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sábado, 3 de junho de 1995

1995, MÊS DA FOTOGRAFIA LISBOA (um mês em 1993): Lx 95

 "Lx 95" 

Em 1995, assinalou-se assim a inconstância dos (i)responsáveis

 

Quando se anuncia a edição (anual) do PhotoEspaña que em 2007 é comemorativa do 10º aniversário e quando o LisboaPhoto (bienal) se interrompeu ao cabo de duas edições, é oportuno recordar que o Mês da Fotografia de 1993 (onde é que isso já vai...), que aconteceu em Lisboa e sob a direcção de Sergio Tréfaut, também ficara sem a anunciada continuidade (em 1995). Estamos sempre a começar... mal (à atenção de António Costa!).


Tribuna - EXPRESSO/Cartaz de 03 Junho 1995

EM 1993 as Festas de Lisboa foram também o Mês da Fotografia.
No respectivo catálogo, que foi impresso na Suíça, o vereador Vítor Costa, do Pelouro do Turismo, afirmava então que «numa perspectiva de diversificação e inovação, as Festas procuram lançar um acontecimento que se pretende venha a realizar-se no futuro com uma periodicidade bienal». Palavra de vereador.
Em 1995 não há Mês da Fotografia, tal como já se deixara cair em 1994 o programa de «Arte Pública». Era uma iniciativa polémica com grande visibilidade que tornava patente a dificuldade camarária de estabelecer com a arte — a intervenção dos artistas no espaço público, a escultura urbana e a decoração — uma relação que não fosse apenas efémera e instrumental.

A perspectiva da continuidade, que poderia consolidar este período das celebrações tradicionais dos Santos Populares numa dimensão inovadora de festival urbano de base social alargada, articulando diferentes modos de viver a cidade e a cultura (não apenas como estratégia de «animação»), foi sendo sacrificada à falta de memória que convém a cada circunstância. Afinal, 1993 era ano de eleições; em 1995 está-se apenas a meio do mandato. E foi por acaso — a vida cultural portuguesa vive de acasos e de boas vontades — que surgiu o programa da Associação Saldanha, «Mistérios de Lisboa, Monumental 95», a assegurar a necessária marca cosmopolita das Festas e a possibilidade de se enunciar outra nova «perspectiva de diversificação e inovação». Com a retórica sempre fácil dos políticos, Vítor Costa pode dizer dos festejos de 95 que «este programa procura compatibilizar o carácter efémero que caracteriza a Festa, momento de excepção por excelência, e a indispensável continuidade cultural»...

Sabe-se que na sua primeira e única edição o Mês da Fotografia surgiu marcado por um gigantismo de programação que veio a resultar em diversos incumprimentos de calendário e também em custos globais que excederam muito as previsões iniciais.
No entanto, o programa idealizado por Sérgio Tréfaut confirmou a eficácia da fotografia como terreno de cruzamento de inúmeros interesses, movimentou um público muito significativo e articulou à volta de um mesmo projecto uma rede de agentes que iam dos equipamentos estatais às galerias de arte privadas. Foi capaz de inaugurar o CCB com uma grande exposição de Sebastião Salgado e apresentou retrospectivas com uma qualidade pouco habitual entre nós, como as de Robert Doisneau e Tony Ray-Jones no Convento do Beato.
No final de 1994, o mesmo comissário apresentou à CML um novo projecto de programação, possivelmente com níveis de ambição e custos também excessivos para o orçamento municipal. Mas, em vez de negociar esse programa ou de impor outro modelo de organização, Vítor Costa optou por esquecer o que tinha escrito em 1993: «Estou certo de que o sucesso deste primeiro Mês da Fotografia criará as condições necessárias para a sua consagração.»

A questão da fotografia, porém, é apenas um sintoma muito particular numa gestão camarária em que o preço da balcanização é demasiado gritante. As «novas Festas» pretendem revestir-se de uma componente cultural, mas a sua organização depende exclusivamente do Pelouro do Turismo; com o Pelouro da Cultura a jogar noutro campeonato (qual?), o S. Luiz e o Maria Matos acolhem espectáculos diversos e abrem-se as portas do Teatro Taborda restaurado, mas as galerias da Câmara (o Palácio Galveias, a Mitra, a Sala do Risco...) e a Videoteca, a Casa Fernando Pessoa, etc, estão alheadas da programação, mesmo quando se encontrem em actividade.
Se é absurdo que as Festas de Lisboa não possam voltar, depois da experiência feliz da «capital cultural», a envolver em projectos comuns as instituições do poder central sediadas na cidade, ultrapassando-se a guerrilha entre Governo e oposição que a política partidária impõe, numa lógica primária de instrumentalização do aparelho de Estado, muito mais grave é a transferência para o interior de um mesmo executivo municipal dos mesmos jogos de pequena política.

sábado, 19 de junho de 1993

 1993  Mês da Fotografia   


"O fim de século como epopeia"


Sebastião Salgado


Na inauguração do CCB

EXPRESSO Revista 19 Junho 1993


A AMBIÇÃO e o gigantismo do trabalho de Sebastião Salgado têm alguns (raros) precedentes, mas há um facto inédito na exposição que o Centro Cultural de Belém acolheu por iniciativa do Mês da Fotografia. É a primeira vez que em Portugal é possível ver uma obra de tal importância no momento exacto da sua divulgação mundial.

