sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Moçambique, 4 fotógrafos

O que faz a importância excepcional da fotografia de Moçambique, que me parece só ter paralelo na da África do Sul (um patamar acima, claro, pq a AS é um imenso país com uma imensa história), valorizando não a actual concorrência no mercado dos festivais e instituições, mas a continuidade e pluralidade criativa através de várias gerações? Como se podem ponderar as variáveis que fizeram a diferença da fotografia de Moçambique? 
Tem de referir-se a personalidade forte de Ricardo Rangel e a capacidade de se afirmar como foto-jornalista independente e crítico com uma carreira sempre ascendente na imprensa colonial, até à direcção da revista Tempo no início dos anos 70 (e conta aí a transigência táctica do poder colonial com um grande fotógrafo mestiço e oposicionista, alimentando alternativas intermédias entre as veleidades dos independentistas brancos e os nacionalistas negros, favorecendo elites mestiças para como quem divide para reinar e aposta em todos os tabuleiros). 
A repressão política poupou-o (preso a distribuir panfletos nos anos 40) e a censura nunca o silenciou quando intervinha como editorialista fotográfico.  E Rangel passou ao novo regime da independência, atravessou a revolução e a guerra civil e a normalização relativa, como figura independente (também crítico da nova situação) e como formador de fotógrafos. Criticou a nova imprensa oficial em "Foto-jornalismo ou foto-confusionismo" (2002) e foi eleito para a Assembleia Municipal de Maputo (1998-2003) pela lista de cidadãos "Juntos pela cidade". A mesma luta em diferentes condições políticas, com uma habilidade excepcional.
Entretanto, é indispensável juntar a Rangel o nome de Kok Nam, parceiro de jornais e da Tempo, grande foto-jornalista de carreira também muito longa ( repórter da guerra civil na rectaguarda e mais tarde director do semanário Savana até à morte). 
E falta perceber qual foi o papel de Rogério - Rogério Pereira (n. Lisboa 1942 - Setúbal, 1987) -, fotógrafo português em Moçambique, regressado no final da década de 70, inadaptado aos vários regimes. Fotografou desde 1966 em Lourenço Marques; trabalhou no Sunday Times, Johannesburg, 1968. Colaborou na revista Drum (1969, 1973), presente em exposições colectivas em Johannesburg e Cape Town desde 1969 e 1972 (refere "Images of Man", promovida pelo "International Fund for concerned photography"), segundo informações do próprio no catálogo "Momentos", Gulbenkian 1981 - de uma exposição que à data foi desvalorizada, e estava-se diante de um fotógrafo radical, revoltado e irrecuperável, com imagens de uma grande veemência crítica, indisciplinadas. Frequentou os meios do jazz com Ricardo Rangel e certamente facilitou a relação deste com outros fotógrafos sul-africanos. Imagino que foi Rogério que levou Rangel a expor com Basil Breakey (fotógrafo de jazz de Cape Town) em 1973, no Núcleo de Arte, fazendo-o passar da página impressa para a parede de uma galeria. Em 2002, a 1ª edição do Photofesta, Encontros Internacionais de Fotografia de Maputo, dedicou-lhe uma exposição de homenagem.
Sem contactos conhecidos com Rangel e Rogério, mas bem relacionado com jornalistas como Honwana e Craveirinha, e em geral com o meio das artes, Pancho Guedes faz um uso moderno e eficaz da fotografia, sem que esta seja valorizada em si mesmo como disciplina funcional e/ou arte, ou objecto de exposição. Não é nem se intitula fotógrafo, é arquitecto, pintor e escultor. Mas fotografa tudo, e é relevante a sua presença fotográfica impressa no início dos anos 60: o manifesto “A cidade doente, várias receitas para a curar. O mal do caniço e o manual do vogal sem mestre”, dupla página em A Tribuna, 9-6-1963; as páginas de Aujourd’hui: Art et Architecture, nº 37, 1962, com os "Mapoga", e Architecture d’Aujourd’hui, 1962, Juin-Juillet, sobre a sua arquitectura. Também neste domínio tem uma intervenção irreverente e influente. Moira Forjaz encontra-o desde 1961. No Núcleo de Arte, de que foi colaborador activo, movimenta-se uma Tertúlia Fotográfica e alguns amadores dos quais vêm a participar em "Moçambique a Preto e Branco", ed. de Natal da empresa Codam, 1972, cuja nota introdutória  é seguramente da autoria de José Luís Cabaço, depois ministro da Informação da RPM.
 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

1. "Sobre o que ficou por fazer, adianta que o Museu Nacional de Arte Popular só não se transformou num centro cultural do Brasil porque do outro lado do Atlântico não se avançou com um centro correspondente para Portugal."

