terça-feira, 5 de junho de 2007

João Francisco 2007 2008 : O arqueólogo amador (111)

1

 

sem título - arca de Noé - 2007 - grafite sobre papel, 100 x 210 cm. / untitled - Noah's ark

depois do dilúvio - after the deluge

Antigo Mercado, Ourique
8 -15 June, 2007

exposição colectiva com/group show with: Luísa Jacinto, André Romão, Filipe Oliveira, Gonçalo Sena, Luís Filgueiras, Maxime Berthou, Miguel Gomes, Miguel Pacheco, Nuno Luz.
curadores/curators: Ana Lúcia Nobre, Miguel Gomes.

2


sem título - sob observação - 2007 - acrílico sobre papel, 140 x 200 cm. / untitled - under observation

 finalistas de desenho - senior students of drawing - (fbaul) 2006/2007

Ministério das Finanças, Lisboa

January 2008


3


sem título - a derrocada - 2007 - óleo sobre tela, 146 x 120 cm.
untitled - the downfall

 finalistas de pintura - senior students of painting - (fbaul) 2006/2007

Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa

January/February 2008

4


sem título - destroços; sem título - livros e cabeças; sem título - o tempo; sem título - a barricada (2008)
untitled - flotsam; untitled - books and heads; untitled - the time; untitled - the barricade (2008) 

 o arqueólogo amador (e outras naturezas mortas) - the amateur archaeologist (and other still-lifes)

Galeria 111, Lisboa

10 may to 14 june 2008








sábado, 5 de maio de 2007

Sara Maia, 2007

 A exposição "Dog's Sleep" na Sala do Veado 

"O excesso necessário"

in EXPRESSO/Actual de 5 Maio 2007

Fomos deixando de saber que a pintura é também um meio de contar histórias, e cada vez que o descobrimos - tem de ser sempre de maneira diferente - o escândalo é maior. É essencial que por esse contar histórias se entenda algo de diferente da ilustração, por mais que se preze a prática do ilustrador que verte em imagens, à sua maneira, a ficção escrita, em geral por outrem. É essencial que as histórias que se contam, as personagens que se constroem, os fantasmas e as fantasias que se soltam cresçam da realidade material da pintura, inscritas no seu fazer, sem que a tradução por palavras (prévia ou posterior) esgote os sinais visuais e sem que os seus sentidos possíveis se congelem numa narrativa estabilizada.



Sara Maia, "O Colo"


Há uma ameaça incontrolada que reside na imagem, no primado do visual antes da fala, que resiste à formulação oral, e é esse indizível - associado ao estranho poder de criar mundos e seres que os povoem - que justificou as suas inúmeras condenações. À rejeição da figura pelo esoterismo simbolista e depois vanguardista, por ela ser incapaz de representar a ideia de absoluto, ou à recusa da pintura como meio, para ser fim em si mesmo, confundindo liberdade de criação com a esvaziada autonomia do medium, associaram-se conceitos de modernidade que reeditavam os interditos iconoclastas e espiritualistas lançados contra as imagens. Elas regressam sempre com novo poder de perturbação.

Com as histórias de Sara Maia libertam-se outra vez fantasmas que partilhamos como nossos. Há cerca de dez anos, a sua pintura afirmava-se pondo em cena relações de poder e crueldade onde o absurdo explícito se reconhecia não como sonho maléfico mas como realidade mais primitiva e mais íntima. Houve figuras que pairavam como que num magma inicial e comum, antes de ganharem autonomia física e espaço próprio. Houve depois teatros que faziam revisitar a tradição do imaginário diabólico e fantástico (Bosch) e a verve caricatural pós-Dadá (Grosz, Dix), sem que essa circulação culta diminuísse a intensidade ficcional das obras.

Agora, Sara Maia aprofunda a raiz popular desses realismos grotescos (há algo de ex-votos nas suas telas) com figuras que se destacam sobre fundos lisos em situações mais cruas e nítidas, assim mais desafiadoras e incómodas. Duas figuras femininas isoladas (A Santa das Garrafinhas e Rainha em Campânula de Vidro) aparecem como imagens de veneração, com os seus estigmas de doença e pesadelo. Quatro casais (A Fingida, O Colo, A Ceia e Ovelha Negra...) traçam um roteiro do convívio conjugal, com os seus rituais de sobrevivência, as suas máscaras, os enredos e engodos. Dois outros quadros referem o triângulo familiar, ambos protagonizados por uma «boa filha». Quem se reconhece nestes retratos ficcionais?

Sara Maia fornece-nos ela mesma o guião e as chaves das suas imagens para tornar mais real a nossa incerteza face ao que vemos. Apesar de haver diversos exemplos anteriores em que o imaginário revelado só poderia ser feminino (Frida Kahlo, Louise Bourgeois, Ana Mendieta, Paula Rego, etc.), ela usa a efabulação e a necessidade do excesso como ninguém o fez antes.

"

No mm Expresso/Actual de 5 de Maio, um retrato da artista por Cláudia Galhós

sábado, 23 de setembro de 2006

1994, 2006, Sommer Ribeiro

 Sommer Ribeiro, a Gulbenkian, o CAM

...a propósito da exposição "50 Anos de Arte Portuguesa" e dos 50 anos da Gulbenkian... porque faltam alguns dados para se fazer a história.