São 250 imagens em exibição e mais do dobro projectadas em dois diaporamas — uma das quatro edições (mais uma quinta abreviada) da exposição «Trabalho» (ou «Workers / La Main de l'Homme / Trabajadores», etc) em circulação simultânea por vários continentes. E ainda um livro publicado em português pela Caminho, com 395 fotografias e a excepcional qualidade de impressão assegurada pela co-edição internacional em oito versões nas oficinas de Jean Guenoud, na Suiça (Trabalho — uma Arqueologia da Era Industrial, 400 págs + separata de legendas com 24 págs., 19 950$00).

Tudo, nesta aventura de Sebastião Salgado, se afigura desmesurado: a década que decorreu desde a sua concepção, em 1982-84; os seis anos de deambulação por vários continentes, entre 1986 e 91; a difusão mundial das diferentes reportagens disputada por revistas e jornais de inúmeros países, incluindo o EXPRESSO, que as publicou em destacáveis da «Revista» entre 26 de Outubro e 7 de Dezembro de 1991; a mobilização das maiores instituições dededicadas à fotografia, a Magnum, a Kodak, a Fundação Aperture, de Nova Iorque, o Centre National de la Photographie, de Paris (sem esquecer a sua mulher, Lélia Wanick Salgado, a imprescindível directora de toda a operação); e, por último, o êxito de público que acompanha esta exposição (mais de 25 mil pessoas em Paris, nas primeiras três semanas). 

Mas esta superprodução fotográfica não é construída apenas sobre um efeito de quantidade, mesmo que esta lhe seja essencial: Salgado quis estabelecer um panorama do estado do mundo à beira do fim do século — «Estas imagens, estas fotografias, são o registo de uma era, uma espécie de arqueologia de um tempo que a história conhece pelo nome de Revolução Industrial. Um tempo no qual o eixo central do mundo estava naquilo que estas imagens registam: o trabalhador, a mão do homem» — e propor uma resposta para a situação que documentou — «Criar um mundo novo, revelar a nova vida, recordar que existe um limite, uma fronteira para tudo, excepto para o sonho humano. Moldar com as mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que virá». 


O INVENTÁRIO, aqui, é também epopeia, o inquérito é também manifesto, mas exaustivamente fundamentado pela formação de economista de Sebastião Salgado (nasceu em Aimores, Minas Gerais, em 1944; estudou direito durante um ano e depois economia; fez o mestrado nas Universidades de São Paulo e Vanderbilt, USA, 1968, e o doutoramento em economia agrária pela U. de Paris, 69-71; trabalhou em Londres para a Organização Internacional do Café, 71-73, antes de enveredar pelo foto-jornalismo e de fazer em Portugal, em 1975, a «escola de fotojornalismo»). A sua obra é um último apelo para mudar o planeta: é um discurso globalizador sobre um mundo apreendido como um eco-sistema ameaçado. Entre a mão e o sonho, porque «a história do ser humano é a história da perseverança» e porque «não existem sonhos solitários». Dir-se-ía que o Trabalho, título da edição portuguesa, é a revisão necessária de outro livro fundador, O Capital. 

No terreno da fotografia, é a um recentramento da sua história e da sua eficácia que se assiste. A fotografia mostra, é um admirável instrumento de observação do real, desde, por exemplo, o projecto de Edward S. Curtis para fixar o retrato da América índia em extinção, entre 1900 e 1930, ou da campanha para a Farm Secutity Administration, 1935-41 — é, aliás, com os maiores projectos colectivos da história da fotografia que se mede a actividade de Salgado. E deve fazê-lo com a máxima perfeição formal possível para ser a evidência de uma verdade total, em que se inscreve desde logo a vontade da mudança: «Seria um crime apresentar uma fotografia mal composta, era como violar a fortaleza desta gente. A preocupação estética é para se compreender melhor o problema social», dizia na entrevista publicada por Jorge Calado no EXPRESSO de 13/4/90, a propósito de Autres Ameriques (86).

De facto, a todos os discursos sobre o excesso de imagens e a indiferença nascida da simultânea mediatização de todos os lugares, Salgado responde também pelo excesso: de imagens nunca vistas, de visibilidade em cada um dos seus fotogramas, de energia e dignidade das personagens da sua epopeia, de concentração de multidões em movimento nos 35 milímetros de película impressionada a 1/250 de segundo. 

Não é o único caminho da fotografia, mas por vezes, como aqui, é possível reconhecê-lo como o caminho decisivo. Sabendo-se que a sua eficácia reside não na «pureza» do meio (a ideia de «fotografia pura» é um vestígio de debates de outros tempos), mas na determinação, no saber e na emoção de um olhar. E na solidez de um projecto maduramente concebido («Para ele não há momentos decisivos, apenas vidas decisivas e por isso fotografa 'com toda a sua cultura e toda a sua ideologia'», J. Calado, EXPRESSO, 26/10/91).