2. "O Museu Nacional de Arte Popular, praticamente vazio há anos, deverá fazer parte da lista de melhorias necessárias. Em 2013, Barreto Xavier disse que queria ter um projeto para o espaço até finais de 2014. A tutela trabalhou “muito com o Brasil”, com o objetivo de ter em Portugal “um grande centro cultural do Brasil”, e, em simultâneo, um centro cultural de Portugal do outro lado do Atlântico. No entanto, o diálogo com a ministra brasileira da Cultura, Marta Suplicy, foi interrompido com a sua demissão da pasta, em novembro de 2014. Barreto Xavier chegou a visitar o Rio de Janeiro e São Paulo com o objetivo de encontrar um espaço para a cultura portuguesa, mas, “até hoje, apesar de haver vontade de ambas as partes, ainda não há do lado do Brasil uma proposta efetiva de um edifício compatível com a presença portuguesa” numa daquelas duas cidades. Com a implementação do projeto de gestão integrada, e “independentemente de quem for o próximo Governo”, é urgente “encontrar uma solução relevante” para o museu. Só não especifica se apenas projetos museológicos serão considerados."
in, "Um dia à boleia de Jorge Barreto Xavier. O deve e o haver de três anos à frente da cultura"
23 Setembro 2015, Observador, Sara Otto Coelho

From Maputo (2013)


“From Maputo” / “De Maputo” 

Photographs by José Cabral and Luís Basto

In the space between pioneer photographer Ricardo Rangel and the new photographers who have taken part in BES Photo and Gulbenkian’s Next Future – Mário Macilau, Mauro Pinto and Filipe Branquinho –, there are the works of those who differed from what we might refer to as the Mozambican school of photography, the photojournalistic and humanist tradition, which, incidentally, has quite a few good authors in its ranks. 

José Cabral (b. 1952, Maputo) is the man behind the rupture, having instilled the desire for a personal discourse in Mozambique’s photography collective, a discourse based upon a wide knowledge of international photography and in broad cultural interests, going beyond the national and African framework.



The autobiographical reference in his last three exhibitions – “As Linhas da Minha Mão” (The Lines of My Hand), 2006 Maputo, Photofesta; “Anjos Urbanos / Urban Angels”, 2009 at P4 Photography, Lisbon and Maputo, “Espelhos Quebrados” (Broken Mirrors), 2012, Maputo – is a courageous contribution to bringing to light the role and place of the beholder, and in doing so, in exposing his own history as well, is a lucid artistic intervention in the present events of a rapidly changing country. Both during and after the collective dynamic, with its unforeseen and often terrible setbacks, it was time for each artist to question himself, as well as the sense of a common path. In “De Maputo” there are works of those three exhibitions on display: personal anthology, children (Cabral’s and the other people’s, with an obvious differentiation in skin colour and social means) and the near self-portraits signalling courses of life and relationships.
José Cabral is now the cultural reference and the unruly master of young photographers, with an extensive body of work dating back to 1975, when he began working as a photographer at the Instituto Nacional de Cinema (National Film Institute), followed by few years as an agency photojournalist, a newspaper photographer for Notícias e and Domingo, with Rangel, in 1981-82, and, later, a professor at the Centro de Formação Fotográfica (Centre for Photographic Education), between 1986 and 1990. In 1996 he published his first book, Guerra da Água (Water War), on Ébano Multimédia, in association with a Licínio de Azevedo film of the same name (in colour, with printing problems). He has tried to get by as a photographer in Maputo, which is no easy feat.



Luís Basto (b. 1969, Maputo) is also a self-taught photographer, with a unique and recognizable language, present in international collective shows such as “Africa Remix” (2004) and Okwui Enwezor’s “Snap Judgments – new positions in contemporary African photography” (2006), in which he was Mozambique’s sole representative. While building a large database of documentary footage of the country (www.mozambiquephotos.com), Luís Basto has also been a photographer of the city and the of the ability to survive that lies therein: “The empty years are decades gone; with them the fate of a generation who had to fight war for other men’s reasons. Many born into peace have no memory of the fragmented lives that flooded the city as wandering souls. Where we came from and where we are now is framed not as much by time as by the dimensions of city space. We are in the windows, behind the doors, reflected citizens in all our contradictions.” – Berry Bickle e Luís Basto, in Luís Basto fotógrafo, Éditions de l’Oeil, 2004.

