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sábado, 1 de novembro de 2025

1955-1957, Júlio Pomar. Depois do neo-realismo

 como deixar o neo-realismo, quando?


1955


Rua de Lisboa, 90x60cm (III Exp. Galeria Pórtico)

e também Quarto andar, 1955 (Luanda, 2ª Exp. de Pintura Moderna - não fotografado, ficou em Luanda 

Catatuas, 32x46 cm 

O Baile, 75x60cm (III Pórtico e X EGAP 1956)

O Circo nº 122,  90x75 cm (1º Salão Artistas de Hoje, 1956)

1956


Vista de Lisboa nº 131, 50x65,5cm (...o Coliseu)
E mais cinco Vistas de Lisboa, diurnas e nocturnas, a partir do 4º andar da Rua da Alegria, e as Ruínas do Carmo, de fortuna variável


Vista de Lisboa (com arco-iris) nº 134, 36,5x53,5cm


Vistas de Lisboa (Nocturno),  50x65cm, nºs 123 e 124, vista sobre o Parque Mayer (X EGAP)

1957


Maria da Fonte nº 140, 121 x 180 cm (1ª Exp. Gulbenkian)

1958


Vista de Lisboa  nº 141, 60x81cm e Cais da Ribeira nº 142, 60,8x82cm



quinta-feira, 30 de outubro de 2025

1952-53, Júlio Pomar, as paisagens

 

Barcos (Ericeira) 1953, 58x58cm (nº 94)

 Paisagem (Lisboa) 1953  57x57cm (nº 93)

fotografia do porto de pesca da Ericeira, autor desconhecido, arquivo Júlio Pomar
fotografia do porto de pesca da Ericeira, autor desconhecido, arquivo Júlio Pomar


As paisagens de 1952


Paisagem (Lisboa) nº 92, 58x72cm (pintado no verso de fragmento do quadro Semeador 1945, Évora

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Na exposição "Neorrealismos ou a politização da arte em Júlio Pomar", Barcos (Ericeira) interrompe a sequência das obras militantes e abre um inesperado espaço para o imaginário, muito bem colocado entre a visão metafísica de Pássaros e Rochedos de Fernando Lanhas e A Ribeira do Tejo, de 1949, onde a acumulação de motivos figurativos e as formas decorativas abstractas que organizam a superfície trazem também uma orientação irrealista.

A forma orgânica das velas e a forte cor vermelha que se reflecte no areal (Ericeira, e o confronto com as fotos que terão servido de apoio visual é eloquente) vai ter sequência nos enrolamentos das árvores de Lisboa, e em nenhuma outra obra Pomar se serve assim de ondulações e metamorfoses numa aparência onírica que lembra o surrealismo. 

Estas paisagens - todas elas pintadas a têmpera ou óleo sobre aglomerado - são uma breve direcção sem continuidade imediata, paralela às produções decorativas em que o artista se dispersa por suportes diversos (da escultura ao vitral) e às obras militantes em pintura e gravura com que participa na nova conjuntura política da Guerra Fria. São uma evasão face às atribulações de um tempo difícil. Aliás, Azenhas do Mar foi lugar de breves férias familiares (eu tinha 5 anos...).



1951-1954. Júlio Pomar, Trabalhos decorativos e obras militantes

Quando em 2020 se expôs pela primeira vez a pintura Marcha de 1952, uma grande segunda Marcha clandestina que retomava  o título e o sentido político da obra de 1946, entre a alegoria e os retratos dos camaradas,  foi possível identificar um novo período neo-realista na obra de Júlio Pomar, marcado por uma renovada militância. Esse tempo vai de 1951 a 1954 e foi ostensivamente depreciado, mais tarde (1990*), por Mário Dionísio: "os retratos quase académicos", "a velha história das boas intenções que nunca bastam" - tinha sido antes o crítico mais próximo do artista, mas não escondeu os desentendimentos partidários. Fora ignorado ou desconsiderado por outros comentadores, nomeadamente por Ernesto de Sousa, mais atento ao posterior "encontro com as técnicas da abstracção" - falava em "quase simples registo", "regresso a uma humildade descritiva" (1960**).  E também foi sendo esquecido pelo próprio artista, ditando a quase total ausência das futuras antologias. 


