Soares dos Reis, “Museu ao fundo” em 2001
EXPRESSO 29/9/2001
Museu ao fundo
O IPM pretendia apresentar recurso no caso do Museu Soares dos Reis (o Ministério preferiu pagar uma fortuna à outra srª: dava um romance da Agustina)
Dois meses depois de reaberto, o Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, mergulha numa nova crise devido ao afastamento da sua directora, Lúcia Almeida Matos, que conduziu durante dois anos (feitos no dia 24) o relançamento de uma instituição há muito arredada de um papel central na vida cultural da cidade, e não só pelo seu longo período de encerramento para renovação das instalações. A realização das importantes exposições ainda previstas no programa da capital cultural não deverá, entretanto, ser posta em risco. Mas, num mar encapelado pelas limitações orçamentais do Ministério da Cultura, particularmente gravosas para o funcionamento corrente dos museus oficiais, a dinâmica global de renovação vivida nos anos recentes sofre um inesperado abalo.
A nova situação resulta de o Ministério não ter recorrido do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) que, por ocasião da reinauguração do Museu – intrigante coincidência -, se pronunciou pela não aceitação da candidatura de Lúcia A. Matos ao concurso realizado para a respectiva direcção, em 1999. Em consequência, a anterior directora, Mónica Baldaque, que ficara em segundo lugar nas provas e accionara o recurso para o tribunal, pode vir a ocupar o cargo, embora um novo concurso venha a ter lugar já no próximo ano.
O MC recusou-se a prestar quaisquer esclarecimentos sobre as razões jurídicas, técnicas ou políticas que o levaram a prescindir do recurso, limitando-se a informar que foi acatada a decisão do tribunal. Esse silêncio é tanto mais estranho quanto o incidente é considerado em meios ligados aos museus e às artes como uma grave quebra de solidariedade em relação a anteriores decisões do Ministério e dos responsáveis pela política de museus.
Sem desmentir essa interpretação, Raquel Henriques da Silva, directora do Instituto Português de Museus (IPM), em declarações ao Expresso, optou por frisar que «esta decisão não foi do IPM, nem seria a do IPM; foi do secretário de Estado (que tem a tutela sobre esta área) e do ministro». Para o IPM, acrescenta, «havia substância e conteúdo para accionar o recurso». Na sua opinião, «a própria sentença do TCA abre um espectro de admissibilidade ao concurso por parte dos docentes universitários, independentemente do seu tipo de contrato, que o anterior parecer não vinculativo da Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP) não contemplava», pelo que um tal recurso «tinha fundamento jurídico e era formalmente admissível, mesmo se não era certo que ganhasse».
Num esclarecimento da directora do IPM, já publicado no «Público» (dia 17), foi transcrito um passo do acórdão que parece justificar essa alegação: «para efeito de recrutamento para o cargo de director de serviços (…) haverá de reputar-se como 'funcionário' todo o pessoal docente integrado nesta carreira de regime especial que, independentemente da categoria e forma de provimento, assegura funções correspondentes a necessidades permanentes de serviço».
Por outro lado, Raquel Henriques da Silva lamenta que o processo não tenha sido «conduzido até ao fim, o que permitiria que outros aspectos contestados por Mónica Baldaque fossem apreciados». Recorde-se que esta invocara igualmente a existência de parcialidade no concurso e favorecimento na análise do «curriculum» de Lúcia A. Matos – matéria sobre a qual o acórdão não se pronunciou -, pretendendo dar sequência ao caso nos tribunais com base nesse tipo de considerações, que a directora do IPM liminarmente rejeita.
Segundo uma fonte próxima de Mónica Baldaque, ouvida também pelo Expresso, esta «vai recorrer a outras instâncias judiciais para apurar as responsabilidades dos diversos intervenientes no concurso, isto é, se agiram ou não de maneira culposa». Entretanto, «vai esperar que lhe comuniquem se toma ou não posse, e quando». O incidente está assim longe de poder considerar-se encerrado, mas a posição dos agentes do Estado terá sido enfraquecida.
Na base da questão encontra-se o facto de Lúcia Almeida Matos ser, à data do concurso, assistente contratada, em consequência de atraso na prestação de provas de doutoramento. Esse é um estatuto controverso, tal como o dos professores convidados, cuja equiparação ao funcionalismo público ficou por dirimir, sabendo-se no entanto que, por exemplo, a passagem ao escalão seguinte da carreira determina a contagem desse tempo de serviço. A actual directora do Soares dos Reis cumprira já 12 anos de serviço continuado como assistente com horário completo, plenamente integrada na carreira docente.
Entretanto, uma análise de todo o conflito deverá incidir sobre diversos aspectos. A substituição da direcção do Soares dos Reis insere-se numa dinâmica que envolve os 29 museus do IPM por via da aplicação da lei geral sobre directores de serviços, a qual conduziu a uma profunda renovação dos seus dirigentes, apesar de limitada pelas restrições legais que reduzem o recrutamento a funcionários públicos e equiparados. Outros episódios ocorridos, com contestações ou com implicações humanas e profissionais, não tiveram a projecção deste.
É possível
que o ministro tenha desejado encerrar um conflito herdado da gestão de
Manuel Maria Carrilho, e outras interpretações recordam também que
Mónica Baldaque é filha de Agustina Bessa Luís, a qual, durante o mesmo
mandato, fora afastada de um cargo quase só honorífico no Teatro D.
Maria II, o que a levaria a supor-se vítima de uma dupla perseguição. É
também provável que um propósito de pacificação de conflitos nas
vésperas de eleições tenha orientado a decisão política, embora criando
outros contenciosos internos. Na ausência de respostas do Ministério da
Cultura, o caso fica com contornos nebulosos ou mesmo inquietantes.
(com a colaboração de Valdemar Cruz)