1 . Em 28/05/94 referi no Expresso  a saída por reforma do arq. José Sommer Ribeiro do Centro de Arte Moderna, que dirigira desde o início (1983):
"CAM: passagem de testemunho"

2 . e a 23/09/2006 publiquei uma brevíssima notícia necrológica

Sommer Ribeiro (1924-2006)

#

Também se pode ver, no Diário de Notícias de 20 de Julho de 1981, em página inteira, n.n. ("Reportagem"):

"No 25º aniversário da Fundação
SEGUNDO MUSEU GULBENKIAN É DEDICADO À ARTE MODERNA"

publicado na véspera da inauguração da exposição "Antevisão do Centro de Arte Moderna", com base numa entrevista com Sommer Ribeiro, defenindo-se aí o respectivo programa e recordando-se as vicissitudes que conheceu o seu projecto.

1 .

Image2

2. Sommer Ribeiro (1924-2006)
23-09-2006

"Director e administrador da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva, desde a sua inauguração em 1994, José Sommer Ribeiro faleceu no dia 16, em Lisboa, vítima de cancro. Foi também o primeiro director do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian (FG), entre 1983 e 94, e em ambos os casos esteve desde o início associado à definição dos respectivos projectos e à sua instalação. Anteriormente, dirigira o Serviço de Exposições e Museografia da FG, criado em 1969, mas a ligação a esta instituição iniciara-se logo no ano da sua criação, em 1956, ao participar na equipa que lançou os primeiros estudos relativos à construção da futura sede.
Nascido a 26 de Junho de 1924, em Lisboa, José Aleixo da França Sommer Ribeiro, que se formara em arquitectura em 1951, teve um papel decisivo na renovação e abertura do panorama artístico nacional ao longo de várias décadas, com independência face às diversas tendências e gerações. Na Fundação Gulbenkian, sobre a qual gostava de dizer que entrara como soldado raso e saíra como coronel, contou com uma relação pessoal de grande confiança da parte de Azeredo Perdigão, o que lhe foi permitindo lançar sucessivos projectos na área das artes plásticas.
Para além da organização de centenas de exposições, e em especial de numerosas retrospectivas, teve uma participação muito influente na aquisição pela Gulbenkian do acervo de Amadeo de Souza-Cardoso e de parte significativa da colecção de Jorge de Brito, bem como na criação da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva."

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

2003, 2006, Jorge de Brito

 Jorge de Brito, a colecção e a Gulbenkian

sábado, 1 de abril de 2006

2006, 1956-2006, Gulbenkian

 Gulbenkian 1956-2006

Fundação Gulbenkian, na comemoração dos 50 anos

"Os primeiros anos"

Expresso/Actual de 01-04-2006

O tempo da inauguração da Sede é já o do marcelismo. Os inícios da Fundação datam de meados da pesada década de 50. Salazar aprovou-a num decreto onde frisa que Calouste Sarkis Gulbenkian escolheu Portugal porque apreciava «a tranquilidade que entre nós se desfruta e estimava o que há de estável nas instituições e no equilíbrio social». O recado era claro. Na administração, o liberal Azeredo Perdigão tinha à sua volta vários dignitários do regime (Pedro Teotónio Pereira, Francisco Leite Pinto, etc.). Mas é entre 1956 e 69 que se constrói a imagem mítica da FG como um estado dentro do Estado.

Logo em 1957 abre a 1ª Exposição de Artes Plásticas da FG, na SNBA, com polémicas públicas entre tradicionalistas e modernos. A 2ª fez-se em 61, na FIL, mais pacificamente, e ficou sem continuidade. Também em 57 inauguravam-se os Festivais Gulbenkian de Música, descentralizados e repetidos anualmente até 1970. Mais discretamente, a atribuição de bolsas para graduações no estrangeiro começara logo em 56, e abrem-se os primeiros concursos anuais em 58, abrangendo as ciências, as letras e as artes. O país não era exactamente um deserto (as dinâmicas associativas tinham então grande importância, sem paralelo num presente em que quase tudo depende do Estado e do mercado), mas abria-se um outro espaço público, semi-oficial, à margem do regime e do seu Secretariado Nacional de Informação (o SNI). Improvisava-se uma espécie de Ministério da Cultura alternativo ao que ainda não existia.

Também em 57 tem início o projecto do «Corpus da Azulejaria em Portugal», de Santos Simões, a que se seguiriam os inventários da Talha, da Pintura Maneirista, dos Solares. Lança-se no mesmo ano a construção do Instituto Calouste Gulbenkian do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e também o projecto do Planetário em Belém. Muitos outros laboratórios, centros de investigação, serviços hospitalares vão depois receber subsídios para equipamentos e edifícios. Apoiam-se restauros de igrejas, museus regionais, cine-teatros, asilos, residências para estudantes, etc.