Sereia, Vivenda Feist, Restelo

Era a vários títulos um tempo difícil, e a obra militante foi só uma pequena parte do trabalho de Pomar. As obras decorativas, muitas delas liminarmente alimentares, ocupavam-no muito nesses anos, afastado no ensino em 1949, em tempo de poucas vendas de quadros e de encargos familiares. Entretanto, como veremos depois, outras pinturas que à época não foram expostas apontavam diferentes direcções, mais pessoais e livres de responsabilidade política: algumas paisagens, que na exposição do Atelier-Museu estão representadas por Barcos (Ericeira), eram uma possibilidade de evasão.


Sereia na fachada da Moradia Feist, 1953, Rua do Alto do Duque; Vitrais da Igreja da Pontinha, Odivelas, 1954; Alto-relevo do antigo Mercado da Pontinha - projectos de arquitectura de Victor Palla e Bento de Almeida. Prato de cerâmica, 1954, Fábrica Bombarralense.


Dois dos três paineis decorativos do restaurante Vera Cruz, Av. da Liberdade, Lisboa  (arq. VP e BA) 1952 CR vol I  nºs 83 e 94 - a Marcha de 1952 foi pintada num igual painel de aglomerado;  pratos pintados, cerâmicas (Ferroviário e sem titulo, 1954). Tapeçarias: Praia 1953;  Veado e Pavão 1956; Peixes 1954, Manufactura de Portalegre, exemplares únicos.


O trabalho decorativo foi objecto de uma grande exposição no Atelier-Museu em 2016: "Decorativo, apenas? Júlio Pomar e a integração daas artes".

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A actual exposição não permitiu testar o acerto da tese sobre o último tempo neo-realista de Pomar, que fora sublinhado por um artigo auto-crítico do anterior "desvio" lírico e formalista e onde se afirmava o propósito de relançamento do movimento ("O Comércio do Porto", 1953).
Os anos 1951-54 reduziram-se a dois quadros (três, com a vista da Ericeira) e a representação desse tempo militante -  Mulheres no Cais, 1951 e Carpinteiros, 1953 - dispersou-se no espaço das galerias. O mesmo sucedeu com as gravuras de intervenção: Mulheres Fugindo e As Mães, esta associada às posteriores figuras do povo, mais a Refeição do Menino, todas de 1951, enquanto faltavam as três linogravuras de campanha com as pombas da paz.
Marcha de 1952, bem como os retratos de Cardoso Pires Maria Lamas tinham estado na exposição de 2020 dedicada ao retrato. Não sei se os dois Estudos para o ciclo "Arroz" foram ou não pedidos aos coleccionadores privados - fazem falta, são peças maiores desse período. Uma representação fotográfica ter-se-ia justificado. 



Estudo para o ciclo 'Arroz' II 1953 (65x132 cm Nº 108: 8ª EGAP) e "A Vida ou a Morte" 1953 (73x100cm Nº 99: 7ª EGAP e 2ª Bienal de São Paulo) - col. particulares

 Ver os artigos anteriores "1951-1954. Júlio Pomar e a politização da arte (parte II). O 2º tempo miltante, A Guerra Fria" ( politizacao-da-arte ) e  "1951-52 Júlio Pomar Gravuras: a campanha pela paz" ( gravuras de campanha ) E o capítulo "Marcha 1952. Rever o Neo-realismo", em 2023, A.Pomar.

