas o mundo inteiro.
F.H. — Julgo que existe, de facto, um problema profundo na utilização da fotografia de imprensa. Passou-se de uma época, nos anos 50, em que era o magazine que fazia descobrir o mundo, para outra em que é a televisão, e essa transição ainda não está acabada. Na fase dos anos 70-80, a imprensa pensou que ia resolver o problema passando para a cor, sem nenhuma reflexão; depois, disse-se que o importante era tratar a actualidade através dos personagens, apareceu «The People», e tudo isso trouxe algumas distorsões. Depois surgiram alguns fotógrafos que se puseram a fazer marketing fotográfico, ou seja, a conceber projectos de reportagem de um modo tal que, antes mesmo de tomarem o avião, já sabiam que fotografia íam trazer, e tiveram um êxito louco. Estou a pensar, por exemplo, em «Rois sans Royaume», etc — são verdadeiros produtos de marketing.
Hoje estamos numa situação em que a fotografia de imprensa não é gerida por ninguém, e em que é preciso encontrar novos gestores, formar os quadros que saibam, agora, ter um resposta que seja um complemento da televisão. Ninguém pode ter a pretensão de bater a tv em velocidade. Isso está resolvido, acabou. Nós sabemo-lo desde há dez anos, os jornais descobriram-no com a Guerra do Golfo, e agora interrogam-se sobre o que hão de fazer. Nós temos quase vontade de lhes dizer: é melhor assim, publiquem depois da televisão. Pela memória. As pessoas são alertadas pela tv, de fugida, mas depois vão comprar o jornal e vão olhar com outra distância, com tempo, vão aprender outras coisas. É aí que está o nosso papel.
Por acaso, e não por marketing, a Magnum radicaliza-se nessa direcção. Nos casos em que, há dez anos, os fotógrafos da Magnum faziam reportagens de três meses, hoje fazem reportagens de três anos, ou de seis anos. Como Abbas sobre o Islão, Eugene Richards e a América social, Salgado e o trabalho, Zachmann e os chineses. Se fôssemos uma empresa que pensa no marketing teríamos feito a mesma coisa, mas foi por acaso, sem haver uma decisão prévia. A Magnum radicaliza-se face ao mercado actual. Estamos na crista da onda: as pessoas procuram os valores, procuram uma redefinição do fotojornalismo e nós já lá estamos...
EXP. — Há ainda os circuitos das exposições, dos livros...
F.H. — Há cada vez mais..., e essa é uma direcção importante. Veja-se o caso de Lisboa, onde temos três ou quatro exposições ao mesmo tempo. Esta exposição, «À L'Est, de Magnum», é acompanhada por um audiovisual que foi criado para o Festival de Arles e ambos deram a volta à Europa, desde a Andaluzia até à Suécia, passando pela festa do «Unita», em Itália. Chegamos com 130 fotografias, ou 700 no audiovisual, e encontramo-nos directamente com o público — e isso a imprensa não pode fazer, não tem esse espaço. Neste caso, a imprensa serve de correia de transmissão, para trazer o público às nossas exposições. E há, de facto, a emergência de um efeito camaleónico da fotografia que talvez nos permita, amanhã, fazer «dazibaos» para afixar na cidade. Cartazes fotográficos com um texto, porque não? Mas a imprensa toca milhões de pessoas ao mesmo tempo, é esse o lugar real, aquele onde é mais necessário tentar convencer, onde é preciso ter um espaço e tentar respeitar a tonalidade dada pelos fotógrafos. É essa a via principal.
A. — É também da Imprensa que vem o dinheiro, porque não são os livros e as exposições que nos permitem viver. São mais operações de prestígio que, em seguida, nos permitem publicar fotografias nas revistas e, apesar de tudo, o fotojornalismo é o que nos permite viver.
EXP. — Mas cada vez as reportagens são mais longas e, portanto, mais caras. Isso não agudiza as dificuldades do fotojornalismo?
