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 que faz a importância excepcional da fotografia de Moçambique, que me 
parece só ter paralelo na da África do Sul (um patamar acima, claro, pq a
 AS é um imenso país com uma imensa história), valorizando não a actual 
concorrência no mercado dos festivais e instituições, mas a continuidade
 e pluralidade criativa através de várias gerações? Como se podem 
ponderar as variáveis que fizeram a diferença da fotografia de 
Moçambique? 
Tem de referir-se a personalidade forte de Ricardo 
Rangel e a capacidade de se afirmar como foto-jornalista 
independente e crítico com uma carreira sempre ascendente na imprensa 
colonial, até à direcção da revista Tempo no início dos anos 70 (e conta
 aí a transigência táctica do poder colonial com um grande fotógrafo 
mestiço e oposicionista, alimentando alternativas intermédias entre as 
veleidades dos independentistas brancos e os nacionalistas negros, 
favorecendo elites mestiças para como quem divide para reinar e aposta 
em todos os tabuleiros). 
A repressão política poupou-o (preso a distribuir panfletos nos anos 40) e a censura nunca o silenciou quando intervinha como editorialista fotográfico.  E Rangel passou ao novo regime da 
independência, atravessou a revolução e a guerra civil e a normalização 
relativa, como figura independente (também crítico da nova situação) e 
como formador de fotógrafos. Criticou a nova imprensa oficial em 
"Foto-jornalismo ou foto-confusionismo" (2002) e foi eleito para a 
Assembleia Municipal de Maputo (1998-2003) pela lista de cidadãos 
"Juntos pela cidade". A mesma luta em diferentes condições políticas, com uma habilidade excepcional.
Entretanto, é indispensável juntar a Rangel o nome de Kok Nam, parceiro de jornais e da Tempo, grande foto-jornalista de carreira também muito longa ( repórter da guerra civil na rectaguarda e mais tarde director do semanário Savana até à morte). 
E falta perceber qual foi o papel de Rogério - Rogério Pereira (n. Lisboa 1942 - Setúbal, 1987) -, fotógrafo português em Moçambique, regressado no final da década de 70, inadaptado aos vários regimes. Fotografou desde 1966 em Lourenço Marques; trabalhou no Sunday Times, Johannesburg, 1968. Colaborou na revista Drum
 (1969, 1973), presente em exposições colectivas em Johannesburg e Cape 
Town desde 1969 e 1972 (refere "Images of Man", promovida pelo 
"International Fund for concerned photography"), segundo informações do próprio no catálogo "Momentos", Gulbenkian 1981 - de uma exposição que à data foi desvalorizada, e estava-se diante de um fotógrafo radical, revoltado e irrecuperável, com imagens de uma grande veemência crítica, indisciplinadas. Frequentou os meios do jazz com Ricardo Rangel e certamente facilitou a relação deste com outros fotógrafos sul-africanos. Imagino que foi Rogério que levou Rangel a expor com Basil Breakey (fotógrafo de jazz de Cape Town) em 1973, no Núcleo de Arte, fazendo-o passar da página impressa para a parede de uma galeria. Em 2002, a 1ª edição do Photofesta, Encontros Internacionais de Fotografia de Maputo, dedicou-lhe uma exposição de homenagem.
Sem contactos conhecidos com Rangel e Rogério, mas bem relacionado com jornalistas como Honwana e Craveirinha, e em geral com o meio das artes, Pancho Guedes faz um uso moderno e eficaz da fotografia, sem que esta seja valorizada em si mesmo como disciplina funcional e/ou arte, ou objecto de exposição. Não é nem se intitula fotógrafo, é arquitecto, pintor e escultor. Mas fotografa tudo, e é relevante a sua presença
 fotográfica impressa no início dos anos 60: o manifesto “A cidade doente, várias receitas para a curar. O mal do caniço e o manual do vogal sem mestre”, dupla página em A Tribuna, 9-6-1963; as páginas de Aujourd’hui: Art et Architecture, nº 37, 1962, com os "Mapoga", e Architecture d’Aujourd’hui, 1962, Juin-Juillet, sobre a sua arquitectura. Também neste domínio tem 
uma intervenção irreverente e influente. Moira Forjaz encontra-o desde 1961. No Núcleo de Arte, de que foi colaborador activo, movimenta-se uma Tertúlia Fotográfica e alguns amadores dos quais vêm a participar em "Moçambique a Preto e Branco", ed. de Natal da empresa Codam, 1972, cuja nota introdutória  é seguramente da autoria de José Luís Cabaço, depois ministro da Informação da RPM.
 
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