LisboaPhoto 2003
I, II, III, Expresso/Cartaz
Em 2003, e de novo em 2005, Lisboa teve o seu mês da fotografia, o LisboaPhoto. Em 2007, a bienal desapareceu ou interrompeu-se (?), sem explicações públicas que se tenham ouvido, ou que se aceitem. Em 1993 já tinha havido um primeiro Mês da Fotografia dirigido por Sérfio Tréfaut, que ficou sem continuidade (mas o Arquivo Fotográfico de Lisboa abriu no ano seguinte, 1994).
A história repete-se: 1993. 2003-2005. E depois?Entretanto o PhotoEspaña continuaI "Fotografias pela cidade" . 24-05-2003
II "Retratos da América". 07-06-2003
III "Visões da cidade". 14-06-2003
I "Fotografias pela cidade"
Expresso/Cartaz , 24-05-2003
LisboaPhoto, primeira edição da bienal de fotografia promovida pela CML, vai apresentar 22 exposições em torno de questões urbanas
Como Madrid, Barcelona, Paris e outras cidades, Lisboa vai ter o seu mês da fotografia. Ou vai voltar a ter, depois da falsa partida de 1993, que, como diz o comissário do 1º LisboaPhoto, Sérgio Mah, deixou uma marca indiscutível «no imaginário da oferta cultural da cidade». Entretanto, Coimbra e Braga perderam ou interromperam os seus Encontros, que tiveram um papel central na divulgação da fotografia…
O projecto esta semana apresentado por José Monterroso Teixeira, director municipal de Cultura, terá um formato de Bienal e potencia a actividade regular do Arquivo Fotográfico de Lisboa, articulando-a com outros espaços institucionais da cidade num programa diversificado. A inclusão do Pavilhão de Portugal tem um declarado papel de alerta e de pressão no sentido da definição de uma vocação de índole cultural para o edifício (aí ficará o Museu Berardo?).
Com a adopção de uma linha temática em torno da cidade e questões urbanas, coroada por um título – «Passagens» - que alude ao filósofo marxista alemão Walter Benjamin (1892-1940), o programa, sustentado por uma verba da CML de 400 mil euros, compreende um núcleo central de 14 exposições e mais oito apresentadas por entidades convidadas a aderir ao projecto. A abertura ao vídeo e ao cinema, a confluência com o que se designa como arte contemporânea (o que refere mais questões de estilo e circulação institucional que de cronologia) e a acentuação da dimensão teórica na relação com as imagens são outras das regras seguidas por Sérgio Mah, professor na Universidade Nova e no Ar.Co.
É o que vai verificar-se na mostra colectiva «Arquivo e Simulação»,
 com que o programa se inícia no CCB (dia 29), «visando a reflexão sobre
 a natureza e cultura da fotografia – nas suas dimensões estéticas, 
perceptivas e especulativas – no actual panorama de combinação e 
contaminação com outros dispositivos de imagem». Entre 15 autores 
encontram-se Francis Alÿs, Sophie Calle, Thomas Demand, Lorca diCorcia, 
Pierre Huyghe, Beat Streuli, Frank Thiel e os portugueses Daniel 
Blaufuks, Alexandre Estrela, Augusto Alves da Silva e João Tabarra. 
Também no CCB será apresentado Chris Marker, com o filme La Jettée (1962) e o CD-ROM Immemory.
Na Cordoaria (dia 29) ver-se-á uma selecção das grandes paisagens norte-americanas de Joel Sternfeld,
 «American Prospects», realizadas a cores desde os anos 70, e também 
retratos recentes da série «Stranger Passing». Outra mostra é dedicada a
 fotografias e vídeos do teórico e artista conceptual inglês Victor Burgin. A componente histórica do programa inicia-se (dia 31) na Galeria D. Luis do Palácio da Ajuda com «O Mundo de Weegee», antologia do famoso fotógrafo das ruas de Nova Iorque, nos anos 30 e 40, vinda do Internacional Center of Phtography.
