sexta-feira, 15 de junho de 2018

Victor Palla, o itinerário fotográfico

Victor Palla

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Sem título, ca.1952. Vintage gelatin silver print (prova única), 27.5 x 19.5 cm. 
VICTOR PALLA [1922-2006]
Arquitecto e fotógrafo, com trabalhos de referência em ambas as áreas, Victor Palla foi também pintor, ceramista, designer gráfico, editor, tradutor, galerista, agitador de ideias e animador de muitas iniciativas.
“Lisboa Cidade Triste e Alegre”, que expôs e publicou em 1957-1959, em colaboração com o  também arquitecto Manuel Costa Martins (1922-1995), foi uma obra de excepção no panorama da fotografia portuguesa. Redescoberto - ou reapresentado, melhor - e redistribuído em 1982 por António Sena e a associação-galeria Ether, o livro tem vindo a ser internacionalmente valorizado como uma das realizações editoriais mais significativas do seu tempo, nomeadamente por Martin Parr e Gerry Badger, na sua história do livro fotográfico, «The Photobook», vol. 1, em 2004.

Victor Palla nasceu em Lisboa em 1922 e aqui faleceu também, em 2006, com 84 anos. Começou por estudar arquitectura em Lisboa, antes de se transferir para o Porto, onde se diplomou. Ainda como estudante, logo em 1944, no Porto, dirigiu a Galeria Portugália e foi um dos dinamizadores das Exposições Independentes, onde expôs pintura ao lado de Fernando Lanhas, Júlio Resende, Nadir Afonso e Júlio Pomar. De regresso a Lisboa, participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, em quase todas as edições entre 1947 e 1955, com obras de desenho, pintura, artes decorativas, escultura e fotografia (esta só em 1955, autonomamente, para além das ilustrações de arquitectura e design).

Em 1973 fundou a galeria Prisma com Costa Martins, Rogério de Freitas e Joaquim Bento de Almeida, onde expôs pintura no ano seguinte. Além das inúmeras mostras colectivas em que participou, fez outras exposições individuais de pintura, desenho ou colagens - Galeria de Arte Moderna da SNBA, em 1977; Diagonal, 1983; Diário de Notícias, 1984.

A partir do início da década de 50, Victor Palla foi um dos modernizadores da arquitectura portuguesa, seguindo os princípios funcionalistas do Estilo Internacional com particular radicalidade plástica, sob influência brasileira. À intervenção teórica e de divulgação em revistas (algumas sob a sua direcção) juntaram-se obras como a escola do Vale Escuro, de 1953, projectada com Joaquim Bento de Almeida. Com atelier conjunto durante 25 anos, esta dupla de arquitectos teve acção relevante na renovação dos espaços comerciais de Lisboa, em paralelo com Keil de Amaral e Conceição Silva. Em especial, ficou a dever-se-lhes os novos cafés e snack-bares Terminus, Tique-Taque, Suprema, o antigo Pique-Nique, no Rossio, e o Galeto, já em 1966. O seu talento multifacetado está presente no dinamismo espacial e material dos volumes arquitectónicos, conjugado com o design inovador do mobiliário e da iluminação, adequados aos novos consumos da «vida moderna».

O design gráfico e a edição foram outras áreas em que Victor Palla se destingiu desde muito cedo, com trabalhos importantes para criação de um gosto visual moderno. Em 1952, frequentou o Publishing and Book Production Course em Londres, criando a seguir a famosa colecção de bolso “Os Livros das Três Abelhas” e as edições Folio, ambas com José Cardoso Pires. Fundou com Orlando da Costa, o Círculo do Livro e, entre outras actividades de editor, autor, tradutor e capista, realizou o plano gráfico da editorial Arcádia.

Para além do livro "Lisboa...", as fotografias de Victor Palla continuaram a ser pouco conhecidas, em especial quanto à vertente mais experimentalista e ao cruzamento com as inquietações do artista plástico ou com as actividades do arquitecto e do designer, que foram as suas outras carreiras paralelas. Essa vertente experimental foi ensaiada logo nos primeiros anos da década de 50 e voltou a estar muito presente em várias exposições realizadas a partir dos anos 80, com destaque para a representação nas mostras colectivas da Festa do Avante, “Objectiva 84” e "Objectiva 86", ou a individual “A Casa”, em 2000, no Centro Cultural da Gulbenkian, em Paris.
O Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian dedicou a Victor Palla uma grande antologia fotográfica em 1992, onde se mostraram obras de 1948 a 1991 (foi repetida nos 12ºs Encontros de Fotografia de Coimbra, nesse mesmo ano). O Centro Português de Fotografia atribuiu-lhe o Prémio Nacional em 1999.
O conhecimento da obra de Victor Palla, e em especial do seu trabalho fotográfico, ganhou uma nova dinâmica com o leilão de uma parte do seu espólio levado a cabo por P4 Photography em 29 de Maio de 2008. Aí foram expostas (e em muitos casos vendidas) provas inéditas do início dos anos 50, que documentam várias linhas de pesquisa, e também trabalhos menos conhecidos e provas de autor que mostrou nas suas exposições mais tardias.