Distribuída por Paris, Washington e Londres, a colecção do Fundador é trazida para Lisboa entre 58 e 60, ao cabo de difíceis trâmites jurídicos. Apresenta-se em Paris, Lisboa e Porto, entre 60 e 64, até se instalar no Palácio Pombal em Oeiras, em 65, onde as inundações de 67 farão estragos. Em 58 arranca o Serviço de Bibliotecas Itinerantes, com as primeiras 15. E também o Centro de Estudos de Economia Agrária, seguido em 61 pelo Instituto Gulbenkian de Ciência.

A revista «Colóquio» começa em 59, sob a direcção de Reynaldo dos Santos e Hernâni Cidade. Em 60 abre a Casa de Portugal na Cidade Universitária de Paris (o Centro Cultural de Paris em 65). Em 61 apresenta-se a «Arte Britânica do Século XX», na SNBA, e inicia-se a itinerância pelos Açores e Madeira, depois pelo continente, de mostras de Arte Portuguesa Contemporânea, o que dá lugar a algumas aquisições de obras. Em 65, «Um Século de Pintura Francesa», na FIL, acolheu 100 mil visitantes.

Em 62 tinha arrancado a Orquestra, à partida apenas uma formação de câmara de 13 elementos; o Coro surge em 64; o Grupo Gulbenkian de Bailado em 65, a partir de um anterior Grupo Experimental de Ballet. Entre 62 e 65 atribuem-se Prémios de Crítica de Arte. Em 64 decorre o 1º Ciclo Gulbenkian de Teatro, em 33 localidades; o 2º é só em 71, o 3º e último em 72, mas lembram-se as digressões do Piraikon Theatron em 63 e 68, do Piccolo Teatro de Milão e do Nô japonês em 67. Pelo caminho, tinha-se subsidiado o Teatro Experimental do Porto e o Teatro Moderno de Lisboa (o apoio ao cinema e as grandes retrospectivas são já dos anos 70).

Viriam a conhecer-se em 1975 balanços muito críticos do passado da Fundação, quando, por momentos, pairou a ameaça da estatização. Houve compromissos com o regime e contornaram-se algumas das suas proibições. Entre a prudência e o risco, sob o comando pessoal, por vezes autocrático, de Azeredo Perdigão, a FG ajudara o país a mudar.

sábado, 4 de junho de 2005

2005, Joshua Benoliel - LisboaPhoto

Joshua Benoliel - LisboaPhoto

textos do arquivo . história da fotografia, Portugal (2005)

LisboaPhoto
Benoliel, Joshua

Benoliel - Génio ou mito?

Joshua Benoliel continua a ser um fotógrafo desconhecido

Expresso Actual de 04-06-2005   

É chocante notar que vêm dos arquivos de «L’Illustration», de Paris, e
«ABC», de Madrid, quase todas as provas de época expostas na mostra
dedicada a Benoliel, para além de dois álbuns do Arquivo Histórico
Militar, com milhares de provas de contacto sobre os preparativos da
intervenção na I Guerra. Se fica documentada a actividade do
correspondente internacional, com originais cheios de anotações,
retoques e marcas editoriais («L’Illustration»), também se ilustra o
desprezo nacional pelo património fotográfico.

Benoliel é uma das vítimas dessa fatalidade, apesar de ter gozado em
vida, e depois dela, dum imenso prestígio. É provável que não se tenha
esgotado a hipótese de descobrir outras provas de particulares e
instituições (o Paço de Vila Viçosa tem mais de duas centenas que não
foram cedidos para a exposição da Cordoaria). Mas no caso dum
foto-repórter com tão grande obra impressa, principal intérprete da
aparição da imprensa ilustrada com os progressos fotomecânicos no
início do século XX, não há que fetichizar as edições «vintage». As
imagens publicadas devem ser vistas neste caso como originais (com as
soluções gráficas que nesse tempo se inventavam - expondo-se edições e
não fac-similes colados nas paredes). E os negativos sobreviventes são
sempre um manancial para reimpressões.

Joshua Benoliel (1873- 1932) reuniu um espólio de mais de 60 mil negativos em cerca de 30 anos de trabalho, mais intenso de 1906 a 1918 como colaborador principal do magazine semanal de «O Século», a «Ilustração Portuguesa». Era o «filme da vida duma nação», «o documentário da nossa vida política, social, mundana, desportiva, teatral, etc.», dizia a promoção do Arquivo Gráfico da Vida Portuguesa 1903-1918, História da Vida Nacional em Todos os seus Aspectos, que Rocha Martins prefaciou em 1933 com um texto que continua a ser a quase única fonte de informação sobre o homem e o fotógrafo («Os grandes objectivos duma objectiva célebre», ver História da Imagem Fotográfica em Portugal, de António Sena).

Quando a edição se interrompeu ao cabo de seis fascículos, não saíra da 1ª Parte, «Os últimos anos de um reinado» (D. Carlos). Começa com «As viagens dos chefes de Estado a Portugal», desde Eduardo VII e Afonso XIII, em 1903, e junta no 2º capítulo «A viagem de D. Carlos a Espanha» (1906) e «O Movimento Operário em Portugal», sobre o comício socialista do 1º de Maio de 1907. Aí figuram as notáveis fotografias das mesas dos oradores, com Azedo Gneco, e da Imprensa, improvisadas sobre carroças. Depois passa às «Procissões», desde 1903, com observações atentas de grupos de mulheres nos passeios, e o capítulo 4º intitula-se «Cascais, Corte da Saudade»: «grupos de elegantes» na praia, tiro aos pombos e ténis, «As Gincanas de Automóveis». O exótico alinhamento prossegue com destaque para a rebelião do Cruzador D. Carlos (1906) e «Os Intransigentes de 1907» (a revolta académica, com «Os que furam a greve», «O julgamento dos díscolos», a solidariedade dos liceus lisboetas, até à bela imagem final da despedida de Paulo Quartim expulso de Coimbra, já dentro do comboio.

