A criação da Culturgest em 1993
DOSSIER EXPRESSO 26 Jun.1993, pp. 68-71
1 entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
2. “Cultura sociedade anónima”
3. entrevista de Rui Vilar
1.
“Entrar nos circuitos”, entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
«A CULTURGEST é uma empresa privada e comercial que assegura a animação dos espaços culturais da nova sede da CGD», diz o seu principal responsável, Manuel José Vaz. A utilização de tais espaços constituía, inicialmente, um projecto interno à CGD, dirigido para os seus empregados e para actividades de representação ligadas à natureza própria de um banco. Foi Rui Vilar, presidente da CGD, quem, entretanto, resolveu «voltar também para o exterior a utilização do edifício, abrindo-o à cidade e procurando assim suavizar o impacto negativo de uma tão grande concentração de serviços» numa única zona da cidade, decidida de acordo com concepções de gestão que hoje já não são pacíficas.
Abrir a fortaleza a diferentes usos, com novas circulações de público e horários mais flutuantes, implicou algumas alterações na obra e a revisão de condições de segurança. Mas reconheceu-se que o gigantismo da sede veio, de facto, alterar as características ambientais de uma área densamente povoada, sujeitando-a, para além de outros efeitos secundários, a uma nova vocação de serviços e ao peso do fluxo regular dos seus milhares de empregados. Toda a zona sofreria rapidamente, sem o projecto de animação cultural, um processo de desertificação no período posterior ao encerramento do banco semelhante ao que ocorre na Baixa pombalina.
Entretanto, se o mecenato cultural se tornou, para a generalidade das grandes empresas, um processo de adquirir um renovado prestígio através da ideia de uma espécie de retorno de benefícios, a animação do edifício, em especial na sua fachada volta ao Arco do Cego, corresponde também a uma contrapartida oferecida aos moradores das áreas limítrofes, depois de anos de perturbação causado pelo mastodôntico estaleiro da Caixa.
Mas as atribuições da Culturgest voltam-se ainda para o aproveitamento de algumas das potencialidades do edifício na perspectiva da sua rentabilização (congressos, reuniões, etc), actuando como «interface» entre o público e os equipamentos que se integram na estrutura da Caixa. É o caso da biblioteca da CGD, que, além da sua componente mais técnica e especializada, dedicada à economia, finanças e direito, desenvolverá uma nova vertente com criação de um Centro de Documentação Europeia, em colaboração com o Centro Jean Monet, com acesso a bases de dados internacionais. Paralelamente, outro polo reunirá documentação especializada no domínio das artes plásticas, em articulação com a própria colecção de arte da Caixa, e também no campo das artes do espectáculo.
EM TERMOS de estrutura interna, a Culturgest é uma empresa muito leve, que conta apenas com o núcleo formado pela administração, um assessor artístico, António Pinto Ribeiro, e um director técnico, Eugénio Sena, mais um secretariado de duas pessoas. Não terá estruturas artísticas residentes e, em termos práticos, irá socorrer-se da contratação temporária de serviços especializados, embora conte com a disponibilidade das equipas técnicas que pertencem aos quadros da própria CGD.
Entretanto, a natureza própria dos seus «serviços» levou a Culturgest a constituir um Conselho Consultivo, que já reuniu no dia 15 para apreciar a programação prevista e os princípios gerais que enformam o seu plano de actividades. Actualmente preenchido por 12 elementos, num total previsto de 15, o Conselho elegeu, nessa primeira reunião, Rui Vilar como seu presidente e Rui Machete (FLAD) e Yvette K. Centeno como vice-presidentes, sendo os restantes titulares Eduardo Lourenço, António Barreto, João Marques Pinto (presidente da Fundação de Serralves), Isabel Silveira Godinho, Ruy Vieira Nery, Gerard Castello Lopes, Paulo Lowndes Marques, José Mariano Gago e Manuel Pinto Barbosa. Sem poderes vinculativos, o Conselho reune duas vezes por ano.
1993 é o ano de abertura da sede da CGD e das actividades culturais da Culturgest, limitado a um trimestre de lançamento. O próximo ano será excessivamente marcado pela dinâmica da capital cultural para se poder considerar exemplar dos propósitos da empresa, justificando-se mesmo alguma preocupação dos seus responsáveis perante os riscos de um previsível excesso de oferta cultural global. É, por isso, só para a temporada de 94/95 que se prevê uma velocidade de cruzeiro e uma exacta caracterização da sua lógica de programação. Entretanto, irá procurar criar um público novo, alargando o público cultural existente, para o que se conta em especial com a população estudantil do eixo Cidade Universitária-Instituto Superior Técnico.
Para o futuro, não se exclui a hipótese de outros espaços culturais, fora de Lisboa, virem a ser incluidos na órbita da Culturgest. Para já, porém, existe uma sede precisa para a sua acção, e uma clara distinção entre os apoios mecenáticos que continuarão a ser da competência da CGD, e são várias vezes superiores ao orçamento da empresa, e o seu próprio plano de actividades. A Culturgest não é uma instituição-mecenas, disponível para distribuir bolsas ou subsidiar projectos alheios.
NÃO É SÓ por se tratar de uma empresa comercial que a Culturgest se quer definir como um projecto original no terreno da cultura. A própria linha de programação adoptada (ver texto de abertura) reveste-se de características inovadoras, e a lógica empresarial que se lhe impõe pretende igualmente reflectir um conhecimento actualizado da realidade internacional das indústrias e dos mercados culturais.
Por um lado, apresenta-se, segundo Fátima Ramos, como «uma empresa privada, que é gerida por princípios estéticos, artísticos e de gosto da sua única responsabilidade». A procura de um perfil próprio entre as instituições culturais passa por um opção resoluta pela actualidade da criação artística e intelectual.
«A área principal de actuação vai basear-se na actualidade e em geral no século XX mas, na medida em que o século XX também já é em grande parte passado, gostávamos de imprimir à nossa programação a perspectiva de um olhar de hoje, e mesmo a marca da leitura que o final do século faz sobre esse passado». Daí até ao projecto de estruturar um programa de reflexão sobre o modo como as artes abordam as angústias do final do século e do milénio vai um pequeno passo que certamente será dado com o «Ciclo Apocalipse».
