quinta-feira, 25 de junho de 2015

Ângela Ferreira, com uso indevido de Jorge Dias e Margot Dias

A amálgama realizada por Ângela Ferreira ao juntar imagens documentais filmadas por  Margot Dias e as montagens saudosistas do vídeo "Moçambique - Do outro lado do tempo" (de Luiz Beja - Prod. Beja Filmes, Massamá), projectadas sem identificação reconhecível, vem agravar a repugnância crescente que me tem provocado a actuação tida por artística da referida srª. Parece-me do domínio do abuso de confiança, do desvio delinquente, do confusionismo ideológico primário a coberto do "pensamento pós-colonial". Não estando editados os filmes de Margot Dias, tratou-se de uma utilização autorizada? E por quem? A "obra" de A. F. tem por objecto ou ambição  denunciar o colonialismo de Jorge e Margot Dias e também a cumplicidade entre o Museu Nacional de Etnologia e o antigo Ministério do Ultramar - tudo com base na indigência analítica, na preguiça metodológica e na debilidade formal das fotos que mandou fazer, bem como da construção apresentada como escultura. 


Tratar-se-ia, diz a apresentação no catálogo, de uma "visão perspicaz da vida e da obra dos antropólogos" Jorge Dias e Margot Dias..., sobre "a agenda política escondida por trás das investigações do casal Dias e das suas alianças com o regime salazarista"..., que "faculta ao público a possibilidade de ler nas entrelinhas". É grave o equívoco em que induz os incautos.



Ora nem se trata do resultado inédito de alguma investigação original, ou do uso de informação desconhecida, nem as afirmações que constituem a denúncia de uma "agenda escondida" são legítimas e correctas.

Há mais alguém (da área da Antropologia, por exemplo) que se incomode?




É miserável que o Público tenha escrito: (Angela Ferreira) "investigou a fundo o trabalho que o antropólogo Jorge Dias, fundador do museu, e a sua mulher, Margot Dias, levaram a cabo em Moçambique sobre o povo maconde, e percebeu que estes não foram apenas investigadores mas também políticos.
“Jorge Dias e a sua mulher eram pagos pelo Ministério do Ultramar, escreviam relatórios políticos”, conta a artista, para quem este casal pactuava com o sistema. A pouca distância entre os edifícios é a pouca distância que existia entre o trabalho dos antropólogos e o trabalho do ministério. “As ideias políticas viajavam de um lado para o outro.”
Isto é a degradação da informação jornalística, ao reproduzir sem avaliação a informação falsa da autora Ângela Ferreira. Não vou ver quem escreveu... o Público faz-se assim.

De facto, A.F. não investigou, apenas se serviu e depois desvirtuou a informação há muito disponível sobre a Missão de Jorge e Margot Dias no Norte de Moçambique.

 fotografia
"escultura" - apropriação arquitectónica do antigo Ministério do Ultramar, hoje Ministério da Defesa

Por outro lado, é pena, mas menos estranho, que um jornal de Maputo se deixe enganar tão facilmente:

"EDIÇÃO 2015: Moçambicana é finalista do Novo Banco Photo"
"Ângela Ferreira, 57 anos, criou uma instalação inspirada no edifício onde funcionou o Ministério do Ultramar durante o antigo regime português, onde são projectados os filmes realizados por Margot Dias, mulher do etnólogo António Jorge Dias, fundador do Museu de Etnologia durante as suas campanhas por Moçambique, em que estudava os povos Maconde e, ao mesmo tempo, fazia relatos sobre a actividade política daqueles com quem se ia cruzando.
A instalação criada por Ângela Ferreira para a exposição lembra o antigo Ministério do Ultramar, actual sede do Ministério da Defesa de Moçambique.A artista plástica moçambicana recorre, nas suas obras, a uma variedade de técnicas que vão desde a fotografia, vídeo e escultura." Jornal Noticias, ed. online, Maputo ( http://www.jornalnoticias.co.mz/…/38327-edicao-2015-mocambi… ).
A identificação como moçambicana é mais uma apropriação fraudulenta.

Sim, A.F. nasceu em Moçambique, estudou na África do Sul e veio para Portugal, onde começou por ser uma artista interessante: convém-lhe agora explorar o nicho da arte contemporânea africana, mas é outro abuso (um terreno concorrido, com mais ou menos oportunismo).

Já a utilização da "Maison Tropicale" de Jean Prouvé (Veneza 2007 ) tinha sido um acto de indigência. Agora é um pouco mais grave.