* Mário Dionísio, Pomar, Pub. Europa-América, 1990.
** Ernesto de Sousa, Pomar, Artis 1960.



quarta-feira, 29 de outubro de 2025

1945, Gadanheiro

 


Arquivo arq. Francisco Castro Rodrigues, Museu do Neo-Realismo


O Gadanheiro foi exposto nas mostras da 9ª`Missão Estética, em Évora e na SNBA em 1945 (título Gadanha) e não na 1ª EGAP; e tb na 1ª Exposição da Primavera, Porto, Ateneu Comercial.
Foto atribuida a Eduardo Nogueira (1898-1969), com estúdio em Évora CME: https://arqm.cm-evora.pt/ 


Dordio Gomes, que chefiou  a Missão, escreve no Relatório apresentado à Academia Nacional de Belas Artes, que organizava as missões anuais (1937-1963): «(...) só Júlio Pomar se não interessou pela cidade, inteiramente absorvido pelo homem e pelo drama, luta titânica com a vida e a natureza rebelde (...) É este homem sofredor e heróico, movendo-se no seu cenário próprio, que surge em todos os seus trabalhos e constitui uma outra face do Alentejo, que era preciso ir procurar fora de muros». In Joana Baião, Cem anos depois: a Academia Nacional de Belas-Artes. Contextos, protagonistas, ações (1932-1974), 2016. - https://www.academia.edu/29957248/ 


Dos trabalhos de Júlio Pomar realizados em Évora conhecem-se, além do Gadanheiro; Descanso (antes Ceifeiro – doado por Castro Rodrigues ao Museu do Neo-Realismo); Retrato de Camponês (Évora), col. Fundação Júlio Pomar, agora exposto; e um fragmento de Semeador (col. particular), obra destruída pelo artista, enquanto Sábado desapareceu acidentalmente – nos dois casos conservam-se as respectivas fotografias. Mais um fresco transportável, Ceifa, deixado nas arrecadações do Liceu e nunca foi encontrado  (Cat. Rais. vol I Nºs 24 a 29. 

Pomar participou na 9ª Missão quando apenas tinha iniciado o 2º ano da Escola do Porto, certamente em substituição de Fernando Lanhas, a quem já ficara a dever a entrega da direcção da página ARTE.



Mário Dionísio escreveu na Seara Nova (08-12-1945): 

«A posição ideológica perante a realidade, o consciente aproveitamento da lição de alguns dos maiores pintores de hoje, nomeadamente dos mexicanos (seria possível sem Orozco os arrojados planos do Semeador e do Gadanheiro?), as várias experiências de cor para que se atira (repare-se no céu, no chapéu, no lenço do Gadanheiro, ...) atiram-no para o caminho das amplas tentativas para onde a mansa pintura portuguesa precisa de ser sacudida». E não falava aí de realismo.






Col. MoMA. (Note-se que então e em geral as obras se conheciam a preto e branco)


Armando Gusmão (Democracia do Sul, Évora, 09-10-1945): 

«Mas entre todos os jovens pintores, o mais arrojado pela concepção é Júlio Pomar. Na pintura e no desenho deste artista de 19 anos, há intenção e vigor quase brutal de expressão. Transforma os tipos em forças. Se a sua pintura é boa já, e lhe vaticina largo futuro, os seus desenhos são do melhor que temos visto. É bom lembrar que Pomar fêz o primeiro ano do curso; os outros eram finalistas. Um quadro deste moço agitou a opinião dos visitantes: o Gadanhelro. É de facto o melhor, como pintura, num moço a quem ainda se não ensinou a pintar; o Semeador, no entanto, pode vir a ser superior, quando vier a ser terminado. Houve quem dissesse que o Gadanheiro de Pomar não era alentejano; e creio que na afirmação ia certa censura. Eu confirmo a opinião; confirmo... mas esclareço. Pomar deturpa ou deforma as figuras no sentido da magestade do conceito; mas não do conceito indivíduo, sim do conceito espécie, porque na sua arte não se traduz nem o indivíduo a nem o indivíduo b, mas o tipo potencial comum a todos os indivíduos duma mesma espécie. Que importa não ser o Gadanheiro de cá, nem de lá? Que importa não ser o Gadanhelro alentejano, nem beirão, nem minhoto, se essa não foi a intenção do seu autor?! O quadro de Pomar não representa um indivíduo: representa uma ideia, Pomar faz da sua arte uma arma de combate. Na sua arte não se dirige ao público que o vê nas exposições; dirige-se àqueles que representa, para lhes dizer: este é o que te quero.» 

