O Solar dos Jorges

O SOLAR DOS JORGES

Enquanto houver um espaço livre, Jorge Soares irá acrescentar sempre novas figuras às paredes e muros exteriores da vivenda que comprou em 1972 como casa de férias, perto de Lisboa, onde nasceu - situada a pouca distância da Praia Azul (Boavista, Silveira, Torres Vedras). Chamou-lhe Solar dos Jorges, incluindo os nomes dos dois filhos. Depois de reformado e viuvo, já no início do século, passou a dedicar todo o tempo às decorações murais em fragmentos de azulejo, pedras roladas e outros materiais encontrados, bem como às esculturas e instalações com objectos heteróclitos que foi antes acumulando e que continua a recolher para lhes dar novos usos. 

Transformou todas as fachadas da vivenda original e deu uma nova pele às paredes da casa e aos muros junto à estrada, inventou monumentos no jardim (mais um barco, um poço, uma ponte), criou um labirinto de ruas e recantos, baptizou-os com os nomes dos familiares mais próximos, ergueu uma torre e hasteou uma bandeira, gravou versos em pedra, instalou colecções e abriu um museu privado. Todas as superfícies são invadidas por uma decoração proliferante, ordenada em painéis figurativos ou caoticamente distribuida, criada com uma grande diversidade de materiais, técnicas e inspirações, sempre com materiais reciclados e meios de trabalho rudimentares. É a construção de um universo pessoal, um puzzle enciclopédico, muitas vezes paródico, obra de um mestre do azulejo recortado que é antes de tudo um humorista.

O Gaudi da Boavista, como lhe chamaram, é um criador compulsivo que depois de uma vida de trabalho que ele celebra como a carreira de um lutador, se reiventou como um artista original, seguindo apenas as suas próprias normas e sem interesse pelo comércio da sua arte. Jorge Soares é um artista espontâneo, amador, autodidata, singular (da família internacional mas rara dos «singuliers de l’art», ARC 2, Paris, 1978), um habitante paisagista tão hábil na composição e colagem dos painéis em azulejo como inesperado no uso da «assemblage» e do objecto encontrado. Frequenta uma área de imprecisas fronteiras, que já não é arte popular ou ingénua («naif») e em que as classificações (arte marginal?, «outsider»?) são mais redutoras e problemáticas do que esclarecedoras - de facto, ele relaciona-se de modo pessoal e informado com as artes culturais e canónicas, redesenhando à sua maneira motivos históricos ou de observação e reinventando práticas de vanguarda - a colagem, a assemblage, o «objet trouvé», a apropriação e já a diversificação disciplinar e estilística. Não se repete num formulário estreito e excêntrico, não ilustra  devaneios obscuros de visionário, nem se encerra num universo secreto e exclusivo. Teve uma vida familiar e profissional de sucesso, desde o futebol à distribuição de vinhos, passou já tarde por um atelier para amadores e encontrou a seguir o tempo e a liberdade necessários para a criação artística.  

É com fragmentos cerâmicos e pedras que desenha os seus painéis murais habitados por muito guardas que marcam o lugar e defendem a propriedade, como figuras de convite. As paredes são povoadas pelos animais de um extenso e elegante bestiário (gaivotas e corvos, peixes, borboletas, caracóis, macacos, cães, girafas, um elefante) e por personagens com que se identifica ou que retrata com imaginação: São Jorge e o dragão, o guerreiro antigo nu (uma auto-representação), a bela africana que um dia regressou ao seu país, as sereias e os esqueletos em acção, as efígies da República, etc. Datas, emblemas e sinais simbólicos (os signos, a flor de lis herdada do pai, que foi de pedreiro analfabeto a mestre de obras) balizam o seu percurso de vida ou reforçam a presença do humor como marca constante. Nasceu em 1942, aponta 1972 como o início do Solar dos Jorges e propõe-se continuá-lo até 2042: o programa está gravado na pedra.

É apenas para si próprio que o artista Jorge Soares trabalha, mas agrada-lhe a exposição pública e o aplauso dos visitantes. Ao longo do filme que o acompanhou durante quase dois anos, Jorge Soares conduz a visita guiada à sua obra, que é toda a casa decorada e os jardins povoados de esculturas, monumentos e objectos reiventados. Inventa mais figuras ou modifica-as, trabalha pacientemente diante da câmara, fala da sua vida, apresenta-se como actor e personagem, comenta a sua arte.

O SOLAR DOS JORGES 

com a participação de Jorge Soares

Realização e montagem: Tiago Pereira / Alexandre Pomar

Imagem: Tiago Pereira

Som: Sívio Pereira 

 Fotografias de Alexandre Pomar, Luísa Cortesão e a colaboração especial de Pedro Lobo

Produção: Alexandre Pomar, 2014 (35')

Apoio à produção: Câmara Municipal de Torres Vedras

Estreia na Galeria Municipal de Torres Vedras, de 17 de Abril a 6 de Junho
Projecção e documentação fotográfica: 
http://www.cm-tvedras.pt/agenda/detalhes/11858/