segunda-feira, 7 de abril de 2014

ANGOLA 1938, o Álbum e tudo o resto

1) FOTOGRAFIAS
O objecto em exposição é um álbum fotográfico. Editado pelo Governo Geral de Angola. Importa considerar por si mesmo o objecto álbum, livro fotográfico ou photobook, e importam as fotografias. Pela sua qualidade editorial e fotográfica, e pelo interesse do que documentam: um acontecimento histórico, tão esquecido ou ocultado como o Álbum. A Exposição-Feira Angola 1938, indicada no título: Álbum Comemorativo da...

Importam, como é de regra, os autores do álbum (o organizador/editor e designer) e o/os das fotografias.
A abordagem ao livro e às fotografias complica-se pela ausência de autores declarados (ou confessos) -ambos autores anónimos (C. Duarte autor dos clichés será um pseudónimo). Existem pistas a explorar quanto ao editor e ao fotógrafo: por hipótese, Vasco Vieira da Costa (arquitecto angolano, 1911-1982, então um jovem desenhador admitido na administração colonial na qualidade de funcionário aduaneiro) e Firmino Marques da Costa (fotojornalista de Lisboa e de longa carreira, 1911-1992).

Deverá saber-se que este Álbum e as fotografias não são objectos isolados. O Álbum emparceira com os outro 5 álbuns editados pela Agência Geral das Colónias em 1939-40, ilustrando a viagem presidencial às colónias do PR general Carmona, em 1938. Firmino Marques da Costa foi considerado o autor principal destes álbuns, que teriam sido editados por Luís de Montalvor e José Osório de Castro, intelectuais destacados da 1ª metade do século e não anónimos funcionários da AGC, apesar de não estarem creditados, tal como o fotógrafo. As atribuições tiveram origem numa exposição sobre os 5 álbuns acontecida na galeria Ether em 1987, com catálogo-poster ("Imagens fugazes..."), e foram propostas por António Sena, também ele anónimo nessa publicação.




O volume 2 de "Alguns aspectos da viagem presidencial à colónias" - http://memoria-africa.ua.pt - aponta a intenção do Governo de Angola publicar o Álbum comemorativo como justificação para incluir poucas (8) fotografias da Exposição-Feira que foi inaugurada por Carmona a 15 de Agosto. Algumas fotografias dos álbuns em questão são idênticas (mesmas situações e mesmos locais, mas sempre diferentes imagens), e duas da exposição da Ether dos álbuns lisboetas são idênticas a imagens do álbum angolano. O reconhecimento do fotógrafo parece muito provável, ou inevitável. A longa carreira de Marques da Costa não se mantém ao mesmo nível. Ainda em Fevereiro de 1968 acompanha Américo Tomás a Angola, mas a reportagem não podia ter a mesma frescura (ver  1938-1968-marques-da-costa )

2) A FOTOGRAFIA EM 1938
O ano de 1938 não é um ano qualquer, e não só por acontecer dois anos anos da Exposição do Mundo Português e nele ter acontecido a decisão política de a realizar (Nota Oficiosa de Salazar).

A.
Produz-se o 2º Salão Internacional de Arte Fotográfica (VI Nacional) promovido pelo Grémio Português de Fotografia, por sua vez secção da Sociedade Propaganda de Portugal (não confundir com o SPN, Secretariado da Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro). Por ser o 2º Salão terá tido mais importância e mais repercussão que o 1º Internacional, no ano anterior.

Mário Novais, 1938

Por acaso ou não, aparece fotografado por Mário Novais - que nele não participa - numa imagem incluída no espólio que tem vindo a ser divulgado pela Biblioteca de Arte da Gulbenkian.

B.
Notícias publicadas na revista Objectiva dão conta da organização atribulada do Salão, o qual dá origem na revista a significativos textos críticos e mesmo a iniciativas concorrentes.
1938 é o ano de uma intervenção activa da revista Objectiva, criada em 1937, com um vigor e uma originalidade que não se repetem: é o ano da "polémica do flagrante" e de um ímpeto crítico que é logo interrompido pela intervenção do Pe Moreira das Neves também na Objectiva, em Maio, apelando à "Contribuição da Arte Fotográfica nas celebrações do Duplo Centenário..."

C.
Em 1938 expõe no SPN Elmano da Cunha e Costa, advogado em Angola e fotógrafo/etnógrafo amador e pioneiro. A Objectiva dedica uma página à exposição (entre outros possíveis ecos que desconheço). ( ver Elmano I ) Também fotografa na Exposição-Feira de Luanda temas de (ou ditos de) arte indígena (ver http://alexandrepomar.typepad.com e atribuições do AHU já corrigidas).

