terça-feira, 28 de junho de 2016

Moçambique depois de 1981

CRONOLOGIA

1981 - «Moçambique, a Terra e os Homens», 1º Salão Nacional de Arte Fotográfica, Maputo (Concelho Municipal, 3 Fev.), na origem da Associação Moçambicana de Fotografia - AMF - por empenho de Samora Machel, no contexto da guerra civil (1976 - 1992). Moçambique, a Terra e os Homens, ed. AMF, 1982, Maputo, printed Edicomp, Roma,1984.; Introdução de José Luís Cabaço, ministro da Informação - port., fr, ing, it. Com Ricardo Rangel (capa), Kok Nam, Carlos Alberto (Vieira), Daniel Maquinasse, Danilo Guimarães, João Manuel Costa (Funcho), Jorge Almeida, José Soares, Luis Bernardo Honwana, Luis Souto, Martinho Fernando, Moira Forjaz, Naita Ussene, entre 41 autores.

1981 - Rogério, Momentos, exposição na Fundação C. Gulbenkian, Junho / Julho, Lisboa. Catálogo com textos do autor.

1983 - Moira Forjaz, Muipiti, Ilha de Moçambique, textos de Amélia Muge, Luís Filipe Pereira e da autora, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, por ocasião da visita de Samora Machel a Portugal. Moira Forjaz & Susan Maiselas (photographs by), text by Albie Sachs, Images of a revolution: mural art in Mozambique, Harare, 1983  / Imagens de uma Revolução, ed. Frelimo - 4º Congresso 1984 (imp. Minerva Central). Ruth First (pictures by Moira Forjaz), Black Gold: The Mozambican Miner, Proletarian and Peasant, St. Martin's Press, New York - Harvester Press, Brighton.

1983 Criação do Centro de Formação Fotográfica (CFF), Maputo, com apoio da cooperação italiana.  A partir de 2001, Centro de Documentação e Formação (CDFF). Direcção de Ricardo Rangel até 2009. 

1990 - Karingana ua Karingana, Il Mozambico contemporaneo visto dai suoi fotografi, a cura di Gin Angri, introduzione di Mia Couto. Ed. Coop, Associazione Nazionale Cooperative di Consumatori, Milano. Ed. bilingue, it. & port, textos de Mia Couto e Gin Angri (Catalogo della Mostra, Palazzo d'Accursio, Bologna). Com Ricardo Rangel, Kok Nam, Alfredo Mueche, Alfredo Paco, Fernando Martinho, Joel Chiziane, Jorge Almeida, José Cabral (capa), Luís Souto, Naita Ussene, Rui Assubuji, Sérgio Santimano. fotógrafos do Instituto de Comunicação Social (ICS), da Agência de Informação Moçambicana (AIM), da cooperativa fotográfica Alpha e também dos professores e ex-alunos do Centro de Formação Fotográfica,.
A guerra civil, a reconstrução o país

1992 - Uma vida a reportar a vida, pref. de Leite de Vasconcelos, ed. ENACOMO, Empresa Nacional do Comércio, Maputo. Com R. Rangel, K. Nam, J. Cabral, N. Ussene, Martinho Fernando…

1993  - Moçambique, Cinco Olhares: António Valente, Joel Chiziane, José Cabral, Kok Nam, Naita Ussene, produção CIDAC, exp. no Forum Picoas, Lisboa , 23 Abril – 2 Maio. Cat. com texto de Mia Couto.

1993 - Africa, Africa, editors Olaf Gerlach Hansen and Vibeke Rosttup Bøyesen, ed. Images of Africa, Denmark, 80 pág. "Is the first joint presentation of so many African photographers". De Moçambique: José Cabral, Martinho Fernando, Naita Ussene. 

1994 - Ricardo Rangel, Fotógrafo de Moçambique / Photographe du Mozambique, Coédition Editions Findakly, Paris/Centre Culturel Franco-Mozambicain, Maputo. français/portugais. tx de Zé Craveirinha, Mia Couto. Retrato por Rogério.