(Inicialmente publicado em tradução inglesa no catálogo do leilão da P4, actualizado e alargado)







Antes e depois de Lisboa 'cidade triste e alegre'"
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1. Em 1982, a exposição "Lisboa e Tejo e Tudo (1956/59)", que inaugurou a galeria Ether* e foi acompanhada pela redistribuição do livro "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", apresentou apenas fotografias inéditas ou que tinham sido reenquadradas nesta edição (em provas reimpressas para a ocasião, usando sempre o negativo integral), para além de alguma documentação de trabalho (estudos de paginação, provas, etc). Foi publicado um catálogo em formato cartaz/desdobrável com a reprodução de 31 fotografias de Costa Martins e Victor Palla. Parte da mostra foi reapresentada nesse ano nos Encontros de Coimbra. (* ether/vale tudo menos tirar olhos, "centro de animação fotográfica, a.e.p., R. Rodrigo da Fonseca, 25")
Em 1989 a exposição foi repetida com alterações na Casa de Serralves, Porto. Esta 2ª versão de "Lisboa e Tejo e Tudo", com 30 fotografias e 19 documentos/fotografias originais, deu lugar a um novo catálogo, ed. Ether. Inclui um texto de promoção da edição de 1959.
Os catálogos contam com dois textos de apresentação sem título e não assinados (mas de António Sena), que são quase na totalidade coincidentes. Curtas notas biográficas - no caso de V.P. são omitidas as presenças nas exposições colectivas da Festa do Avante em 1984 e 86, o que não acontece quanto a Costa Martins; não é também referida a participação na 9ª EGAP em 1955.
(Ver também "Lisboa e Tejo e Tudo (história de uma exposição)", António Sena, JL, 27 Abril 1982.)

2. A exposição do CAM em 1992, intitulada apenas com o nome do autor, não foi de facto uma retrospectiva, embora apareça com frequência designada como tal (até pelo próprio V.P.; nos Encontros de Coimbra  chamou-se-lhe "Exposição retrospectiva"). Não podendo incluir as fotografias do livro "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" (e também do respectivo acervo de inéditos) por serem de autoria conjunta com Costa Martins, nunca descrimidada (**), esta antologia excluiu também toda a produção fotográfica do autor que não se integra na tradição alargada da fotografia de rua (street photography).
Os trabalhos experimentais que se aparentam com as linhas do movimento Subjektive Fotografie, os nus e os retratos, as composições com figuras e as provas manipuladas, ficaram ausentes da exposição sem que uma tal opcão tivesse sido aí indicada e justificada. Os trabalhos mostrados na "Objectiva 1984" (48 impressões por processos experimentais) e "Objectiva 1986" (retratos) não foram incluídos, ou escolhidos. Foram expostas apenas reimpressões feitas em Paris por Ivon le Marlec. No catálogo, publicam-se fotografias de 1948 (3), 1949 (auto-retrato), 1953, 1956 (17), 1957 (3), 1960, 1980 (4), 1986 (3), 1987 e 88 (2), 1989 (9), 1990, 1991 (3).
(são possivelmente retratos, ou poderiam ser, uma foto de 1948 e a de 1953; de entre as fotos até 1957 estão praticamente ausentes as captadas nas zonas populares de Lisboa, que seriam incluídas no acervo do livro "Lisboa..." - a capa de cat. é uma das duas ou três excepções, e nela aparece Costa Martins à direita, de câmara na mão)
(**) São comuns ao livro "Lisboa..." pelo menos duas fotografias de 1957 (a 1ª do cat. e pág. 39 de Lisboa; e adiante, Rua Augusta, pág. 100).
Numa entrevista de Margarida Medeiros (Público, 2 Out. 1992) V.P. diz que o livro "Lisboa..." resultou de uma sugestão de Costa Martins e "muitas das fotos eram anteriores a esta decisão. Fomos procurando, entre o material que já tínhamos e o que fizemos a partir dali."
Em 1992, numa outra entrevista, V.P. refere ter quase prontos para publicação dois livros: "um deles reúne uma série de retratos, nomeadamente de muitos escritores que conheci... O outro consta de uma reportagem sobre o 1º de Maio de 1974." (JL, 17 Nov. 1992, Maria Leonor Nunes) Não chegaram a ser editados.

