2/30/2020
Ana Mata 2020
Ana Mata na Módulo, 3 anos depois (estas
pinturas não se fabricam depressa).
Gostava de tentar explicar (a mim próprio) por que isto (esta pintura) é muito interessante (ou muito boa), e rara.
É
uma pintura depois da fotografia, com recurso à fotografia, não para
impregnar as telas ou para copiar projecções, mas para ver o visível de
outro modo, para encenar, recortar, modelar, reflectir o visto e recriar
a sua luz; sem as facilidades da apropriação fotográfica e sem as
rotinas do "fazer qualquer coisa que sai sempre". A fotografia ilumina
(num caso há um flash sobre um corpo); a pintura ilumina a luz e a
sombra da fotografia (há um pano negro que atravessa um quadro).
Não
é a pintura que é mediada pela fotografia, é o olhar que se alimenta do
registo fotográfico, para ver melhor, ou ver diferente, mais
profundamente, demoradamente, mas com a surpresa de um primeiro relance
ou com a energia de uma imagem a afirmar-se, a reconhecer-se. A pintura
(a pintora) serve-se da fotografia, às vezes serve-a como modelo, de
passagem, e resgata a pintura, o prazer de ver pintura, na velha
confrontação com a fotografia. Trata-se de passagens, de trânsitos,
entre o visto, o fotografado e o pintado, não de fronteiras,
acrescentando sempre - o modo de ver, o fazer e um campo aberto de
observações/interrogações, de histórias.
Alguma coisa se imobilizou (na fotografia feita/captada/organizada e na pintura a fazer-se, gesto a gesto, pincelada visível, demorada) sem se suster a velocidade do ver e do pintar, sem ser a transcrição do registo e sem se mostrar como execução de um programa, mas ele existe, programa pensado, conceptual.
A pintura é rápida, sem incertezas legíveis, mas a obra da pintora (a carreira) é lenta, escassa, e a diversidade dos formatos, do muito grande (a 1ªa foto) ao muito pequeno, do heróico ao íntimo, a diversidade dos suportes (tela, alumínio e papel) e dos meios (óleo e tinta acrílica) e dos assuntos (a figura, o retrato (também auto-retrato), as plantas - natureza viva, e a "natureza morta", uns óculos), a circulação entre a cor e sombra/grisaille, conferem a cada pintura a densidade de um encontro único e a certeza da possibilidade dispensável de muitas variantes (mas cada peça é definitiva).
Não conheço agora nada de mais surpreendente em pintura, até por se tratar da lenta maturação de um trabalho ao mesmo tempo muito reflectido e intensamente vivido (vívido) e inesperado. Conhecido de anteriores mostras sempre novo e diferente. Ganhei o ano nos seus últimos dias. Agora vou ler o pequeno livrinho em que a Ana Mata, que não conheço, reuniu "notas do atelier". Chama-se "A pintura é o visível das histórias desconhecidas", e espero não contradizer aquilo que eu procurei pensar sobre as suas pinturas a justificar a admiração.
11/07/2010
Ana Mata 2010
A cada nova exposição de Ana Mata apetece ver-rever o que foi mostrando antes, porque é uma obra discreta com que não nos cruzamos nos sítios habituais (mostram sempre o mesmo, sempre os mesmos -. e é uma pasmaceira) e porque as pinturas continuam-se uma às outras, ou continuam a mesma discreta relação entre a produção de imagens, a prática (e interrogação prática) da pintura e a vida da pintora, já que a auto-representação está presente, mas não precisamos de o saber para que a pintura e a vida evidentemente se encontrem e se troquem, entre si e com o olhar do espectador.
Há aqui quatro telas de grande formato, 179x138 cm a de cima, acrílico sobre tela, Sem Título, de 2009.
Há aqui quatro telas de grande formato, 179x138 cm a de cima, acrílico sobre tela, Sem Título, de 2009.
Sem título, 2010.Acrílico s/ tela, 151 x 143 cm.
Se o exercício da reflexão pictural ou da pintura reflexiva a respeito da fotografia e da pintura está presente - sobre a materialidada das respectivas imagens e dos seus tempos - serão também questões de representação que se abordam. Há aqui a passagem à condição de pinturas bem sucedidas do que seriam noutra modalidade/materialidade de imagens fotografias falhadas: a desfocagem do rosto sobre um movimento súbito ou a ocultação do rosto - relacionando-se este com uma (com a) identidade pessoal, que se quer fugidia, semi-privada. Mas há também, por esse mesmo caminho, o levantar do tema do reconhecimento: representar é descrever e facultar um (re-)conhecimento, faculdades de que a pintura julgou dever abdicar para ser auto-referencial ou pura. A figura, que é uma auto-representação suspensa,também "serve" aqui para fixar à sua volta um espaço de natureza - jardim, espaço cultivado, natureza recriada - e acrescenta um segundo tópico de abordagem dos géneros em pintura, retrato e paisagem.