As circunstâncias políticas de 33 ou as dificuldades económicas da edição ditaram o seu fim. Depois, o arquivo foi-se dispersando, vendido a diversas entidades pelo seu filho Judah Benoliel (também destacado foto-repórter), em tempos de crise, e mais tarde por outros herdeiros. «O Século» veio a receber uns milhares de chapas de vidro que passaram para o Centro Português de Fotografia e estarão na Torre do Tombo (9334 negativos, ou cerca de 12 mil, segundo diferentes fontes), e o Arquivo Municipal conserva entre 4500 e 3500, entre outras colecções de menor vulto.

Por ocasião da Europália‘91, Benoliel foi apresentado por uma selecção de 34 fotografias, quase todas reimpressões modernas. A escolha de A. Sena afastou-se da abordagem cronológica e descritiva para ensaiar uma aproximação à singularidade do fotógrafo e de um olhar capaz de ser muitas vezes original, irreverente e poético. Foi a primeira e até agora única ocasião para se ver que, para além da quantidade e da importância documental do acervo do antigo «Século», o melhor trabalho fotográfico e gráfico de Benoliel escapa às rotinas e rituais do fotojornalismo, inventando outros momentos e pontos de vista, nos quais se desenham interesses e sentidos que só viriam a ter expressão significativa após as mutações da década de 20 (com a «nova visão», a Leica e a seguinte vaga de magazines ilustrados). Ao contrário das outras mostras que se repetiram em Portugal, esta ficou por Charleroi, acompanhada por um catálogo truncado.

De nacionalidade britânica (nascido em Lisboa de pais vindos de Gibraltar), judeu praticante, monárquico (Stuart caricatura-o em 1916 com uma coroa no alfinete da gravata azul e branca), viajado e culto (o padre Miguel A. de Oliveira, no Arquivo Gráfico, recorda-o em Sevilha e na Bélgica «explicando os segredos artísticos de Murillo e Van Dyck»), despachante de alfândega e bibliófilo, Benoliel é decididamente um personagem singular.

Não é conhecido o que pensava da fotografia, senão através da obra que iniciou quando as práticas amadoras e profissionais se tinham já banalizado e alguns aficionados cosmopolitas se interessavam pela «arte fotográfica» picturialista. Terá publicado a primeira reportagem em 1898 na revista «Tiro Civil», sobre as «Regatas do Centenário», e continuava a dedicar-se a temas desportivos e a frequentar a Corte («El Rei», em «Tiro e Sport», 1904) quando entrou como «free-lancer» para a «Ilustração Portuguesa» e se tornou o cronista dos últimos anos conturbados da Monarquia e dos primeiros da República. Terá apenas participado numa exposição beneficente de amadores em Cascais, com D. Carlos e a «alta sociedade», em 1903, e manteve-se depois à margem dos salões da fotografia artística (mesmo do que a «Ilustração» promoveu em 1910), mas as suas reportagens estiveram presentes na 1ª Exposição de Artes Gráficas, em 1913, e no ano seguinte numa mostra idêntica em Leipzig.

Gérard Castello-Lopes chamou-lhe «o único génio da fotografia portuguesa». Ian Jeffrey considerou-o «sem igual entre os pioneiros do fotojornalismo» (Time Frames: The Story of Photography, 1998, citado por Nuno Avelar Pinheiro em Pelos Séculos d’O Século, Torre do Tombo, 2002).

A actual exposição adopta uma lógica de arquivo, em resistência à consideração museológica e estética da fotografia utilitária ou vernacular (reservada à que enuncia a intencionalidade artística, seguindo cânones das artes plásticas). O que significa, em primeiro lugar, desvalorizar a possibilidade de reconhecer uma marca autoral, um estilo, um olhar próprio, uma qualidade fotográfica, no que se quer ver só como resposta técnica e ideológica às novas necessidades da imprensa ilustrada. O tema vem de Rosalind Krauss e liga-se à cegueira «ontológica» fixada na cesura ou corte, fingindo ignorar que as escolhas do enquadramento e do ponto de vista são fundamentos da originalidade da fotografia. A reflexão crítica de Szarkowski e os catálogos do MoMA são mais produtivos para a prática e a cultura fotográficas do que o marxismo académico da revista «October»: a questão também é política.