Em artigo anterior:  (07-10-1945): "Arte é deformação e não servilismo ao formal da Natureza. A arte existe na Natureza, em sugestão e potência; para criar obra de arte é necessário dissociar da Natureza os elementos artísticos para os associar de novo. A Natureza carece, pois, de interpretação. Dá-la, tal qual ela se nos apresenta, não é necessário: temo-la diariamente sob os nossos olhos. Registá-la fotograficamente, não interessa. Mas observá-la, senti-la e transformá-la, para dela nos dar os seus múltiplos pormenores de sugestão, aí reside a função do artista. Transformá-la, sim! porque realizar, em arte, é transformar».


No jornal A Defesa, orgão da Igreja (06-09-46):

«...dois nomes que a ordem alfabética juntou mas a arte diametralmente separou. Resende é todo amoroso em luminosidade e em caracteres (...) Júlio Pomar é medonho nos seus óleos Sábado, Gadanha, Ceifeiro [depois chamado Descanso] e Semeador, lembrando as mãos crispadas e formidáveis do primeiro luvas de ‘boxeur’ e os rostos inspirações de Gorki. As figuras de Júlio Pomar reflectem grande anseio social e revolucionário, bebido mais na literatura estrangeira do que no convívio com o bom homem da terra alentejana. E no entanto estes dois artistas de mérito são da EBAP» 


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Gadanheiro é o mais conseguido de uma série de quatro óleos, quase todos de grande formato, portadores de uma ambição pictural e política desmesuradamente heróica para a experiência do pintor. A concretização do projecto revolucionário sustenta-se aí numa firme estrutura compositiva diagonal e numa construção de profundidades espaciais, na paisagem estudada com Thomas H. Benton, que ampliam ameaçadoramente o movimento da figura do camponês brandindo a foice como uma alavanca que mudaria o mundo. 

Pomar dirá mais tarde (*) que «acontece aqui pela primeira vez, ou pelo menos de uma forma mais nítida, qualquer coisa que vais ser uma constante na minha pintura, e que é uma relação entre o que se passa dentro da tela e os limites que o quadro tem. (…) há aqui um movimento, um tentativa de expansão, uma vontade de explosão, um choque com o limite, com os quatro bordos do quadro. Ou seja, o quadro é aqui duplamente investido pelo corpo em movimento: como acto e como imagem.» (A.Pomar, 2023, pp. 29-30) *em In Alexandre Melo, Júlio Pomar, suplemento de Arte Ibérica, Lisboa, nº 14, Maio 1998.





THOMAS H. BENTON, 1938, Haystack


Michel Waldberg, Pomar, Ed. La Différence 1990, pág. 22: 

"A mais 'demonstrativa' das telas antigas de Pomar é certamente o Gadanheiro (Ceifeiro). É uma figura 'banal' do mundo camponês, que a hipérbole transforma em símbolo, em arquétipo, que a hipertrofia (da foice, da perna, da mão, da manga, do pescoço, do queixo, do nariz, do chapéu) torna exemplar e ameaçadora. Que vai ceifar o ceifeiro? Quem o ceifeiro vai ceifar? De facto, para além, ou, talvez, aquém desta simbólica social (onde o fraco incarna a força, a desmesura) encontram-se já colocados todos os problemas que Pomar enquanto pintor, enfrenta: a relação da cor e do desenho, da cor e da luz, do fixo e do movente, da parte e do todo; a autonomia e a interdependência das formas; e mais concretamente ainda 'as mil e uma formas de utilizar a brocha, que aqui pica e ali raspa, palavras de quem surpreendeu Pissarro e Cézanne diante do motivo' *). Logo a lâmina da foice reclama a sua autonomia enquanto forma (pura forma, arrancada ao cabo pelo turbilhão do feno); logo aí ela escapa ao conhecido para se constituir à revelia (au su, a l'insu) do pintor em puro objecto de pintura. (...) Erigindo o ceifeiro como justiceiro, como corrector de males, Pomar erige-o também enquanto forma, na sua verticalidade; confere-lhe uma dupla rectidão. Mas Pomar, enquanto pintor, interessa-se menos pela injustiça e a sua reparação (que lhe importam como homem) do que pelo próprio processo da erecção.” (* J.P., Discours sur la cécité du peintre, La Différence 1985, pag 181 - traduções minhas.


