capa e guardas
Mikael Levin, Cristina's History, 2007 / 2009 (catal./livro)
edition Le Point du Jour, Cherbourg-Octeville, France / Museu Colecção Berardo, Lisboa
2009
162 pags., P/B; Fr., En., Pr.
textes : Jean-François Chevrier, Carlos Schwarz, Jonathan Boyarin
( et Mikael Levin - legendas e agradecimentos)
images:
Zgierz, Pologne - pag. 16;
Lisbonne, Portugal - pag. 48;
Guinée-Bissau 80.
http://www.mikaellevin.com/cristina.html
pag. 2-3
Guinée-Bissau 91
Guinée-Bissau 99
Guinée-Bissau 107
Guinée-Bissau 109
Guinée-Bissau 111
Pologne 29
Pologne 35
Portugal 75
guardas
#
de 05/Set./2009
Mikael Levin, a exposição no Museu Berardo/CC
http://www.mikaellevin.com/cristina/cristina_video.html
Bissau
Uma exposição/instalação de grande eficácia onde as questões que se sugerem (ou se abrem) são intermináveis. É um fotógrafo que não conhecia e um "projecto" que se distingue muito fortemente do que passa hoje por ser arte fotográfica. A ver, a ouvir, a percorrer demoradamente.
"Cristina's History" (o título é inglês, para manter a distinção entre story e history, mas neste caso as histórias são traduzidas para português, o que é mais uma das qualidades desta exposição). Um dos capítulos passa-se em Lisboa e é daqui que se passa à Guiné-Bissau, o que dá uma importância acrescida a este "história" e à sua passagem pelo CCB, que é também a oportunidade para a coedição de um livro/catálogo.
Mikael Levin, n. 1954 em Nova Iorque, com dupla nacionalidade norte-americana e francesa.
A relação entre imagem e texto é uma das condições investidas pelo autor e torna-se uma experiência decisiva para o espectador (há fotografias expostas e imagens fotográficas projectadas em quatro espaços sequenciais; há fotografias tradicionalmente exibidas - mas de pequeno formato e a preto e branco -, mostradas isoladas ou em sequência, e há depois imagens projectadas fixas e móveis, rotativas em torno de um eixo central em duas das salas seguintes, a segunda e a quarta, distorcidas pela sua rotação e pelos acidentes das paredes onde se projectam; há ainda as imagens projectadas que invadem as salas próximas, instabilizando limites e trânsitos).
As séries longas de imagens projectadas - em três salas contíguas que são geográfica e temporalmente separadas (Zgierz, Polónia; Lisboa; Bissau, Bolama, etc, na Guiné) - acompanham-se de textos que se escutam em "loop" ou "boucle", com uma muito diferente duração respectiva: o texto é breve e vai-se repetindo como uma litania enquanto se sucedem as (60?) imagens projectadas: lugares actuais, imagens antigas e representações artísticas (a imagem na imagem), documentos familiares, sem que nenhumas legendas as identifiquem separadamente. A descoincidência entre imagem e texto (e também dos tempos de ambas) é um efeito perturbador, de desrealização e em especial de distanciamento.
As fotografias de Mikael Levin são recentes mas referem três tempos distanciados entre si, desde o século XIX ao presente (Guiné, 2003; Lisboa, 2004; Zgierz, 2005 - numa sucessão inversa à sequência temporal da História e das histórias familiares), acompanhadas por imagens de álbuns de família, postais e outras fotos antigas. O preto e branco acentua a indistinção relativa dos tempos, dando a todas as imagens uma idêntica dimensão ficcional ou narrativa (mais do lado da história contada do que do documento ou do roteiro fotográfico).
Os textos referem períodos e factos históricos e também episódios de histórias pessoais, envolvendo a própria família do autor - essa relação familiar, mas não auto-biográfica, está presente desde o início - como uma garantia de verdade, tão insistente que parece ser de facto uma construção ficcional. São personagens históricos e actuais ou são figuras de uma história de família (ou de uma genealogia ficcionada?). São histórias da diáspora judaica (de Zgierz a Lisboa) e talvez de uma outra e diferente dispersão/emigração já só portuguesa.
Não, não se trata de personagens de ficção:
"The modern story of the Synagogue of Tomar is linked to the activities of Samuel Schwarzwho purchased the building in 1923. A native of Zgierz, Poland, and a mining engineer, Samuel Schwarz (also spelled Szwarc) (1880-1953), is best known today for his discovery of crypto-Jewish families in north-eastern Portugal, chiefly in the town of Belmonte. Because of the outbreak of WW I Samuel Schwarz and his wife could not leave Portugal where they were honey-mooning. They decided to stay in Portugal for good, where Samuel Schwarz dedicated himself to restoring and organizing Jewish life in that country, even serving for a time as President of the Jewish Community of Lisbon. Samuel Schwarz undertook at his own expense the works of cleaning and excavation of the synagogue of Tomar. Plans to transferring the building to the State of Portugal could not be realised because of a lack of funds. Only in 1939, following a donation by Samuel Schwarz, the building was converted into a museum. In return Samuel Schwarz and his wife were granted Portuguese citizenship that protected them during the Second World War." in "The Synagogue of Tomar, Portugal"
1 - Zgierz, Isuchaar Szwarc (bizavô), 1859-1939/40?, nascido numa família de comerciantes, erudito e um dos primeiros defensores do sionismo; morre logo após a invasão da Polónia na 2ª Guerra.