1994 - Revue Noire, nº 15, «Moçambique / Photographies», dir. Jean Loup Pivin, Paris, déc. 94 – jan. fev. 95. Moçambique: textos de Simon Njami, Aida Gomes da Silva, etc. Fotografias de Ale Júnior (capa), Alfredo Paco, José Cabral, Kok Nam, Naita Ussene, Rui Assubuji, Sérgio Santimano. 2. In "Une nouvelle photographie», Jean Loup Pivin. Com Rangel, Ale Junior, Assubuji. Santimano.

1994 - Rencontres de la Photographie Africaine de Bamako, Mali, org. Fondation Afrique en Créations, 5 - 11 Déc. Ricardo Rangel apresentado por «Revue Noire» ("Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo", 1960)

1996 -  In/sight. African Photographers, 1940 to the Present, dir. Enwezor Okwui, Guggenheim Museum, Nova Iorque, itinerante. Com Ricardo Rangel («Our Nightly Bread»).

1996 - Língua Franca, 16ºs Encontros de Fotografia de Coimbra, exp. colectiva e cat. c/ apresentação de M.C. Serén (edições em 1996 e 1998). Com Sérgio Santimano («Luisa Macuácua», 1992-95). 

1996 - 2es Rencontres de la Photographie Africaine de Bamako, Mali, org. Afrique en Creations. 9-15 Dezembro. Ricardo Rangel in «Regards Croisées» com Yves Pitchen, John Liebenberg, Pierrot Men); «Collectif Mozambique» (?) na secção Photo-reportage.

1997 - Maputo - Desenrascar a vida - Fotografias, Selecção, organização e textos de Nelson Saúte. Ed. Ndjira / Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Tipografia Lousanense. Lisboa. Cronologia elaborada por António Sopa (1500-1976). Fotos Centro de Formação Fotográfica, de Rangel, José Cabral, Rui Assubuji, Martinho Fernando, Naita Ussene, Alfredo Mueche, Carlos Cardoso, Gin Angri, Lise Lotte, etc 

1998 - L’Afrique par Elle-même, Maison Européenne de la Photographie, Paris, Juin-Aout (it. São Paulo,  Cape Town, Berlin, Londres: Africa by Africa: A Photographic View, 1999; Smithsonian, Washington, Nova Iorque; Anthologie de la Photographie Africaine et de l'Océan Indien, sous la direction de Pascal Martin Saint Leon, N'Goné Fall, Jean Loup Pivin. Éditions Revue Noir, Paris. Editions française, anglaise et portugaise (Brasil).

1998 - 3e Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako: «Ja Taa» / "Prendre Image", cat. ed. Actes Sud. Sergio Santimano, «Cabo Delgado - Une histoire photographique de l’Afrique». »L'Afrique par elle-même" (extraits).

1998 - José Henriques e Silva, Pescadores Macua, Baía de Nacala, Moçambique, 1957-1973, Exp. Arquivo Fotográfico de Lisboa; ed. Câmara Municipal de Lisboa e Comissão dos Descobrimentos, Lisboa.

2001 - IVs Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako: R. Rangel (expo. monographique); R. Assubuji, Luis Basto, S. Santimano, «Memoires intimes d’un nouveau millénaire» (expo. internationale).

2002 - Iluminando Vidas - Ricardo Rangel and Mozambican Photography / …e a Fotografia Moçambicana, dir. Bruno Z’Graggen e Grant Lee Neuenburg. Exp. Biene, Suíça; AMF, Maputo e Bamako, 2003; Culturgest, Porto, 2004; Joannesburg e Cape Town (Iluminando Vidas .Fotografia Moçambicana 1950-2001. Ricardo Rangel & the Next Generation), 2005.  Cat. ed. Christoph Merian Verlag, 2002,  two versions: English/Portuguese (softcover) / German/French . Tx. B. Z’Graggen, Allen Porter, Simon Njami,  António Sopa, Calane da Silva. Com Rangel, K. Nam, Joel Chiziane, João Costa (Funcho), R. Assubuji, A. Paco, Luís Basto, N. Ussene, Alfredo Muache, M. Fernando, Ferhat Vali Momade, Albino Mahumana, J. Cabral, Alexandre Fenías, S. Santinano.