É TODO um atlas da sobrevivência do trabalho manual no mundo de hoje que Salgado estabelece: as agriculturas extensivas da cana-de-açucar no Brasil e em Cuba, do chá no Ruanda, do tabaco em Cuba e dos perfumes na ilha francesa da Reunião; depois, a pesca tradicional, na Galiza e na Sicília (o atum), e um matadouro no Dakota do Sul; a seguir, mais largamente, as indústrias, com os têxteis no Bengladesh e no Casaquistão, as bicicletas na China, motoretas e motos na Índia, automóveis na Ucrânia, Rússia, Índia e China (onde são ainda os homens que trabalham e não robots como nas fábricas dos países mais desenvolvidos), os estaleiros da Polónia e da França, logo seguidos pelo seu oposto grotesco, o desmantelamento de navios nas praias do Bengladesh, e as indústrias extractivas, titânio e magnésio no Cazaquistão, aço em França e na Ucrânia, com uma deriva pelos caminhos-de-ferro em França, e ainda o minério de ferro, novamente no Cazaquistão. E a viagem continua com as descidas aos infernos do carvão na Índia, do enxofre na Indonésia, do ouro na Serra Pelada, Brasil. Depois é o mundo do petróleo, com as plataformas marítimas de Baku e a operação de controlo dos poços do Kuwait, no final da guerra. Por último, os grandes desafios que mudam a superfície da terra, o Eurotúnel da Mancha, a barragem de Sandor Sarovar e o canal Rajasthan, ambos na Índia.

Cada um destes tópicos conta uma história e condensa um filme no tempo necessário: dos planos gerais da paisagem alterada passamos ao plano aproximado das mãos que trabalham, conhecemos os gestos repetidos, o esforço e o descanso de homens, mulheres e crianças. Há retratos que se destacam, de olhos nos olhos, e há grupos que se formam, talvez para a despedida do fotógrafo que viveu demoradamente com os trabalhadores em cada um dos lugares visitados. Num dos diaporamas pode assistir-se ao mais empolgante desfile de retratos que recordo, fixando aceleradamente os rostos, os corpos e os grupos de gente de todas as raças — é a humanidade que Salgado fotografa no que julgamos, à distância, ser apenas trabalho desumanizado e exploração (é também a mítica exposição «The Family of Man», de 1956, que Salgado refaz sozinho, mas sem as marcas do humanismo idealista que Barthes criticou nas Mythologies: é a história, a história do trabalho e da «perseverança», que está «no fundo» destas fotografias e não «a natureza, as suas 'leis' e os seus 'limites'».)


SEBASTIÃO Salgado não podia saber que o tempo do seu trabalho (86-91) ía ser o mesmo da derrocada dos «socialismos reais». No entanto, a obra que construíu, sobre as supostas fronteiras políticas, a Leste e a Oeste, é, agora, a mais formidável resposta de esquerda ao desabar das esperanças de largos sectores das classes trabalhadoras e, num mesmo processo convergente, das concepções políticas libertadoras que assentavam nas condições do trabalho nascidas com a Revolução industrial.

A classe operária clássica, cujas condições de exploração teriam proporcionado a tomada de consciência do seu poder colectivo, dissolve-se, na Europa, num processo de terciarização crescente das economias mais desenvolvidas. Os poderes que se ergueram em seu nome, usurpando-o como miragem messiânica ou ficção despótica, desmoronaram-se por toda a parte. O que resta do trabalho? O que fotografa Sebastião Salgado. A dignidade, a força física, a vontade de resistir, o sonho.

A seu modo, ele refaz uma última Internacional («neste fim de século, que viu desmoronar o marxismo de estado, Salgado realiza fotograficamente o impossível: a reunião, pela última vez, dos proletários de todo o mundo», escreveu Jorge Calado, EXPRESSO, 26/10/91), irmanando os trabalhores ocupados nas mono-culturas que alimentam o Primeiro e o segundo Mundo, com os das grandes unidades industriais que utilizam a mão-de-obra intensivo do Terceiro Mundo (a transferência das indústrias pesadas e poluentes para fora dos países desenvolvidos) ou com as empresas faraónicas votadas à conquista da sobrevivência, como a construção dos canais de irrigação na Índia.

Salgado fotografa a permanência de práticas produtivas inalteradas desde há séculos (o açucar, as pescas), que sobreviveram às concepções simplistas do progresso, mas não descrê da mudança: para ele, «a crescente automatização de indústrias no mundo superdesenvolvido reflecte a materialização do conhecimento da espécie humana como um todo e de sua evolução». 

Por outro lado, as suas fotografias são, num território cultural habitado pela ideia de catástrofe de fim de século, um olhar apostado no futuro. A produção artística que ocupa actualmente o lugar mais visível, na cena americana ou na recém-inaugurada Bienal de Veneza, por exemplo, toma como ideia central a crise económica, a ameaça da doença (a sida), um terror sem identidade ou explicitamente resultante do recrudescimento dos confrontos com a pobreza, com as minorias étnicas, com os novos autoritarismos; e nessa amálgama imprecisa de ocasiões terminais é também a reedição da ideia do fim da arte que em simultâneo se exercita no interior fechado do «mundo da arte».

