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sábado, 30 de agosto de 2025

Neo-realismo sem ortodoxia



Uma das boas surpresas da exp do Atelier-Museu, na minha opinião, é a aproximação de três obras que descartam a ideia de haver um neo-realismo ortodoxo (ou do que se chamou realismo socialista). Sem sequência cronológica vemos A RIBEIRA DO TEJO, de 1949, que foi de Mário Dionísio e hoje na Casa da Achad (foi trocada pelo seu "Músico", agora na col. Berardo), depois BARCOS, ERICEIRA, 1953 (depósito do Novo Banco no Museu de Vila Franca de Xira), e a seguir um quadro de Fernando Lanhas, PÁSSAROS E ROCHEDOS, de 1945, deixado inédito até 1987. É um dos "achados" da exp comissariada por Afonso Dias Ramos e Mariana Pinto dos Santos)

Ao subir ao piso superior, ainda ao cimo da escada, encontramos a pintura mais antiga, FERROS, 1944 (col. CAM e antes de Manuel Filipe, provável), uma obra anterior à afirmação do neo-realismo, exposto pela 1ª vez na Exp. Independente trazida do Porto ao IST, em 1945, no tempo de abertura anti-regime do imediato pós-guerra. Foi depois esquecido, e nunca reproduzido até 2021 no catálogo de uma exp no MACNA, ...Nadir Afonso, em Chaves, organizada por Maria do Mar Fazenda. Em FERROS está presente a intervenção política (o prisioneiro entre grades e o arame farpado) e o interesse por Léger, que é confirmada pela posse de um pequeno álbum onde se encontram anotações desenhadas  (existe um outro pequeno livro da mesma colecção dedicado ao cubista Louis Marcoussis com assinatura de 1942). O espaço plano dos fundos e figuras aparece também em "Café" e "Taberna" do mesmo ano de 1944, quando entra na Escola de Belas Artes do Porto.



Diante do quadro de Lanhas (presença de excepção entre as obras de Pomar) está uma vitrina com exemplares da página quinzenal ARTE (publicada no jornal A Tarde, Porto) também de 1945. É Lanhas quem recomenda e apoia a entrega a Pomar a direcção da página naquele jornal conservador, em mudança devido a uma conjuntura em que se aguarda o fim do regime sob a pressão dos Aliados e Salazar promete eleições. É na página ARTE que Pomar refere como neo-realista os desenhos de Manuel Filipe, usando-se a designação pela primeira vez na área das artes plásticas, vinda da literatura. Aí se divulgam as referências internacionais que são determinante para os jovens artistas: os muralistas mexicanos e os realistas e regionalistas norte-americanos, como Thomas Benton e Mitchell Siporin (1910–1976), e Picasso. E nesta página reune-se numa frente única a colaboração dos artistas e poetas vindos da Escola António Arroio e das Belas Artes de Lisboa (Vespeira, Cesariny, Pedo Oom, Fernando Azevedo - então neo-realistas depois surrealistas) e dos artistas do Porto (Lanhas só com um desenho, Victor Palla, vindo de Lisboa, como Pomar). É o preciso momento de uma forte afirmação geracional, a Geração de 45, que depressa se dividirá entre realistas, abstractos e surrealistas. 

VER ABAIXO: TROCAS NEO-REALISTAS DE 1945




CONTINUA



quarta-feira, 27 de agosto de 2025

TROCAS NEO-REALISTAS DE 1945. Fernando Lanhas

FERNANDO LANHAS, PÁSSAROS E ROCHEDOS, 1945, exposto agora no Atelier-Museu, "Neorrealismos...". 

JÚLIO POMAR, MULHER COM UMA PÁ 1945, Col. Fernando Lanhas. 

O mais significativo par de obras trocadas por Júlio Pomar e outros artistas, colegas e camaradas, e sem dúvida o mais relevante, inclui "Mulher com uma Pá" e "Pássaros e Rochedos", de Fernando Lanhas, ambos de 1945, que sinalizam a relação de cumplicidade que se estabeleceu logo depois da chegada de Pomar à escola do Porto, sendo Lanhas figura decisiva no seu itinerário pelas Exposições Independentes, a página «Arte», a Missão Estética de Évora e a Galeria Portugália. Pelo seu lado, Pomar promoveu a apresentação do primeiro quadro abstracto de Lanhas na Exposição Independente levada a Lisboa em 1945. 