2002 - PhotoFesta, Primeiros Encontros Internacionais de Fotografia, prod. AMF, comissários Rui Assubuji e Sérgio Santimano. Homenagem a Daniel Maquinasse; exp. Rogério («Verdade»), Sebastião Langa, Luís Abelard; Bamako 2001, etc. / PhotoFesta 2004, IIºs Encontros: Kok Nam («Grande angular da amizade»); João Costa («Cheiro a Independência»); colect. CFF - «Modos de Ver»; colectiva «Saudade de l’Espoir» (Ilha da Reunião, 2003) / PhotoFesta 2006 IIIºs Encontros: José Cabral («As linhas da minha mão»); S. Santimano («Terra Incógnita»); Mauro Pinto e Albino Mahumana («Ver Matola»)

2003 - Vs Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako. Moçambique: «Iluminando Vidas»; Rui Soeiro (exp. international - «Rites sacrés / Rites profanes»); Mauro Pinto, «Ports d’Afrique»

2004 - Africa Remix, Contemporary art of a continent, dir. Simon Njami, Dusseldorf; Hayward Gallery, London;  Centre Pompidou, Paris, 2005; Tokyo, Stockholm, 2006; Johannesburg, 2007. Exp. col. e cat. Com R. Assubuji, Luís Basto, S. Santimano.

2005 - VIs Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako, "Un autre monde»: Moçambique: Abilio Macuvele, Acamo Maquinasse, Rui Assubuji, Tomas Cumbana.

2006 - Snap Judgments: New Positions in Contemporary African Photography, dir. Enwezor Okwui, ICP International Center of Photograpy, Nova Iorque; Miami; Stedlijk Museum, Amsterdão, 2088: Luís Basto.

2006 - Sérgio Santimano, Terra Incógnita (Niassa), M'siro (ed. do autor), Uppsala, Suécia / VII Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako, 2007.

2006 - «Réplica e Rebeldia, Artistas de Angola, Brasil, Cabo Verde e Moçambique», dir. António Pinto Ribeiro, prod. Instituto Camões. Maputo, Luanda, Salvador da Baí­a, Rio de Janeiro, Brasí­lia e Praia. Com R. Rangel, Alexandre Santos, L. Basto, T. Cumbana, Mauro Pinto. Cat. Port.-Ing.

2010 - «Ocupações Temporárias», prod. Elisa Santos, Maputo: com Mauro Pinto (e Filipe Branquinho, documentação), catálogo em DVD; 2011, com Filipe Branquinho e Camila de Sousa; 2013 «Ocupações Temporárias – Documentos», Fund. Gulbenkian, Lisboa. Coord. Elisa Santos e António Pinto Ribeiro. Camila de Sousa, F. Branquinho, Mauro Pinto.

2011 - IXs Rencontres de la Photographie Africaine, Bamako. Expo. Pan-Africaine. Mário Macilau (The Zionists / Maziones).

2011 - BES PHOTO, CCB - Museu Berardo, Lisboa, e Pinacoteca, S. Paulo, Mário Macilau; 2012, idem, Mauro Pinto, «Dá licença!» (premiado);  2013, Lisboa e  Instituto Tomie Ohtake, S. Paulo, Filipe Branquinho, «Showtime»; 2016, Novo Banco Photo 2016, Lisboa: Félix Mula, «Idas e Voltas».