Moira Forjaz is the author of Muipiti, Ilha de Moçambique (Muipiti, Island of Mozambique) – text by Amélia Muge, Imprensa Nacional, 1983 – published without her supervision). Born in Zimbabwe in 1942, she visited Lourenço Marques / Maputo regularly since 1961. Holding a degree in Graphic Arts from the Johannesburg School of Arts and Design, Moira Forjaz worked as a photojournalist in Southern Africa since 1964, and lived in Maputo between 1975 and 1988. She helped create the Associação Moçambicana de Fotografia (Mozambican Photography Association), in 1981, and directed two films in that same year. Other publications: Ruth First, Black Gold: The Mozambican Miner, Proletarian and Peasant, St. Martin's Press, New York / Harvester Press, Brighton, 1983 (photographs) and Images of a Revolution: Mural Art in Mozambique, Zimbabwe Publishing House, Harare, 1983 (Albie Sacks, text, Moira Forjaz, Susan Meiselas, photographs). Moira Forjaz went back to showing her work in 2009, “Kukumbula (Memórias) 1976 – 1986”, Espaço de Kulunguana, Maputo.

2013: with Moira Forjaz and Rogério (two small tributes) 26.06.2013


Going back in time, the exhibition includes two works by two authors who, in different ways, brought experience back from Rhodesia and South Africa to Maputo so as to develop original and independent careers in the years after independence, which they later interrupted.



Rogério Pereira was a photographer and photojournalist working in South Africa (1968-1977), Mozambique (1973-1979) and Portugal (1979-1987), whose formally demanding, politically committed and restless production stood out. Born in Lisbon in 1942, he was seven years old when he moved to Mozambique, and 45 when he died of cancer in Setúbal, Portugal, in 1987. In 1973 he exhibited at the Núcleo de Arte (Center for Art) with Ricardo Rangel and Basil Breakey. In 1981 he showed his work at the Gulbenkian Foundation (“Momentos”). In 1990 he was honoured with a retrospective show in two parts at the Associação Moçambicana de Fotografia (Mozambican Association of Photography), in collaboration with Ricardo Rangel, Kok Nam and José Pinto de Sá, who wrote the accompanying text. “Verdade” (Truth), another retrospective of his work, was part of the first edition of Photofesta, in 2002. 


"De Maputo", em 2013 no Centro InterculturaCidade

https://interculturacidade.wordpress.com/2013/07/23/de-maputo-fotografias-de-jose-cabral-e-luis-basto/

“DE MAPUTO” Fotografias de José Cabral e Luís Basto (e duas pequenas homenagens a Rogério Pereira e Moira Forjaz)


25 de Julho 18:00 Inauguração da exposição

26 de Julho Apresentação de filmes e livros sobre a fotografia em Moçambique

Produção d’A Pequena Galeria/Alexandre Pomar, agora no Centro InterculturaCidade

6. Maputo, 1989
José Cabral. Maputo 1989

Entre o pioneiro Ricardo Rangel e os novos fotógrafos que têm passado
 pelo BES Photo e o Próximo Futuro da Gulbenkian – Mário Macilau, Mauro Pinto e Filipe Branquinho
 –, existem as obras dos que se distanciaram daquilo a que se pode 
chamar a escola moçambicana de fotografia, a tradição fotojornalística e
 humanista, que conta, aliás, com um número extenso de bons autores. 
José Cabral (n. 1952, Maputo) é o homem da ruptura, que veio trazer ao 
colectivo da fotografia de Moçambique a necessidade do discurso pessoal,
 fundado num conhecimento alargado da fotografia internacional e na 
abertura a interesses culturais amplos, para além do quadro nacional e 
africano.

A referência autobiográfica presente nas suas últimas três exposições (“As Linhas da Minha Mão”, 2006 Maputo, 3º Photofesta; “Anjos Urbanos / Urban Angels”, 2009, P4 Photography, Lisboa, e Maputo; “Espelhos Quebrados”, 2012, Maputo) é uma contribuição corajosa para pôr em evidência o papel e o lugar de quem observa, e que assim, ao expor também a sua história própria, intervém lucidamente como artista nos acontecimentos do presente de um país em mudança. Durante e depois da dinâmica colectiva, com as suas vicissitudes imprevistas, e também terríveis, era tempo de cada um se interrogar a si mesmo e ao possível sentido do percurso comum. Vêem-se agora em “De Maputo” obras escolhidas dessas três exposições: a antologia pessoal, as crianças (os filhos de Cabral e os dos outros, com uma óbvia diferenciação de cor de pele e de meios sociais) e por fim os quase auto-retratos que sinalizam percursos de vida e relações (agora sob o título geral “De Perto”).