Ambos os quadros ficaram inéditos, num tempo em que poucas obras se produziam, e quando tudo o que se pintava se ia mostrar logo nos Salões, lembrava Pomar. E assim desconhecidos ficaram por muito tempo, ambos não assinados e não datados, não expostos e fora do mercado. Intencionalmente inéditos, deliberadamente escondidos? Ficará sem se saber, mas é uma intrigante coincidência, como se de um pacto se tratasse. 

O quadro de Pomar mostrou-se pela primeira vez – por iniciativa de Fernando Guedes, e Lanhas – em 1967-68, em Bruxelas, Paris e Madrid ("Art Portugais. Peinture et Sculpture du Naturalisme à nos Jours", organização SNI e Gulbenkian); fora reproduzido em 1965 pelo mesmo Fernando Guedes num artigo sobre as Exposições Independentes, que não consta ter integrado («Vinte anos depois», Colóquio nº 32, fevereiro). Com o título "Mulher" esteve na retrospectiva de 1978, por escolha do artista. Quanto a Lanhas, a sua pintura foi exposta só na primeira retrospectiva, na Galeria Almada Negreiros, SEC, e Casa de Serralves, em 1988, por lembrança minha, mas não houve tempo para a reproduzir na monografia "Os sete rostos", de Fernando Guedes, ed. INCM, nem no catálogo - o que só veio a acontecer na 2ª retrospectiva, em 2001 (Museu de Serralves). 

Mulher com uma Pá é seguramente anterior às pinturas da 9ª Missão Estética do mesmo ano (de que Gadanheiro é emblema), pintado no Porto a seguir a "A Guerra", "Taberna" (antiga col. Rui Pimentel) e "Café" (a primeira colecção é desconhecida, depois Manuel de Brito), num tempo de rápida circulação por maneiras diferentes: de uma pintura de formas recortadas e lisas, decorativamente planificada, a uma áspera deformação expressionista que ficou sem paralelo. É uma pintura maior, singular e rude, que só terá alguma equivalência na "Varina Comendo Melancia" de 1948, ambas irreverentes e desamparadas, como as duas mulheres que se equilibram na pá e no braço desconforme. Picasso e Portinari comparecem na desarticulação e desmontagem do corpo, com as mãos e pés desmesurados que são marca do tempo. A expressão de dor associada ao trabalho duro é também inquietação, mais que revolta, no espaço fechado e monumental de um arco que é uma dupla moldura, interior. Os cinzentos, que são únicos, lembram os de Lanhas, que por esse altura (ao tempo da página «Arte») pintava rostos amargos de mulheres, já depois de produções abstractas. Contágios? 

O óleo de Lanhas (sobre cartão, mais tarde colado sobre tela, 86,5 x 61,5 cm) é paralelo à construção dos sintéticos motivos arquitectónicos de "Cais" e à depuração geométrica do "Violino (O2.43.44)", aqui numa configuração de paisagem imaginada, de potente intensidade especulativa que o voo circular dos pássaros-aviões acentua. Poderá ler-se a simbologia da montanha, eixo do mundo, imagem da transcendência, caminho ascendente rodeado por aves ou anjos, se se tentar a interpretação. Também a 2ª guerra poderá ser aqui evocada. As gradações dos cinzentos contra um céu opaco, com uma matéria densa e quase lisa, a cor espatulada, antecedem as superfícies planas que acolhem sinais geométricos – a moldura veio prolongar a pintura, realizada pelo artista quando em 1988 acompanhou o quadro na retrospectiva. É aqui, nesta abstracção figurativa, que está mais patente a singular dimensão metafísica da sua pintura, que noutros casos se abeira do design. 

Uma das pistas para pensar o primeiro neo-realismo, no tempo que vai de 1945 a 1951, no espaço das artes plásticas, e em especial quanto à obra de Pomar, abre-se com a consideração dos quadros que ele trocou com outros artistas (Lanhas, Mário Dionísio, Victor Palla, João Abel Manta), em que se revelam afinidades e partilham experiências, e em especial se descobrem as heterodoxias comuns à revelia dos estereótipos conhecidos das "histórias". 