O que importa à comissária Emília Tavares é «desconstruir o mito» Benoliel, segundo disse à «Visão». Daí a quase ausência de escolha das fotografias «mais eloquentes», mais belas e significativas, e a insistência na quantidade, uniformizada por impressões demasiado escuras, de bordos negros como radiografias, sem interpretação de valores lumínicos, mesmo quando se conhecem as suas versões impressas. Daí a quase total ausência da visão inovadora com que Benoliel construiu as imagens da nova urbanidade do seu tempo (os aviões e automóveis, os desportos, os e as «elegantes» das avenidas, os ofícios urbanos, os ambulantes e os ociosos, a confluência das várias classes no espaço público - algumas dessas imagens essenciais são projectadas à entrada da mostra). Daí a concentração sobre temas da história política enquadrados por fórmulas ideológicas de suposto alcance universal.

Os capítulos sobre o regicídio (e a falsa questão do «instante perdido»), a implantação da República (e «a política das imagens»), que se prolonga nas variações obsessivas sobre «Imagem e Poder» e «Caos e Ordem», propõem a ideia que o fotógrafo é um mero instrumento da propaganda (burguesa), uma peça do discurso segregado pela imprensa ilustrada ao serviço dos vários poderes. Depois, «Geometria da Cidade» é um exercício de esteticismo anacrónico.

As multidões, os grupos (de grevistas ou de citadinos) e as figuras solitárias têm nas fotografias de Benoliel, com o seu sentido da profundidade de campo e do pormenor, uma presença que é, nas imagens mais conseguidas, e algumas podem descobrir-se na Cordoaria, a mais exaltante visão (encontrada e construída) do dinamismo urbano, nos trânsitos de um olhar atento à expressão das massas e à intimidade dos indivíduos, e à possível tensão entre elas. Com a liberdade e a verdade de que as melhores imagens podiam então ser testemunho, Benoliel deixou-nos um breve estado de graça da fotografia portuguesa. A herança continua a ser delapidada.

Joshua Benoliel - Repórter Fotográfico
Cordoaria, até 21 de Agosto

#

Uma carta a propósito, da Comissária Emília Tavares, e a breve resposta

JOSHUA BENOLIEL
EXPRESSO, Actual de 18-06-2005
É sempre gratificante que um crítico de arte, com uma conhecida reputação, como é o caso de Alexandre Pomar, faça eco público das dificuldades dos investigadores (na verdade, os únicos que diariamente se confrontam com o património fotográfico nacional e o conhecem) sobre a falta de uma política de conservação e preservação desse mesmo património.

Quanto aos comentários acerca da exposição, torna-se necessário tecer algumas rectificações e esclarecimentos. Génio ou Mito? Parece-me uma questão estafada, secundária e muito antiga, que em nada abona para o conhecimento do trabalho de Joshua Benoliel, que Pomar parece não rever na exposição apresentada. É natural, já que algumas noções fundamentais sobre o que é o espólio fotográfico de um autor e a metodologia que deve ser empregue no seu estudo não estão, nem têm que estar, na base da sua formação, o que já é mais lamentável é que discorra acerca delas sem esse conhecimento, ou pelo menos não procure informação credível.

Comecemos precisamente pela questão de «lógica de arquivo, em resistência à consideração museológica e estética». Perante qualquer espólio fotográfico, a metodologia universal a adoptar é antes de mais a sua inventariação, separação por suportes e formatos, técnicas, estados de conservação e indexação dos seus conteúdos. Este trabalho arquivístico, que Pomar parece desprezar, é fundamental para discernir no conjunto global de imagens a construção da tal marca autoral, que não se prende a códigos lineares e obtusos sobre quem é génio e quem não é.

Estamos perante o trabalho de um foto-repórter, qualquer consideração estética não pode deixar de se colocar em confronto com este facto intrínseco e rearticulação ontológica do seu trabalho. «Cegueira ontológica» é querer instalar o trabalho de Benoliel num registo de genialidade estética novecentista, não atendendo à projecção que a sua obra teve no desenvolvimento de algo mais abrangente do que uma autoria, isto é, uma nova cultura visual.

A «concentração sobre temas da história política» apenas é demonstrativa e equitativa em relação ao conjunto geral do espólio e à sua qualidade. «Imagem e Poder» e «Caos e Ordem» são a análise latente de um período em que toda a construção política das imagens tem o seu início. Benoliel não é apenas, mas é também, um instrumento de construção de significados políticos e ideológicos, uma vez que a manipulação editorial das suas imagens foi sempre um exercício que extravasa o significado original das mesmas.

A questão só pode mesmo ser também política, quando falamos de imagem fotográfica e cultura de massas, mas Pomar terá de ampliar muito a sua bibliografia para a compreender, uma vez que essa questão surge muito antes do «marxismo académico da revista ‘October’» ou de Rosalind Krauss. Daí que o crítico considere que houve «fetichização das edições vintage», não compreendendo que essas mesmas edições são documentos absolutamente inéditos, que permitem entender todo o trabalho editorial sobre o «enquadramento e ponto de vista» do fotógrafo, obrigando-nos, no mínimo, a redimensionar o significado dos «fundamentos da originalidade da fotografia». Quanto às imagens publicadas existem nesta exposição, e em número muito superior aos fac-similes, que se resumem a 6, enquanto que são apresentadas 19 edições originais.