Sebastião Salgado trabalha contra a corrente. O retrato global que estabelece é, também, o de um mundo ameaçado, pela exploração desenfreada e o desilíbrio fatal entre os que têm acesso ao consumo e os que sobrevivem cada vez mais perigosamente («O Planeta dividido, sempre. O Norte em uma nova crise: a do excesso. O Sul, cada vez mais mergulhado na de sempre: a carência»). Mas ele mostra-nos que ainda há tempo, que ainda há lutas possíveis, e estabelece, nas suas fotografias e nos seus textos, direcções necessárias — a leitura paralela das suas longas legendas informativas é essencial. Com uma visão ecológica da História («a trajectória do bicho-homem, o que se adapta, o que sobrevive, o que crê. O que resiste, se preserva»), ele aposta nas mãos que trabalham e nos efeitos libertadores da desaparição do trabalho manual explorado. E nas possibilidades de regeneração do planeta («o cio da terra, o mais fecundo»). 


SALGADO mudou a natureza do foto-jornalismo, ou criou um outro modelo de intervenção, mais amplo ainda do que o ensaio fotográfico como o praticava W. Eugene Smith (1918-1978). Evitando as armadilhas do espectacular e do moralismo, e em especial mudando o conceito de tempo («desenvolveu-se na imprensa um conceito terrível que é o do imediato, e com a televisão o de super-imediato», dizia numa entrevista de 1986, Patrick Roegiers, «Le Monde»). 

Cada reportagem de Salgado significa entre quatro semanas e quatro meses de permanência num mesmo local. «Para realizar uma fotografia preciso de tempo, de conviver com as pessoas. Chega o momento um que você já não incomoda ninguém. A fotografia muda de sentido e passa a ser parte da vida. É essa a riqueza. A câmara é um instrumento de relações humanas» (EXPRESSO, 13/4/90).

Depois de Trabalho, Sebastião Salgado já tem planos para um nova epopeia — o que não o impediu de ter cumprido há poucas semanas a encomenda para, durante alguns dias, retratar a cores o presidente Clinton. As grandes deslocações da população do globo, nas regiões áridas de África, do Leste europeu para Ocidente e do Sul para a Europa desenvolvida, nas fronteiras do México, na Ásia, serão o tema desse projecto igualmente desmesurado, com o nome provisório de «A Travessia» ou «O Homem da Travessia».    


sábado, 29 de maio de 1993

1993, Mês da Fotografia

 Mês da Fotografia, Lisboa 1993

Capa: Um mês de fotografia 


“Festas fotográficas”


EXPRESSO/Cartaz de 29/05/1993, pág 15


A POUCOS dias da abertura, o Mês da Fotografia ainda parece uma «aposta no impossível». É Serge Tréfaut, o seu principal responsável, quem o reconhece, enquanto garante o cumprimento de um programa de 24 exposições que começou por ser apenas uma das componentes das Festas de Lisboa, até se transformar na mais ambiciosa operação de divulgação da fotografia já ensaiada entre nós e também na primeira edição de uma bienal que tem por exemplo o «Mois de la Photo» de Paris. 

De facto, foi apenas em Janeiro que houve luz verde para arrancar verdadeiramente com a programação. Um prazo curtíssimo, quando não se pretende apresentar apenas exposições «enlatadas» (embora elas sejam a maioria absoluta) e quando se utilizam espaços espalhados pela cidade que exigem grandes investimentos na cenografia e na iluminação. 

O projecto acabou por estender a sua rede a instituições muito diversas, públicas e privadas, do Centro Cultural de Belém ao Porto de Lisboa (Gares Marítimas), dos Museus oficiais aos Monumentos tutelados pelo IPPAR e à Cinemateca (uma aliança SEC-CML que é uma surpresa), das galerias de arte às empresas mecenas (a Central Tejo, da EDP, o Museu da Água, da EPAL, o Convento do Beato, da Nacional), etc. É toda uma inédita manobra de articulação de esforços e colaborações, de que apenas ficou de fora a Gulbenkian, o que não deixa de ser uma das curiosidades desta iniciativa (por que não se cumpre, por exemplo, a anunciada apresentação das fotografias de Fernando Lemos, já levadas a Paris?).  


À partida, e com o optimismo conveniente nestas aventuras, há que apreciar a justeza de algumas das opções de base do programa. Ou seja, uma aposta menos imediatamente guiada pelo «prisma da arte» do que pela afirmação do poder de comunicação da fotografia, concedendo um lugar central ao foto-jornalismo e à fotografia documental (Sebastião Salgado, «Magnum no Leste»), e usando-a por ponto de partida, em diversos casos, para abordar temas e acontecimentos (mergulhando nos arquivos para falar da história da guerra colonial ou dos transportes da cidade, por exemplo). 