Num tempo inicial em que o mercado se restringia a intelectuais amigos ou cúmplices, incluindo nele as ofertas e as trocas entre colegas de escola e de ofício, alguns deles camaradas de partido, essas obras são particularmente significativas de interesses privados que convivem, sem contradição, com as militâncias expostas e/ou publicadas. 

ver "Depois do Novo Realismo", A Pomar, 2023, capítulo 9. "Trocas, mercados, colecções, p. 121-130 Posted at 00:21 in Atelier-Museu Júlio Pomar, Júlio Pomar, Lanhas, Neo-realismo | Permalink | Comments (0)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Fernando Lanhas, Museu de Etnologia do Porto

 Sobre o museu que FERNANDO LANHAS dirigiu de 1973 a 1993, então encerrado por ameaçar ruína:

JN, Porto

Um certo museu

Publicado em 2006-11-23

 
 
JORNAL DE NOTÍCIAS
sem indicação de autor

"Noticiaram os jornais que, finalmente, o problema do Museu de S. João Novo ia ter solução, com a aquisição do edifício e a reactivação daquela instituição. E também que o Museu de Arte Popular, de Lisboa, seria extinto. Espantei-me. Quanto à segunda questão, os lisboetas que se havenham com ela, e esbracejem (ou não) como entenderem. A primeira, sim, interessa-me. E muito.

A situação do antigo Museu de Etnografia e História do Douro Litoral é não apenas um escândalo, mas uma indignidade cívica. E só num país que perdeu o sentido do verdadeiro progresso - que também passa pela existência de bons museus, onde se faça a instrução do público -, o que lhe sucedeu poderia acontecer. Se quiserem, só num país que perdeu o decoro uma herança como a consubstanciada no espólio daquele museu poderia ser menosprezada.

O Museu de S. João Novo foi fundado em 1940, sob o impulso do dr. Pedro Vitorino, quando a Junta da Província do Douro Litoral alugou aos descendentes do "opulento capitalista" Pedro da Costa Lima o belo palacete setecentista daquele largo. A partir daí, graças a personalidades como Augusto César Pires de Lima, Armando de Matos, Bertino Daciano, Eugênio da Cunha e Freitas, Fernando de Castro Pires de Lima e outros, o Museu recolheu uma notável colecção de objectos, equipamentos e documentos representativos das artes e ofícios, actividades do quotidiano e manifestações festivas - além de peças arqueológicas, litúrgicas e do que podemos definir, abreviando, por elementos do folclore - do chamado Douro Litoral (com relevância para a própria cidade do Porto).

Segundo os critérios (ou, como agora se diz, o paradigma) da época, o programa museográfico da instituição seria estabelecido a partir da distribuição das colecções por salas correspondentes às diferentes temáticas. Havia, assim, as salas dos teares, linho, trajo, mobiliário, brinquedos, rendas e bordados, habitação, jogos e cangas, barcos, medicina popular, religiões, arraial, e amor popular, reunindo milhares de peças da maior qualidade e algumas (estou a lembrar-me dos jugos e cangas) de valor hoje incalculável pela raridade. Além disso, o Museu publicou, ao longo dos anos 50, a revista "Douro Litoral", a que sucedeu, entre 1963 e 66, a "Revista de Etnografia", arquivos incomparáveis de uma escola portuense de etnografia e fontes preciosas para o conhecimento do país (e não só, pois nelas colaboraram investigadores de outros países). E, além do resto, os espaços pertencentes ao Palacete-Museu de S. João Novo guardam dos melhores panos conservados da Muralha (dita) Fernandina da cidade.

Tudo se encontrava exposto, arrumado, explicado, com critérios ultrapassados, é certo, mas, sobre isso, ponto final, parágrafo (o Museu do Quai Branly, recentemente inaugurado em Paris, reuniu as colecções oriundas do antigo Museu do Homem, recolhidas no período colonial puro e duro segundo a visão eurocentista de "artes primitivas" mais do que enterrada. Tal facto não impediu a adequação daquele fantástico repositório de objectos, rebaptizados segundo o conceito de "artes primeiras", ao mais moderno museu europeu). E, com a direcção do arquitecto Fernando Lanhas, o Museu de S. João Novo ganharia novos atributos no campo da história da evolução do Homem no Universo e da adequação de algumas colecções a perspectivas museológicas dirigidas para uma vocação didáctico-pedagógica.

No início dos anos 90, o Museu foi encerrado devido às precárias condições do edifício e aos riscos de deterioração dos objectos. E o problema não mais teve solução. Correram rumores da sua extinção, da dispersão das colecções ou da transferência para outro concelho. Desmantelou-se a rica biblioteca , armazenaram-se peças num local da cidade (em condições tão más quanto as do edifício). Dizem-me que a colecção de brinquedos já saiu do burgo.