Voltará a expor no SNI fotografias de Angola em 1946 (e 47 no Porto) e em 1951, já depois de regressar a Portugal em 1943 (informações de Inês Gomes), e surge antes ligado à Secção Colonial da Exposição de 1940 como colaborador fotográfico da equipa de Henrique Galvão. Serão certamente suas as fotos de naturais de Angola publicadas no guia/catálogo da Secção Colonial e todas as fotografias não creditadas do livro de Castro Soromenho A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portrugueses, 1948-49.
Com o Dr. Elmano a fotografia em 1938 liga-se à linhagem da 1ª Etnografia de Angola: eng. Fernando Mouta (1934), o pioneiro e presidente interino da Câmara de Luanda à data da Expo'38, José Redinha (desde 1936), Elmano (1938...) e Carlos Estermann.

O dr Elmano é também um dos expositores do 2º Salão Internacional, de Arte Fotográfica com residência em Mossâmedes. Aparece em 1941 no catálogo do 5º Salão como 3º vogal da direcção do Grémio, mas não expõe (expõem entre outros Manuel de Oliveira e Cotinelli Telmo, membro do Grémio). Voltou a expôr no Salão 6, de 1942-43 (1943), com "Na Costa de África, o mar amigo" (nº254, não rep.), com residência já indicada em Lisboa. Não expõe em 1944 (ainda 3º vogal) e seguintes. Não sei dos catálogos anteriores a 1938 e de 39 a 41...

D.
Em 1938 Firmino Marques da Costa acompanha e fotografa a viagem presidencial de Carmona às colónias (a publicar pouco depois nos álbuns referidos), integrado na Missão Cinegráfica às Colónias, dirigida por António Lopes Ribeiro (inf. Ether 1987 a confirmar). O seu trabalho fotográfico tem uma originalidade única no âmbito da fotografia oficial e de propaganda: uma informalidade imprevista, um dinamismo e agilidade, ou velocidade, incomuns, uma exploração da relação da figura com a multidão e com o espaço envolvente que surpreendem - se escolhermos os highlights de uma extensa produção.

E.
Já de 1939, mas com fotografias realizadas em 1938, em vários casos reconhecíveis, é o pequeno álbum fotográfico Images Portugaises, ed. do SPN certamente no quadro da promoção da Exposição de 1940, ou com uma genérica intenção de promoção turística. Discreto e mais uma vez sem atribuição de autorias, para além da apresentação de António Ferro, o pequeno volume reúne os nomes mais dinâmicos da Objectiva, também Mário e Horácio Novais, e ainda Firmino Marques da Costa, tendo em geral uma sobriedade notoriamente anti-artística, entendida como atenção directa aos temas documentados e ausência de efeitos que se poderiam dizer salonistas. Sóbrio, sem efeitos de montagem, eficaz como documentário e com alguma pretensão literária. A palavra banal e a ideia "essencial" do natural aparecem no texto de António Ferro como tinham sido defendidas nos escritos e imagens dos Drs. António Lacerda Nobre e Álvaro Colaço, os agitadores da Objectiva



http://alexandrepomar.typepad.com/.a/6a00d8341d53d453ef00e553ccdcda8833-pi António Lacerda Nobre, Le blé

 F. Marques da Costa. Carmona e o ministro das Colónias Francisco José Vieira Machado (1936 - 1944; banqueiro antes e depois no BNU)

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2)
A questão da Arquitectura: qual a intervenção de Vasco Vieira da Costa? Chefe da Secção Técnica, cenógrafo e designer. Ecletismo e naiveté: a melhor Art Déco e outros estilos.

3)
O contexto político-económico: a Exposição e o Plano de Fomento de 1938; o governador geral coronel  António Lopes Mateus (período 1935-39). A revista "Actividade Económica de Angola" dedicada à Exposição-Feira e ao Plano Fomento de Angola aprovado em 1936 (em 1938 por Lisboa). Um volume ausente de todas as bibliotecas?


4)
Angola 1938, a exposição angolana obra de angolanos, entre as exposições coloniais de 1934 e 1940, de Henrique Galvão. Dois mapas antagónicos: "Portugal não é um país pequeno" e Luanda capital do Império

5)
A figura do dr. António Videira, advogado da Oposição e então porta-voz dos colonos. Sessão de homenagem e agradecimento ao governador no encerramento. Ver Boletim Geral das Colónias nº 163, pág 67-68 ("Falou depois em nome dos seus colegas"...)