Em segundo lugar, valorize-se a intenção de apresentar vários dos mestres e dos nomes históricos da fotografia (Lartigue, Cartier-Bresson, Doisneau, Tony Ray-Jones, Mapplethorpe), deixando a responsabilidade pela apresentação de trabalhos mais experimentais ou «artísticos» às galerias de arte que se associaram ao projecto — mas o predomínio francês da programação geral e a importação de autores já mostrados recentemente em Coimbra só se aceita pelos condicionalismos citados e pelo maior poder de oferta das instituições públicas parisienses. Por último, note-se a vontade de apresentar exposições para todos os públicos e de diversificar os modos de expor, com a aposta no espectáculo de algumas montagens preciosas (Nadar, Bonnard, Muybridge & Marey) e a exploração das grandes ampliações e dos diaporamas. 

 

JOÃO CUTILEIRO

Gal. Valentim de Carvalho

«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. As fotos foram-se perdendo pelas gavetas e pelas paredes (serviram até de alvo para setas), amareleceram e comeu-as o bicho. Juntas agora, traçam uma galáxia de relações, amizades e amores que veremos ao sabor das identificações disponíveis a cada um: Fernando Mascarenhas (em 65), Jorge Sampaio e Karin Dias, João Cid dos Santos, Francisco Keil do Amaral, Ana Viegas, Maria Cabral e Vasco Pulido Valente, Mário Cesariny (uma parede com seis fotos de 64), Menez (Londres, 63), Reg Butler, José Cardoso Pires (60), Ruy Cinatti, Gerard Castello Lopes, etc, e um auto-retrato legendado «Paul Newman». Por vezes, as cabeças deixam adivinhar um olhar escultórico, a caminho de outros retratos (Helder Macedo, Azevedo Gomes, Keil do Amaral). Com os retratos de Lemos, tão diferentes, estas fotos privadas levantam um véu sobre um passado oculto, aqui apercebido como um tempo feliz. São pequenos grandes nadas. (até 30 Junho)


«NADAR:  O OLHO LÍRICO»

Torre Ôca do Mosteiro dos Jerónimos, Museu da Marinha

A exp. de inauguração oficial do Mês da Fotografia é também uma grande aposta ganha: é num fabuloso cenário que lembra os bastidores dum palco que se expõem os retratos dos cantores de ópera que passaram pelo estúdio de Paul Nadar (filho e continuador de Félix), acompanhados por fatos de cena, adereços, cenários e objectos de estúdio e registos sonoros. Às impressões modernas, de grande qualidade, juntam-se algumas provas de época, cartões de vista e outros documentos preciosos. Quando a fotografia não é de primeira importância, impõe-se a força de uma montagem ao mesmo tempo espectacular e didáctica. Exp. dos Archives Photographiques de la Direction du Patrimoine, Paris, comissariada por Lise Grenier, que foi um dos grandes êxitos do último Mois de la Photo. 


12.|/06 A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa. 



EXPRESSO/Cartaz 12 / 06/1993


“Luzes e sombras”


DAS exposições do Mês da Fotografia anunciadas no Cartaz anterior, encontravam-se 11 abertas no passado sábado e quatro encerradas (seriam seis as não inauguradas se se tomasse por certo o calendário inicialmente divulgado). Entretanto, nenhuma informação colocada nas exposições patentes ao público alertava o visitante interessado para que evitasse deslocações inúteis, tal como, em geral, nenhum cartaz justificava os adiamentos nos locais não abertos. São falhas de organização inadmissíveis, e toda a argumentação que procure justificar-se com o gigantismo do programa deve ser liminarmente rejeitada. É sob reserva, por isso, que adiante se referem todas as exposições com abertura prevista para os últimos dias.

Anote-se, na mesma linha de considerações, o entendimento autista da Cinemateca, que reservou a exposição aí apresentada para os frequentadores das suas sessões, com a agravante estúpida de exigir a compra de um bilhete para o cinema a quem apenas pretende ver as fotografias (e eventualmente inviabilizando desse modo o acesso de espectadores à sua sala). Tal orientação foi confirmada directamente por um dos directores da casa.

No caso da exposição de Cartier-Bresson, os vidros encontram-se em muitos casos riscados, impedindo uma observação capaz. Na de Varda há provas em mau estado. Na exposição de Mapplethorpe não se encontram fotografias publicadas no catálogo. Quanto a este, sublinhe-se também a ausência de notas biográficas sobre os fotógrafos (falta que poderia ter sido compensada por folhas em distribuição nas respectivas mostras), bem como a superficialidade dos seus textos  a grande qualidade de impressão, feita na Suiça, não é compensação bastante. Por outro lado, a importação dos catálogos ou livros que acompanham as exposições apresentadas igualmente não se fez, ao contrário do exemplo dado, por exemplo, no último Fotoporto.

A presença de numerosos fotógrafos e comissários estrangeiros deveria ter proporcionado uma série de conferências ou debates, em vez de se perder num calendário de inaugurações confidenciais. Desbaratou-se assim a oportunidade de fazer do Mês da Fotografia uma ocasião de encontros e trocas de informações, num panorama dominado por pequenas guerras fratricidas.