A. — Quanto a isso, cada fotógrafo tem a sua resposta pessoal. Por vezes são as bolsas que asseguram esse tipo de trabalho, e depois são as revistas que permitem continuar...
F.H. — Há mais do que uma fonte de financiamento. Há evidentemente a Imprensa, as bolsas, o «sponsoring», e há também outros tipos de trabalho, ou seja, um fotógrafo faz dois ou três dias de publicidade e ganha tanto dinheiro que depois o pode investir em dois ou três meses de reportagem. Outra resposta, que estamos a tentar organizar cada vez melhor, são os arquivos. Veja-se o caso de um fotógrafo com 20 anos de carreira. Se tem os arquivos bem organizados, acessíveis numa quinzena de países, nomeadamente com a chegada de todo o arsenal electrónico, com a imagem sobre foto-cd, esse fotógrafo vai poder dispor de uma fantástica almofada de rendimentos.
O exemplo de Sebastião Salgado foi-nos muito útil porque nos serviu para perceber que não nos podemos contentar com uma única fonte de rendimento, que era a imprensa, para viabilizar as reportagens de longo curso. É preciso multiplicar os recursos, é preciso capitalizar os arquivos. Mas primeiro que tudo são os fotógrafos que correm riscos financeiros. Há um determinado momento em que eles decidem que têm um pequeno financiamento e resolvem avançar. É o espírito de «free lancer», o espírito de risco, e essa é uma diferença em relação às outras agências: é preciso que a reportagem seja boa, porque é o dinheiro deles que está em jogo. E quando trazem uma história, depois a coisa arranca, porque tem qualidade.
EXP. — Esse é o espírito da Magum. E qual é o estilo da Magnum?
A. — Há uma tradição, que noutros tempos era o preto e branco e uma fotografia... não direi humanista, porque a palavra está gasta, mas o interesse pelo homem. São os dois princípios do início. Mas não há um estilo Magnum. Eu sou muito diferente, por exemplo, de um fotógrafo como Harry Gruyaert, que trabalha a cor de um modo muito pessoal, e agrada-me muito que ele também esteja na Magnum.
EXP. — Mas pode falar-se numa ideologia Magnum?
A. — Não sinto que haja um estilo Magnum, ou uma ideologia Magnum. Há, sim, uma perspectiva Magnum, que é o interesse pelo que se passa à nossa volta, a curiosidade pelo Homem, o interesse em mostrar essas imagens. Mas os estilos são de tal modo diferentes que...
F.H. — O que eles têm em comum é a curiosidade pelo Homem, mas isso não tem nada a ver com a fotografia. Pegue-se nos fotógrafos da Magnum um a um e ver-se-á que têm todos estilos muito diferentes, no que diz respeito à própria construção das histórias. As aproximações aos temas são muito diferentes. Podem tirar-se conclusões pelo tema, não pelo estilo.
Esta exposição é o exemplo, mais uma vez. Porque é que uma agência ía arrastar os pés para um país num momento em que não ele interessava a ninguém? É uma exposição que é feita de tempos fortes e de tempos fracos. Há Praga 68, Budapeste 56, a construção e a destruição do Muro, mas isso tem valor porque há uma fidelidade que faz com que, hoje, se possam ver também os «kolkhozes» — eles desapareceram, já não se sabe o que é, mas reencontram-se aqui. Há a vida quotidiana, que não é feita de gente que andava sempre com algemas, era mais complicado que isso. De um país para outro, o comunismo não era o mesmo. Esse testemunho, no total, é feito de tempos fracos e fortes, e é ligado por uma curiosidade comum de Magnum, qualquer coisa que é algo abstracto, mas que circulava. Hoje somos os únicos a ser capazes de apresentar um testemunho como este, devido, precisamente, a essa circulação de curiosidades, pelas correntes de pensamento e pelas grandes regiões, a China, a Europa de Leste, a América, naturalmente. Os estilos fotográficos são muito diferentes, e na exposição também se vê isso muito bem — Carl de Keyser, Harry Gruyaert, Abbas, Salgado, ou Cartier-Bresson, são todos eles fotógrafos que trabalham de modo diferente e que dão testemunhos diferentes.