Island Hay, 1945, Lithograph


MUNCH, Ceifeiro, The Haymaker ,1916 


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Com a abertura do Museu do Chiado que veio substituir o velho MNAC em 1994, a sua primeira directora, Raquel Henriques da Silva, conseguiu os fundos necessários para adquirir o Gadanheiro e também o O2–44, 1943–1944, de Fernando Lanhas. A colecção contava apenas com Menina com um Galo Morto, de 1948, adquirido por Diogo de Macedo em 1952 durante a exposição na Galeria de Março. O quadro era então da colecção de Manuel de Brito, que por cumplicidade com o artista e  responsabilidade cultural, acedeu a vendê-lo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Atelier-Museu, neorrealismos: Divergências e discrepâncias

 Alguma tabelas em "Neorrealismos ou a politização da arte em Júlio Pomar" (Parte IV). Não é por nada..., desculpem contrariar, mas depois de ter feito os 2 catálogos raisonnés e publicado o livro "Júlio Pomar. Depois do novo realismo" (Guerra e Paz / Arelier-Museu, 2023) acho que tenho responsabilidades factuais e críticas.


Cinema expressionista alemão? Cromatismo dramático a preto e branco? E temos de falar de Thomas Hart Benton: a informação norte-americana era então predominante.


Aeronaves? A base dos Açores? Apesar de algumas "Velhas" neo-realistas, Lanhas, abstracto ou não, anda mais pela metafísica: as almas-pássaros voam e elevam-se à volta de uma montanha simbólica (não é o Pico...); mas as interpretações são livres.


Sim, Goya, mas trata-se de uma visão anti-bruegel, anti-bíblica. Os cegos não caem, a humanidade não está condenada. Trata-se de uma cena vista numa rua de Madrid em 1956 (há desenhos de observação) e podemos ver como mais uma "marcha", na qual os cegos avançam em grupo aparando-se mutuamente. Fica bem ao lado de outra marcha, a Maria da Fonte.


Não tinha associado a pintura ao título..., mas não é uma "monumental tela", é um pequeno papel. E é mais uma "Marcha",  uma imagem de luta que é paralela e idêntica a "Noite" (do mesmo ano, Cat. Rais. nº 32 - não localizado - apreendido? destruído?), mas aí com actuação da polícia




sexta-feira, 10 de outubro de 2025

1951-52 Júlio Pomar Gravuras: a campanha pela paz e as cenas de trabalho, 1954

Júlio Pomar e a politização da arte" (parte III)

À gravura (seis linogravuras e litografias de 1951) cabe um papel essencial no segundo período militante de Júlio Pomar, ao tempo da campanha do PCP contra a NATO, em especial contra a reunião do Conselho da Europa em Lisboa, no IST, em 1951, a seguir à adesão de Portugal à OTAN/NATO em 49, e em defesa da paz no espaço da propaganda política alinhada com Moscovo, no contexto da Guerra Fria.

Convém vê-las em conjunto (o que também não ocorre na actual exposição, aliás, com os dois quadros representativos desse tempo) para ter a dimensão do que foi o envolvimento político do artista, comprovado pelas edições de autor com maiores formatos e tiragens, que passam dos 30 ou 45 exemplares confidenciais para os 150 ou 200 exemplares com distribuição partidária. Esta era assegurada no Porto pela cooperativa SEN, Sociedade Editora Norte (1942-1959). A cooperativa Gravura ainda estava longe (1956). 

A bomba, 1951


Mulheres fugindo ou A Explosão 1951 (nº 9 - Nota 1), (tb conhecida como A Bomba Atómica)
As Mães 1951 (nº 8.)
Linogravuras. 34,4x44cm / papel: 39,7x51. Edições do autor. Tiragem 150 exemplares. Impressas na Tipografia Garcia e Carvalho, Lisboa
Ambas são referidas nos catálogos da II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953, e certamente expostas.