2011 - Mauro Pinto, Influx Contemporary Gallery, «Maputo - Luanda - Lubumbashi» / Gal. Bozart, Lisboa / Gal. 111, Lisboa 2014.

2012 - Mário Macilau, Gal. Influx Contemporary, Lisboa, «Taking Place» / Gal Belo-Galsterer, Lisboa «Tempo», 2013 / Galeria Belo-Galsterer «Moments of Transition», 2014

2013 Filipe Branquinho, «Occupations, portfolio, Revue Caméra, dir. Brigitte Ollier, nº 2, Avril-Juin, Paris / Galeries Photo FNAC Montparnasse, Paris / Galeria Bozart, Lisboa / Regarde-moi, Photoquai, exp. col., Musée du Quai Branly, Paris / Jack Bell Gallery, Londres «Showtime».

2013 Present Tense, Photography from Southern Africa, exp. col. e cat. port., tx fr., ing.; org. António Pinto Ribeiro, «Próximo Futuro», Fund. Gulbenkian, Lisboa, Porto e Paris. Mauro Pinto e Filipe Branquinho («Chapa 100»)

2013 - De Maputo, José Cabral e Luís Basto, com homenagens a Moira Forjaz e Rogério. Org. Alexandre Pomar, A Pequena Galeria, Lisboa. 

2015 - Filipe Branquinho, Paisagens Interiores / Interior Lanscapes, org. Alexandra Pinho, Instituto Camões, Maputo / Gal. Av. da Índia, EGEAC, Lisboa, 2016. Exp. e Cat. / Rencontres de Bamako, Expo. Pan-Africaine «Telling Time», 2015, exp. col.
















segunda-feira, 27 de junho de 2016

Fotografia em Moçambique, história antiga

O que faz a importância excepcional da fotografia de Moçambique, se valorizarmos não a actual concorrência internacional no mercado dos festivais e instituições mas a continuidade e pluralidade criativa de várias gerações de fotógrafos? De facto, essa continuidade - pouco sustentada externamente, embora divulgada - só parece ter paralelo na fotografia da África do Sul, que obviamente está um patamar acima, porque é um imenso país com uma imensa história. Como se devem ponderar as variáveis que fazem a diferença da fotografia de Moçambique? Atravessam-na duas marcas constantes, a insistência no documentário social, renovando os seus caminhos, e a recusa (ou incapacidade) do exotismo, que ocupa muito do panorama africano e africanista.
A fotografia moderna de Moçambique começou pela década de 60 com dois fotojornalistas mestiços de longas carreiras, ambas iniciadas na imprensa colonial: Ricardo Rangel (1924, Lourenço Marques - 2009, Maputo) e Kok Nam (1939, LM - 2012, Maputo). Fica datada uma clara ruptura com o tempo anterior com a publicação do semanário ilustrado «Tempo», a partir de 20 de Setembro de 1970, onde Rangel publicava os «editoriais» fotográficos («Objectiva R.R.») e as reportagens da vida dos bairros negros, com a cumplicidade do jornalista e poeta José Craveirinha. Antes, houve alguma actividade do Núcleo de Arte e salões de amadores. E, muito mais atrás, os dez «Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colónia de Moçambique» editados por José dos Santos Rufino (1929, impressos por Broschek & Co., Hamburgo), que continuaram sempre presentes. 