A programação por ciclos temáticos, e não como soma de acontecimentos desconexos ou avulsos, é, aliás, uma das regras da casa. Inscritos na programação anunciada estão já os ciclos «Multiculturalismo e novas mestiçagens», em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos, «Mediterrâneos», «Dança do século XX», «La Liseuse» (leituras públicas). «A interdisciplinaridade, o multiculturalismo e o diálogo entre o 'antigo' e o 'novo'. o reportório e o experimentalismo deverão favorecer tensões criativas que contribuirão para uma programação atraente e coerente» — pode ler-se num documento interno.
Por outro lado, a intervenção cultural da empresa pretende expressamente apoiar os artistas portugueses e favorecer o seu acesso às redes da circulação internacional de exposições e espectáculos. Com a reserva das suas limitadas possibilidades de intervenção: «Não queremos sobrepor-nos nem às outras instituições que já existem ou estão a ser criadas, nem entrar em competição com elas, tal como não pretendemos substituir-nos ao que são as obrigações das instituições estatais em matéria de cultura», dizem os administradores.
No entanto, Manuel José Vaz e Fátima Ramos definem como seus objectivos «tentar impulsionar a criação e fazer a melhor divulgação que pudermos das obras dos criadores portugueses, ao mesmo tempo que se apresentarão produtos estrangeiros de boa qualidade». Para além das fórmulas abstractas, trata-se de valorizar a noção de rede e de a traduzir pela prática constante da co-produção, entrando desde o início nos circuitos internacionais: uma estreia não deve esgortar-se na sua apresentação isolada, deve circular; a vinda de uma exposição ou de um espectáculo a Portugal é mais útil e mais económica se ela (ou ele) percorrer um itinerário de várias cidades — e a intervenção cultural é mais sólida, e menos passiva, se for possível participar desde o início na definição do seu programa; melhor ainda se a encomenda feita lá fora tiver as contrapartidas de um processo de trocas.
Segundo princípios já correntes de gestão cultural, mas que são raros em Portugal, trata-se de pensar a programação, desde o início, de parceria com outras instituições, assegurando uma maior divulgação, diminuindo os custos e estabelecendo mecanismos de circulação capazes de assegurar que a importação de criações estrangeiras possa ter a contrapartida da apresentação de autores portugueses no exterior.
Mas será preciso encontrar parceiros em locais exteriores à sede lisboeta, e a realidade nacional não é imediatamente favorável: por toda a parte espera-se acolher espectáculos oferecidos, limitando os investimento à cedência de uma sala.
«É patente a ausência de um mercado de produção e de distribuição artística em Portugal», lê-se no documento já citado. Aí se adianta que «as razões fundamentais residem na inexistência e ignorância dos mecanismos de produção, ... das regras de comportamento laboral e de mercado entre todos os agentes intervenientes no processo cultural, dos artistas aos programadores, na desorganização e na falta de planeamento de produção e organização de reportórios e criações».
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2. “Cultura sociedade anónima”
(a Culturgest abre a 10 Out.)
A NOVA sede da Caixa Geral de Depósitos, ao Campo Pequeno, não é só o maior edifício comercial em construção na Europa — é também o lugar de implantação de uma experiência de gestão cultural inédita em Portugal. A CGD, que tem mantido, nos últimos anos, uma larga mas discreta acção de mecenato, vai ter a partir de Outubro a sua própria «fachada cultural», inaugurando no seu faraónico palácio do Campo Pequeno, um centro de espectáculos e exposições com programação regular.
Não se trata de mais uma fundação, embora houvesse neste caso (ao contrário do que sucede em S. Carlos ou no Centro Cultural de Belém) uma rectaguarda financeira sólida assegurada pelo maior banco português. Para gerir aquela programação e os seus espaços próprios, e rentabilizá-los também através da organização de congressos e da venda de serviços, Rui Vilar criou uma empresa, a Culturgest — Gestão de Espaços Culturais, Sociedade Anónima. Os seus capitais pertencem em 90 por cento ao Grupo Caixa (CGD e a sua holding) e os dez por centos restantes são investidos pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. É uma lógica empresarial, mesmo que inevitavelmente sem resultados lucrativos, que presidirá às suas actividades.
Na respectiva administração encontram-se Manuel José Vaz, engenheiro com uma longa ligação ao S. Carlos (fundador do seu grupo de Amigos e durante três anos membro do conselho de administração, declarando-se, em 1991, indisponível para novo mandato), Fátima Ramos (ex-funcionária superior dos quadros da SEC, vice-comissária geral da Europália 91 e, mais recentemente, chefe de Gabinete de Teresa Gouveia na Secretaria de Estado do Ambiente), e ainda Luís Santos Ferro, em representação da FLAD.
É SÓ A 10 ou 11 de Outubro que se abrirão as portas da CGD/Culturgest, com um concerto inaugural e duas exposições simultâneas: a apresentação das obras de arte da colecção da própria Caixa e da grande mostra de fotografia que comemorou os 50 anos da agência Magnum e se encontra em digressão mundial desde 1989 (passou pela Hayward Gallery de Londres, Folkwang Museum de Essen, Stedelijk Museum de Amsterdão, Pallazo delle Expozioni de Roma, Museo Alinari de Florença, Palais de Tokyo de Paris, e está desde a passada segunda-feira no Centro Reina Sofia de Madrid, para citar apenas alguns pontos da viagem da sua «edição» europeia). As 300 fotografias da Magnum, «In Our Time» no seu título inglês, são uma indicação bastante do «fôlego» imprimido a uma programação que corresponde, de facto, à abertura de um novo polo cultural na capital.
Quanto à colecção de arte, mostrada apenas uma vez, em 1989, em instalações do Ministério das Finanças, ela foi entretanto sujeita ao reexame da sua representatividade, confiado a Fernando Calhau, iniciando-se depois um novo programa de aquisições. A colecção surgirá, portanto, já redefinida e ampliada.