domingo, 3 de junho de 2018

Dante Vacchi, fotógrafo, aventureiro e fantasma

Dante Vacchi. fotógrafo e aventureiro, com 3 livros publicados em Portugal, com Anne Gauzes, os dois 1ºs em 1965, ed. de autor; o 3º s/data (1963?). A 2 de Junho, na Revista do Expresso-Revista, é objecto de um artigo de Diogo Ramada Curto, e refiro adiante outras pesquisas.










Diogo Ramada Curto refere-me a propósito do livro Penteados de Angola e da série de fotógrafos que se interessaram por penteados, mas comenta o livro de Dante Vacchi adoptando o formulário anacrónico e esquemático agora em voga: «um projecto de fazer representar as populações nas suas características mais tribais e arcaicas» (…) «procurou fixar como estática uma cultura tribal e primitiva. E tentou atrair a atenção de um público alargado, recorrendo ao chamariz suscitado pelo erotismo ou por uma espécie de pornografia camuflada, altamente estetizada das fotografias a cores.» (A acusação é errada, e voltamos assim a ameaças de censura…).

Os penteados ocupam um importante lugar nas publicações dos etnógrafos-fotógrafos de Angola. O 1º terá sido o engenheiro Fernando Mouta com o álbum "Etnografia Angolana (subsídios) - África Ocidental Portuguesa (Malange e Lunda)" - edição luxuosa da 1ª Exposição Colonial Portuguesa, 1934. A seguir, o advogado e activo fotógrafo Elmano Cunha e Costa, com fotografias em várias obras (Castro Soromenho, Henrique Galvão) e a exposição no SNI em 1951, acompanhada por catálogo: "Catálogo da exposição de Penteados e Adornos Femininos das Indígenas de Angola, promovida pela Agência Geral das Colónias sob o patrocínio se S. Exª o Ministro das Colónias. Documentário fotográfico...", com 8 estampas. Depois, o missionário e antropólogo erudito Carlos Estermann: "Album de Penteados do Sudoeste de Angola", 1960. 

1. uma nota antiga no blog.
Penteados de Angola, 2009

2.  O inventor do lança-foguetes, 2009: Miguel Machado, site www.operacional.pt "No inicio de 1962 aparece em Nóqui (Norte de Angola) um jornalista italiano aparentemente o serviço da revista francesa “Paris-Match” chamado Cesare Dante Vacchi. Aventureiro e falador já teria acompanhado as tropas francesas na Argélia e consegue autorização para se juntar às tropas portuguesas em operações. De imediato começa a fazer sugestões acerca do emprego táctico em acções de contra-guerrilha, em grande medida desconhecido dos militares nacionais.
Assim no Batalhão de Caçadores 280 do Exército, tenta-se uma nova experiência: Os “Comandos”. Vacchi integra a primeira equipa de instrutores que formaram estas tropas especiais do Exército."

lanca-foguetes-de-37mm-para-tropas-terrestres 

3. Giovanni Damele, 2015, Scribd. O texto mais informado sobre Dante Vacchi
Dante-Vacchi-e-i-Comandos-portoghesi-Appunti-per-una-ricerca

4. Observador, Pedro Raínho, 2017. Fontes militares: António Neves e Raul Folques: "Fora os livros que publicou, Cesare Dante Vacchi é como um fantasma que deixou uma marca profunda no Exército para desaparecer de seguida."
dante-vacchi-o-pai-fantasma-dos-comandos-portugueses

5. Sobre o livro Les Jésuites en Liberté:  "In the same commemorative spirit, Dante Vacchi and Anne Vuylsteke published Les jésuites en liberté, a coffee table book illustrated with numerous photographs and published by Filipacchi. The dedication alludes to the “Arrupe affair” and the book obeys a geographic breakdown: the Americas, Asia, Madagascar, Africa, the Middle East and Europe, where France only gets a mention in the context of the late eighteenth-century condemnation. The French edition is prefaced by André Ravier’s article published fifteen years earlier and printed unchanged."
Dominique Avon and Philippe Rocher, “Historiography of the Society of Jesus: The Case of France after the Order’s Restoration in 1814”, in: Jesuit Historiography Online. Consulted online on 02 June 2018 <http://dx.doi.org/10.1163/2468-7723_jho_COM_192562>
First published online: 2016