Quinze anos depois, mantém-se o lento assassinato de uma instituição organizada com tanta dedicação por um punhado de homens devotados a uma causa que os burocratas-funcionários da cultura nem categoria têm para entender, quanto mais respeitar. O Museu de S. João Novo poderia constituir, com um programa moderno e novo fôlego, um pólo activo de conhecimento das tradições da cidade e sua região, um recurso educativo de primeiro plano, um motor dinâmico da regeneração do burgo. É possível, em pleno século XXI, na Euro pa, pensar-se que desenvolvimento, competitividade, produtividade, modernidade e outros tops não são, antes do mais, questões culturais num quadro civilizacional? E quanto tempo mais teremos de continuar a suportar vergonhas - que desmentem a civilização - como o desprezo e o abandono votado ao nosso Museu (que foi) de Etnografia e História?

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e esta coisa antiga em Área Metropolitana do Porto

Titulo Agentes bullet menu Museus bullet menu Porto bullet menu Museu de Etnologia do Porto

Entidade
Instituto Português de Museus

Descrição
O Museu de Etnologia do Porto foi criado em 1945, sob a designação de "Museu de Etnografia e História do Douro Litoral". Desde a O Museu de Etnologia do Porto foi criado em 1945, sob a designação de "Museu de Etnografia e História do Douro Litoral". Desde a sua fundação, o museu encontra-se instalado no Palácio de S. João Novo, datado do séc. XVIII, que estudos recentes apontam tratar-se de um projecto de arquitectura da autoria de António Pereira. O Palácio de S. João Novo sofreu uma degradação acentuada desde 1970, com reflexos particularmente negativos nas condições de conservação das colecções etnográficas. Em 1989, o museu transitou para a tutela do IPPC e, em 1991, para o IPM, vindo a ser encerrado ao público em 1992 dado o avançado estado de ruína do imóvel. Desde então, o IPM tem vindo a diligenciar pela salvaguarda do espólio do museu, traduzida, numa primeira fase, pelo depósito das suas colecções em diversos museus, com vista à sua protecção. Numa segunda fase foram efectuadas, com a colaboração da DGEMN, obras nas coberturas e na fachada do Palácio. Numa terceira fase, o IPM procederá à resolução da actual situação do Museu, o que ocorrerá posteriormente ao processo de sistematização do seu inventário.

Localização
Porto

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O museólogo Fernando Lanhas (director entre 1973 e 1993) não devia ser esquecido, em particular pelo museólogo João Fernandes (director de Serralves, de ? a ? - já me esqueci). Mais do que "pioneiro do abstraccionismo", F.L. foi o continuador de Augusto César Pires de Lima (1888-1959), responsável pela criação do Museu de Etnografia e História do Douro Litoral, e do seu sobrinho Fernando Castro Pires de Lima (1908-1973), médico e etnógrafo, que lhe sucedeu.

Também foi o arquitecto e responsável pela montagem do Museu de Conímbriga (1982), e projectou e organizou a montagem do Museu Municipal da Figueira da Foz (1980), entre vários outros museus e exposições. Na sua cronologia do catálogo de Serralves tb se pode ler "Executa o projecto geral da recepção ao Papa João Paulo II na Diocese de Porto" (1983).


 

Fernando Lanhas 1945, 1957 (São Paulo)

 

FERNANDO LANHAS, algumas datas


Durante as Exposições Independentes (1943-1950), Lanhas colabora com a página Arte do vespertino "A Tarde". Esteve ligado à iniciativa da publicação no contexto do final da 2ª Guerra (também com Victor Palla, então muito activo no Porto); não escreve, mas publica desenhos. Foi Lanhas que sugeriu o nome de Júlio Pomar a António Cruz para dirigir o suplemento. Nomeadamente: 



Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)

Por ocasião da vinda dos Independentes a Lisboa, com palestras de Victor Palla e Júlio Pomar que a Vértice publicou. Lanhas expôs pela 1ª x O Violino (dp O2-43-44), e tb Rochedos (Ansiedade), de c. 1945.

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 A crítica é do depois brevemente surrealista (oriundo da António Arroio) Fernando José Francisco.