Para Dezembro, continuando no capítulo das exposições, a programação promete uma mostra de 22 jovens artistas portugueses seleccionados por Fernando Pernes, «Imagens dos anos 90», em co-produção com a Fundação de Serralves e com passagem também por Chaves, e «Cem aguarelas de Egon Schiele», mostra com origem na colecção Sabasky, de Nova Iorque, organizada para celebrar o centenário do nascimento do grande pintor vienense (1890-1918).
Depois, anuncia-se um panorama da arte belga, «Resistências poéticas», também em colaboração com Serralves; «Máquinas de Cena», com cenários e adereços do grupo de teatro O Bando; uma mostra subordinada ao tema «Arte e dinheiro», paralela a um colóquio organizado no âmbito de Lisboa 94 e comissariada por Alexandre Melo, e, por fim, «Paraísos e outras histórias», novas séries ainda inéditas de pinturas de Júlio Pomar, também no quadro da programação da Capital Cultural.
A MÚSICA, a dança e o teatro serão outras áreas de programação regular, dispondo a sede da Caixa de um Grande Auditório com 700 lugares, plenamente equipado e com fosso de orquestra para 40 músicos, e de um outro mais pequeno com 150 lugares, vocacionado para conferências e espectáculos de cunho experimental. Entretanto, tal como no capítulo das exposições, também na programação da área dos espectáculos há duas constantes que podem ser sublinhadas: a programação a longo prazo (o que é raríssimo nas instituições nacionais) e a opção pelas co-produções, com abertura às circulações nacionais e internacionais (ver texto ao lado).
Significativamente, o segundo concerto previsto será de jazz, com a Big Band do Hot Club e um solista de renome, ficando assim provada desde logo a intenção de não restringir a agenda musical às áreas eruditas, mesmo que não se preveja a concorrência com os empresários do rock. O jazz, aliás, dará lugar imediatamente a um mini-ciclo dedicado à música americana, das raízes autênticas dos espirituais, do gospel ou do dixieland, aos grandes êxitos de Gershwin, Cole Porter, etc, segundo um programa da responsabilidade de Gary Gibbs, que é o animador cultural da Ópera de Houston. Mas os grandes acontecimentos do próximo ano serão a colaboração com a Capital Cultural num «Ciclo de Integrais» (32 concertos, de Janeiro a Novembro, sucessivamente dedicados aos quartetos e quintetos de Beethoven, Mozart, Bartok ou da Segunda Escola de Viena e ainda a obras solísticas de Schubert, Ravel e Bach) e, por outro lado, a divisão com a Fundação Gulbenkian da responsabilidade pelos Encontros de Música Contemporânea, em Maio.
Outros acontecimentos, reduzindo sempre o calendário aos grandes títulos, serão a apresentação em Maio da ópera Orfeu, de Walter Hus, encenada por Jan Lawers e que fez parte do Festival de Ópera Contemporâna de Antuérpia 93; um recital de obras de Rachmaninov por Sequeira Costa, por ocasião do lançamento de um disco gravado com a Royal Philarmonic Orchestra, patrocinado pela CGD, já em Novembro; e, em Outubro de 94, o acolhimento de um Concurso Internacional de Clarinete organizado pela RDP.
MAS a dança terá também um lugar destacado na programação do primeiro ano da Culturgest, a que não é alheia a presença de António Pinto Ribeiro como assessor artístico. Anuncia-se já a estreia mundial de uma coreografia de Vera Mantero (Sob) que inaugura um ciclo intitulado «Mediterrâneos» e irá depois encerrar a programação de dança de Antuérpia 93, numa co-produção com Tejo Trust e Ferme de Buisson. Depois, num outro ciclo dedicado à Dança do Séc. XX, seguir-se-ão espectáculos de solos em homenagem a Isadora Duncan, por Margarida Bettencourt, Miguel Pereira e Allison Green, sob o título genérico Atiro uma flecha pelo ar; mais tarde, um espectáculo de Meg Stuart, No longer ready made, numa alargada co-produção da Culturgest com os festivais de Klapstuk, Springdance, etc; uma Homenagem aos Ballets Russes, pela Companhia de Angelin Preljocaj; uma nova criação de Joana Providência com uma bailarina de Cabo Verde, a integrar num ciclo denominado «Novas mestiçagens»; Corol.la, de Angels Margarit; e, a encerrar o ano, a comemoração do centenário do nascimento de Martha Graham, ainda em coprodução com Lisboa 94.
Passando ao teatro, que terá menor expressão no primeiro ano devido à longa preparação de que necessita, alinhem-se os espectáculos Songo la Rencontre, de Vincent Mombachaka, com encenação de Richard Demarcy e actores da República Centro-Africana (ciclo «Multiculturalismo»); Miscelânia de Garcia de Resende, a encenar por Rogério de Carvalho e com vídeos de Daniel Blaufuks (em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos e no quadro do VI centenário do Infante D. Henrique); um ciclo de três encenações sucessivas da peça de Pirandello Esta Noite Improvisa-se, por Fernando Mora Ramos, Isabel Câmara Pestana e João Brites, em colaboração com Lisboa 94; e ainda «As Novas Marionetas», com o apoio do Théâtre de Marionettes de Paris.
Para além dos «workshops», ateliers de experimentação e colóquios, que acompanharão, por regra, a actividade da Culturgest, deve ainda destacar-se um programa original de leituras em voz alta, com debate final sobre os textos — nomes anunciados desde já são os de José Alberto de Carvalho, Eduardo Prado Coelho, Helena Amaral, Paulo Ferreira de Castro, Isabel Matos Dias, como leitores, e Musil, Joyce, Gertrude Stein, Adorno e Merleau-Ponty. O título geral será «La Liseuse».
3
"Eficácia empresarial", entrevista de Rui Vilar
Rui Vilar é o mentor do novo projecto cultural da Caixa, mas é ele próprio quem sublinha a independência empresarial e programática dos responsáveis pela Culturgest. As suas respostas a um questionário escrito definem, no seu medido laconismo, o quadro global em que se moverá «este novo tipo de gestão cultural», com a «preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial».