Tem de sublinhar-se a personalidade forte de Ricardo Rangel e a capacidade de se afirmar como profissional brilhante e fotógrafo insubmisso numa carreira sempre ascendente na imprensa colonial. Foi também activista do Jazz, a música dos negros que muito se cruzou com a fotografia. E certamente reconhece-se a transigência táctica do poder colonial perante o fotojornalista mestiço (de ascendência grega) e oposicionista, a favor da aparição de elites intermédias entre as veleidades dos extremistas brancos e as ambições dos nacionalistas negros, como quem divide para reinar e aposta em vários tabuleiros. Entrou como aprendiz num laboratório fotográfico, nos anos 40, tornou-se um impressor reconhecido e foi o primeiro fotojornalista "de cor" na imprensa branca - desde o «Notícias da Tarde», em 1952, no «Notícias», em 1956, e chegando a chefe em «A Tribuna», 1960-64; depois na Beira, 1964, no «Notícias da Beira» e no «Diário de Moçambique» e na revista "Voz Africana", estes dois publicações da Diocese da Beira, presidida por D. Sebastião Soares de Resende. De novo no «Notícias» 66-70 e a seguir o «Tempo», de que foi um dos fundadores. Após a independência, foi fotógrafo-chefe no «Notícias» em 1977, director do semanário «Domingo», 1981, etc. Foi também o pilar da criação em 1983, com apoio da cooperação italiana, do Centro de Formação Fotográfica (Centro de Documentação e Formação - a partir de 2001), que continuava a dirigir aos 85 anos.
A repressão política poupou-o (foi preso a distribuir panfletos nos anos 40, como conta no filme de Licínio de Azevedo «Ferro em Brasa», de 2006), e a censura nunca o silenciou, mesmo se algum do seu trabalho terá desaparecido. Depois, atravessou a revolução socialista e a guerra civil e a normalização relativa, dita social-democrata, também como figura independente e como formador de fotógrafos. Foi eleito para a Assembleia Municipal de Maputo (1998-2003) pela lista de cidadãos Juntos pela Cidade, e criticou a nova imprensa oficial em "Foto-jornalismo ou foto-confusionismo" (2002, ed. da Universidade Eduardo Mondlane), manifesto muito ilustrado contra o mau uso da fotografia e da legendagem (foto-aberrantismo, copulismo, ilogismo, ilusionismo, etc) no principal diário de Maputo, o «Notícias».) Travou sempre a mesma luta em diferentes condições políticas, com habilidade e firmeza.

Em 1994, a cooperação francesa editou um primeiro livro, «Ricardo Rangel, Photographe do Mozambique / Fotógrafo de Moçambique» (Éditions Findakly, Paris), que o mostrava como fotógrafo crítico da sociedade colonial, autor de imagens emblemáticas sobre a diferenciação racial e social, incluíndo os brancos pobres. E logo nos 1ºs Encontros de Bamako, no mesmo ano, a sua obra começou a ser divulgada com a série «Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo (1960)», apresentada pela «Revue Noire», que então publicava um número monográfico sobre Moçambique (nº 15, Décembre). Note-se que a «descoberta» de Moçambique acontece quando surgiam os primeiros panoramas da fotografia africana - «As (suas) fotos envelhecem como as de Doisneau ou de Strand alguns decénios mais cedo; ou seja, pouco ou nada, só o cenário é marcado pela história», escrevia Jean Loup Pivin na «Revue», em «Une nouvelle Photographie - L’ombre et le noir»).

Enwezor Okwui consagrou-o como um dos grandes fotógrafos africanos em 1996 na exposição e no livro «In/sight. African Photographers, 1940 to the Present» (Guggenheim Museum, Nova Iorque). Também aí era a longa série das fotografias dos bares e das mulheres da Rua Araújo ( "Our Nightly Bread» ), que lhe assegurava a maior notoriedade. Iniciara-a ainda nos anos 60 com a aparição das películas mais sensíveis, e continuou, com uma notória cumplicidade hedonista, até que a governo da Frelimo deteve a «última prostituta» - é essa foto que está na origem do filme «Virgem Margarida», também de Licínio de Azevedo, 2013. O álbum «Pão Nosso de Cada Noite», bilingue, só foi editado em 2005 (ed. Marimbique, Maputo, impresso em Santo Tirso). Rangel compareceu também em «The Short Century - Independence and Liberation Movements in Africa 1945-1994», organizada por Okwui Enwesor, em 2001 (Museum Villa Stuck, Munich; depois, Berlim, Chicago, Nova Iorque). Um último livro: «Ricardo Rangel, Insubmisso e Generoso», vários autores, org. Nelson Saúte, série Kulungwana, ed. Marimbique, Maputo 2014 (imp. Norprint, Santo Tirso).