Pomar considera que a minha escolha de imagens deixou de fora as «mais eloquentes, mais belas e significativas», adjectivos e apreciação que só poderei discutir com o crítico quando souber quantas imagens, das 13 mil que constituem o espólio do fotógrafo, já viu, sem serem as publicadas e para além da selecção de 34 que António Sena realizou para a Europália 91. Custa-me a crer que o historiador, com o rigor que lhe é conhecido, tenha considerado que em 34 imagens estava resumida e totalmente abordada a originalidade do trabalho de Benoliel, conforme o faz Pomar.

Quanto às críticas à impressão das provas actuais, devia o crítico ter-se informado sobre o estado de conservação dos negativos originais, uma vez que esse aspecto técnico tem toda a relevância na produção das referidas impressões. Os negativos apresentam problemas diversos de deterioração, impossibilitando tecnicamente qualquer aproximação a impressões originais, e obrigando a um apurado trabalho para retirar o máximo de informação dos mesmos, que Paula Campos executou de forma irrepreensível e correcta. Além do mais, alimenta a inocente ilusão de que as edições originais ou as «vintage» constituem documentos fiáveis para comparação, ignorando que qualquer delas apresenta estados de deterioração da imagem, que falseiam os tão apreciados «valores lumínicos originais». O que Pomar confunde com uma radiografia é a impressão integral do negativo, conferindo-lhe uma identificação matérica, tantas vezes subvalorizada na abordagem fotográfica, e garantindo uma reprodução integral do enquadramento executado pelo autor.

A história da fotografia portuguesa é parca e inconsistente, precisamente porque se têm perdido demasiados anos a perseguir génios fotográficos, em detrimento do estudo articulado das suas obras, assim como permanecerá um beco sem saída, enquanto um certo caciquismo emplumado imperar, delapidando os empreendimentos que não possuem uma suposta autoridade intelectual histórica a apadrinhá-los. Deste modo, continua a ignorar-se o trabalho anónimo e desvalorizado desenvolvido em muitas instituições de ensino, museus e, de modo particular, por investigadores competentes.

A exposição de Benoliel, na Cordoaria, não pretendeu nunca ser um projecto arrogante e fechado sobre si mesmo, deseja-se que outros investigadores tenham a oportunidade de contribuírem com abordagens diferentes e complementares. Muitas outras questões ficam por discutir sobre a presente exposição, mas espero que o catálogo da mesma, a editar em final de Junho, possa desenvolver novas matérias para um debate construtivo e mais informado.
EMÍLIA TAVARES, comissária da exposição «Joshua Benoliel - Repórter Fotográfico»

N.R.

Alguns pormenores, entre muitas tergiversações: Não considerei que na exposição houvesse qualquer «fetichização das edições vintage»; a comissária é que agora sobrevaloriza o ineditismo das provas com retoques e marcas editoriais. A referência à «lógica de arquivo» e a Rosalind Krauss alude ao artigo sobre a fotografia do séc. XIX e de Atget incluído em «Le Photographique», como será óbvio para qualquer leitor informado (deixemos em paz a aura de Benjamin). Não pus em causa a qualidade do trabalho de impressão de Paula Campos, mas as opções que teve de seguir; com os «problemas diversos de deterioração» dos negativos, mais difícil terá sido cumprir a exigência de uniformizar as provas modernas.
A.P.

sábado, 14 de maio de 2005

2005, LisboaPhoto, Helmar Lerski

 

LisboaPhoto 2005


Helmar Lerski

"As verdades do retrato"

 Expresso/Actual de 11 Junho 2005


Helmar Lerski, do cinema expressionista para a fotografia

Ao longo das seis salas de exposição renovadas na segunda área de galerias da Culturgest (na zona principal continua a mostra de Xana), multiplicam-se os retratos de Helmar Lerski, apresentados pelo Museu Folkwang de Essen, no âmbito do LisboaPhoto. Num primeiro olhar não se reconhece que todos eles, em mais de 120 magníficas provas «vintage», mostram um mesmo rosto (o do engenheiro-desenhador Leo Uschatz).

Vão mudando alguns escassos adereços, um capuz, os óculos; assiste-se a algum teatro fisionómico, a testa enrugada, a pressão dos maxilares, mas é a constante variação dos enquadramentos, em «close-ups» muito fechados e num tamanho maior que o natural, conjugados com os efeitos da luz, que asseguram a diferença entre os retratos do mesmo homem, onde já se julgaram reconhecer as figuras de um herói, um profeta, um monge, um soldado agonizante, uma velha mulher.... Lerski (1871-1956) usou uma arcaica câmara de muito grande formato (30x24cm) e imprimiu por contacto, transformando a face numa imensa paisagem compacta, esculpida pela textura, o brilho e os relevos da pele. Fotografou ao sol, num terraço, usando diferentes filtros e 16 pequenos espelhos para fazer variar interminavelmente a luz e o recorte das formas.

Em vez do retrato objectivo, neutro ou científico, e à distância, também, do retrato subjectivo, que visaria interpretar a psicologia, o carácter, a individualidade mais profunda de alguém, Lerski constrói com a face única de um mesmo homem, que não é um actor, toda uma galeria de expressões e (pseudo)identidades. É uma das mais radicais experiências fotográficas sobre o retrato, realizada em 1935/6, na Palestina, por um artista e profissional dedicado a essa área especializada da fotografia, que já tinha sido director de câmara e de efeitos especiais do cinema mudo expressionista alemão (Metropolis, de Fritz Lang, 1927).