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uma aproximação crítica publicada por alguém que ignora o tema da pretensa denúncia:

"... la seconde salle, dédiée à la Portugaise Ângela Ferreira, née au Mozambique et dont tout le travail tourne autour des traces du colonialisme portugais (récemment remarquée à la Fondation Ricard). Le projet présenté ici tourne autour du "père" de l'ethnologie portugaise, Antonio Jorge Dias qui, avec sa femme Margot Schmidt Dias, réalisa plusieurs missions dans le Nord du Mozambique chez les Makondés à la fin des années 50 et au début des années 60 pour le compte du Ministère portugais de l'Outremer (le Mozambique fut, jusqu'en 1975 une colonie portugaise). Dias fut aussi le fondateur du Musée d'Ethnologie de Lisbonne. Ce musée est situé près de l'ancien Ministère de l'Outremer (aujourd'hui de la Défense Nationale) et Ângela Ferreira bâtit son exposition sur cette "coïncidence" qui n'en est pas une, d'abord en juxtaposant quatre photos d'un des bâtiments et trois de l'autre, puis en construisant une petite structure suspendue, d'accès malaisé, reprenant la forme du Ministère, où est projeté son film "A Tendency to Forget".

Ce film comprend des séquences sur la vie au Mozambique au temps des colonies, et d'autres séquences tournées par les Dias chez les Makondès (avec, curieusement, les visages des Noirs floutés), accompagnées de la lecture d'extraits du journal de Margot Dias et des rapports politiques de Jorge Dias au Ministère. Si les séquences d'actualité montrent une séparation quasi totale entre Noirs et Blancs et la vie insouciante des Blancs de la colonie, les textes de Dias éclairent remarquablement l'ambiguïté de sa mission (et sans doute de toute ethnographie coloniale) : en effet, il avait aussi été chargé par le Ministère d'une mission de renseignement sur les activités anti-coloniales des indigènes, qu'il a, semble-t-il, acceptée sans trop d'états d'âme. Si la guerre d'indépendance du Mozambique ne commença qu'en 1964, il y avait alors déjà des "troubles", et Dias dénonce la "contamination" venant du Tanganyika (bientôt présidé par Julius Nyerere), les idées subversives et dangereuses, la propagande de Moscou et du Caire, cependant que sa femme s'essaie naïvement à la physiologie raciale et s'étonne que les indigènes refusent d'être photographiés. Cette collusion entre ethnographie et colonialisme, ce retard colonial (c'est quand même l'époque de la guerre d'Algérie, des indépendances des colonies anglaises et françaises, de la conférence de Bandung,..) étonnent, mais ne surprennent guère. On aimerait d'ailleurs en savoir plus sur Dias, ses ambiguïtés (je découvre ainsi qu'il passa toute la guerre dans l'Allemagne nazie) et ses éventuelles réticences. C'est donc là un discours très construit, très politique, très cohérent que nous présente Ângela Ferreira. Mais la forme ici déçoit : sept malheureuses photos de deux bâtiments et un film d'assemblage ne font, à mon avis, pas le poids par rapport à ce qui aurait pu être dit et fait sur ce sujet dense et radical."

Marc Lenot, , no blog Lunettes Rouges
"Forme et contenu : les trois photographes du Prix Novo Banco"

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De facto, o texto de Rui M. Pereira na introdução à reedição de "Os Macondes de Moçambique" esclarece de forma muito clara e documentada o contexto político da Missão em Moçambique e em geral do início muito tardio da antropologia ultramarina. Não há lugar para a "denúncia" ignorante, simplista e oportunista feita pela citada Ângela. Mas é também o uso manipulador das imagens (cedidas por quem?) e dos textos do Jorge Dias e da Margot Dias que me incomoda - ou repugna. E isto é grave no contexto das actuais relações culturais e políticas com África e com o Brasil.

Como diz Rui M. Pereira num comentário que fez sobre o caso, "os "Relatórios" de Jorge Dias estão estudados (se bem que os originais ainda algo inacessíveis) e na Introdução à reedição de 1998 do volume 1 de "Os Macondes de Moçambique" de Jorge Dias, esclareço o quadro da produção colonial de Jorge Dias e da redacção dos "Relatórios". Ora, como demonstro nesse texto, só uma leitura ignorante, simplista e maniqueísta do trabalho de Jorge Dias naquele contexto colonial o pode situar num qualquer "colaboracionismo"."

Sobre a edição de Rui M. Pereira:  http://ceas.iscte.pt/…/docs/vol_03/N1/Vol_iii_N1_213-228.pdf ). de João Leal, sobre a reed. do vol. I 
ceas.iscte revista Etnografica.



E faltará ver como chega A.F. ao Novo Banco Photo, graças a que circuito galerístico-crítico-institucional (claramente mafioso), na sequência de uma carreira estranhamente sobreprotegida.

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