A pintura sobre a pintura tornou-se uma prática ensimesmada, embora uma surpresa seja sempre possível. A pintura sobre o trânsito entre fotografia e pintura é também um campo muito trilhado, nas suas duas eventualidades mais distintas, a que oculta o seu referente próximo tornado processo de trabalho ou a que o afirma imediatamente ou não - desde antes da formalização da invenção da fotografia já esse trânsito acontecia. Não há novidade alguma aqui, em torno de tal questão, enquanto tal, excepto no facto de se transformar em frescura e intensidade visual o que noutros casos anteriores é já só o uso de uma fórmula: Morley contra Richter (mesmo sem B.B.). As qualidades visual da mancha, o jogo entre a visão próxima e visibilidade distanciada, a materialidade das cores sobre a tela, não serão valores a considerar por si mesmo mas na sua eficácia construtiva e representaiva. Aproximamo-nos aqui de uma pintura narrativa, no que se sucede como imagens pessoais, e também representativa, no que descreve e faz reconhecer.
Mas é a luz - a luz solar - que se propõe aqui como objecto a considerar. Pode ser oportuno repensar classificações históricas a respeito destes novíssimos quadros, voltar a pensar na revolução naturalista, no subcapítulo impressionista e depois na experiência do luminismo, que tem em Sorolla a expressão mais próxima, já que são as luzes que variam, pelo menos tanto como as formas naturais. Tenho de voltar a ver as pinturas de pequeníssimo formato, quer não sei se são apenas promessas ou ensaios de grandes formatos, tenho de voltar a ler o que fui escrevendo sobre uma das poucas obras que vão surpreendendo.
Vale a pena também pensar porque é que a Módulo é a única galeria (ou uma das únicas) onde importa não perder nenhuma das exposições que se sucedem.
12/21/2007
Prémios 2007 - Rothschild
Pode ser falta de memória, mas as edições 2007 dos vários prémios mais notórios parecem uns furos abaixo dos anos anteriores. Foi claramente o caso do Anteciparte, que afogou as intenções ou os projectos escolhidos em grandes investimentos cenográficos (excesso de meios?, arquitectos à solta?, excessos curatoriais?), e é também o do 3º Prémio de Pintura Ariane de Rothschild, de que amanhã sábado se encerra a exposição.
até 22 DEZ 2007; Quar/Sab: 14.30-19.30 hrs
Rua Rodrigues Faria, 103
(Antiga Gráfica da Mirandela do Diário de Notícias - Alcântara - Largo do Calvário)
A
visita recomenda-se desde logo como descoberta de uma parte oculta da
cidade - uma área fechada na zona Alcântara-Calvário, antigas
construções industriais destinadas a um próximo empreendimento. Entra-se
de carro num parque guardado e circula-se entre quase ruinas - um
deserto no meio da cidade.
Há ou havia um catálogo, oferecido, 29 x
28,3 cm de formato, enorme, em bom papel - design Silva!, impressão
Textype - a baronesa e o banco precisam de gastar dinheiro, mas é
daquelas coisas difíceis de guardar (já perdi o da edição 2005). Um
objecto absurdo, obrigado.
Ana Mata, Sem Título, 2007, acrílico sobre tela, 181 x 129 cm
Há uma obra a merecer a visita, a pintura sem título de Ana Mata (Setúbal, 1980). Dizem-nos que começa por ser um auto-retrato, o que é, aliás, muito frequente na sua obra, que se tem podido ver na Módulo (2003, 2006 e já em 2007 - ver notícia de 4 de Maio), e são evidentes as relações entre fotografia e pintura - deixando-se logo nesse enunciado o caminho das evidências e das facilidades.
O olhar frontal sob um foco de luz, a lanterna na mão direita, a ideia habitual do auto-retrato (e a pose) negada no inesperado ou acidental da situação surpreendida, a presença material da luz e a circulação entre processos com incertas fronteiras ou passagens, o grande formato do retrato de aparato e a ironia do aparente instantâneo furtivo, a sugestão ficcional condensada numa vista única, sem título e destituída de imediatas referências literárias. Tudo isto constitui um campo infindável de interrogações e de exploração do que é materialmente visível.