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e a pomba da paz, 1951 (litografias não expostas)
 


Menina e Pombas 2º estado (nº 11), 54,5x38,5 / 65x48,5cm 200 ex.#
Duas meninas com Pomba (nº 12) 32,5x23,5cm, tiragem desconhecida
A Refeição do Menino (nº 13), l50x65cm, Atelier Amândio Silva, Porto, 200 ex. #
(# incluidas nos catálogos, geral e nacional, da representação enviada à II Bienal de São Paulo, 1953)

Menina e Pombas 1º estado (nº 10), 54,5x38,5 / 65x48,5. 45 ex. Exp. SNBA 1951


recorte do Boletim SEN nº 4 Novembro 1951, com várias incorrecções


"As novas urgências da intervenção partidária afirmaram-se com clareza numa série de gravuras dedicadas ao tema da Paz, que tiveram grande difusão e marcaram presença nas casas de todos os intelectuais de feição comunista, distribuídas pela SEN (Sociedade Editora Norte, Porto), pouco depois encerrada. Às linogravuras As Mães e Mulheres Fugindo, que também se chamou A Explosão e foi conhecida como A Bomba Atómica, seguem-se no mesmo ano de 1951 as litografias em que figura a pomba proposta no cartaz de Picasso para o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz de Paris, em 1949, como emblema da causa, com referência à filha Paloma: três versões de meninas com pombas e <uma variação> do Almoço do Trolha na versão A Refeição do Menino (ou com título Família). As quatro gravuras foram enviadas à alargada mostra de São Paulo <II Bienal, participação do SNI>." in A. Pomar, ed. Guerra e paz / Atelier-Museu 2023, p. 139


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1952-1954

São já obras de diferentes características as gravuras seguintes. A 1ª está associada ao quadro com o mesmo título de 1951, as segundas integram o Ciclo "Arroz", a par de várias pinturas e desenhos. É já a observação directa (ou fotográfica) das figuras e do trabalho do povo, que continuará a caracterizar a produção dos seguintes anos 1950 e 60, mesmo depois de deixar o neo-realismo.


Nazaré 1952 e Vila Franca (Arroz) 1954
Arroz, nºs 21 e 22, também 23


Nota 1. Os números indicados reportam-se ao volume Julio Pomar, Obra Gráfica, Mariana Pinto dos Santos coord e Alexandre Pomar catalogação, ed. Caleidoscópio 2015


Fotografias do acervo documental



As fotos da Nazaré são de autor desconhecido
As das lezírias igualmente, ou de Cipriano Dourado. Ver Os Ciclos do Arroz, ed. Museu do Neo-realismo, 2016


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ADENDA


Boletim Nº 4
Segundo uma anotação manuscrita teria sido já antes sorteado entre os visitantes da 
Exposição da Primavera de 1946, no Porto... 

A SEN tinha já editado «Refugio Perdido» e «Engrenagem» - obras inéditas de Soeiro Pereira Gomes (1909 - 1949, na clandestinidade desde 1945, autor de « Esteiros», 1941), e distribuia então as edições em fascículos de "Mulheres do meu País" de Maria Lamas, Ed. Actualis, "História da Cultura em Portugal" de António José Saraiva, Jornal do Foro, e "História da Arte" de Elie Faure, Estúdios Cor, que ficaram na biblioteca familiar.

Para as edições da SEN JP colaborou com uma ilustração, desenho de 1947, Caxias, para o conto «Week End» de José Cardoso Pires, no nº 1 de "Meridianos de Arte e Cultura" (pág. 139).

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

1951 1954. Júlio Pomar e a "politização da arte" (parte II). O 2º tempo miltante, A Guerra Fria

 2º PERÍODO MILITANTE, 1951-1954

OS CARPINTEIROS* 1953 nº 100, 144x112cm. Exposto na 7ª EGAP.  Col. Sociedade Portuguesa de Escritores (1956-1965) > Associação... após o seu encerramento. A bicicleta era muito usada pelos funcionários clandestinos do PCP por razões de segurança - pode ser essa a "razão" do quadro, depois da bicicleta ter surgido noutra obra de 1950 com um casal de namorados (Na estrada de Aveiro, 1950 nº 66).


