quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Tereza Siza fala de Tereza Siza... a respeito do CPF

A culpa é sempre do entrevistador... 

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Entrevista com Tereza Siza, ex-directora do Centro Português de Fotografia (1997-2007) publicada na revista de fotografia, arte e ciências Studium nº 35 suplemento, editada pelo Instituto de Artes da UNICAMP, Universidade de Campinas

Extracto de uma longa entrevista editada por Iara Lis Schiavinatto e Eduardo Costa, onde por acaso venho referido:

(...)  Você citou a Galeria Ether [Vale tudo Menos tirar os olhos], que é mais ou menos desse período, no início da década de 1980.
- A Ether foi uma galeria muito importante. Ela foi criada e dirigida por António José Sena da Silva, que toda gente conhecia por Toé. E o Toé era filho do Sena da Silva, designer, e que foi, depois, diretor do Centro Português de Design. O Sena era um grande fotógrafo e tinha um círculo de amigos que era os fotógrafos silenciados pelo regime*. Nunca tinham entrado nos salões. Quer dizer: tinham produzido trabalho, alguns ainda nos anos 1950 e sobretudo nos anos 1960, mas nunca tinham entrado nos salões. Eram os proscritos. O Carlos Calvet, o Carlos Afonso Dias, o Gérard Castello-Lopes. Todos esses eram do círculo de amigos íntimos do Sena da Silva, pai. Portanto, o Toé, que tinha uma enorme biblioteca de fotografia, abriu aquela galeria e começou por levantar essa geração. A galeria era muito pequenina, mas foi importantíssima. 

Onde ficava a galeria?
- A galeria ficava na Rodrigo da Fonseca em Lisboa. Relativamente perto de onde é a sede da Fundação Oriente. Agora é uma loja de bordados. (risos). Ele fez o Victor Palla. Foi recuperar os fascículos esquecidos do ‘Lisboa, cidade triste e alegre’. De longe, o melhor livro fotográfico que alguma vez se fez em Portugal. Foi reeditado agora por uma editora que é de dois meninos - eu chamo de meninos, pois são muito novos - , que são o André Príncipe e o José Pedro Cortes. A editora se chama Pierre von Kleist. Fizeram muito bem. Eu nunca fiz, por uma estupidez. Quis sempre reproduzir aquilo na reprodução original, que era rotogravura, que dá aquele aveludado louco, aqueles negros. Foi uma estupidez. Mas ainda bem que eles fizeram. Não fizeram em rotogravura, mas está muito bem feita a edição. E, portanto, a Ether começou a agregar os novos. Nomeadamente, o Paulo Nozolino. O Alexandre Pomar, que era quem escrevia sobre fotografia no jornal Expresso, era muito próximo do Toé. O Jorge Calado também. Mas não alinhavam com o Pedro Miguel Frade**, nem do Jorge Molder.

De alguma forma, era uma disputa iconográfica, imagética***?
- Era! Acabaram por se formar aqueles dois polos. Eles correspondem, realmente, a duas visões da fotografia. Visões completamente diferentes. O Jorge Molder é uma cultura do norte, fria, conceitual, etc****. E o Nozolino é um meridional, das tripas. Um fotógrafo viajante, aventureiro, uma figura romântica. E, portanto, esses dois polos, começaram a agregar os novos. Ou mais Molder ou mais Nozolino. Percebes? Mas foi muito produtivo em termos do desenvolvimento de produção fotográfica dos novos. Foi muito produtivo! Entretanto, realmente, as galerias começaram a interessar-se por fotografia. Mas as galerias começaram a interessar-se muito por fotografia estrangeira. Porque é a que vendia caro. Por exemplo; o Luís Serpa fez a Cindy Sherman. Depois, o Serpa fez o John Coplans*****. Os grandes nomes da fotografia internacional. Vendiam e vendiam muito caro. Eles fizeram as exposições logo que a Cindy Sherman começa a publicar. Não posso precisar as datas. A exposição que eu vi do Serpa tinha a série dos ‘Untitled Film Stills’. E, depois, começaram a surgir outras galerias. Inclusive no Porto, uma galeria que ainda é muito bonita e faz muita fotografia, que é a Galeria Pedro Oliveira. Fica em frente ao Edifício da Alfândega. Uma galeria linda, onde funcionava um antigo armazém.” ******

Notas:
*A ideia dos silenciados ou proscritos é um dos absurdos da HFP, que a Teresa repete com exagero e que teve origem em informações divulgadas por ocasião das 1ªs exposições da Ether nos anos 80. É óbvio que não entraram nos salões e nos foto-clubes porque não quiseram, por elitismo ou arrogância aristocrática. Ninguém os impediria, pelo contrário, mas criaram o seu foto-clube privado e fecharam-se num breve círculo restrito. Os arquitectos Victor Palla e Costa Martins, mais implicados com a oposição política (as Exposições Gerais da SNBA), fizeram o álbum Lisboa Cidade Triste e Alegre pela mesma altura mas também sem continuidade. O Inquérito à Arquitectura Popular fez-se nos mesmos anos. Gérard compareceu uma vez num dos Salões da CUF e em 1970 expôs 30 fotografias no Pavilhão oficial português da Exposição Internacional de Osaka. Em Espanha ou no Brasil foi dentro dos Foto-clubes e nos Salões que se afirmaram os fotógrafos surgidos nos anos 50 e 60; em Portugal, o isolamento e a sobranceria diletante deste círculo bem instalado na vida foi fatal. O Regime tem as costas muito largas para envolver a preguiça e a desistência fácil, o espírito elitista e o diletantismo.