É indispensável juntar a Rangel o nome de Kok Nam, outro fotojornalista notável e de carreira corajosa e muito longa. Começou a trabalhar nos anos 50 no laboratório e casa de produtos fotográficos Focus, onde já estivera Ricardo Rangel como impressor. Em 1966 passa como repórter fotográfico para o "Diário de Moçambique" - na delegação em Lourenço Marquese depois na sede na Beira. Em 1969 e 70 trabalha no "Notícias" de Lourenço Marques e no vespertino "Notícias da Tarde", sob a chefia de Rangel. Acompanhou a a criação  da revista "Tempo", onde continuou depois da independência e onde em 1990 era chefe de redacção. Foi entretanto um grande repórter das destruições e da fome ao tempo da guerra civil, também capaz de devolver a dimensão humana aos combatentes da Frelimo, forçado a manter-se na rectaguarda por precaução política, em contraposição e diálogo com o fotografo-guerrilheiro Daniel Maquinasse, que viria a morrer com Samora Machel em 1986. 
Repórter do tempo colonial e da «revolução popular», são particularmente relevantes as fotografias de grupos e os retratos, deixando um espólio imenso ainda a desbravar, de que dá conta o livro «Kok Nam. Preto no Branco», vários autores, org. Nelson Saúte, série Kulungwana, ed. Marimbique, Maputo, 2014 (imp. Norprint).
Depois da aprovação da primeira Constituição multipartidária do país, em 1990, e da Lei da Imprensa, em Agosto de 1991, fundou com outros jornalistas, vindos quase todos dos quadros da Agência de Informação de Moçambique (AIM), da revista «Tempo» e do semanário «Domingo», o primeiro orgão de comunicação independente do controlo estatal e governamental, o projecto Mediacoop (1992). Ao «MediaFax», marco na mudança pluralista da imprensa moçambicana, sucedeu o semanário «Savana» em 1994, de que foi director até à morte. 

Outras datas, outros nomes

Em 1972 Rui Knopfi (1932, Inhambane - 1997, Lisboa ) publicou um álbum de poemas e fotografias sobre a Ilha de Moçambique: «A Ilha de Próspero», Edição Minerva Central, Lourenço Marques. Era um «roteiro privado» e também patrimonial, publicação pioneira, sem continuidade.
Do mesmo ano é «Moçambique a Preto e Branco», com Rangel, Kok Nam, Rui Knopfi e outros, amadores salonistas, edição natalícia da CODAM, empresa portuária de Lourenço Marques, com organização não creditada de José Luís Cabaço, que viria a ser ministro da Informação da República Popular.
Em 1973 aconteceu a primeira exposição de Rangel, Rogério e Basil Breakey, fotógrafo de Cape Town, realizada no Núcleo de Arte (e parece que também na Beira). É o jazz que os liga e deverá ter sido Rogério a fazer Rangel passar da página impressa à parede. Expõem de novo em 1975, na Casa Amarela, com mais nomes: Rangel, Kok Nam, B. Breakey, Peter Sinclair e outros (sic - Informação do catálogo de Rogério, F. Gulbenkian, 1981.

Rogério ou Rogério Pereira (1942, Lisboa - 1987, Setúbal) é uma figura mais meteórica, um artista inconformado e informado, que terá sido especialmente influente graças à circulação pela África do Sul. Fez a transição do tempo colonial para o pós-independência, foi professor de fotografia durante dois anos em Maputo, mas regressou a Portugal em 1979, inadaptado em todos os regimes.