MULHERES NA LOTA (NAZARÉ)* 1951 nº 74, 74x121cm aglom. Exp. XLVIII Salão da Primavera SNBA. Col. Alice Jorge > ... AMJP. Uma fotografia que ficou no acervo documental registava esta cena, e uma linogravura de 1952 usou parte desta composição.

Não exposto:

MARCHA 1952 (nº 86) 122x199cm. Col. particular. Reproduzido pela 1ª vez no Cat. Raisonné em 2004; exposto no Atelier-Museu em 2020, em "O rosto impreciso... Retratos de JP". José Dias Coelho esta representado ao centro, entre o jovem casal; à direita o eng. Frederico Pinheiro e a sua mulher, Dina, camarsadas e proprietário do quadro; no bordo direito o escultor Vasco Pereira da Conceição, chefe do atelier da Praça da Alegria, que foi também lugar de tertúlia e ante-câmara da SNBA, então encerrada. Ver o capítulo "Marcha" em A. Pomar, 2023.


Em 1953, num artigo publicado em O Comércio do Porto, JP fazia a revisão (e reorientação) do percurso do neo-realismo e a auto-crítica dos desvios que ocorriam desde 1949:

"Entre aqueles que se afirmavam dentro dos princípios da corrente, alguns perigosos caminhos começaram a desenhar-se. Um lirismo, complacente, tende a substituir a agressividade dramática das primeiras tentativas. A procura de soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor de conteúdo; e isto não reflecte senão um alheamento dos problemas realmente vivos. Boa parte do que pintei nos anos de 49 a 51 oferece tais características, e desvios de tipo análogo marcam a obra plástica de Mário Dionísio. 

Tinham-se aberto «as portas ao maneirismo e ao formalismo e, em último grau, à renúncia dos objectivos abraçados com entusiasmo» 

"As razões desta fragmentação [no seio da corrente ou tendência do ‘realismo social’] devem procurar[-se] na evolução dos acontecimentos da vida portuguesa, no cair das ilusões que uma interpretação apressada das consequências da II Guerra Mundial ajudara a criar."

in «A tendência para um novo realismo entre os novos pintores portugueses», 22 dez 1953, reeditado em Estrada Larga 2, Porto Editora 1959, pp. 40-45 (antologia d'O Comércio do Porto, dir. Costa Barreto); reed. no catálogo Arte em Portugal nos anos 50, 1992, pp. 48-50 (dir. Rui Mário Gonçalves), e em Notas sobre uma arte útil, Atelier-Museu/Documenta 2014, pp. 287-288. Porque foi este o seu último artigo publicado na imprensa, à época, ficou sempre por esclarecer. 

 A mudança envolvia a temática de várias das pinturas posteriores a 1951, numa nova militância política, e partidária, e também o estilo ou linguagem da pintura, que é mais austera (sem a pulsão lírica e decorativa anterior) e de uma figuração mais exacta, numa certa aproximação ao que era o realismo socialista de produção francesa, e tinha, aliás, larga expressão internacional, em especial americana: na exposição "Postwar" de Enwezor, 2016, JP é exposto ao lado de Alice Neel. A par de numerosas obras decorativas de encomenda, incluindo vitrais e baixos-relevos, uma outra linha de produção experimentava livremente  a paisagem sem sentido naturalista, antes com abertura ao imaginário (Barcos, Ericeira 1953- nº 94*) e que há data não foi exposta -, e produziu várias gravuras que se integravam na campanha política pela paz. (ver a seguir)

A antologia de 1986 (itinerante no Brasil e vista no Centro de Arte Moderna) passava directamente de 1951 para 1960. Na anterior retrospectiva (1978 Gulbenkian, Museu Soares dos Reis e Bruxelas) tinham entrado onze obras da década de 40 e só duas da de 50: só Mulheres na Lota (Nazaré)*, que ficara na casa de Lisboa com Alice Jorge, e o Estudo para o Ciclo 'Arroz' II. É um tempo de crise, também pessoal, de escassa produção e em grande parte encomendas decorativas. foi depois um tempo de apagamento de memórias.