6)
A 1ª etnografia angolana (Pavilhões de arte indígena). Fernando Mouta, 1934 e Elmano Cunha e Costa, 1938: depois, José Redinha (1936?) e Carlos Estermann. A 2ª Missão Suíça, 1932: "Retour d'Angola", Neuchâtel 2007-11.

7)
Angola 1938, uma exposição nacional fora da lista das exposições coloniais

sábado, 5 de abril de 2014

Luanda 1938, Sérgio Gomes, Público




Luanda 1938, um olhar desconhecido

É um objecto gráfico imponente e que dificilmente passa despercebido. Mas o certo é que passou. A historiografia recente ignorou tanto a realização da feira como o Álbum Comemorativo que dela surgiu.

A longa sequência de mais de cem fotografias começa com uma imagem óbvia nas inaugurações: uma cerimónia de corta-fita, onde o general Oscar Carmona, de farda alva, se destaca com a tesoura na mão. E a fita cai. Mas a partir daqui pouco parece encaixar muito bem no Álbum Comemorativo da Exposição-Feira de Angola, certame que se realizou em 1938, em Luanda. Como aliás toda história (ou a falta dela) desta obra esquecida e muito pouco estudada, que é um dos mais surpreendentes e notáveis fotolivros realizados em Portugal na primeira metade do século XX.

Pela mão do galerista Alexandre Pomar, que expõe na Pequena Galeria até 19 de Abril, em Lisboa, páginas deste livro publicado pelo Governo Geral de Angola, é possível apreciar várias sequências fotográficas da obra, clichés creditados a C. Duarte, mas que, segundo Pomar, serão da autoria de Firmino Marques da Costa (1911-1992), repórter fotográfico do Diário de Notícias durante 50 anos (A. Sena) e, em acumulação, do Diário Popular, membro da Missão Cinegráfica que acompanhou a visita de Carmona às colónias e a quem se atribui a autoria principal de cinco outros álbuns fotográficos que resultaram desse périplo presidencial (que duraria entre 1938 e 1939).

1938 os indígenas em recinto separado





"Os indígenas, em recinto separado apresentar-se-ão em seus característicos bailados e cantares, o que é, como se sabe, espectáculo de maior interesse, muito particularmente para os forasteiros", idem

O álbum não documenta o recinto separado onde se apresentam os indígenas, nem a actuação da orquestra do Teatro Variedades, de Lisboa, contratada especialmente para a Exposição, tal como um excelente grupo de bailarinas, da Metrópole, que actuará em recinto especialmente construído para este fim.
Existiu um aldeia indígena, como sucedera no Porto em 1934?

Na PLANTA GERAL publicada no Catálogo Oficial aparece assinalado à esquerda o "Acampamento indígena", distanciado da grelha dos pavilhões e próximo dos " Serviços Militares ", bem como do "Restaurante-dancing". Também está assinalado um pequeno "Acampamento de Escoteiros "



GUIA DA EXPOSIÇÃO e os indígenas em duas versões


Um relato refere: "É maior e + imponente do que a Exp. Colonial do Porto (1934), embora não possua tx o seu encanto por lhe faltar a moldura do arvoredo frondoso e a nota pitoresca das aldeias indígenas..." Diário da Manhã, citado em tx sem título do director adjunto da Exp., p. 19, in CATÁLOGO GERAL OFICIAL (S.G.L.).


Mas refere o Diário de Lisboa: de 31 de Agosto: "No sopé da fortaleza, extremo da Exposição, está uma aldeia indígena, com suas palhotas e usos e costumes da vida dos negros em comum."


Há um recinto separado
Outro doc.: "Os indígenas, em recinto separado apresentar-se-ão em seus característicos bailados e cantares, o que é, como se sabe, espectáculo de maior interesse, muito principalmente para os forasteiros." in Guia da Exposição-Feira (ed. Agência Técnica de Publicidade) disponível na S.G.L. - "esta publicação é considerada oficial pela Direcção da Exp.-Feira de Angola").

("de maior interesse" - tal não se diria oficialmente noutros territórios coloniais como a Rodésia nos princípio dos 960 - não se reconhece o interesse pela cultura ou arte dos indígenas, que são referidos cp,p selvagens -, e é essa diferença que importa investigar...)

(O 'recinto separado' será o "Acampamento Indígena" que figura no mapa) VER MAPA e FOTO ABAIXO

tal como actuou "um excelente grupo de bailarinas, da Metrópole, em recinto especialmente construído para esse fim". Guia cit. (este será o restaurante-dancing?)

Também deu uma série de representações, no Nacional Cine-Teatro, "a brilhante companhia dirigida pela eminente actriz Maria Matos" e no Restaurante-Dancing tocou a orquestra do Teatro Variedades, de Lisboa, contratada, como o grupo de bailarinas, especialmente para a Exposição." GUIA

Convém investigar estas matérias sensíveis sem a demagogia "pós-colonial" do costume...