Fotografou desde 1966, em Lourenço Marques, trabalhou no «Sunday Times» de Johannesburg, em 1968; teve colaboração publicada na revista «Drum» (1969, 1973). Participou em exposições colectivas em Johannesburg e Cape Town desde 1969 (refere "Images of Man", promovida pelo "International Fund for Concerned Photography"). São informações extraídas do catálogo de uma mostra desgarrada (descontextualizada) que realizou na Fundação Gulbenkian. («Momentos», 1981), mal recebida por António Sena mas saudada na revista «Nova Imagem» de Pedro Foyos (importante portfolio no nº 1, Julho de 1980, com entrevista de Victor Dimas, «‘O fotografo tem de estar dentro da razão’»). Estava-se diante de um fotógrafo radical, revoltado, com imagens de uma grande veemência crítica, indisciplinadas, sintonizadas com rupturas dos anos 60/70. Fotografias vibrantes, duras, «tremidas», sub-expostas, inquietas.

O espólio regressou a Maputo e é conservado pela sua família africana. Em 1990 foi-lhe dedicada uma retrospectiva em duas partes na Associação Moçambicana de Fotografia, com a colaboração de Rangel, Kok Nam e José Pinto de Sá, que escreveu o texto do catálogo. Em 2002, a 1ª edição do PhotoFesta, Encontros Internacionais de Fotografia de Maputo, dedicou-lhe uma exposição antológica com o título “Verdade”. Em 2013 n’A Pequena Galeria recordei-o com duas magníficas fotos esquecidas na Colecção Gulbenkian numa mostra de grupo («De Maputo», com José Cabral e Luís Basto, também com Moira Forjaz).

Bem relacionado com jornalistas-escritores como Luís Bernardo Honwana e Craveirinha, e em geral com o meio das artes, Pancho Guedes (Amâncio de Alpoim Miranda Guedes, 1925, Lisboa - 2015, África do Sul), formado em Joanesburgo, fez desde o início dos anos 60, pelo menos, um uso funcional e eficaz da fotografia, sem que a tenha valorizada como objecto de arte e exposição. Arquitecto, pintor e escultor, fotografou sempre muito, e tudo, coligindo retratos e informação documental; é relevante a sua presença fotográfica impressa, com o respectivo design gráfico: manifesto “A cidade doente, várias receitas para a curar. O mal do caniço e o manual do vogal sem mestre”, dupla página em «A Tribuna», 9-6-1963; artigos ilustrados em «Aujourd’hui: Art et Architecture», nº 37, 1962, Paris, sobre os «Mapogga» (agora, Ndebele), e «Architecture d’Aujourd’hui», 1962, Juin-Juillet, sobre a sua arquitectura. Moira Forjaz frequentara a casa-atelier da rua de Nevala desde 1961, ao tempo das pontes estabelecidas com o Ibadam Club e a revista «Black Orpheus», de Ulli Beier, na Nigéria.
Viria a ser descoberto como fotógrafo, nas suas mais tardias fotografias de viagem, a partir da África do Sul e de Lisboa, em «Pancho Guedes nunca foi ao Japão», edição de José Luís Tavares, Lucio Magri e João Faria, ESAD, Matosinhos, 2015.


À margem desta narrativa ficou José Henriques da Silva (1919, Lisboa - 1983, Lisboa; em Nampula desde 1956). Engenheiro civil, fotógrafo activo entre 1957 e 1973, com um uso caloroso e intimista (relacional - fez em especial retratos) das imagens, junto das populações negras locais, mas sem expressão pública. Viu-se no Ar.Co, em 1983, uma selecção organizada por Joana Pereira Leite, a que se seguiu em 1998 a edição de «Pescadores Macua. Moçambique, Baía de Nacala 1957-1973», com impressões de Michel Waldmann e grafismo de Victor Palla. Ed. Câmara Municipal de Lisboa e Comissão dos Descobrimentos, Lisboa. Com exposição no Arquivo Fotográfico de Lisboa, e também em Moçambique.