São estas apenas algumas das limitações graves de um programa de que se aceitou aqui, inicialmente, o espírito de aventura. Há exposições de grande qualidade, a estratégia de diversificação de espaços é um trunfo importante, o cuidado posto na cenografia e na iluminação é, em muitos casos, apreciável (Nadar, Bonnard, Cartier-Bresson, Mapplethorpe, Arno Fischer, James Herbert). Mas nada disso é suficiente se, mesmo numa primeira edição, o calendário não for credível e as condições de visibilidade não forem óptimas. 


HENRI CARTIER-BRESSON

Museu de Etnologia

150 fotografias, 1929-1978 (com vidros por vezes riscados) num espaço de grande qualidade. «Para mim a grande paixão é o tiro fotográfico, que é um desenho acelerado, feito de intuição e de reconhecimento de uma ordem plástica, fruto, em mim, da frequentação dos museus e das galerias de pintura, da leitura e de um apetite do mundo» (H.C.B., 1986, «Les Cahiers de la Photographie», nº 18, pág. 118). Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris. 


19/06 «Sem minimizar o valor da sua obra como reportagem, deve ser dito que as fotografias de C.-B. são veneradas pelos outros fotógrafos porque são belas. Possuem graça, equilíbrio, economia, tensão, e impacto visual: as qualidade de um bom ginasta ou bailarino. Ou as qualidades de uma boa imagem (picture)», Szarkowski, Looking at Photographs, pág. 112. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris, recebida em mau estado de conservação, com acrílicos riscados. 


«BONNARD FOTÓGRAFO»

Palácio da Ajuda

Uma única prova original, c. 1916, 8,8x5,9cm, e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. A montagem é óptima mas a representação das 276 fotos conhecidas é demasiado exígua. Colecção do Museu d'Orsay.


AGNÈS VARDA

SNBA

Varda-fotógrafa começou por trabalhou com o Théâtre National Populaire de Jean Vilar e Gérard Philip, entre 1948 e 1960, passou à reportagem (China, Cuba e Portugal, 1956), e depois ao cinema, mantendo neste, na relação entre documentário e ficção, uma mesma atenção ao real e em especial às pessoas, à sua verdade essencial. São as mulheres e as crianças que Varda mais fotografa, atenta à violência do esforço de quem transporta cargas enormes ou à beleza dos olhares; sempre a possibilidade da ficção e a interpelação do espectador, nos retratos frontais ou no geometrismo das composições.

19/06 As fotografias de Varda interessam-se pelas pessoas. Com o TNP de J. Vilar e G. Philipe (entre 48 e 60) as convenções do palco abrem-se, para trás das máscaras, a um exercício de humanidade. Nas reportagens, nomeadamente em Portugal, é o esforço do trabalho primitivo, as mulheres carregadas, que impressionam Varda, sempre em confronto com as crianças, a esperança possível. Terceiro capítulo, os retratos: a pose como desafio ao tempo congelado. Com catálogo. 


ARNO FISCHER

Central Tejo

Um notável fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928) revelado pelos Encontros de Braga e apresentado agora num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam. A grande tradição da fotografia de observação social, usando a solidez das composições para instabilizar o espaço e o tempo.

19/06 Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam.


MAPPLETHORPE 

Bar Bouzouki 

«A caminho de Deus»: os corpos e as flores numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico.

19/06 «A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade)...


ALLAN McCOLLUM

Módulo

15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia). Note-se como o cuidado posto nas condições fotográficas (impressão fotográfica, molduras e vidros, galeria repintada de cinzento) é paralelo a um exercício de invisibidade ou não-informação, que desvia a fotografia para um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção. Não se duvida da inteligência do propósito e da sua eficácia no contexto do actual «mundo da arte» — apenas se prefere a junção dessas condições com a vontade de ver.


CRAIGIE HORSFIELD

Galeria Cómicos/Luís Serpa

Fotos em provas únicas de grande formato — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um inglês nascido em 1949, contemporâneo das vanguardas de 60-70, emigrado para a Polónia e que só começou a expor em 1988. É uma das aventuras actuais da fotografia, procurando uma visibilidade próxima das artes plásticas em impressões que exploram a presença matérica das superfícies e o efeito das grandes escalas; a neutralidade da informação corresponde aqui a um grande investimento    na especificidade fotográfica dos valores da luz, na fronteira de uma nova (?) direcção picturialista.


JAMES HERBERT

Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens. Na semana passada escreveu-se Larry Fink quando se queria referir Larry Clark — quando a David Hamilton nada a corrigir. 


EXPRESSO/Cartaz de 19/06/1993, p. 14


COM A abertura tardia das quatro exposições adiante indicadas em primeiro lugar, o Mês da Fotografia ganhou a dimensão de um acontecimento único em Lisboa. Para lá das insuficiências apontadas há uma semana (e em especial da não importação dos catálogos originais das exposições), importa agora sublinhar a decisiva qualidade de muitas das mostras apresentadas e a importância do efeito global causado pela simultaneidade da sua exibição, cujo impacto é avaliável pelo fluxo permanente dos visitantes. 

