sábado, 17 de agosto de 2013

Alguém ensaia


  • Não, a ideia de que a fotografia é o retrato fiel de um parcela do mundo não é um equívoco que a acompanha (à fotografia) desde o início. O Hippolyte Bayard (um dos inventores - porquê a data de 1826 quando há várias outras?) tratou de o demonstrar logo em 1840, um ano depois da comunicação oficial.
    Não, a questão da reprodutibilidade não pesava como uma espécie de mácula na aura artística da fotografia no momento da sua invenção. Que raio de ideia!! Foi mesmo o contrário que aconteceu. 1º, a invenção não pode ser pensada como um momento. 2º, e mais importante, a invenção da fotografia insere-se na história das invenções de formas de reprodutibilidade, na sequência da procura dos processos de registo, gravação e edição, multiplicação (a estampa gravada, a miniatura, etc). A história da aura é um confusa especulação tardia. A cópia foi um meio corrente e apreciado de fruição e posse da arte. As diferentes técnicas da gravura visam a produção de múltiplos. O Benjamim não é tão fácil como parece...

    A mácula, se existia para alguns, era a substituição da mão pelo automatismo da máquina. Mas para outros esse era o grande mérito da coisa. O olhar auxiliado pela máquina óptica vem de muito longe, mas melhor ainda seria poder fixar e conservar esse olhar mecânico, essa visão efémera sustentada pela invenção de um instrumento que colmatasse a fragilidade da mão. (ver a especulação de Hockney e seguir a inteligência do seu olhar treinado de pintor.)


    Não, a idolatria das imagens não é um conceito antigo e central na cultura do cristianismo. A aceitabilidade das imagens e o culto que lhes é prestado como representação-substituição das entidades divinas ( o que não é o mm que "idolatria") foi uma questão diversas vezes considerada pela igreja católica ( por exemplo na Contra-Reforma - porque a proibição reformista das imagens também faz parte plenamente da cultura do cristianismo, no caso dos protestantes). Mas nunca foi aceite o "conceito" de idolatria - convém distinguir conceito e prática social. Ou seja, mesmo os idólatras não aceitam para si próprios o conceito de idolatria.



  • (Há aqui problemas conceptuais  com o conceito de conceito, e uma confusão entre idolatria e iconofilia, o amor ou gosto pelas imagens. Em tempos em que a iconofobia passou das austeridades iconoclastas para o estilo dito conceptual-minimalista corrente a desorientação aumenta.


  • A questão não ficou "resolvida" no Concílio de Trento, mas legislada. A vontade da interdição das imagens ( figuras, paisagens e coisas ) levou do simbolismo ao abstraccionismo.  A recuperação delas pela Pop, quando o abstraccionismo era uma arma da guerra fria,  foi logo combatida pelo conceptual-minimalismo, até hoje. Ler de Alain Besançon, L'Interdition des Images, a história toda desde a antiguidade.)

    Não, não é frequente designar a fotografia ficcional como "artística" (para iludir a questão da imitação da realidade). A fotografia artística com ou sem aspas tanto se quis ficcional desde o seu início (o teatro fotográfico, por exemplo, ficcionava - imitava realidades construídas) como quis fixar a realidade de muitos diversos modos, recriando-a, "imitando-a", sublinhando-a (por ex. conjugando diversos negativos), recriando-a, sublimando-a. As missões heliográficas que captavam a realidade fotografável do mundo queriam-se artísticas.

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