 

sobre Lanhas: “Fernando Lanhas fabrica abstracções. No mais característico da abstracção, a de Gleizes, por exemplo, apresentava-se um tipo de composição, de linha e côr, em que se pretendia resolver os ritmos fundamentais e psicològicamente certos da vida actual, segundo a desumanização que se acreditou necessária em toda a chamada Escola de Paris. O que nos ficou, foi apenas um esquema, apenas útil sob o ponto de vista didático. Isto não é apontado porque F. Lanhas apresente as mesmas características, tanto mais que êle se mostra muito mais desinteressado ainda. O congestionamento de “arte a mais” dá em não se olhar à pintura as suas
características fundamentais. Fernando Lanhas a continuar assim, tem (apesar de malhar em ferro frio) de cuidar mais dos seus meios - embora não haja êxito possivel, pois não encontrará o apoio, a base que lhe determine a melhoria da expressão. Mas é de esperar que reveja as suas idéias e as ponha de acordo com as realidades.”
Fernando José francisco, in Lisboa - a exp independente no IST
Com Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)

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Arte nº 11, 18-8-1945. O desenho será um estudo para Velha Branca, 1945 (à esq. Jack Levine. No alto da pág., uma citação de André Breton: "E trata-se, no entanto, sempre da vida e da morte, do amor e da razão, da justiça e do crime. A partida não é desinteressada!")


Anos 50, depois das Exposições Gerais (expôs na 3ª, em 1948) e do surgimento da Gulbenkian, num momento de relativa "unidade"

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IV Bienal de São Paulo em 1957, representação organizada pelo SNI com a colaboração dum júri eleito pelos artistas concorrentes, com apresentação de J.-A. França. 2 dos 9 são Azevedo e Lanhas

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+ Carlos Botelho, João Hogan, Joaquim Rodrigo, José Júlio, Júlio Resende, Nikias Skapinakis e Vespeira,

seguido por nova divisão em 1959 entre artistas que pactuam com o SNI e os Independentes que expõem na SNBA. As exposições abriram no mesmo dia

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A capa do catálogo da esq. é de Sebastião Rodrigues. César Moreira Baptista é autor do prefácio. Artur Bual teve o prémio de pintura

 



 

sábado, 21 de abril de 2001

Ferenando Lanhas, 2001, Serralves

Sonhei que sabia tudo 

Expresso Cartaz de 21/4/2001, pp. 28-29

As perguntas, os deslumbramentos, os sonhos e os quadros de Fernando Lanhas

Na sala central do Museu de Serralves, as últimas pinturas de Lanhas, já de 1998-2000, coexistem com vitrinas de trilobites e meteoritos. Numa parede, lê-se: «Sonhei esta noite com trilobites vivas. (…) Em certo momento vi uma trilobite grande, de cor dourada, que estava mutilada nas pleuras. Peguei na trilobite sem qualquer receio, para a ajudar. Era uma trilobite muito sossegada e meiga. As crianças até lhe faziam festas.», S322A (sonho 322), 16-17.XII.92. Dois mapas assinalam os principais meteoros e meteoritos caídos em Portugal e a trajectória de um meteoro observado em 1984.


Uma representação da «Noção da grandeza do tempo» (98-2001) e um «Mapa das ocorrências verificadas no Universo desde a explosão inicial» (63-73) expõem-se na mesma galeria. Adiante encontramos o «Estudo do quadro geral do Universo», a «Carta das distâncias entre o sol e algumas estrelas», um herbário com variações morfológicas de folhas de hera ou um aspecto da Praia da Luz tal como seria observada pelo «homo sapiens», 18 000 anos a.C. Para além dos objectos naturais que recolheu ou coleccionou, tudo são obras de F. L.: sonhos, mapas, cronologias e esquemas gráficos ou tridimensionais sobre temas de astronomia, geologia e arqueologia, por vezes realizados para museus ou enciclopédias. A evolução do cosmos, da Terra, das espécies e do Homem, as representações do tempo e do espaço, as distâncias e grandezas cósmicas dominam os interesses de um homem que não se identifica como artista e se diz «talvez meio cientista e meio filósofo.»

A sua pintura dita abstracta, reduzida a formas mínimas e a poucas cores constantes, transporta um mesmo deslumbramento e uma idêntica meditação sobre as escalas do tempo e do espaço que F. L. investiga no campo científico. Alguns quadros nascem de composições gráficas; outros, mais densos e inexplicáveis, mais metafísicos que geométricos, perseguem o movimento das forças e formas naturais, as dimensões do cosmos. Por vezes deixam adivinhar representações simbólicas: sol, árvore, pássaro.

Os sonhos são outra pista para seguir a imaginação de Lanhas: «Sonhei que sabia tudo, que alcançara o conhecimento das coisas, da razão de ser», S42, de 1973. «Sonhei toda a noite com a representação gráfica da evolução do nosso Universo. (…)», S149, 1984. «Sonhei com manchas de cor azul, castanha e cinza», S13, 1963. «Sonhei com um estudo para uma pintura. A composição teria por base a letra N, em que se observa uma inclinação da letra para o lado direito (…)», S45, 1973.