Já em Junho, o Pavilhão de Portugal abre dia 4 com outras tantas esposições: de Hiroshi Sugimoto, que já foi visto no CCB, chegam as imagens desfocadas de ícones da arquitectura do séc. XX, e o brasileiro Arthur Omar
 mostra «Antropologia da Face Gloriosa», dezenas de  rostos fotografados
 durante o Carnaval do Rio ao longo dos anos, a que se juntam um vídeo 
de Gilberto Reis e trabalhos recentes de Daniel Malhão e Nuno Ribeiro. 
A Galeria da Mitra apresentará fotografias de Lagos (Nigéria) realizadas pelo holandês Edgar Cleijne, na sequência de um projecto dirigido por Rem Koolhaas, e o Oceanário 25 imagens de Luís Pavão de "Lisboa em Vésperas do Terceiro Milénio" (ed. Assírio e Alvim). O Arquivo mostrará em estreia parte da Colecção de Ferreira da Cunha, incluindo alguns pioneiros da reportagem fotográfica em Portugal, e, no Convento das Bernardas, a primeira retrospectiva de Eduardo Portugal,
 que fotografou Lisboa nas décadas de 30 a 50. Por último, o Museu do 
Chiado vai expor uma antologia vinda do Centro Pompidou do fotógrafo e 
cineasta Eli Lotar (1905-1969), francês de origem romena que colaborou com as revistas «Documents» e «Minotaure».
O programa (a consultar em www.lisboaphoto.pt)
 prolonga-se com participações das escolas Ar.Co e Maumaus, do Instituto
 Franco-Português e das galerias Cristina Guerra, Luís Serpa, Lisboa 20,
 Baginski e Promontório Arquitectos.
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LisboaPhoto 2003 - II
"Retratos da América" (Weegee e Sternfeld)
in Expresso/Cartaz 07-06-2003
Dois fotógrafos dominam o programa do LisboaPhoto, o histórico Weegee e o contemporâneo Joel Sternfeld
As 
paisagens americanas de Joel Sternfeld expunham-se em grandes provas de 
40,7 por 50,8 centímetros e eram fascinantes no seu registo distanciado 
de infinitos pormenores, e na tranquila suavidade das cores em que se 
distinguiam as diferenças de luminosidade dos lugares e das estações. 
Agora surgem em enormes ampliações de 122 por 152,4 cm (em edições de 
dez exemplares) e ganharam ainda melhores condições de visibilidade no 
novo formato permitido pelas tecnologias digitais de impressão. 
O
 olhar, e também o corpo, deambula por estas imagens de inexcedível 
clareza, percorrendo a paisagem, os seus objectos e habitantes, num 
lento exercício de descoberta onde o realismo mais banal se encontra com
 o humor e a estranheza. Não podia ser mais cruel o contraste com os 
quadros fotográficos da exposição no CCB, onde a grande dimensão (e a 
unicidade ou escassez das provas) é quase sempre e só uma imposição do 
mercado e uma cedência à cegueira dos espectadores e às convenções 
estéticas da pintura (académica).
Com a mostra de Sternfeld no espaço amplo da Cordoaria, desiquilibra-se a colectiva central da LisboaPhoto como uma monótona acumulação de retóricas estereotipadas ou vulgarmente pretenciosas. É ele quem leva mais longe a ambiguidade da fotografia como uma arte da percepção em que se conjugam e enfrentam o registo e a construção da imagem, o documento e a visão subjectiva, a informação e o indizível, explorando ao mesmo tempo o mundo real e as condições ou contradições da reflexão sobre a apreensão fotográfica. Os artistas reunidos no CCB, encenadores ou cultores do instantâneo em forma de quadro, parecem, nos melhores casos, executar exercícios escolares inspirados pela sua obra. É o que sucede com os episódios cinematográficos de Gregory Crewdson, cujo sentido se esgota na compreensão da estratégia de produção, ou os transeuntes fotografados por Philip-Lorca diCorcia, que nada acrescentam às suas séries anteriores. Com ressalva do trabalho de Frank Thiel sobre a renovação arquitectónica de Berlim, onde a interpretação documental e a construção plástica são também uma radical reflexão empírica sobre a monumentalidade objectual permitida pelos recentes meios técnicos da fotografia (a sua maior prova, de quase cinco metros de comprimento, não é uma proeza vã).
