Mestiço, de ascendência grega, africana e chinesa, dotado de uma personalidade forte e brilhante profissional, beneficiou da transigência táctica do poder colonial que desejava acolher elites locais alternativas à pressão dos extremistas brancos e às ambições dos nacionalistas negros. A repressão política poupou-o e a censura nunca o silenciou, mesmo se algum trabalho terá desaparecido. Foi depois uma figura de referência no Moçambique independente (pós-1975). Atravessou o socialismo, a guerra civil e a normalização política, sempre como uma voz independente, crítica da imprensa oficial e desde 1981 à frente do Centro de Formação Fotográfica, que dirigiu até à sua morte.
A afirmação internacional de Rangel começou em 1994, logo no primeiro tempo da descoberta da fotografia feita por africanos - Moçambique foi então um país em foco. Nesse ano a cooperação francesa editou um primeiro livro, «Ricardo Rangel, Photographe do Mozambique» (Éd. Findakly, Paris), que o mostrava como crítico da sociedade colonial, autor de imagens emblemáticas sobre a diferenciação racial e social, repórter atento aos bairros negros e também aos brancos pobres. E logo nos 1ºs Encontros de Bamako, no mesmo ano, a outra vertente mais oculta da sua obra, dedicada às mulheres dos bares do porto de Lourenço Marques, nos anos 60/70, com uma notória cumplicidade sensual, foi apresentada pela Revue Noire. A série «Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo» foi depois consagrada por Enwezor Okwui na exposição «In/sight. African Photographers, 1940 to the Present» (Guggenheim Museum, 1998), e veio a ser publicada em livro em 2005: «Pão Nosso de Cada Noite» / "Our Nightly Bread» (ed. bilingue, Marimbique, Maputo).
José Cabral é o outro pioneiro da fotografia moçambicana, situado entre a dinâmica colectiva do fotojornalismo inspirado por Rangel e a nova geração de fotógrafos-artistas que tem alcançado circulação internacional, de que fazem parte Mauro Pinto e Filipe Branquinho. Mas Cabral foi um mestre diferente - irreverente, individualista, indisciplinado.
Com uma obra original desde que em 1975 trabalhou como fotógrafo no Instituto Nacional de Cinema, a que se seguiram alguns poucos anos como reporter fotográfico, realizou encomendas documentais e foi professor influente no Centro de Formação Fotográfica, de 1986 a 1990. É um artista das margens, por vezes revoltado e irascível, o que as suas fotografias não deixam adivinhar, na serenidade dos seus itinerários por Moçambique e na ternura com que olha as pessoas dos seus inúmeros retratos. E é o homem da ruptura, que veio trazer ao colectivo da fotografia de Moçambique a necessidade do discurso pessoal, fundado no conhecimento da fotografia internacional, nas viagens e emainteresses culturais alargados.
A diferença da sua obra foi sendo sublinhada pela referência autobiográfica presente em grandes exposições construídas como antologias pessoais: «As Linhas da Minha Mão", 2006, Maputo (com homenagem a Robert Frank no título); "Urban Angels / Anjos Urbanos", 2009, Lisboa e Maputo (as crianças, os seus filhos e os dos outros); "Espelhos Quebrados", 2012, Maputo (auto-retratos que sinalizam percursos de vida e de criação). Foi uma contribuição corajosa para pôr em evidência o papel e o lugar de quem vê e fotografa, como artista que intervém no presente de um país em mudança.
A actualidade de Cabral não foi a guerra civil, a violência urbana ou a miséria quotidiana - é sempre a da vida comum e é de um olhar mais profundo e definitivo que se trata, à distância de muita fotografia africana que balança entre a vitimização e o exotismo. Não há lugar na sua obra para retóricas fotográficas formalistas e o discurso pessoal nunca é indiferente à realidade do país - é um acto interveniente, lúcido e livre. Uma antologia do seu trabalho foi publicada em 2018 no livro «Moçambique» (ed. XYZ Books, Lisboa, e Kulungwana, Maputo).
Mauro Pinto e Filipe Branquinho são dois jovens fotógrafos com ampla circulação internacional, ancorados na realidade de Moçambique e renovando projectos documentais.