Em 1931 publicara um livro que se inclui sempre nas escolhas dos melhores «photobooks». Köpfe des Alltags: Unbekannte Menschen (Cabeças de todos os dias: gente desconhecida) reúne 80 retratos de estúdio onde os rostos, sempre em grande plano, surgem dramaticamente estilizados por luzes expressionistas. Recrutou modelos em agências de emprego e refere-os através de identidades sociais (varredor de ruas, mendigo, pintor, guarda-livros, etc.), o que concede ao volume o carácter de um documentário sócio-psicológico.

Depois, «Metamorfoses pela Luz» demonstraria que a presença física e objectiva de um rosto ou que o carácter de um retratado são por inteiro, ou podem ser, uma construção do fotógrafo, ou que a imagem exterior da identidade social ou a presença psicológica supostamente mais íntima (que um bom retrato subjectivo devia ser capaz de captar com «verdade»), podem ser elaboradas e infinitamente manipuladas a partir do exterior pelos meios próprios da fotografia. Para além deste exercício conceptual e prático levado à exaustão, o projecto de Lerski entronca num contexto muito particular da história da República de Weimar e da história da fotografia.

Nascido em Zurique de ascendência polaca, Helmar Lerski (aliás, Israel Schmuklerski) foi actor nos Estados Unidos antes de se dedicar à fotografia e passou a interessar-se pelo cinema documental depois de trocar Berlim pela Palestina, em 1931, antecipando-se às perseguições nazis; aí realizou um dos emblemas do cinema sionista, Avodah (Trabalho), em 1935, sobre os colonos judeus.

Para além das «Metamorfoses», onde aparentemente se dilui sob os efeitos da encenação a crença numa objectividade fotográfica, Lerski dedicou-se, na Palestina, a projectos de natureza documental marcados pela apologética sionista, «Cabeças Judias» e «Soldados Judeus», fez retratos de árabes e fotografias de paisagem e arquitectura; por outro lado, radicalizou as suas experiências numa série de «Paisagens do Rosto», com a ampliação de fragmentos de retratos, realizou estudos de «Mãos Humanas» e fotografou cabeças de marionetas, num último projecto que passou também ao cinema. Essa dupla orientação do trabalho de Lerski também deve ser considerada para que não se valorizem as «Metamorfoses» como uma definitiva demonstração - a prova e a teoria têm, aliás, diferentes eficácias em ciência e em arte.

As questões da identidade racial judaica agudizadas pelas perseguições nazis, bem como as da representação figurativa dos agentes da luta de classes, atravessam de modo dramático as décadas de 20/30. Na fotografia, esses anos são também marcados pelas grandes transformações sumariadas pela exposição «Film und Foto», organizada em Stuttgart em 1929 pelo Deutcher Werkbund (onde Lerski esteve representado com 15 imagens).

Com Karl Blossfeldt e Albert Renger-Patzsch (livros de 1928), a exploração sistemática do «close-up» tornara-se uma das marcas da «Nova Visão». Umbo (Otto Umbehr) terá sido o primeiro a aplicá-la ao retrato, inaugurando um novo estilo adaptado do grande plano do cinema e da redução às formas plásticas elementares cultivada pela Bauhaus, de que foi aluno. August Sander, identificado com a lógica mais ampla da «Nova Objectividade», publica em 1929 Antlitz der Zeit (Rosto do Tempo), no quadro do seu imenso projecto de traçar o retrato colectivo da Alemanha ao tempo da República de Weimar, fotografando em imagens de corpo inteiro tipos sociais referenciados por profissões e posições sociais. Lerski é um dos protagonistas dessa fase decisiva da fotografia alemã.

Helmar Lerski
«Metamorfoses pela Luz»   
Culturgest, até 3 de Julho

I e II

O que importa <em 2007> é a próxima edição do PhotoEspaña, porque o LisboaPhoto já foi (há dois anos). O mês de Madrid não terá a importância das três edições dirigidas por Horacio Fernández, mas vai celebrar os dez anos - a programação segue dentro de dias...

O que segue vem a propósito da 2ª, e para já última, edição do LisboaPhoto. Mudou a vereação, mudaram os compromissos (apesar de se tratar do mesmo partido), mas a concepção do programa de 2005 agravara mais ainda as insuficiências da edição anterior. O confronto com o PhotoEspaña mostra que ficamos sempre a perder - nos horizontes abertos ou fechados pela programação, na persistência ou na inconstância dos projectos.


DUAS NOTAS SOBRE O LISBOAPHOTO DE SÉRGIO MAH, 2005 

I - «A Imagem Cesura» - in Expresso/Actual 14-05-2005
II - "Imagens ou índices" - in Expresso/Actual de 21-05-2005

I - «A Imagem Cesura»

Nas vésperas do LisboaPhoto 2005

O título-tema é aberrante: «A Imagem Cesura». O 2º LisboaPhoto «constrói-se em torno do efeito de cesura da fotografia, mais especificamente sobre as conotações que esse efeito suscita relativamente à ontologia da fotografia. A cesura refere-se ao acto de golpear, à incisura». A ingénua prosa escolar da «Apresentação» encerra em estafadas questões essencialistas sobre «a natureza específica do dispositivo fotográfico», a partir do conceito de índice (de Charles Pierce), o que deveria ser o desafio de uma relação produtiva e mobilizadora entre as práticas da fotografia, a cidade e os seus públicos (os cidadãos).