Joel 
Sternfeld é um artista contemporâneo e os 65 retratos da série «Stranger
 Passing», de que se expõem 14 peças, foram pela primeira vez reunidos 
em 2001 no Museu de Arte Moderna de São Francisco. Realizados ao longo 
dos últimos 15 anos, em grande parte muito recentes, respondem a 
numerosas obras que desde os anos 70 pretenderam ilustrar a 
desvalorização ou a impossibilidade do retrato realista através das 
estatégias da encenação, da apropriação ou da hiper-objectividade de 
rostos anonimamente vulgares, com que se justificaram projectos 
neo-conceptuais, neo-picturialistas, simulacionistas, etc, que abastecem
 o mercado institucional e ocupam a reflexão teórica académica (o «adeus
 à fotografia» de Victor Burgin, «a batalha contra a fotografia» de Jeff
 Wall, de que este se autocriticou depois de se confessar derrotado). 
São
 os retratos de Sternfeld que situam a mais extrema actualidade e que 
estabelecem os padrões de avaliação crítica mais exigente da produção 
fotográfica contemporânea, actualizando com personagens de hoje e meios 
técnicos actuais uma tradição viva, que nunca se congelou numa lógica 
modernista fechada à mudança. August Sander é uma referência citada a 
propósito destes retratos integrados na paisagem urbana ou rural, que de
 certo modo também se podem ver como um inventário de tipos. No entanto,
 estes personagens desafiam, de facto, a possibilidade da sua 
categorização como representantes de classes, raças e profissões, 
mantendo sempre uma ambiguidade essencial àcerca da sua identidade 
individual e da natureza da representação fotográfica.
Os ténis 
vermelhos do velho homeless negro de Nova Iorque, cujo olhar nos 
interpela frontalmente, distinguem-no individualmente, tal como as 
marcas de uma inacessível vida pessoal que esculpem a dureza do rosto da
 mulher a vender os jornais de domingo numa estrada do Colorado. Uma 
outra ambiguidade essencial reside nas expressões de surpresa ou súbita 
rejeição face à câmara que são visíveis nos rostos do bancário que 
almoça na esplanada ou do advogado surpreendido a comprar o jornal, 
segurando a roupa para a lavandaria. Não se tratando de instantâneos 
furtivos nem de actores encenados, e não existem informações sobre os 
métodos de trabalho, têm de supor-se a disponibilidade do fotógrafo para
 o acaso da fotografia de rua e excepcionais aptidões de empatia, que se
 adivinha na frontalidade e reciprocidade dos olhares. Retratos como os 
da mulher que brinca com a filha (Tres Orejas, Novo México) ou o casal 
de finalistas vestidos para a festa no Hilton (San Antonio, Texas) 
transbordam de uma energia  exaltante, que se constitui como uma visão 
do mundo, uma poética e uma crítica.
Sternfeld,
 nascido em 1944, fotógrafo «freelance» desde 1966, professor desde 
1971, reunira a série das suas paisagens em 1987, exercendo uma grande 
influência no uso da cor documental por fotógrafos mais jovens. 
Americans Prospects era o trabalho de nove anos de viagens de carro 
através da América, com que retomava a ambição dos grandes itinerários 
de Walker Evans e Robert Frank, renovando uma tradição que entretanto se
 alargara com os fotógrafos da paisagem social (Diane Arbus, Bruce 
Davidson, Lee Freedlader e Garry Wininogrand) e com a «New Color» de 
Stephen Shore, Joel Meyrowitz e William Egglston. Tudo isso foi muito 
pouco visto em Portugal.
