sábado, 17 de novembro de 2018

ETHER 7. 1992 Olho por Olho (Parte I)







Em 1991, António Sena comissariou a representação da fotografia portuguesa levada à Europália, o grande festival cultural belga que de dois em dois anos se dedica a sucessivos países.
Teve uma vertente histórica e outra contemporânea que se distribuíram pelos museus de fotografia de Charleroi e de Gant. Editou-se um catálogo, Portugal 1890-1990, algo amputado na Bélgica em relação às intenções do comissário, tal como a mostra não foi um panorama tão alargado como pretendia. Depois, por problemas de ordem logística e orçamental, a mostra não se repetiu em Portugal. Isto é, não foi atribuído um novo orçamento à remontagem da exp. em Portugal - e note-se que só foram reapresentadas as exposições que tinham tido comissários dependentes da SEC.

(Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura anunciara, antes do início do festival, que toda a Europália - que constituía a mais alargada embaixada cultural desde sempre levada ao exterior - se iria poder ver depois no país; a promessa era temerária, mas S.L. viabilizou-a quase por completo ao nomear Simoneta Luz Afonso, que fora a comissária da área das exposições (sob o comissariado geral de Rui Vilar), para o cargo então criado de directora do Instituto Português de Museus, separando este do Instituto do Património.
"O Triunfo do Barroco", exposição estrela, viu-se no CCB e quase todas as restantes se puderam ver em Lisboa ou Porto, sem despesas de maior, pondo-se a funcionar os canais hierárquicos oficiais. O caso da fotografia, onde se produzira uma exposição pioneira e de grande qualidade, mais ou menos polémica ou idiossincrática, como é natural, foi diferente. António Sena não dependia do IPM e era preciso o seu acordo e mais investimentos. A exposição retrospectiva, que seria a primeira a dedicar-se à história da fotografia em Portugal na base de pesquisas informadas, não se repetiu - nem se completou como pretendido. Perdeu-se uma oportunidade que ainda não foi recuperada.)

Para a Europália produziu-se uma colecção de pequenos volumes temáticos ("Sinteses da Cultura Portuguesa", Imprensa Nacional, e António Sena publicou Uma História da Fotografia - Portugal 1839 a 1991, também com versões em francês e inglês. O volume - que se apresentou como "uma síntese de referêrencias"  e não "um livro de divulgação"- antecipou, nas suas 184 páginas, a História da Imagem Fotográfica em Portugal - 1939-1997, que António Sena publicou em 1998 na Porto Editora (472 págs.)

Em vez da exposição antológica levada à Europália'91, A.S. apresentou na Ether em 1992 uma outra retrospectiva histórica que por razões de espaço foi dividida em dois episódios. No texto que se publica acima, como um significativo documento, critica a ignorância reinante sobre o passado da fotografia em Portugal e a pouca seriedade das entidades com intervenção nesta área, contrastando-a com o registo comemorativo dos dez anos de actividade da Ether. A mostra e o respectivo catálogo chamaram-se Olho por Olho - Uma História de Fotografia em Portugal 1839-1992, e a edição limitou-se a 131 exemplares numerados e carimbados (dos quais 50 em edição inglesa). É dito tratar-de de um suplemento em edição limitada à "Síntese" referida acima (ed. IN/CM 1991), e teve uma distribuição obviamente restrita, ou confidencial. (Digitaliza-se o exemplar nº 38, com anotações).

O título "Olho por Olho" sugere uma atitude de retaliação face à incúria, à ignorância e incompetência reinantes à data no país na área da divulgação e coleccionismo fotográficos (que se prolongariam nas décadas seguintes), e talvez possa ser posto em relação com as notícias recentes sobre uma intenção de António Sena de tornar definitivamente inacessíveis as sua biblioteca, arquivo e colecção, acervos indispensáveis para qualquer propósito de estudo da história da fotografia em Portugal e de revisão crítica e actualização da sua própria História da Imagem.
Importará entretanto, por isso mesmo, recuperar a memória e reconstituir a actividade da Ether e de António Sena ao longo das décadas de 1980 e 90 para as gerações que não a conheceram nem têm à disposição as suas publicações. Desse modo poderemos ser mais exigentes quanto às condições de preservação e acessibilidade de um acervo considerado privado, mas que pertenceu parcialmente a uma entidade associativa e que conta com peças de propriedade contestada. E mais decididos quanto às ameaças que pendem sobre a sua localização futura e integridade.

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