sábado, 6 de julho de 2013

Sena da Silva

À esq. fotografia de Sena da Silva: Elevador, Lisboa, 1956/57 (impressão de António Paixão), prova de época, nº 36 do catálogo "Uma Retrospectiva", Fundação de Serralves / Fotoporto; comissariado de Anrónio Sena / ether.
A direita, fotografia atribuída a Sena da Silva na exp. "Uma antologia fotográfica", apresentada pela CML na Cordoaria, comissariada por Sérgio Mah.

É injustificado o uso do negativo integral, o quadrado próprio da Rollei, no caso de um fotógrafo que usou regularmente os reenquadramentos, e assim se transforma a excelente imagem da esq. numa fotografia banal, ao alcance de qualquer turista preguiçoso e descuidado. Conhecendo-se uma prova de época deixada pelo autor e exposta em vida, a opção é ignorante, além de preguiçosa e descuidada. O autor interpretou o seu negativo, criou uma fotografia. Uma reimpressão integral do negativo é também uma interpretação, mas errada, é o falsear de uma fotografia - é a produção de um falso. Este é um caso de polícia. Os exemplos idênticos sucedem-se no caso de várias fotografias de referência de Sena da Silva, e as outras fotos (num total de 200!) são em geral anódinas ou meras curiosidades que atentam contra a importância da obra do autor.
A exposição deve ser encerrada e o comissário pelo menos despedido, se nenhuma entidade responsável o quiser ou puder acusar de atentado aos direitos de autor.
Sena da Silva maltratado numa exposição de restos : versão extensa com mais exemplos comparativos entre as fotografias de Sena da Silva e as novas versões falseadas.
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O Luiz Carvalho escreveu na sua página do fb sobre o que escrevi sobre o Sena da Silva. É um curioso contributo para a história da cultura fotográfica actual (com memórias dos anos 80/90.) Transcrevo:
"Discordo completamente com* o Alexandre Pomar.
A exposição do Sena da Silva que o Sérgio Mah editou é de uma notável qualidade de edição e produção. Não s
ão fotografias de época, são fotografias recuperadas e muito bem impressas, cuidadosamente impressas.
Tenho alguma autoridade para o dizer, mais certamente do que o Alexandre POmar que fez uma vida a escrever sobre artistas plásticos alternativos e que muito recentemente descobriu as maravilhas da fotografia.
As discussões que tivemos, nos anos 80-90, no sótão do Expresso entre ele, o Rui Ochoa, o António Pedro Ferreira e eu, terminavam aos berros porque o Alexandre Pomar, que prezo e por quem tenho amizade, mostrava sempre falar de fotografia com critérios diferentes da linguagem fotográfica. Sempre olhou para a fotografia como se fosse uma montagem de um desses artistecos pós-modernos.
A imagem original em causa é muito melhor, tem espaço à direita que lhe dá profundidade e põe a dialogar espaços diferentes, e valoriza a perspectiva. A imagem original não respira, está truncada, embora evidencie as verticais que transformam a cena numa jaula.
Mesmo que se possa discutir a apresentação do enquadramento original numa prova que o autor cropou, acho que o critério de respeitar o formato original, quadrado, 6x6, da Rolleiflex, acaba por valorizar tudo o que Sena da Silva viu.
Agora é natural que algumas vozes se levantem contra esta exposição.
O filho António Sena da Silva, que nos anos oitenta se quis afirmar como o mentor da fotografia portuguesa, outro artista plástico que apanhou a Leica do pai e começou a fotografar, sem talento nenhum, um fotógrafo falhado que Alexandre POmar promoveu no Expresso** como "crítico fotográfico", o que só dá vontade rir, deve estar incomodado com a excelente exposição.
ASSilva foi nos últimos anos indiferente à obra do pai e este espólio pertence à viúva, a sua ( dele Sena da Silva) segunda mulher.
Os lobbies agitam-se.
Parabéns ao Sérgio Mah, uma pessoa séria e de grande talento. Este sim um bom mentor da fotografia.
Todos a ver a exposição.
Vai haver uma edição especial do FOTOGRAFIA TOTAL sobre SEna da Silva."
* Deveria ser Discordo de...
** No Expresso também "promovi" Pedro Miguel Frade e Jorge Calado, na área da crítica de Fotografia. Sobre o fotógrafo em causa, o texto dereferência continua a ser" Sena da Silva: viagem ao passado", de Jorge Calado, Expresso/Revista de 23/Maio/1987, pág. 56R.
Comentário agradecido:

Passando sobre os comentários anedóticos (" Sempre olhou/ei para a fotografia como se fosse uma montagem de um desses artistecos pós-modernos"), o que importa é a apreciação das duas imagens reproduzidas : a obra de Sena e a variação sobre ela que o comissário se autorizou fazer, reinterpretando o negativo de outro modo - o que tem a ver com a apreciação formal e estética e também com a consideração da legitimidade ou não do uso arbitrário de um negativo por outrem que não o autor, em especial quando se conhece a intenção e a obra original desse autor/artista, quer numa prova de época quer numa reprodução tipográfica. Ou seja, sobre a obra de Sena e a atribuição da mesma autoria a uma outra e diferente obra, o que entra no domínio da produção de falsos.
"A imagem original em causa é muito melhor, tem espaço à direita que lhe dá profundidade e põe a dialogar espaços diferentes, e valoriza a perspectiva. A imagem original não respira, está truncada, embora evidencie as verticais que transformam a cena numa jaula."
L.C. chama certamente por lapso "obra original" à impressão recente (póstuma) quando a obra de Sena da Silva, a obra autêntica e original, a única legítima, é aquela de que ele orientou a produção no laboratório de António Paixão. É revelador de um entendimento particular (que se diria pré-moderno, ou naif, ingénuo) a preferência pela versão póstuma que "valoriza a perspectiva" (porquê o valor perspectiva se há outros valores escolhidos, no caso a quase frontalidade de parte do elevador?), com a mulher à janela e a sequência tripla das três janelas das casas, por onde se distrai o olhar e dilui o ritmo das janelas do elevador: com o quarto degrau que constitui o passeio oblíquo, desagrega-se a tensão geométrica e formal encontrada no elevador "cropado". Note-se tambéma importância atribuída à "respiração", o uso da palavra "truncada" e o comentário final que poderia abrir uma porta (uma janela, no caso) para o entendimento da obra em causa: "as verticais que transformam a cena numa jaula". Mas o L.C. é que é professor e crítico, e conhece os "critérios da linguagem fotográfica", os autênticos.
Além de tudo o resto, que tem a ver com o excercício do olhar e com o bom senso, o culto ingenuamente devocional "à Cartier-Bresson" do negativo integral não se aplica aqui, como em geral acontece quanto aos utilizadores da Rollei: o quadrado é para recortar num segundo reenquadramento tão legítimo ou mais do que o primeiro, a fotografia é feita no laboratório e em especial no ampliador (e como é do saber corrente o negativo é uma partitura a interpretar - por exemplo, uma obra para violino passada para piano chama-se uma transcrição).

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