O programa dirigido por Serge Tréfaut, com o seu coroamento na exposição de Sebastião Salgado visível no CCB — e enquanto se aguarda ainda o confronto global com uma das apostas centrais do Mês, a exploração dos Arquivos Nacionais —, é já, de facto, um «quase milagre», como ele próprio escreveu no prefácio do catálogo geral. É esta a altura para sublinhar a epígrafe escolhida para o programa — «A fotografia é o espelho da vida» (espelho e janela, e por vezes instrumento para a acção, índicio e arma) — e para apoiar os seus princípios centrais: «Em primeiro lugar, era preciso que o lote das exposições fosse de peso. Que alterasse a atmosfera da cidade e, no limite, deixasse as pessoas atónitas.» E ainda: «Uma recusa frontal e violenta de fazer um festival para especialistas e 'connoisseurs'.» A batalha está ganha, é preciso assegurar que o Mês da Fotografia dê, efectivamente, lugar a uma bienal.

Destaque-se, para além das fotografias, a criação de um itinerário por museus e edifícios patrimoniais em muitos casos raramente frequentados ou desconhecidos, com um efeito real de animação e descoberta da cidade. Mas, em especial, há que destacar o investimento feito nos projectos de montagem, na cenografia das exposições, a cargo de uma equipa de arquitectos (Bugio, Lda — Pedro Borges, Paulo Fonseca, Miguel Figueira, Paulo Palma, Filipe Macedo) que soube criar uma linguagem própria, globalmente unificada pelo uso do ferro, do cimento e da madeira, e sempre diversa consoante os diferentes locais e exposições. Igualmente a iluminação, dirigida por Vladimir Bryliakov, merece um palavra de elogio.

Importa, desde já, assegurar a continuidade da iniciativa, comprometendo as muitas entidades que este ano se lhe associaram, e outras também, certamente, num projecto que, a partir de agora, deve ser estrurado com tempo e com meios bastantes.   


ROBERT DOISNEAU e TONY RAY-JONES,  Convento do Beato

Duas retrospectivas. Ver artigo de Jorge Calado na «Revista». 


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album. Ver artigo na «Revista». (Blog)


JACQUES-HENRI LARTIGUE, 

Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia

«Le passé composé»: fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores. É este o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties»: a velocidade, o mapa dos paraísos mundanos. 


PHILIP-LORCA diCORCIA

Galeria Palmira Suso

«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir. 


LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches

Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma belíssima montagem. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade. 


GEORGES DUSSAUD

Museu da Marinha

«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal, com o apoio do Ministério da Agricultura de Paris, e que foi também exposto nos últimos Encontros de Coimbra e de Braga. Aqui, a estratégia documental complica-se com uma hesitante vontade de arte, e a poesia dos espaços evanescentes exigiria outra relação com as suprfícies impressas. 


PENA CAPITAL, Museu da Água/EPAL

Álvaro Rosendo, Daniel Blaufuks, Nuno Felix da Costa, António Pedro Ferreira, Joana Pereira Leite e Michel Waldman na única apresentação da fotografia portuguesa contemporânea, que ficou muito abaixo das expectativas autorizadas pelo curso das coisas na última década. Produção da Galeria Alda Cortez, com publicação de um livro. 


«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes

A colecção Desbonnets revelada no último Mois de la Photo. A fotografia ao serviço da «cultura física» e da beleza clássica: a saúde e o nu atlético. Com versões preparadas para invisuais. 


MES 5


HENRI CARTIER-BRESSON, Museu de Etnologia

«Cartier-Bresson esforçou-se por pôr a sua sensibilidade de fotógrafo ao serviço do jornalismo... Apesar do seu manifesto vigoroso e subtil a favor do papel do repórter fotográfico, as fotografias expostas fazem pensar que o jornalismo foi a ocasião, não a força motriz do melhor da sua obra», Szarkowski, 1968, citado por Peter Galassi, in H.C.B.: Premières Photos, Arthaud, 1991. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris.


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho, que constituem um dos mais ambiciosos projectos fotográficos de sempre. A arqueologia (e a elegia) do trabalho industrial num inventário recolhido em todos os continentes que é também uma intervenção de forte carácter político — a distinguir das tradições históricas do realismo socialista e da «fotografia humanista».


ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato

Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: raramente é possível conhecer um fotógrafo através das suas edições originais, completadas por provas de contacto e outros materiais, mas Doisneau não é um fotógrafo genial, ainda que tenha produzido algumas imagens emblemáticas das décadas de 30-50. 


TONY RAY-JONES, Convento do Beato

Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. é um dos pontos cimeiros do Mês da Fotografia, numa retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990) com tiragens originais. Depois de Bill Brandt e antes da actual geração de fotógrafos ingleses, Parr, Davies, Killip e outros, são dele alguns dos mais incisivos retratos sociais da Grã-Bretanha. Cruéis e «verdadeiros». 


JACQUES-HENRI LARTIGUE, Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia

«Le passé composé», fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores: o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties».


MAPPLETHORPE, Bar Bouzouki 

«A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade) numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico. 