EXPRESSO — Com a inauguração da nova sede, a CGD vai alterar o modo como anteriormente praticou o mecenato cultural, constituindo-se como um dos polos culturais de Lisboa?
RUI VILAR — Não. A CGD não vai alterar no essencial a sua prática de mecenato cultural. Vai, outrossim, complementá-la com outras actividades artísticas e culturais cuja programação será da exclusiva responsabilidade da Culturgest.
EXP. — A criação da Culturgest é significativa de um projecto de gestão empresarial da cultura?
R.V. — A Culturgest foi criada como empresa com o objectivo principal de gerir de forma eficaz e planeada os recursos físicos disponibilizados pela CGD. Este novo tipo de gestão cultural pretende beneficiar directamente a cidade, a comunidade no seio da qual o Grupo CGD está implantado, os seus clientes e também, e de certo modo, os empregados do Grupo.
EXP. — Qual é o horizonte financeiro e qual a orientação predominante, em termos culturais, que lhe atribui?
R.V. — A programação das actividades culturais e artísticas da Culturgest é da responsabilidade do seu Conselho de Administração. A Culturgest é dotada de um subsídio anual que corresponderá a uma determinada percentagem da previsão de custos globais para cada ano e será medido em função do contributo efectivo para os objectivos previamente definidos. Segundo as linhas programáticas da Culturgest elaboradas pelo Conselho de Administração e já apreciadas pelo seu Conselho Consultivo, no horizonte imediato, a Culturgest orientar-se-á para uma programação que privilegia a interdisciplinaridade, o multiculturalismo, a criação portuguesa contemporânea e a reflexão em torno das ciências humanas.
EXP. — Como entende as responsabilidades sociais das grandes empresas e instituições bancárias no domínio da cultura?
R.V. — As empresas têm hoje a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento, em sentido amplo, das comunidades onde estão inseridas. A preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial não é contraditória com as actividades culturais: uma sociedade informada e criativa terá mais capacidade de entender e de realizar as transformações necessárias, designadamente no campo económico. Mas, como é também evidente, esta acção das empresas não desresponsabiliza, nem se substitui, ao Estado, aos demais agentes culturais, criadores e público.
1993
26 Jun. pp. 68-71, “Cultura sociedade anónima” (Culturgest abre a 10 Out). / “Entrar nos circuitos”, entr, c/ Manuel José Vaz e Fátima Ramos / Eficácia empresarial, ent. C/ Rui Vilar (I)
9 out 93 "A modéstia do gigante" (a colecção de Fernando Calhau) - (II)
Colecção da CGD, Arte Moderna em Portugal: "Contemporâneos” - 16 out , 6 e 13 nov. notas
(abertura) exp. Magnum 50 Anos, «Janela aberta» 16 Outubro - notas 23 e 30 out
24 Dez. “Schiele, o maldito”, p. 13
Imagens para os anos 90 (dd Serralves): INAUG. 6 dez. - nota 18 dez.
A COLECÇÃO DE FERNANDO CALHAU: "A modéstia do gigante" (uma colecção de tendência) - II
NA ABERTURA DA SEDE DA CULTURGEST/CGD
´
EXPRESSO - 9 out 93
"constituição de um acervo prioritariamente orientado para a actualidade, acompanhando os desenvolvimentos mais interessantes da criação artística dos nossos dias», Rui Vilar
Fernando Calhau (vindo da SEC e da antiga DGAC) à frente da colecção *
agrupando «autores que, embora pratiquem formulações estéticas diferentes, se aproximam conceptualmente»
a mesma área da «actualidade», entendida como a produção dos artistas afirmados desde meados de 70, e alargada a um ou outro artista tido por «precursor”, em que estão a actuar as várias instituições com intervenção neste terreno (Gulbenkian, Serralves e FLAD)
*(sobre Fernando Calhau, 1948-2002: foi artista (da geração de Júlião Sarmento e dele mt próximo; em sintonia com os programas da arte conceptual e minimalista, segundo a Wikipedia) e foi desde cedo funcionário da antiga SEC - actividade que a biografia no site da colecção Gulbenkian omite. Na administração cultural, ocupou cargos na Direcção-Geral de Acção Cultural, na comissão organizadora do Museu de Arte Moderna do Porto, na orientação da Colecção de arte contemporânea da Caixa Geral de Depósitos e no Instituto de Arte Contemporânea, que dirigiu entre 1997 e 2000. (** ver abaixo)
A PRIMEIRA exposição da colecção da Caixa Geral de Depósitos aconteceu em 1989 por iniciativa do Governo, num momento em que este promovia uma política muito voluntarista de estímulo do mecenato. O próprio Ministério das Finanças, a pretexto do seu bicentenário, reunira uma colecção própria (com contribuições alheias...) e mostrara-a sob as arcadas do Terreiro do Paço, antes de apresentar o acervo da Caixa. Na FIL, por esse tempo, a SEC montava uma Feira das Indústrias Culturais que não teria continuidade.
Serralves, que dava os primeiros passos, já tinha realizado exposições dedicadas às colecções da União de Bancos Portugueses (em 87) e do Banco Português do Atlântico (88). Nesse mesmo ano de 89, o Banco Hispano Americano fazia coincidir a sua ofensiva no mercado nacional com uma vasta exposição na Gulbenkian.
Outras operações do mesmo tipo se seguiram com a visita, também à Gulbenkian, da colecção da Telefónica de Espanha (um conjunto excepcional de obras de Chillida, Gris, Tàpies e Luis Fernández), e com a apresentação em Serralves da arte espanhola dos anos 50-80 pertencente à Caixa de Barcelona («La Caixa»), ambas em 91.
As colecções de empresa afirmavam-se então como uma realidade internacional de alguma importância, que se justificava por razões de representação social e publicidade de imagem, por opções de investimento e, em especial, por recentes concepções de responsabilização cultural que pareciam substituir parcialmente o tradicional coleccionismo mecenático praticado pelos ricos amadores de arte. Tal circulação de exposições abrandou nos anos seguintes (como muitas outras coisas no domínio da Cultura), mas já no início do programa de Lisboa'94 se irá ver no CCB a colecção de arte francesa contemporânea da Caisse des Dépots et Consignations, de Paris.