1938 entre 1934 e 1940: um gráfico e um mapa antagónicos

Uma exposição africana, entre exposições eurocêntricas.
Todas elas colonialistas, mas a de 38 é mais uma exp. colonial que colonialista, digamos, colonial-africanista.

O africanista mor do regime, Hemberto Galvão, é eurocêntrico, os organizadores da Exposição-Feira Angola 1938 são africanos (são brancos residentes ou nascidos na colónia, e outros que se reconhecem como africanos e/ou se identificam com as aspirações dos velhos colonos)

1

2

3

1 -"Portugal não é um país pequeno" Escala [ca. 1:13000000]. - Lisboa : Secretariado da Propaganda Nacional. - 1 map. : color. ; 55x38 cm. - No canto inf. direito contém: "Superfícies do Império Colonial Português comparadas com as dos principais países da Europa http://purl.pt/ BND
3 - postal ilustrado SPN 1934
1 e 3 retirados de http://doportoenaoso.blogspot.pt  ( 25 de Fevereiro de 2014 acedido a 29 Março 2014)
Ver tb https://ressabiator.wordpress.com

2 - Álbum comemorativo da Exposição-Feira Angola 1938. (A ideia de Angola como capital do Império? Portugal é um país entre outros (a Espanha não está, já por causa da Guerra Civil? ou não estava antes?) França, Holanda... Índia Inglesa, União Sul Africana, Congo Belda (do rei dos belgas), A E F (África Equatorial Francesa)

O mapa 1/3 teve grande longevidade em Portugal. Que aceitação ou influência teve o gráfico 2 em Angola?

terça-feira, 1 de abril de 2014

O álbum de 1938 já referido em 1999


duas páginas de 1999



José Manuel Fernandes, in "Arquitectura e Urbanismo no Espaço Ultramarino Português",  História da Expansão Portuguesa (coord. Bethencourt e Chaudhuri), Círculo de Leitores, Lisboa, 1997-1999, vol. 5,  pp.375-376.

(O livro foi depois reeditado pela ed. Temas e Debates, em 2000, com o mesmo formato.)

Antes de referir em 2002 o Álbum no livro Geração Africana, Arquitectura e Cidades em Angola e
Moçambique, 1925-1975, Horizonte, que citei na 'folha de sala', o José Manuel Fernandes revelou a sua existência e importância nessa publicação. Mas a abordagem da Exposição-Feira por via da arquitectura não se repercutiu nos estudos gerais do mm volume.

Mais tarde foi possível identificar os pavilhões projectados por João Eugénio de Morim (pavilhão de Benguela, "de arrojada torre prismática facetada" JMF) e situar a intervenção de Fernando Batalha, autor apenas do Pavilhão Principal ou de Honra - ver foto acima.

Vasco Regaleira projecto o Pavilhão do Banco de Angola (então BNU - a ver)

Não é a estátua de Salazar que se vê no salão principal do Pavilhão de Honra (embora pareça, de facto), mas a de um navegador a identificar. O ditador aparece apenas, pelo que se pode averiguar no álbum, numa muito pequena fotografia, na também pequena e única sala de teor afirmadamente político.



Outras notas: os pavilhões não são todos de gosto Art déco, como o pp JMF dirá adiante; e o monumento é da autoria de J.E. de Morim (?).

O JMF destaca o Pavilhão das Informações, "de elegante lettering modernista na fachada envidraçada";
o de Benguela, "de arrojada torre prismática facetada" (Morim);
o posto emissor do Rádio Club de Angola, "de estética quase construtivista";
pavilhão do Bié, excepção revivalista ao gosto Art déco dominante;
o pav. dos caminhos de ferro de Benguela, "de fachada decorativa", apresentava a maqueta projectada por Cassiano Branco





diario de lisboa II








...esforço, não diremos inútil, mas ingrato, não compensador do trabalho que deu e dinheiro que custou, porque custou muito dinheiro

à exp foi dado tal carácter de seriedade que excluiu diversões, à excepção do grande restaurante... contratada a Orquestra Vitória, do Arcádia, e a gentil bailarina Lucy Snow, com o seu colega Charles e um grupo de 'girls'

...infelizmente excessivo


pavilhões colossais, audazes, rompendo o espaço com as agulhas e cúpulas modernistas


No sopé da fortaleza, extremo da Exposição, está uma aldeia indígena, com suas palhotas e usos e costumes da vida dos negros em comum.

(cf. Diário da Manhã)