EXP. Há resistência em aceitar os novos membros que têm estilos fotográficos totalmente diferentes, do ponto de vista gráfico?
A. — Há uma preocupação pela estética que é única na nossa agência. Mas não é uma imposição da agência, são os próprios fotógrafos que têm uma preocupação estética, ao mesmo tempo que ética, ideológica ou política, e é isso que diferencia a Magnum. Não há um estilo, há estilos. Posso dar um exemplo: não é um segredo para ninguém que Martin Parr foi um caso muito controverso no seio da Magnum, e houve uma resistência muito forte de alguns fotógrafos à sua entrada, quer no momento em que foi votado como nomeado, quer, em seguida, como associado.
F.H. — ...E também houve uma resistência muito forte para que ele não saísse.
A. — Exactamente. Porque se achou que é interessante não ter sempre a mesma imagem da Magnun, o mesmo interesse pelos 35 mm, o preto e branco... a tradição histórica da Magnum. É bom haver um fotógrafo que tem os mesmos interesses que nós, que se interessa pela sociedade à sua volta, como todos os outros, mas que a trata de modo diferente.
EXP. — Mas Parr ainda não passou a membro...
A. — Não. É associado,
EXP. — Está ainda no purgartório?
A. — Não é um purgatório, é uma iniciação.
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A L'Est de Magnum. 1945-1990 - Quarante'cinq ans de reportage derrière le rideau de fer
A exposição «Magnum no Leste» é apenas a terça parte de um projecto que inclui também um espectáculo audiovisual itinerante e um livro. Mesmo que a exposição tenha encontrado em Lisboa excepcionais condições de montagem, numa insólita galeria a que Abbas e François Hébel não deixaram de atribuir uma aparência estalinista adequada ao seu tema, a falta dos outros dois componentes continua a ser grave.
A exposição foi criada em 1990 para o festival «L'Aventure de l'Information», em Istres, e o diaporama estreou-se nos Encontros de Arles do mesmo ano. Desde então, tem sido constante a sua circulação conjunta - e não é de um mero efeito de acumulação que se trata. Expostas, projectadas em grande ecrã, publicadas em livro, as imagens atravessam diferentes condições de eficácia e confirmam «o efeito camaleónico» da fotografia de que fala François Hébel, na entrevista ao lado. Mas não é a exposição, como se deve saber, o melhor veículo para fazer circular a fotografia.
Entretanto, o livro-catálogo editado na sua versão original pela Arthaud, Paris - A L'Est de Magnum. 1945-1990 - Quarante'cinq ans de reportage derrière le rideau de fer -, foi traduzido em várias línguas. Ele é o suporte de muitas mais que as 130 fotografias expostas e, em especial, de uma intervenção escrita que, desde a dedicatória «às gerações que não conheceram a última guerra, o marxismo e as suas esperanças, nem os kolkhozes, nem os tanques», se articula com a imagem e a prolonga.
Para comentar as diferentes etapas do período coberto pelos fotógrafos da Magnum, os editores convidaram sete editorialistas da Imprensa nascida com a derrocada do poder soviético, de Moscovo, Budapeste, Berlim e Varsóvia. São, assim, testemunhos vindos do interior que se confrontam com as imagens colhidas quase sempre pelos observadores exteriores que eram os fotógrafos da agência. E será ainda curioso observar como, face à conturbada evolução do Leste europeu, esses textos de 1990 nos parecem hoje tão datados, tão tragicamente desarmados.
De Werner Bischof, Robert Capa, David Seymour, Cartier-Bresson, George Rodger, Ernst Haas ou Elliott Erwitt, até Susan Meiselas, Raymond Depardon, Sebastião Salgado, Martin Parr, Alex Webb e James Nachtwey…
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