O QUE a CGD mostrou em 1989 era uma escolha de 60 pinturas e esculturas de outros tantos artistas contemporâneos (ou, pelo menos, ainda vivos), seleccionados do total de 204 (!) autores representados na sua colecção. A montagem inábil agravava a dificuldade de entender uma exposição que parecia guiar-se, tal como a colecção, pelo princípio de não fazer escolhas: seguia-se o princípio de mostrar apenas uma obra de cada artista, maior ou menor, ao longo de uma sucessão de gerações que vinha dos anos 30 até às revelações da década de 80.
Alguma crítica lamentou o que através
dessa mostra se podia reconhecer como uma ausência de critérios de
colecção, dispersando-se as compras com a ambição de incluir um pouco de
tudo e de todos, de modo a satisfazer os vários níveis que estruturam o
mercado da arte e sustentam a diversidade dos gostos. Era também
possível considerar, então, que uma instituição financeira com a
dimensão da Caixa tinha obrigação de se aventurar no mercado
internacional, trazendo para o país obras e autores ignorados ou fora do
alcance dos museus nacionais.
A
colecção tinha-se iniciado em ritmo lento sete anos antes e cresceu com
o «boom» da segunda metade da década, mas esforçara-se por evitar a
exposição pública e a curiosidade jornalística. As aproximações tentadas
pela Imprensa esbarravam com a vontade de evitar controvérsias
críticas, bem como com o receio de chocar os «clientes» sujeitos às
duras mensalidades dos empréstimos com a aplicação das suas economias em
obras de ostentação mais ou menos artística.Com
a inauguração da nova sede, pesadelo faraónico cuja absurda
arquitectura se espera que seja para sempre inultrapassável, esse
segundo tipo de preocupação deixou de ter pertinência. Pelo contrário,
tornou-se até necessário contrariar, graças ao lançamento de um programa
de actividades que possam ser consideradas socialmente úteis, a péssima
imagem pública que a CGD adquiriu com o gigantismo exibicionista do
edifício. É com a criação de um centro cultural na sede da CGD - que
será gerido pela Culturgest como um conjunto de equipamentos também
parcialmente rentabilizáveis na área dos congressos e serviços afins -
que a colecção de arte, remodelada nos seus critérios, volta a surgir a
público.Entretanto, com a
abertura do edifício vai tornar-se bem visível que o universo da CGD é
atravessado por sensibilidades ou opções culturais contraditórias. Para
além da própria arquitectura, a decoração interior, na qual se fizeram
avultados investimentos em obras de arte (encomendadas a Lagoa
Henriques, Sá Nogueira, Júlio Pomar, Júlio Resende, Sebastião Rodrigues,
Eduardo Nery, Graça Morais, Fernando Conduto, Charrua, etc., com
resultados de muito desequilibrada eficácia), é o resultado de critérios
estéticos manifestamente divergentes dos que se revelarão na exposição a
inaugurar na segunda-feira.
DE FACTO,
é a uma profunda reformulação da colecção de arte da CGD que se irá
assistir. A parir de 1991 e já por iniciativa de Rui Vilar, procedeu-se à
inventariação e reavaliação do património antes reunido, tarefa de que
se encarregaram Fernando Calhau e Margarida Veiga, funcionários da SEC
com intervenção no sector das artes plásticas. No ano seguinte, as
aquisições foram reactivadas sob a responsabilidade de F. Calhau e com
base nas recomendações resultantes desse estudo. A orientação actual
definiu-se “no sentido da constituição de um acervo
prioritariamente orientado para a actualidade, acompanhando os
desenvolvimentos mais interessantes da criação artística dos nossos
dias», conforme escreve Rui Vilar no catálogo.
São
agora 14, apenas, os artistas expostos, mas com várias obras cada um:
Pedro Cabrita Reis, Julião Sarmento, Pedro Sousa Vieira, Rui Sanches,
Álvaro Lapa, Graça Pereira Coutinho, Gaetan, Gerardo Burmester, João
Jacinto, Michael Biberstein, José Pedro Croft, Pedro Casqueiro, Alberto
Carneiro e Vítor Pomar (a ordem segue a do percurso expositivo). Segundo
F. Calhau, o conjunto constitui-se como «uma opção pessoal assumida mas
não estática», agrupando «autores que, embora pratiquem formulações estéticas diferentes, se aproximam conceptualmente». Outros núcleos e diferentes abordagens da colecção surgirão em exposições futuras.
A
responsabilização individual de um único comissário e a clarificação
das opções postas em prática são dados abertamente positivos da nova
orientação. Mas, enquanto se aguarda o contacto directo com a exposição,
há algumas interrogações a colocar:
Não é
precisamente na mesma área da «actualidade», entendida restritivamente
como a produção dos artistas afirmados desde meados de 70, e alargada a
um ou outro artista tido por «precursor”, que estão já a actuar as
várias instituições com intervenção neste terreno (Gulbenkian, Serralves
e FLAD)? Não é esse mesmo o campo mais acessível ao coleccionismo de
pequena escala, em termos de disponibilidade de obras e de prelos de
mercado?
Não está em curso uma
uniformização das colecções em torno de um pequeno núcleo de artistas
«dos nossos dias», os quais serão certamente as primeiras vítimas do
excesso de visibilidade institucional? Não caberá às grandes
instituições uma prática aquisitiva menos dependente das conjunturas, ou
mais distanciada da lógica das consagrações, revelações e promessas?
Não terá uma instituição como a CGD, com a imensidade dos seus recursos,
a responsabilidade de intervir num plano menos circunstancial da
circulação artística, definido já não pelas regras de uma actualidade
apenas sazonal mas pela avaliação da excepcionalidade e importância
histórica das obras concretas? Não lhe caberia actuar decididamente como
comprador no terreno de um coleccionismo menos imediatista, em vez de o
deixar, mais uma vez, à responsabilidade dos grandes colecionadores
privados e inviabilizar assim o destino público dessas mesmas obras? Num
nível de ambição e de responsabilidade cultural ainda mais elevada, não
seria possível que a Caixa definisse também uma vocação forte no campo
da arte internacional?