2 - Lisboa, Samuel Szwarc / Schwarz, filho de Isuchaar, engenheiro de minas, instala-se em Portugal no início da 1ª Guerra. Publica estudos sobre os Marranos; vende pirite aos ingleses durante a 2ª Guerra. Pai de Clara, que casa com Artur da Silva, e partem em 1947 para a Guiné.
3 - Guiné: Artur, advogado, e Clara, professora. Artur é banido da Guiné em 1966; regressam depois da independência. Pais de Carlos, agrónomo, casado com Isabel Levy, pais de Cristina.
O ténue fio de uma genealogia familiar é invadido pela História política do século XX, com coincidências parciais no período entre as duas guerras mundiais, centrado inicialmente na questão judaica e deslocando-se para outras migrações ou dispersões contemporâneas (onde não parece tratar-se já da diáspora dos judeus, mas talvez seja a sua actualização de outros modos - a confrontar com o Manifesto Disporista de Kitaj?).
2
25/Out./2009
e na Time out (não acessível)
Polónia, Lisboa, Bissau, três etapas e três/quatro gerações; a diáspora judaica, a história do século XX e histórias pessoais, as da família do próprio autor; a realidade, os seus sinais ou vestígios e a arte (a realidade é maior que a arte - e a abertura nessa direcção é aqui a qualidade primeira); as imagens, fixas e projectadas, e o texto que as acompanha são dados, objectos ou informações distintas e dissemelhantes e os seus tempos não coincidem - a relação entre ambos, texto e imagem, é instável, fragmentária, movediça e é essa incerteza que atribui uma maior densidade ao que se observa e ouve.
Ainda não encontrei ninguém que tenha visto esta exposição-instalação, que me parece ter uma importância e uma qualidade raras; mas as pessoas do mundo da arte não visitam exposições, frequentam inaugurações.
Estamos longe da arte praticada como jogo social e convenção disciplinar onde vão a par a gratuitidade da invenção formal e a vacuidade conceptual; aqui, o "projecto" e todos os meios envolvidos convergem e organizam-se metodicamente para fazer dos materiais de exposição pistas possíveis para uma exploração do mundo e da história. Meros fragmentos mais ou menos reconhecíveis, objectos que podem ser documentos históricos, testemunhos factuais, observações aleatórias ou construções ficcionais, eles podem (ou não - depende do envolvimento do espectador) dar passagem ao interesse por uma história ou por um presente que são sempre maiores do que os vestígios ou as pistas que nos oferecem. A história de Cristina não é uma narrativa linear ou unívoca, e, aliás, Cristina é uma personagem ausente destas histórias que se inscrevem na história maior. Tudo se escapa entre os dedos embora tudo esteja disponível para aprofundar outras sucessivas investigações, que passam ou poderiam passar pelos marranos portugueses e a descoberta da sua história de clandestinidade; ou a posição de Portugal face aos países beligerantes na 2ª guerra,etc, etc. A arte é aqui uma qualificação posta em dúvida, como convém, face à gravidade dos acontecimentos referidos ou vividos pelos discretos personagens de M.L. e perante o esvaziamento habitual do significado das práticas artísticas.
o "I" tinha dado notícia, e não vi apesar de ser agora o jornal mais visto:
3
07/Nov./2009Mikael Levin: Lisboa / Bissau
Lisboa, Museu da Marinha
pormenor do catálogo: Bissau, Edifício governamental (Ministério da Economia e Finanças)
Bairro Quelele, Mercado
As fotografias são à primeira vista banais ou indiferentes. Na 1ª sala, são de pequeno formato, a preto e branco, e alinham-se sem intervalos. Nas salas seguintes são projectadas, de um projector imóvel ou rotativo. No catálogo aparecem numa banda contínua, cortadas no virar das páginas. As fotografias do autor misturam-se com antigos documentos, postais, etc, sem que nada as distinga. O texto dito em contínuo (loop) acompanha as imagens projectadas.
Parece sempre tratar-se de obrigar o espectador a mudar os hábitos da observação preguiçosa e a entrar na "instalação" ou na história.
O retrato de Lisboa acentua o passado colonial e em geral o peso da história, sempre sob uma monumentalidade opressiva. É uma nada amavel visão da cidade.
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