Uma obra assim é idiossincrática e única. Esta pintura, quase invariável ao longo de cinco décadas, não se cataloga como um estilo na sucessão das classificações da história da arte, mas também não se explica pelas ocorrências de uma biografia muito rica de interesses e actividades. Arquitecto, Lanhas pintou cerca de um quadro por ano, irregularmente, foi inventor (o Fotalto, o Cosmoscópio), fez descobertas arqueológicas, projectou museus e exposições, dirigiu o Museu Etnográfico e Histórico do Porto, de 1973 até 93, interessado em arte popular e brinquedos. E a cronologia do catálogo inclui outros dados como, aos cinco anos, a observação do comportamento das formigas com uma lupa ou, em 83, o projecto da recepção ao Papa na Diocese do Porto.

Tal como sucedeu na retrospectiva de 1988, a abordagem de Serralves é (des)centrada na personagem Lanhas e segue-lhe os diversos rostos. Trazem-se à superfície mais alguns dos primeiros quadros, reúne-se toda a pintura recente (a década de 90 é a mais produtiva depois dos anos 60) e o catálogo traça um inédito itinerário biográfico e o inventário de exposições e bibliografia (com erros e lacunas, mas é um começo).

Esperar-se-ia um estudo psicanalítico dos sonhos, o registo das contribuições científicas, o perfil do museólogo e do etnólogo. Em vez disso, o catálogo concentra-se em exclusivo no pintor, reunindo ao estudo inicial de João Fernandes partes de anteriores ensaios de Fernando Guedes, João Pinharanda, Matos Chaves e Bernardo Pinto de Almeida que em geral ainda estão disponíveis. É um «coffee table book», coedição ASA, que prescinde da análise metódica, identificando a aparição pública dos quadros e a recepção crítica.

Fica por estudar a intervenção de Lanhas nas Exposições Independentes, que alteraram o panorama artístico no fim da 2ª Guerra, promovendo o debate sobre a abstracção a par das primeiras afirmações neo-realistas. Em 1945, Lanhas colabora com J. Pomar e Victor Palla na organização da página «Arte» do diário «A Tarde», do Porto (é o próprio que o refere nos catálogos de 49-50), onde os futuros surrealistas Cesariny, Vespeira e Oom também defendiam a «arte útil». Lanhas publica aí os estudos para Tambores (Velha com Lenço) e Velha Branca, que integram o conjunto de pinturas figurativas agora exposto.

São obras posteriores às primeiras abstracções e dão testemunho das ambições do pintor e do debate sobre as implicações sociais da arte, o qual está representado em O Artista Abstracto (mostrado apenas em fotografia). Segue-se Catarina (A Fealdade Magnífica), de 46; em 47 Lanhas visita Paris e retorna ao abstraccionismo.

A situação é tanto mais curiosa quanto Lanhas, em sucessivas declarações, atribuiu a Júlio Pomar o estímulo para expor as abstracções de 44, para além de a anterior retrospectiva ter dado a conhecer um texto datado de 48(?) que surge como uma das suas primeiras defesas («Meridionais, nunca fomos propensos à familiaridade com o mínimo. A pintura de Lanhas faz exclusão de tudo o que lhe aparece como superficial, chega para alguns a tocar as raias da secura. Não temos o hábito da concisão. (…) Lanhas obstina-se a usar o mínimo de meios, o mínimo dos mínimos. (…) escolhe três cinzentos, às vezes menos (?), e fica-se com eles para um ror de experiências»). Depois, Lanhas prosseguirá no desenho um discurso figurativo, com os retratos e alguns temas simbólicos (Menina e mar, D23 - 1999).

Um outro tópico a aprofundar diz respeito ao facto de a obra de Lanhas ter circulado, dos anos 40 aos 60, no âmbito das iniciativas do SNI, embora surgisse também em circuitos independentes, como a Galeria de Março, de J.-A. França. Esse itinerário (representações enviadas ao estrangeiro Bienal de São Paulo, Salão dos Novíssimos de 59, etc) serve de desmentido à alegação que abria o recente catálogo sobre o Porto nos anos 60/70 editado por Serralves, sobre os artistas que «ousaram romper com o academismo e o atraso da cultura oficial do regime político de então». A abstracção de Lanhas fazia parte dessa cultura oficial. Os velhos equívocos convenientes da cultura oposicionista já não servem para nada.