Não são excessivamente modestas as ambições do gigante?
publicado no dossier
MERCADOS: Empresas na infância da arte, Alexandre Coutinho / Vitor Andrade
“Bem publicitar”, Vitor Andrade
“A maioria das empresas e instituições continua a investir pouco na
aquisição de obras de arte. Caso especial, se bem que discutível, é o da
CGD"
Pp. 41-44

** F. CALHAU: uma longevidade gestionária com mais de 20 anos, que atravessou sucessivos governos a partir da Divisão de Artes Plásticas da Direcção-Geral de Acção Cultural da antiga SEC, criada em 1976.
Um
itinerário que passou pela «Alternativa Zero», em 1977; pelas Bienais
Internacionais de Desenho de 79 e 81; «Depois do Modernismo», em 83, e
os primeiros anos da galeria Cómicos, continuando com intervenção em
opções de subsidiação, aquisição e selecção coordenadas ao longo dos
anos.
Toda uma história de
animação e gestão pública centralizada, que se identificou com
orientações estéticas determinadas e também com cumplicidades pessoais e
geracionais, graças à coesão inicial de uma equipa que contou com Julião Sarmento, Margarida Veiga, Cerveira Pinto e outros.
(Também com João Vieira, Nikias Skapinakis, Rogério de Freitas, Victor
Belém (?) e outros.) Ainda em funções na SEC, Calhau, Margarida Veiga e
Delfim Sardo criam a empresa Modus Operandi que prestaria serviços de
produção (espécie de braço executivo de várias entidades) - os dois
primeiros deixam a empresa por outras actividades e D. Sardo continua-a
por algum tempo.
As
intervenções de F. Calhau nas comissões de compras de obras para a SEC,
para Serralves, depois também para a CGD, bem como a concertação de
acções com outras entidades públicas, mantiveram uma condução
crescentemente unificada das políticas do sector, já ao longo dos anos
90.
Tal
continuidade traduziu-se por um lado em êxitos de promoção de artistas
no país e no estrangeiro, mercê da concentração de investimentos em
calculadas estratégias de longo prazo. Mas por outro lado foi-lhes
subordinados o crescimento e a abertura pluralista do campo da arte, bem
como a consolidação de uma retaguarda histórica e esteticamente
informada, prejudicando-se a transparência dos critérios de selecção em
favor de segmentos oficializados da arte nacional, que se apoiaram em
anos mais recentes em chocantes situações de promiscuidade entre
artistas, críticos, funcionários e directores, exercendo papéis
rotativos. A concentração dos meios teve êxitos, mas instalou um clima
de suspeição face aos poderes oficiais, estreitando a capestreitando a
capacidade de diálogo com outros agentes. Adaptação de "O estado da arte do Estado", Expresso Cartaz 24/2/2001.
Egon Schiele, 100 aguarelas col. Sabarrsky: INAUG. 15 dez.
EGON SCHIELE
“Schiele, o maldito”
24 dez. 93 - p. 13

Cem aguarelas trazem-nos um artista maldito que foi uma das máximas expressões do modernismo vienense. A apresentação da obra de um clássico do século XX é um acontecimento de excepção, com que a Culturgest alcança o primeiro plano entre as instituições culturais e esconjura uma aparente condenação portuguesa à exterioridade das grandes circulações internacionais.
Schiele, hoje, é ainda o escândalo de uma sensualidade ao mesmo tempo dramática e provocante, cruamente inscrita em corpos atormentados pela violência do sexo e da morte. A memória das condenações do seu tempo não é, neste caso, uma informação anedótica, mas sim um convite a aprofundar o contacto com uma obra que continua a ser polémica: deverá notar-se que esta própria antologia apresentada por Serge Sabarsky, itinerante desde 1990 e feita de peças de colecções particulares americanas, não é inteiramente exemplar da manifesta obscenidade de tantos dos seus mais notávels desentos. O comissário e historiador é antes um paladino da “normalidade» de Schiele, como se pode ler no texto do catálogo, onde se esforça por distanciar a temática» daquilo a que chama “o talento» e «a forma de desenhar”: desse modo, a selecção e o comentário são ainda processos de repressão que dão sequência ao conhecido episódio da prisão de Schiele, em 1912, acusado de corrupção de menores e depois condenado por pornografia.
Se Klint perturbou antes a sociedade vienerse foi porque a sua obra vinha afirmar a relatividade da razão perante os paladinos da ciência e do progresso, em pleno recinto universitário. Schiele, contemporâneo de Freud, vai mais longe quando deixa o reino utópico do erotismo natural e estetizado do seu mestre para fazer do corpo nu um lugar de fascínio e uma ferida aberta, abismo de exasperação e angústia, onde mesmo a plenitude física pode ser já sinal de solidão e de morte. Os corpos amputados, as figuras descamadas, as peles doentias, as mãos angulosas, são aqui um exercício de desfiguração que é revelação de um misterioso e incontornável mal. (Até 13 Fev.)

01 ago 93 ?
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aguarelas de colecções particulares americanas, numa exp. que é uma
raríssima oportunidade de contacto directo, em Portugal, com um artista
maior do século XX. A revalorização recente do modernismo vienense, com
características muito diversas dos messianismos vanguardistas que lhe
foram contemporâneos, teve um papel essencial na revisão das concepções
lineares sobre o «progresso» da arte que foram durante muito tempo
predominantes. De facto, Schiele não é um expressionista identificável
com os alemães de «Die Brucke» ou «Der Blaue Reiter», nem é a atracção
pelo primitivismo que marca o seu trabalho obsessivo sobre a figura. Nos
seus desenhos, onde os corpos são tantas vezes desarticulados e
amputados, angulosos e descarnados, inscritos em poses encenadas nas
duas dimensões do suporte sem qualquer notação de enquadramento
espacial, exprime-se um mal-estar e uma provocação adolescente que é uma
das mais extremas experiências do erotismo não «voyeurista», revelador
da proximidade entre a sexualidade e a morte, como ao mesmo tempo
demonstrava Freud. A prática realista de Schiele é um radical exercício
sobre um tema maior da arte, o corpo, próprio e alheio, servido por um
excepcional virtuosismo oficinal.