Com um roteiro de 15 exposições oficiais que ignora todos os nomes de primeiro plano da fotografia portuguesa de hoje (mas Augusto Alves da Silva e António Júlio Duarte aparecem em Madrid numa parceria com o PhotoEspaña) e com um cartaz que faz da idiotia o emblema do LisboaPhoto, o acontecimento fotográfico bienal organizado pela Câmara sob a direcção de Sérgio Mah faz tudo para não despertar grandes expectativas.

E, no entanto, o programa inaugura-se no dia 18, na Cordoaria Nacional, com a mais aguardada das exposições: a primeira retrospectiva de Joshua Benoliel (1878-1932). Apesar da fama que gozou em vida, apesar de respeitado como patrono do fotojornalismo, Benoliel nunca teve a mostra ou o livro que o afirmassem como um autor de excepção no seu tempo internacional - o que foi possível entrever numa breve antologia mostrada na Europália’91, em Charleroi. Emília Tavares, a comissária, pesquisou os arquivos, encontrou originais e provas de imprensa, reuniu imagens impressas, investigou o contexto histórico e o uso social e institucional da fotografia. Espera-se que a obra não seja mostrada apenas como documentação histórica da sociedade portuguesa, e que se saiba valorizar o intimismo inovador e por vezes irreverente que distingue o olhar do fotógrafo.

Aaron Siskind, um dos grandes da fotografia norte-americana (Museu de Arte Antiga, dia 18), e o expressionista Helmar Lerski (Culturgest, dia 31) são outros pontos altos, tal como o serão com certeza as fotografias desconhecidas do Instituto de Medicina Legal (Arquivo Municipal, dia 8 de Junho), enquanto a arte contemporânea estará presente com as esculturas efémeras fotografadas por Erwin Wurm (Museu do Chiado, dia 2) e a mostra colectiva «Estados da Imagem. Instantes e Intervalos» (CCB, dia 25) - «entre a imagem-suspensa e a imagem-movimento, esta exposição reúne um conjunto diverso de modelos de produção e exibição de imagens de natureza técnica, procurando sugerir sinais de convergência, de inovação e de retroacção, a partir de graus de paragem e de concentração do e no movimento pela acção da fotografia, do cinema e do vídeo». Ao vazio das palavras pretensiosas corresponderá o deserto maneirista das imagens?

LisboaPhoto prolonga-se até Agosto e conta com um programa paralelo de exposições da iniciativa de galerias e escolas.


II - "Imagens ou índices"

A teoria e as exposições do LisboaPhoto

Expresso/Actual de 21-05-2005

«Há 20 anos dava-se prioridade a um debate ontológico em torno da natureza do fotográfico e da sua intersecção com as distintas versões da criação artística. (...) A fotografia é certamente um depósito químico produzido num certo momento daí a categoria de índice, ou indício, que se atribui à imagem fotográfica, mas não é isso o que realmente nos interessa. O que queremos saber é como essa combinação de luz, espaço e tempo adquire um sentido para nós, que contexto ideológico a envolve, que efeitos políticos desencadeia.» Joan Fontcuberta, Estética Fotográfica (Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 2003, págs. 7-9).

«A teoria do índice é demasiado abstracta, demasiado indiferente às imagens, demasiado essencialista, demasiado redutora para ser operatória, em especial nestes tempos de profundas transformações e de redefinições das relações entre as imagens. A vulgata do índice encerra-se nos limites imutáveis da essência no momento em que é preciso compreender as evoluções.» André Rouillé, La Photographie (Folio Essais, 2005, pág. 257).

Na introdução deste livro (estimulante mesmo quando é injusto ou inaceitável), Rouillé escreve:

«Para lá da sua fecundidade teórica, as noções de rasto, de marca ou índice tiveram o imenso inconveniente de alimentar um pensamento global, abstracto, essencialista; de propor uma abordagem totalmente idealista, ontológica, da fotografia; de reportar as imagens à existência prévia de coisas de que elas seriam só o registo passivo. Segundo essa teoria, ‘a’ fotografia é, antes de tudo, uma categoria de que se devem fazer decorrer as leis gerais; não é nem um conjunto de práticas variáveis segundo as suas determinações particulares nem um corpus de obras singulares. Esta recusa das singularidades e dos contextos, esta atenção exclusiva à essência, leva a reduzir ‘a’ fotografia ao funcionamento elementar do seu dispositivo, à sua mais simples expressão de marca luminosa, de índice, de mecanismo de registo. O paradigma ‘da’ fotografia é, assim, construído a partir do seu grau zero, do seu princípio técnico, muitas vezes assimilado a um simples automatismo.»

O envelope teórico do programa «A Imagem Cesura» não é «arriscado» - como já se pretendeu -, mas sim conceptualmente limitado e desactualizado.

- Ver também "Imagens Privadas", colectiva na Plataforma Revólver - 28 de Maio de 2005