O primeiro, Mauro Pinto (n. 1974, Maputo), estudou em Johannesburg e desde 2000 que participa em exposições colectivas e festivais em Moçambique, Angola, África do Sul, Brasil, França, Noruega, Ilha da Reunião e Portugal - onde venceu o Prémio BES Photo 2012, com a série «Dá Licença» / «Excuse Me», realizada no bairro popular de Mafalala em Maputo. O seu trabalho combina projectos de longo fôlego de índole documental e imagens isoladas e sintéticas onde se concentram situações algo enigmáticas, efeitos de contraste e surpresa que desafiam a atenção do espectador, e em que o humor está também muito presente. É uma via para questionar com grande eficácia visual a prática da criação visual - o que é a arte e o testemunho, a comunicação e a informação. Uma série recente mostrou máscaras de folhas e penas do Burkina Faso sob o título «Ç’est pas facile»
Filipe Branquinho (n. 1977, Maputo) tem formação em arquitectura e segue uma dupla carreira de fotógrafo e ilustrador. Num projecto agora em curso, intitulado “Lipiko”, em que utiliza máscaras mapiko de tradição maconde, associa desenho e fotografia com um forte sentido de sátira para propor a reflexão sobre aspectos e valores da actualidade nacional. Nas séries anteriores têm-se sucedido projectos fotográficos que propõem a leitura da realidade actual de Moçambique, em geral sobre a identidade urbana, as pessoas e o seu espaço na cidade, entre memórias e o presente, a actualidade nacional e a tradição: "Ocupações" (retratos de habitantes anónimos nos seus lugares de trabalho ou de vida - PHOTOQUAI 2013 e Revue Camera, Paris, nº 2, 2013); «Showtime», 2013 (retratos de mulheres num regresso à Rua Araújo que evocava Rangel e Cabral); «Interior Lanscapes» (arquitecturas de Maputo e a reutilização de velhos espaços do tempo colonial - Prémio POPCAP 15 de Fotografia Africana); «Gurué 15° 28‘ S 36° 59’ E“ (as imensas paisagens do chá na Zambézia). É um trabalho com evidente coerência temática e sempre sem concessões à facilidade ou ao exotismo
Moçambique é um país de muitos notáveis fotógrafos e outros nomes se têm afirmado ao longo do tempo, com especial destaque para Kok Nam (1939-2012, parceiro de Rangel), Moira Forjaz (vinda do Zimbabwe), Sérgio Santimano, João Costa (Funcho), Luís Basto, Mário Macilau. Mas é também um país pobre com escasso mercado interno, distante e isolado pela língua, fechado sobre a doçura do seu quotidiano e a beleza natural, que tem permanecido quase alheio aos trânsitos artísticos internacionais. Quatro fotógrafos - Rangel, Cabral, Pinto e Branquinho -, abrem aqui as fronteiras de Maputo.
Alexandre Pomar
Quatre photographes du Mozambique
Ricardo Rangel a été le pionnier de la photographie au Mozambique et le maître reconnu de plusieurs générations de photographes. Fort de sa longue carrière (1924, Lourenço Marques - 2009, Maputo), il a su s’imposer dans la presse coloniale depuis la fin des années 1950, où il fut le premier photojournaliste non-blanc. Il a connu une évolution croissante malgré son orientation politique contre le régime.
Métis, d'ascendance grecque, africaine et chinoise, doté d'une forte et brillante personnalité professionnelle, il a bénéficié du compromis tactique du pouvoir colonial souhaitant accueillir les élites locales, alternatives à la pression des extrémistes blancs et aux ambitions des nationalistes noirs. Il a échappé à la répression politique sans jamais être réduit au silence par la censure, même si certains de ses travaux auraient disparu. Il fut un personnage de référence au Mozambique indépendant (après 1975). Il a traversé le socialisme, la guerre civile et la normalisation politique, toujours en tant que voix indépendante, critique de la presse officielle et depuis 1981 à la tête du centre de formation photographique (Centro de Formação Fotográfica) qu'il a dirigé jusqu'à sa mort.
L’internationalisation de Rangel a commencé en 1994, lors de la première découverte de la photographie faite par des africains. Le Mozambique était alors au centre des attentions. La coopération française publia cette année-là un premier livre, "Ricardo Rangel, photographe du Mozambique" (Ed Findakly, Paris), qui le décrivait comme le critique de la société coloniale, auteur d'images emblématiques sur la différenciation raciale et sociale, reporter à l’écoute des noirs et aussi des blancs pauvres. Dès les premières Rencontres de Bamako (Encontros de Bamako), la même année, l'autre face plus cachée de son travail, dédiée aux femmes des bars du port de Lourenço Marques, dans les années 60/70, avec une complicité sensuelle notoire, a été présentée par la Revue Noire. La série de photos intitulée "Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo" a ensuite été consacrée par Enwezor Okwui lors de l'exposition "In/sight. African Photographers, 1940 to the Present" (Guggenheim Museum, 1998) et également publiée dans un livre en 2005 : " Pão Nosso de Cada Noite" / "Our Nightly Bread " (ed. bilingue, Marimbique, Maputo).