"Não há novos" -18 dez Imagens para os Anos 90, Culturgest e 15 e 22 jan 94
“Não há novos”
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Casa de Serralves - 07-08-93 pág 13
Pelo terceiro ano consecutivo a Fundação de Serralves apresenta durante o Verão uma colectiva com repercussão nacional e com intencional sentido polémico, numa sequência que se vai constituindo como uma referência indispensável no panorama artístico português, embora naturalmente construída por momentos de desigual importância. Este ano foi o próprio director artístico de Serralves, Fernando Pernes, que se reservou a função de comissário (depois de a ter atribuido a Bernardo P. Almeida e a Alexandre Melo, em 91 e 92), conferindo à mostra um duplo projecto de sinalização de mudanças entre as décadas de 80 e 90, e, por outro lado, de revelação de jovens artistas e de outros menos jovens mas de também recente originalidade criativa.
Se o título do seu texto no catálogo ("O espaço e a hora da juventude") reforça a componente de revelação de jovens artistas, deve dizer-se que afinal eles escasseiam na exposição, onde apenas um (Rui Serra) tem menos de 26-27 anos (idade de Paulo Mendes, João Tabarra e André Magalhães). A média etária é de facto muito alta, superior a 30 anos, e sucede até que um número considerável de nomes volta a surgir como jovem depois de uma "revelação" ocorrida já uma década antes (por exemplo, em "Novos, Novos", de 1984, figuravam António Olaio, Catarina Baleiras, Fernando Brito e J. Paulo Feliciano).
A exposição falha, portanto, no seu propósito de revelação dos jovens dos anos 90, embora não fosse difícil acrescentar-lhe vários outros nomes já postos em circulação através de exposições recentes - aliás, Pernes avisa enigmaticamente que a exp. "sofre de várias ausências (pela nossa parte involuntárias)". Mais preocupante é que a visibilidade ou autoridade de alguns novos nomes se demonstre insuficiente, em parte por ser demasiado escassa a sua representação, mas também por um excessivo ecletismo da selecção - é, pelo menos, o caso de Pedro Andrade, André Magalhães, Fernando José Pereira, Baltazar Torres, Carlos Vidal, João Louro e Nuno Santiago.
Notar-se-á, entretanto, que o próprio processo de "prospecção" de novos artistas ou de novas situações artísticas tem sido até agora liderado por críticos e artistas vindos de anteriores gerações, numa dinâmica que em grande parte corresponde a um esforço de conservação de protagonismos numa situação de passagem da década, enquanto são quase inexistentes as iniciativas próprias dos jovens artistas e não ocorre a afirmação de novos críticos com eles geracionalmente identificados. Foi esse, em 1983, o caso de "Depois do Modernismo", tal como, mais recentemente, sucede com as exposições do "Centro Cultural de Lisboa", lideradas por "artistas dos anos 80" (continuando a usar-se, por mero jogo, este tipo de classificações).
Em Serralves, o mesmo se passa, com a condicionante de F. Pernes usar uma grelha ainda mais marcada pelo seu tempo próprio, ao procurar nos anos 90 a renovação do "diálogo com a rebeldia juvenil dos anos 60". Na referência ao "retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e revolta" ele estará duplamente equivocado: na consideração dos reais problemas que atravessam a actualidade artística e no que entende ser "o papel mais adequado ao projecto interventivo" de um centro institucional e museológico.
Genericamente, e sem lugar a surpresas, a colectiva de Serralves é marcada pela reafirmação (ou mera sinalização de presença) de artistas muito diferentes entre si e com notoriedade já reconhecida, sem que qualquer carácter geracional ou problemática comum efectivamente se imponha: João Paulo Feliciano e Daniel Blaufuks, ambos com as presenças mais afirmativas, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Sebastião Resende e Pedro Sousa Vieira. Numa segunda linha, autonomizável desde logo pela ocupação maioritária do piso superior, destacam-se os trabalhos de Fernando Brito, Paulo Mendes, Miguel Palma e João Tabarra, num quadro mais colectivo de intervenção em que imperam o "achado" e a anedota ou a citação-simulação, onde a possível reflexão se expressa maioritariamente como irrisão. Se a eficácia de alguns trabalhos os coloca também no primeiro plano da exp., ela não basta para caracterizar uma mudança sensível de conjuntura nem mesmo para confirmar autorias. É este em especial o caso de Rui Serra, que não conseguiu resolver o complexo problema de ocupação de espaço que se propôs.
Três autores que utilizam a fotografia, André Gomes, Luís Palma e Valente Alves, figuram também na colectiva. No catálogo deverá ler-se um notável texto de João Pinharanda, que constitui uma desmontagem de alguns dos conceitos convocados pela própria exposição.
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Serralves - ver caixa de 08-07-93 E 28-08-93 nota
Sob
um título que pretende ter eficácia jornalística, reúnem-se duas
estratégias expositivas que ficam por compatibilizar. Numa delas
agregam-se, de modo confuso, algumas mais ou menos novas presenças
fortes com outras obras que são sinais de percursos que têm sido objecto
de menos atenção mediática ou tido mais lenta afirmação; na segunda
apresentam-se artistas recentemente vistos na Galeria Quadrum, com
sentido de grupo mas variada eficácia. No catálogo, entretanto,
propõem-se confrontos simplistas entre os «anos 80» e os «anos 90», e
Fernando Pernes comete uma leviandade crítica notória ao caracterizar a
década anterior pela «valoração da eficácia mercantil, da
espectacularidade formal e da consequente conotação da operatividade
profissional à efemeridade da moda» — são fantasmas que deveriam ter
ficado arrumados na prateleira dos «anos 60». João Paulo Feliciano,
Daniel Blaufuks, Sebastião Resende, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa,
Pedro Sousa Vieira, Fernando Brito, Paulo Mendes, João Tabarra e Miguel
Palma destacam-se por motivos vários desta colectiva que se verá mais
tarde em Chaves e em Lisboa, na nova sede da CGD.
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Sede da CGD/Culturgest - 18 dez.