Outro 
dos marcos da tradição documental é Weegee, de quem se apresenta uma 
retrospectiva itinerante do International Center of Photography de Nova 
Iorque. Usher Fellig, depois Arthur Fellig, nasceu em 1899 na Áustria 
(hoje, Ucrânia), numa família judia, e chegou aos dez anos a Nova 
Iorque; aos 14 arranjou o primeiro emprego na fotografia comercial, 
tornando-se depois impressor e foto-repórter. A sua obra é um dos 
exemplos de como a fotografia americana se construiu num diálogo 
permanente entre o realismo vernacular e a intenção artística.
Entre
 1935 e 1947, Weegee construiu como «freelance» um vasto panorama da 
vida urbana e popular de Nova Iorque, especializando-se em imagens de 
crimes violentos e desastres, da suas vítimas e espectadores, notáveis 
pela expontaneidade e a crueza do seu voyeurismo. Trabalhando quase 
sempre de noite, com a clássica Speed Graphic dotada de um potente 
flash, tornou-se famoso também pela rapidez com que acorria aos lugares 
dos acidentes e seguia com os seus «scoops» para as primeiras edições 
dos jornais. Dormia ao lado de um rádio sintonizado na frequência da 
polícia e circulava com outro no carro, levando no porta-bagagens todo o
 equipamento de revelação e impressão, a máquina de escrever e a caixa 
dos charutos.
Notável era 
igualmente o sentido de auto-promoção com que carimbava as fotografias 
com o crédito «Weegee o Famoso». A partir de 1940 começou a publicar 
foto-histórias no vespertino progressista «PM» e em 41 a Photo League 
dedicou-lhe a exposição «Weegee: Murder is My Business», a que se seguiu
 em 43 a compra de fotografias pelo MoMA (exposição «Action 
Photography»). Depois do enorme êxito do livro Naked City, em 1945, 
transferiu-se para Hollywood, onde trabalhou como actor e consultor de 
filmes, fixando o estereótipo do fotógrafo-detective, mas decaiu como 
autor. Usem-se com prudência os textos do catálogo, onde escasseiam as 
informações e sobram especulações deste género: «Endereçar a democracia 
da fotografia como um médium modernista é uma posição mais típica da 
Europa que da América… »
Joel Sterfeld / O Mundo de Weegee
Cordoaria e Palácio da Ajuda
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LisboaPhoto 2003 - III
"Visões da cidade" Expresso/Cartaz 14-06-2003
Lisboa em três exposições e um pequeno salto a Paris (com Eli Lotar)
Um dos principais méritos da 
LisboaPhoto é a abertura da programação, onde a par da arte 
contemporânea que utiliza a fotografia e o vídeo, vulgarizando novas 
aquisições técnicas, se incluem práticas funcionais da fotografia como o
 fotojornalismo e a actividade documental e topográfica. 
Com
 o museu e a galeria, em que se estabelece o reconhecimento histórico 
(Weegee e Eli Lotar) e se propõe o contemporâneo como género específico 
ou nova categorização essencialista, concorre o espaço incerto do 
arquivo, no qual se suspende a atribuição prévia de uma natureza 
artística dos objectos. Essa contiguidade é positiva para se entender a 
ambiguidade do medium fotográfico. Quando qualquer coisa pode ser arte, 
as distinções que importam dizem respeito à atenção que as imagens 
despertam e aos sentidos e prazeres que asseguram.
Aliás, o 
próprio projecto da bienal veio afirmar com nitidez a importância do 
arquivo – e concretamento, do Arquivo Fotográfico Municipal – como 
parceiro e instituição âncora do programa, potenciando uma das raras 
situações de continuidade de uma missão que tem sido sacrificada noutros
 casos. 
Com o curto tempo de 
preparação que teve a LisboaPhoto, o Arquivo optou por apresentar 
trabalhos que tinha em curso sobre dois espólios entrados nos seus 
depósitos. Por sinal, o de Eduardo Portugal foi o primeiro que recebeu, em 1991, por ocasião da passagem para as instalações na Rua da Palma, inauguradas em 94, e o espólio de Ferreira da Cunha é o mais recente, doado em Junho de 2000 pela Sojornal, depois de ter sido adquirida pela empresa de «A Capital».