José Cabral est l’autre pionnier de la photographie mozambicaine, situé entre la dynamique collective du photojournalisme inspirée par Rangel et la nouvelle génération d’artistes photographes qui ont atteint un rayonnement international, comme Mauro Pinto et Filipe Branquinho. Mais José Cabral était un maître différent - irrévérencieux, individualiste, indiscipliné. Photographe depuis 1975 à l'Institut national du film (Instituto Nacional de Cinema), puis photoreporter pendant quelques années, il a également réalisé des documentaires et fut enseignant au centre de formation photographique (Centro de Formação Fotográfica) de 1986 à 1990. José Cabral est un artiste en marge, parfois en colère et irascible, ce que ses photographies, dans la sérénité de ses voyages au Mozambique et dans la tendresse avec laquelle il regarde les personnages de ses nombreux portraits, ne laissent d’ailleurs pas deviner. Il est l'homme de la rupture, qui est venu apporter au collectif de la photographie du Mozambique la nécessité d'un discours personnel, fondé sur la connaissance de la photographie internationale, les voyages et les intérêts culturels.
La différence de son travail a été soulignée par la référence autobiographique présente dans de grandes expositions construites comme des anthologies personnelles : "As Linhas da Minha Mão", 2006, Maputo (avec un hommage à Robert Frank dans le titre) ; "Urban Angels / Anjos Urbanos", 2009, Lisbonne et Maputo (avec ses propres enfants) ; "Espelhos Quebrados", 2012, Maputo (autoportraits représentant des parcours de vie et de création). Un travail courageux pour souligner le rôle et la place de celui qui voit et photographie, en tant qu’artiste intervenant dans le présent d’un pays en mutation.
Les sujets choisis par José Cabral n’étaient pas la guerre civile, ni la violence urbaine ou la misère quotidienne, mais plus la vie quotidienne avec un regard plus profond sur les choses, à la différence de beaucoup de photographies africaines qui oscillent entre victimisation et exotisme. Son travail lucide et libre, basé sur la réalité du pays ne laissait pas de place à la rhétorique photographique formaliste. Une anthologie de ses travaux a été publiée en 2018 dans le livre "Moçambique" (éd. XYZ Books, Lisbonne et Kulungwana, Maputo).
Mauro Pinto et Filipe Branquinho sont deux jeunes photographes de portée internationale, ancrés dans la réalité du Mozambique et renouvelant des projets documentaires. Le premier, Mauro Pinto (né en 1974 à Maputo), a étudié à Johannesburg et participe depuis 2000 à des expositions collectives et à des festivals au Mozambique, en Angola, en Afrique du Sud, au Brésil, en France, en Norvège, à la Réunion et au Portugal, où il a remporté le prix BES Photo 2012, avec sa série de photos "Dá Licença" / "Excuse Me", réalisée dans le quartier populaire de Mafalala à Maputo. Son travail associe des projets de longue haleine de type documentaire à des images isolées concentrant des situations quelque peu déroutantes, des effets de contraste et de surprise qui défient l'attention du spectateur et dans lesquels l'humour est également très présent. Une manière efficace pour Mauro Pinto de remettre en question la pratique de la création visuelle : qu'est-ce que l'art et le témoignage, la communication et l'information… Une série de photos récente a montré des masques de feuilles et de plumes du Burkina Faso intitulée "Ç’est pas facile".
Filipe Branquinho (né en 1977 à Maputo) est diplômé en architecture et poursuit une double carrière de photographe et illustrateur. Dans un projet en cours intitulé "Lipiko", dans lequel il utilise des masques en mapiko de tradition Maconde, il associe le dessin et la photographie à un fort sentiment de satire pour proposer une réflexion sur les aspects et les valeurs de la société. Dans ses projets photographiques précédents, il a proposé une lecture de la réalité actuelle du Mozambique, autour de l'identité urbaine, des habitants et de leur espace dans la ville, entre la mémoire et le présent, l'actualité nationale et les traditions : "Ocupações" (portraits d'habitants anonymes sur leurs lieux de travail ou de vie - PHOTOQUAI 2013 et Revue Camera, Paris, n°2, 2013) ; "Showtime", 2013 (portraits de femmes lors d'un retour à la Rua Araújo évoquant Rangel et Cabral) ; "Interior Lanscapes" (architecture de Maputo et réutilisation d'anciens espaces de l'époque coloniale - Prix POPCAP 15 de la photographie africaine) ; "Gurué 15 ° 28 'S 36 ° 59' E" (les immenses paysages de thé en Zambézie). Un travail construit autour d’une thématique cohérente et évidente, qui ne cède pas à la facilité ou à l'exotisme.
Le Mozambique est un pays de nombreux photographes notables et d'autres noms se sont affirmés au fil du temps, avec un accent particulier sur Kok Nam (1939-2012, partenaire de Rangel), Moira Forjaz (originaire du Zimbabwe), Sérgio Santimano, João Costa (Funcho), Luís Basto, Mário Macilau. Mais c’est aussi un pays pauvre avec un marché intérieur rare, distant et isolé par la langue, fermé sur la douceur de sa vie quotidienne et la beauté de sa nature, sans grand lien avec les transits artistiques internationaux. Quatre photographes - Rangel, Cabral, Pinto et Branquinho - ouvrent ici les frontières de Maputo.
Informação da Galeria MAGNIN-A
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