Na
apresentação lisboeta desta colectiva de Serralves, comissariada por
Fernando Pernes, perderam-se as obras de Miguel Angelo Rocha e Miguel
Palma, por razões de espaço no primeiro caso e por desentendimento entre
o artista e a instituição, no segundo; entretanto, Catarina Baleiras
reforçou a sua presença com uma peça não vista no Porto. Estão ainda
presentes Sebastião Resende, Pedro Sousa Vieira, Joana Rosa, Fernando
José Pereira, Pedro Andrade, André Gomes, Manuel Valente Alves, André
Magalhães, Baltazar Torres, Nuno Santiago, Luís Palma, Daniel Blaufuks,
António Olaio, Fernando Brito, João Louro, Carlos Vidal, João Tabarra,
João Paulo Feliciano, Paulo Mendes e Rui Serra.
Quanto à presente
mostra, em primeiro lugar, é preciso salientar as deficiências do átrio
inclinado da CGD como local de exposição. Em segundo lugar, é de notar
que o desequilíbrio das condições de visibilidade existente no Porto em
benefício de um subgrupo organizado de artistas e em desfavor dos
restantes (o que conduziu, aliás, ao abandono da exposição por alguns
outros convidados) evoluiu agora para uma equitativa repartição das
(más) condições de espaço. Reforça-se, assim, uma impressão de
pluralidade de atitudes e direcções individuais, que, de modo algum,
sinaliza uma ruptura significativa entre as décadas de 80 e 90, tanto
mais que não se podem entender os anos 80 como uma conjuntura única e
coerente.
Ao reunir jovens e menos jovens artistas, com ritmos de
aparecimento público e de afirmação criativa muito diferenciados, esta
exp. não define uma nova situação colectiva (que actualmente não existe
em termos unívocos), não propõe a revelação de novos autores (e, por
exemplo, sacrificara a aparição de Pedro Andrade), nem permite a
sistematização das eventuais problemáticas emergentes (até pela ausência
de alguns outros grupos mais ou menos informais que se podem
identificar em torno da Monumental II, Ar.Co e gal. Alda Cortez).
Todos
os equívocos desta pacífica colectiva nasceram, em primeiro lugar, da
atrás referida desigualdade de condições de exposição e, principalmente,
do teor polémico dos textos de F. Pernes e A. Cerveira Pinto incluídos
no catálogo. Por outro lado, é curioso observar o nervosismo que
acompanha agora qualquer iniciativa institucional: o que mais importa
não é a recepção crítica e de mercado, mas sim a entrada nos lugares do
poder. (Até 30 Jan.)
25 jan – «A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» (arte belga) "Visões / ficções"
28 ? —Júlio Pomar, «Paraísos e Outras Histórias» (Lx 94)
CULTURGEST 1994 / 96 - ARTISTAS BELGAS,
GONZALEZ
COBRA,
WESSELMANN
NAM JUNE PAIK
ARTE BELGA
Culturgest -EXPRESSO 09-04-1994
Não é apenas o contacto directo com obras históricas — Wiertz, Khnopff, Magritte, Broodthaers, etc — que assegura a importância excepcional desta exp., mas também a possibilidade de contestar uma história canónica de tradição francesa que se construiu sobre o escamotear de obras não redutíveis ao «progressismo» positivista de um caminho linear (realismo-impressionismo-Cézanne-cubismo-abstracção...) exigido pelas leituras formalistas e essencialistas da modernidade. Com a ocultação do simbolismo (que teve uma das suas afirmações mais estruturadas em Bruxelas, com outro polo nos Salões Rosa Cruz de Sâr Paladan, em Paris, entre 1892 e 1897) é a questão do sentido que foi sendo desvalorizada em no terreno das artes plásticas em favor de uma crescente e cada vez mais esvaziada auto-referencialidade da arte — a confrontar com a exp. «Pulsares», no CCB, que constitui um exemplo paradigmático e terminal desse destino. Os núcleos temáticos explicitados no título, «A Máscara, a Mulher, a Morte», não configuram uma estratégia ilustrativa; definem, pelo contrário, através da passagem pelo surrealismo não ortodoxo e do encontro com três autores contemporâneos (Charlier, François e Corillon), uma leitura das «resistências poéticas» que podem estar na base de atitudes criativas actuais e produtivas.

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JULIO GONZÁLEZ
Culturgest/CGD - EXPRESSO 20-04-94
Depois de ter mostrado os desenhos de Modigliani e de Egon Schiele, a Culturgest apresenta a obra gráfica de outro artista da primeira metade do século e que com o primeiro partilhou círculos parisienses. Os desenhos vêm da colecção do Centro Rainha Sofia, de Madrid, e são testemunho de um itinerário particularmente atípico, em grande parte justificativo do seu relativo e injusto desconhecimento internacional até tempos recentes. González nasceu em Barcelona em 1876 e instalou-se em Paris em 1900 seguindo uma honrada carreira de ourives e de pintor, até se revelar, já no final dos ano 20, como um dos mais inventivos escultores do século, responsável por um inédito entendimento escultórico do vazio e por novos processos de soldadura do ferro que associaram desenho e escultura. A colecção distribui-se por um horizonte cronológico que vai de 1904 a 1941 (JG morreu no ano seguinte), documentando toda uma produção inicial cujo classicismo é identificável com o «noucentismo» que em Barcelona sucede a um modernismo Arte Nova, antes do desenho se afirmar especialmente como um meio de experimentação para o trabalho da escultura. Entretanto, a montagem da exposição revela-se particularmente sugestiva ao iniciar-se por um conjunto de auto-retratos tardios que reafirmam a autonomia própria do desenho e terminar com a expressividade dramática dos últimos estudos para a figura de Monserrat, enquanto a zona média exemplifica extensamente a pesquisa formal conduzida na fronteira da abstracção. Através de um balanço constante entre tradição e inovação, entre o desenho do natural e o projecto analítivo-construtivo, entre o visto e o estilizado, sempre conduzido à margem das afirmações de virtuosismo, o percurso de González não se deixa reduzir à condição de um «desenhador de novas formas».