Fotógrafo do «Diario de Notícias» até à sua morte em 1970, depois de ter trabalhado desde meados dos anos 20 em «O Século» e outras publicações, Ferreira da Cunha foi também um coleccionador. O seu acervo de 2270 negativos em chapas de vidro de formato 9x12 cm (de que são expostas 84 provas muito bem impressas no AFM, havendo mais cem incluídas no catálogo e um total de 800 consultáveis na base de dados) é consagrado ao fotojornalismo da primeira metade do séc. XX, contando nomeadamente com trabalhos de Joshua Benoliel, para a «Ilustração Portuguesa» no período de 1906 a 1918. Neles se vinca o papel pioneiro da sua prática do instantâneo de rua e o interesse pela efervescência do quotidiano e os rostos anónimos, que influenciou os foto-repórteres seus contemporâneos e posteriores.
Da agitação
 dos anos da República à ordem pesada do Estado Novo, a mostra reúne uma
 importante galeria de retratos informais, de Afonso Costa a Carmona, e a
 Salazar – vejam-se o encontro de ambos em 1934, a sessão fotográfica de
 Carmona com Judha Benoliel e Leitão de Barros, e Salazar recebendo 
informações da revolta militar de 1931. A sequência é cronologicamente 
disposta com agilidade, em vários formatos, acompanhando as convulsões 
da política com os «fait-divers» da vida urbana e social, num panorama 
em que a memória histórica se preenche de acontecimentos e figuras 
humanas.  
No renovado Convento 
das Bernardas, um lugar a descobrir, apresenta-se Eduardo Portugal, cujo
 nome se manteve quase ignorado apesar da vastíssima produção entre as 
décadas de 30 e 50. É um caso raro dum espólio integralmente conservado,
 oferecido pela família, com cerca de 30 mil negativos, contactos, 
provas ampliadas (também de outros autores), postais, 170 álbuns e 
registos pessoais, que se encontram ainda em grande parte por estudar.
Em
 vez de uma síntese apressada da respectiva carreira, optou-se por 
dedicar a exposição às fotografias em que documentou as transformações 
urbanísticas de Lisboa (entre 1928 e 1954), acompanhando em especial os 
anos decisivos de Duarte Pacheco (1932-43). Organizada, com as suas 
provas de contacto (9 x 15 cm), em três itinerários topográficos que no 
catálogo a publicar são objecto da leitura histórica de Ana Tostões, a 
mostra apresenta-nos uma prática rigorosa da cartografia fotográfica, 
que se destinou à edição de postais, roteiros turísticos, publicações de
 olisipógrafos e outras, para além das encomendas que realizou para a 
Câmara.
Evitando selecções que 
poderiam inventar um autor-artista através da concentração em alguns 
temas ou tipos de imagens (lugares pitorescos dos bairros populares, 
espaços de amplas perspectivas quase desérticas, séries «conceptuais» de
 candeeiros de rua, etc), a mostra segue a competente neutralidade com 
que Eduardo Portugal faz o inventário dos lugares, antecipando-se às 
alterações da paisagem urbana, regista as demolições de núcleos antigos 
ou o rasgar das quintas periféricas, e acompanha com minúcia a 
construção da nova cidade.
Outras
 mostras virão depois a avaliar a obra realizada com ambição artística, 
nos primeiros anos de actividade (de 1918 até 1928-30), de que se 
divulgam no catálogo e em vitrinas alguns exemplos com marcas 
picturialistas, e também os seus retratos e temas etnográficos. 
Entretanto são as imagens de Lisboa que ficam disponíveis, ampliando a 
paisagem urbana e oferecendo-se a várias direcções de investigação.