É o período das campanhas pela paz que o PCP promovia nos anos 1949-54, no quadro da Guerra Fria e da guerra quente da Coreia. Mobilizavam-se acções de rua e abaixo-assinados de apoio ao Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, aprovado em 1950, e em especial contra a reunião do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952 no Instituto Superior Técnico, depois da adesão portuguesa à NATO ter sido ratificada em Julho de 1949 – acontecimento e movimentações que vinham abrir brechas nas dinâmicas da Oposição, antes tendencialmente unitária, separando comunistas e democratas, estes favoráveis ao lado ocidental. 

É também um período de forte repressão policial e censória que decorreu durante e depois das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Ruy Luís Gomes (em 1949 e 1951, respectivamente, quando falhara a candidatura do almirante Quintão Meireles e a de R. L. G. não foi aceite). Naquele ano de 1952 a SNBA foi fechada e interrompeu-se a sequência das Exposições Gerais, por Eduardo Malta ter sido expulso de sócio devido a um conflito público com Dias Coelho. Era também o tempo da polémica interna do neo-realismo, em torno da orientação da Vértice, a que se liga um «desvio sectário» que fracturava os meios intelectuais, com um PC debilitado por muitas prisões. (Depois, com a morte de Stalin e o relatório de Khrushchev, viria o chamado «desvio oportunista de direita», de 1956-59, a seguir outra vez «corrigido» pela fuga de Cunhal de Caxias, em 1961.)


Em 1952 fizera uma declaração de independência, numa publicação francesa em que José-Augusto França o associava ao realismo socialista:

Sem título [ Le sujet n’est pas le contenu» (O assunto não é o conteúdo) ]

«Deformação profissional: não acredito na infalibilidade do Papa. Cada dia, cada minuto, reponho o mundo em questão. O trabalho (métier) de pintor é um trabalho de pesquisas, de descobertas, de invenções: pesquisas, invenções, descobertas que nascem da vida e a ela retornam. Houve um tempo em que desprezei certos assuntos? Erro meu. O assunto não é o conteúdo, é um pretexto, e mais nada. O conteúdo é a síntese dialéctica entre o tema e a experiência pessoal e vivida do artista. Ela manifesta-se na forma, vive nela, é exaltado por ela. Os conteúdos das minhas telas são “as razões que me ajudam a viver”.»

in Premier bilan de l’art actuel 1937-1953 (sous la direction artistique de Robert Lebel), Le Soleil Noir: Positions, Paris. Cahiers Trimestriels, n.º 3 et 4, p. 314


As pinturas políticas:




Esse segundo período, que se situa a partir de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951, recupera a firmeza austera de um realismo social interventivo, seguramente sensível à disciplina estética que chegava de França (era o "nouveau réalisme" de breve curso), mas com liberdade formal. Fez nesse ano a primeira viagem a Paris e aí visitou Pignon, Fougeron e Taslitzky, mas não deixou testemunho do que viu, apenas referência ao facto. Ao tempo Mário Dionísio publicava na Vértice os seus Encontros em Paris, onde dialogava com muita reserva com os dois últimos pintores franceses referidos, e em 1952 deixou o PCP, na sequência do conflito sobre as colaborações de comunistas na revista Ler, das Publicações Europa-América; a seguir condenou a participação portuguesa na 2ª Bienal de São Paulo tutelada pelo SNI, deixou de expor nas Gerais e desligou-se da SNBA. Em face do artigo publicado no "Comércio", cortou logo relações (até 1966). Ver M. Dionísio, "Passageiro Clandestino" Volume I, p. 112: um breve parágrafo em que o refere como "uma das várias serpentes que ingenuamente abriguei no meu seio"

De facto, a reconsideração do movimento neo-realista e a explícita autocrítica presentes no artigo de Pomar publicado em 1953 n’O Comércio do Porto (e não na Vértice como era mais habitual) não seria uma cedência circunstancial à pressão partidária, mas foi muitas vezes como tal interpretada - e por isso depreciada. 


Vejamos a seguir as obras decorativas, as paisagens "íntimas" e imaginárias, por fim as gravuras que participam da militância pela paz.