** Depois de o António Sena ter colaborado por algum tempo no Expresso, convidei o Pedro Miguel Frade, que se manteve bastante tempo em funções, com crescente desentendimento. Jorge Calado escrevia quase só sobre as exposições fora do país. Não é altura para recordar os episódios, e alguns são irrepetíveis.

*** Não sei o que é isso, mas parece-me que foi mais uma disputa estética, ética e pessoal.

**** Associar o fotógrafo Molder à cultura do norte não pode ter nada a ver com o Porto (que se considera uma terra de gente honesta) nem com os países de tradição protestante, onde a ética do rigor empresarial seria incompatível com a acumulação da carreira de fotógrafo (amador) com a direcção de uma instituição como o Centro de Arte Moderna. A promiscuidade em que cresceu a carreira do director/fotógrafo foi aceite por T.S. que, por exemplo, incluiu até os seus auto-retratos caricaturais na colectiva "Alfândega Nova", encomenda oficial exposta em 1995, sem qualquer justificação ou oportunidade. Molder era director desde 1994, e colaborava com o CAM desde 1990, sendo depois sub-director; T.S. assumiu funções em 1997, e antes já estava na órbita do ministério e circulara por Serralves e zonas próximas. Expôs "Anatomia e Boxe" de Molder logo em 1997. 

***** Antes de Luís Serpa (Galeria Cómicos, por sinal a galeria de Jorge Molder até 1995..., passando este depois à Pedro Oliveira - há fixações persistentes...) ter mostrado Cindy Sherman e John Coplans, em 1988 e 1990 (individuais), importaria destacar a programação de fotografia levada a cabo pela Galeria Módulo e Mário Teixeira da Silva, em Lisboa e no Porto. Começou antes e tem até agora uma programação independente e consistente. Também no Porto teve especial relevância a galeria ImagoLucis, uma associação de fotógrafos. As escolhas da memória da T.S. são sempre muito "institucionais".

****** Isto é só um pequeno excepto em que se fala da Ether e de mim, como muito próximo do Toé., o que foi bastante verdade, por algum tempo - mas não era conveniente entrar para sócio. O resto da conversa é apatetado e delirante.

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...mas o auto-elogio sistemático de T.S. e a sua ausência de memória e em especial de rigor (pode chamar-se displicência, autismo) não podem ser lidos como um testemunho minimamente sério: mais uma vez a HFP fica mal contada depois de ter sido mal servida. 

Tereza Siza, que foi adjunta de Albano Silva Pereira nos Encontros de Coimbra e deu aulas de história da fotografia na cooperativa de ensino da Árvore, no Porto, ficou responsável pela ida do Centro Português de Fotografia para a Cadeia da Relação (um edifício impróprio para o efeito, demasiado grande, húmido, caro, etc) e pela redacção de um estatuto oficial desse organismo cujo centralismo excedia à data tudo o que Carrilho podia ambicionarAliás, Carrilho tentou afastá-la logo alguns meses depois de a nomear, quando percebeu que não fazia parte da sua corte nem a esta obedecia (essa foi uma das suas qualidades). Para a forçar à demissão o ministro chegou a convocar um "julgamento" da sua directora numa reunião privada que se realizou no CCB com a participação de todos os seus amigos pessoais - um modelo original de julgamento selvagem a que a T.S. resistiu (não assisti nem consegui noticiar no Expresso, por ausência de acesso às fontes e silêncio da vítima). 
A longa permanência do cargo, por dez anos, a que naturalmente se sucedeu a paralisação do CPF, é um dos mistérios por resolver - para lá do que seja a força da inércia e as rotinas da decadência (hoje é uma direcção de serviços integrada na  Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas:  http://www.cpf.pt/)
As suas exposições (para além de algumas que lhe foram sugeridas por amigos, que por exemplo lhe abriram portas na Holanda) tiveram organização muitas vezes deficiente ou descuidada, em parte devido às prosas delirantes da sua adjunta Maria do Carmo Serén, o que também aconteceu com as suas edições (e chamar "Ersatz" a uma revista institucional, 12 nºs de 1999 a 2004, é mais do que significativo). Ressalva-se a qualidade do design de Andrew Howard. 
T.S. ignorou todas as pessoas com actividade reconhecida na área da fotografia, na crítica, no ensaísmo ou na organização, mesmo quando fizera apelo a essas mesmas pessoas para entrarem num orgão de conselho do instituto e para se defender das pressões do ministro Carrilho, o qual agora elogia despudoradamente. Tentou substituir-se à dinâmica dos Encontros de Coimbra e de Braga, e sobrepôs os largos meios iniciais do CPF a tudo o que mexia na área da fotografia, juntando o seu conhecido voluntarismo a uma incontida tentação autoritária. A seu favor teve a facilidade de atribuir encomendas aos fotógrafos portugueses, com larga abrangência de critérios, incluindo vários jovens autores em início de carreira, o que lhe assegurou por algum tempo os elogios da "classe". A fotografia foi metida na Cadeia, o CPF era ela.
Os fotógrafos continuaram a fotografar, alguns foram expostos e editados, mas foram tempos de involução.





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