PHILIP-LORCA diCORCIA, Galeria Palmira Suso

«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir. 


«NADAR:  O OLHO LÍRICO», Torre Ôca dos Jerónimos, Museu da Marinha

A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa. 


«BONNARD FOTÓGRAFO», Palácio da Ajuda

Uma única prova original e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da sua pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. Colecção do Museu d'Orsay. 


ARNO FISCHER, Central Tejo

Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam. 


1961-1974 OS ANOS DA GUERRA, Gare da Rocha Conde de Óbidos

A ENCENAÇÃO DO ESTADO NOVO, Gare Marítima de Alcântara

Um mergulho nos arquivos desconhecidos que constitui em especial uma chamada de atenção para a necessidade de abrir e estudar os seus espólios com vista a recuperar uma iconografia desconhecida, e também um longo capítulo da difícil história da fotografia em Portugal. Mas há o perigo de se terem gasto boas ideias em exp. preparadas sem condições de tempo e de trabalho. Tirou-se um correcto partido cenográfico das grandes ampliações, em especial na Gare da Rocha, e criaram-se curiosas soluções arquitectónicas (como as reportagens sobre a Mocidade Portuguesa encerradas numa grande, excessivamente grande, caixa fechada), em locais marcados pelas memórias do tempo e pelas pinturas de Almada que a ele também de associam. Se há alguma exiguidade de imagens no caso do Estado Novo — acompanhadas por textos que apenas reiteram o seu sentido, quando se exigiriam antes informações precisas —, as imagens da guerra ganham com o diaporama de José Álvaro Morais uma perturbadora eficácia.  


LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches

Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma montagem atraente que termina com a chegada a Lisboa do primeiro autocarro de dois pisos. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade. 


CRAIGIE HORSFIELD, Galeria Cómicos/Luís Serpa

Provas únicas de grande formato e grande qualidade matérica — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um artista inglês. 


VLADIMIR BRYLIAKOV, Museu de Arqueologia

Exp. extra-programa do responsável pelo desenho de luzes de todo o «Mês», e que é também a primeira individual de um fotógrafo russo. O suporte fotográfico é sujeito a um tratamento pictural que altera e oculta a imagem inicial, por vezes sugerindo o tratamento dado aos ícones, outras vezes registando uma espécie de corpo a corpo do autor com o registo inicial. É, no quadro global da programação, um exemplo positivo da passagem para lá da fotografia, em objectos que são também desenho ou pintura. Com uma interessante solução de montagem. 


JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens. 


ALLAN McCOLLUM, Módulo

15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia): um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção. 


MAREY & MUYBRIDGE, Museu de História Natural

Da fotografia ao cinema: o estudo do movimento e a animação das imagens numa exposição que conta com impressões originais do século XIX (Muybridge — enquanto o contacto com o trabalho de Marey é exíguo e deficiente) pertencentes à Cinemateca Francesa e com uma montagem de grande eficácia visual, mas a que falta um complemento de informação que permita situar cronologicamente os materiais e justificar a sua importância pioneira. 


«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes

A fotografia ao serviço da «cultura física», na viragem dos séc. XIX-XX, através da colecção Desbonnets: a saúde, os ideais da beleza clássica e o nu atlético. A muito irregular qualidade das reimpressões modernas e a ausência de esclarecimentos sobre o material exposto tornam a exp. uma mera curiosidade. 


GEORGES DUSSAUD, Museu da Marinha

«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal. 


A CAPTURA DE GUNGUNHANA, Torre de Belém

Exp. de fotografias de diversos arquivos sobre a «diáspora» do último monarca do REino de Gaza, Moçambique. 




MES 6


O MÊS da Fotografia terminou oficialmente, mas enquanto algumas exposições vão desaparecendo, outras se inauguram ainda. Foi o caso, esta semana, da exposição documental dedicada a Gungunhana, na Torre de Belém, e será, dentro de dias, o de uma das mostras mais aguardadas, «Magnum no Leste», anunciada para a Estufa Fria. Entretanto, não houve apenas adiamentos de inaugurações: em certos casos, como os de Mapplethorpe e Arno Fisher, entre outros, foram também adiadas as datas previstas para o fecho das exposições. O panorama é ainda excepcional.


ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato

Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: a presença das edições originais, acompanhadas por provas de contacto e outros materiais, bem como a extensão da antologia, que inclui as encomendas publicitárias, as reportagens e numerosas imagens emblemáticas da fotografia humanista francesa documentam uma obra que é significativa sem ter sido genial. 


TONY RAY-JONES, Convento do Beato

Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. terá sido a descoberta mais importante do «Mês». A retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990), com tiragens originais, veio também colmatar parcialmente a raridade dos contactos com a tradição da fotografia de observação social inglesa, poderosa em Bill Brandt e recentemente renovada com toda uma geração de «herdeiros» de T.R.J. 


JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus próprios filmes, explorando a sensualidade de corpos jovens com os valores físicos da impressão fotográfica. 


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho. É a mais importante das exposições que entraram em circulação em 1993