Ana Mata é um(a) das mais interessantes jovens artistas. O facto das premiações a terem poupado é uma garantia adicional.
Os
prémios são geralmente entendidos como actos de cooptação pelas tutelas
do meio da arte - é natural que se escolha o menos bom ou o mais
insignificante, por complexas razões ou manobras. Mas, como aqui
acontece, os júris desclassificam-se muito visivelmente com as escolhas
que fazem, e com as quais se julgam defender premiando-se a si próprios.
Ignore-se a ingenuidade do "prémio distinção" e a preguiçosa vacuidade
pretensiosa do 1º prémio, à boleia de Aurélia de Sousa. Olhe-se para um
júri que premeia um artista, aliás interessante, José Baptista Marques,
que aqui se candidatou com uma pintura à maneira dos históricos cromos
ditos hiperrealistas de Malcolm Morley. Há coisas que não passam - e é
bom que aconteçam para nos alertar.
Outras obras a reter ou a considerar serão os guaches de André Almeida e Sousa, registos mediados e suspensos de paisagens, representações contrariadas, sob influência ainda bem reconhecível; talvez a instalação de pinturas de Marta Moura. Há quem aprecie o género de ideias ou achados postos em prática por Nuno Sousa, espécie de auto-caricatura ou declaração de impotência da pintura, elogio crítico do vazio? E abaixo de prestações anteriores encontram-se as propostas de Marco Pires e Rita GT (a autocomplacência, já?).
No actual estado de coisas, um artista só ou uma única obra recomendável (Ana Mata) já fazem uma boa exposição.
Mas o Prémio Ariane de Rotschild tinha começado melhor em 2003 e 2005, com a presença algo insólita de Vicente Todolí e Julião Sarmento nos júris dessas edições, e alguma irreverência ou imprevisibilidade nas admissões. Havia uma presença mais substancial da pintura que o título do prémio continua a prometer. VER AQUI E o facto de se aceitar uma obra única (condição agora torneada por alguns instaladores que se julgam espertos) era outra diferença corajosa, tal como a montagem "tipo Salão" (não é defeito). Agora, lá para Alcântara (para além do agradável passeio de reconhecimento), o armazém arruinado é menos propício.
A edição de 2007 contou no júri, entre outros, com uma tal Lilian Tone, vinda do MoMA, e Pedro Cabrita Reis, com coordenação e escrita de Filipa Oliveira, que nos explica "o conceito", ou "o âmbito", ou "a filosofia" - serão agora sinónimos? Chama seminal a uma especulação fúnebre de Arthur C. Danto e cita Yve-Alain Bois - são caminhos obscuros. O facto de pintura não ser o mesmo que quadro dá origem a muitas confusões. Mas conviria considerar o quadro pintado (mais ou menos plano...) como o resultado de uma longa evolução que o torna um objecto quase perfeito, talvez inultrapassável. (O quadro fotográfico teve uma vida breve, mas ainda há quem use.)
BES Revelação em Serralves
#
Em tempo - ao sair dos barracões da baronesa Rothschild pensava que alguma coisa que se chamou arte se ía acabando (com o Anteciparte 2007, o EDP Novos Artistas no Porto, etc). Depois, visitei a exposição de pintura da Maria Condado, a sua "Promised Land", na Caroline Pagès Gallery...
Rua Tenente Ferreira Durão, 12 – 1º Dto. [Campo de Ourique] Lisboa
Tel. 21 387 33 76 Tm. 91 679 56 97 - www.carolinepages.com
Até sábado 22 - e por marcação até 5 de Janeiro
(Maria Condado aparecera no 2º Prémio Rotschield, em 2005, e as suas paisagens continuam a ser uma "terra prometida")
Comentário: "(...) os exercicios que reflectem o autor como tema principal da obra pensei q se esgotaram c a Frida Khalo, mas, nos nossos dias parece ser ainda tema recorrente... (penso que fruto do excessivo individualismo ou até de solidão)
aqui a figura é desfocada ou parcialmente tapada, mas não deixa de ser um exercicio centrado na propria autora do trabalho
são belas imagens sem duvida e não questiono o virtuosismo da técnica da captura de luz, mas não deixa de me remeter para um qualquer album privado de familia (logo, de interesse relativo, quiçá como documentos históricos dentro d algumas decadas) ..."
O comentário assinado que chegou por outra via fica aqui registado, porque será significativo lê-lo e talvez interessante responder-lhe, logo que possível.