José Cabral é hoje a referência cultural e o mestre indisciplinado dos jovens fotógrafos, com uma extensa obra realizada desde que em 1975 começou a trabalhar como fotógrafo no Instituto Nacional de Cinema, a que se seguiram alguns poucos anos de repórter fotográfico de agência, depois no Notícias e no Domingo, com Rangel em 1981-82, mais tarde professor no Centro de Formação Fotográfica, de 1986 a 1990. Em 1996 publicou o primeiro livro A Guerra da Água, edição da Ébano Multimédia associada ao filme de Licínio de Azevedo com o mesmo nome (a cores, com problemas de impressão). Tem tentado viver como fotógrafo em Maputo, o que é bem difícil.

02 cadeira 2013
Luís Basto, Cadeira II, Maputo, 2013

Luís Basto (n. 1969, Maputo) é igualmente um autodidacta, com um 
discurso próprio e reconhecido, que esteve presente em colectivas 
internacionais como “Africa Remix” (2004) e “Snap Judgments – new 
positions in contemporary african photography” (2006) de Orkui Enwezor, 
aqui como único representante de Moçambique. Ao mesmo tempo que tem 
construído um grande banco de imagens documentais do país (www.mozambiquephotos.com), é
 um fotógrafo da cidade e da capacidade de sobreviver que aí se refugia:
 “Os anos vazios passaram; com eles o destino de uma geração que deveria
 combater pelas razões de outros homens. Muitos nascidos na paz não têm 
memória das vidas fragmentadas que inundavam a cidade como almas 
penadas. Donde viemos e onde estamos agora enquadra-se menos no tempo 
que nas dimensões de espaço da cidade. Estamos nas janelas, atrás das 
portas, cidadãos reflectidos em todas as nossas contradições.” – Berry 
Bickle e Luís Basto, em Luís Basto fotógrafo, 2004, Éditions de l’Oeil, Montreuil.

Recuando no tempo, a exposição inclui presenças simbólicas de dois autores que, de modos diferentes, trouxeram a experiência adquirida na Rodésia e na África do Sul para desenvolver em Maputo percursos originais e afirmativos nos anos posteriores à independência, ambos mais tarde interrompidos.

Rogério Pereira foi um fotógrafo e fotojornalista com itinerário na África do Sul (1968-1977), em Moçambique (1973-1979) e em Portugal (1979-1987), que se destacou com uma produção politicamente empenhada e inquieta, de grande exigência formal. Nasceu em 1942 em Lisboa, foi aos sete anos para Moçambique, e morreu de cancro em Setúbal em 1987 com 45 anos. Em 1973 expôs no Núcleo de Arte com Ricardo Rangel e Basil Breakey. Em 1981 mostrou o seu trabalho na Fundação Gulbenkian (“Momentos”). Em 1990 foi-lhe dedicada uma retrospectiva em duas partes na Associação Moçambicana de Fotografia com a colaboração de Ricardo Rangel, Kok Nam e José Pinto de Sá, que escreveu o texto do catálogo. Uma outra retrospectiva integrou o 1.º Photofesta, em 2002, com o título “Verdade”.

Moira Forjaz é a autora de Muipiti, Ilha de Moçambique (com texto de Amélia Muge, Imprensa Nacional, 1983 – editado sem a sua supervisão). Nasceu no Zimbabwe em 1942; visitou Lourenço Marques desde 1961; com formação em Graphic Arts na Johannesburg School of Arts and Design, trabalhou como fotojornalista na África Austral desde 1964, e viveu em Maputo entre 1975 e 1988; participou na formação da Associação Moçambicana de Fotografia em 1981 e realizou dois filmes nesse mesmo ano. Outras publicações: Ruth First, Black Gold: The Mozambican Miner, Proletarian and Peasant, St. Martin’s Press, New York / Harvester Press, Brighton, 1983 (fotografias), e Images of a Revolution: Mural Art in Mozambique, Zimbabwe Publishing House, Harare, 1983 (Albie Sacks, texto; Moira Forjaz e Susan Meiselas, fotografias). Voltou a expôr em 2009, “Kukumbula  (Memórias) 1976 – 1986”, Espaço de Kulungwana, Maputo, e prepara actualmente um livro sobre a sua obra.

A organização da exposição teve a colaboração de Filipe Branquinho em Maputo e em Lisboa.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015