É 
sensivelmente na mesma data em que Eduardo Portugal troca a «fotografia 
de arte» pela objectividade documental que tem início a actividade 
parisiense de Eli Lotar (1905-1969), sintonizada com o crescimento da 
grande imprensa ilustrada. Trata-se aqui de uma muito diferente prática 
do documento, fortemente autoral, distanciada da ilustração e com um 
novo tipo de intenção artística identificada com a consciência da 
modernidade tecnológica e social. 
Antologia
 de uma obra breve (1927-37), que foi partilhada com o cinema e não 
chegou a ganhar uma especial individualidade entre os renovadores da 
mesma época (em França, Man Ray, Germaine Krull, Maurice Tabard, 
Kertesz, Brassai, etc), esta é também uma exposição de arquivo, até por 
contar só com impressões recentes, vindas do Centro Pompidou - teria 
sido mais produtivo fazê-las acompanhar ou mesmo substituir pelas suas 
publicações nas edições do tempo, em que também se renovavam a paginação
 e o lugar da fotografia. (Que o Museu continue esvaziado da sua 
colecção histórica é apenas a continuação de um conhecido escândalo, 
talvez mais chocante neste caso.)
Nascido
 em Paris, de origem romena, Eli Lotar trabalhou a partir de 1927 com 
Germaine Krull, a influente autora do álbum Métal, desse mesmo ano e 
verdadeiro manifesto da modernidade associada à era da máquina. Foi um 
dos primeiros colaboradores do semanário «Vu», criado em 1928, e teve 
uma breve colaboração de estúdio com o surrealista J.-A. Boiffard. O seu
 trabalho mais famoso, sobre o Matadouro de La Vilette, que realizou na 
companhia de André Masson, foi encomendado por Bataille para acompanhar a
 entrada «Abattoir» no «Diccionário Crítico» que publicava na revista 
«Documents», e surgiu depois mais extensamente em «Variétés» e «Vu». 
Abandonou a fotografia em 1937, passando ao cinema com Jean Painlevé, 
Joris Ivens, Renoir e Buñuel (foi câmara em Las Hurdes, 1933), 
realizando um importante documentário de cunho social, Aubervilliers, em
 1946.
Parte substancial da sua 
produção segue o modelo da «Nova Visão», que se afasta dos modelos 
picturais para explorar a objectividade da imagem fotográfica pura, 
através do pormenor significante e dos pontos de vista inesperados e 
insólitos, a par de uma procura poética da estranheza do banal 
quotidiano que interessava ao surrealismo. Uma fotografia de Lisboa 
(1927-30) substitui-se à modernidade que então não tivemos.
De Paris regressa-se a Lisboa e chega-se à actualidade com Luís Pavão,
 de quem se expõe no Oceanário uma selecção de 25 fotografias, em provas
 de grande formato quadrado (um metro de lado), seleccionadas do livro 
editado em 2002 pela Assírio & Alvim, "Lisboa, em Vésperas do Terceiro Milénio".
 Poderiam desejar-se, porém, melhores condições de produção para esta 
mostra que apenas apresenta cerca de dez por cento do projecto editado e
 a que haveria que atribuir um lugar central num programa dedicado à 
cidade e às questões urbanas. 
Durante
 dois anos (Janeiro 2000-Dezembro 2001), Pavão calcorreou Lisboa com a 
disciplina de quem desenha o mapa da cidade em mudança, fixando os seus 
alvos, procurando os melhores lugares (e horas) de observação – muitas 
vezes elevados, às vezes com recurso a gruas – e assegurando o acesso a 
lugares reservados. O retrato resultou, em livro, num imenso «puzzle» 
organizado com um sentido do ritmo e da surpresa que continuam a ser 
surpreendentes.  Documento, testemunho, inventário cartográfico, 
percurso sentimental, esta obra é um monumento erguido a uma cidade 
concreta, conhecida e revelada, com a sua arquitectura, trânsitos e 
habitantes. E é também um manifesto por uma urbanidade mais digna. 
Colecção Ferreira da Cunha,  Eduardo Portugal, 
Eli Lotar 
e Luís Pavão
Arquivo Municipal, Convento das Bernardas, Museu do Chiado e Oceanário