WESTON/KLEIN/PARR :
EXPRESSO Revista de 4-Nov-95 (pp. 120-125)
A América de Edward Weston, redescoberta através das suas provas originais; Nova Iorque segundo William Klein, em edição revista e aumentada; o mundo visto por Martin Parr. Exposições e livros
Actualmente, a obra de Weston está partilhada entre a Colecção Lane, depositada no Museum of Fine Arts de Boston, e os Arquivos Edward Weston, do Center for Creative Photography, da Universidade do Arizona, Tucson, onde se conservam os seus negativos e documentos, outras provas de época e as «projects prints», impressas por Brett nos anos 50 sob a supervisão do pai, já então imobilizado pela doença de Parkinson. Ambas as instituições têm produzido as mais importantes iniciativas recentes em torno do fotógrafo de Point Lobos.
A AMÉRICA DE WESTON
Com introdução de Gilles Mora, o novo livro inclui ensaios breves mas eruditos de Terence Pitts e Truddy Wilner Stack (director e conservador de Tucson), Theodore E. Stebbins Jr. (Museu de Boston) e Alan Trachrenberg (U. Yale), sobre as diferentes fases da vida e obra de Weston: sucessivamente, as fotografias picturialistas e o primeiro realismo (1911-23); a aventura mexicana (1923-6), também a cargo de Mora; o período do mais clássico formalismo (1927-37), com o significativo título «O apetite de E.W. pelo objectos — os legumes e os nus femininos»; os anos Guggenheim (1937-9), e o último período (1939-48). O projecto editorial é de John e Dorothy Hill e sucede-se ao que G. Mora e John T. Hill dedicaram, em 93, a outro grande fotógrafo americano, Walker Evans. La Soif du Regard ou E.W. The Hungry Eye, distinguido com os Prémios Nadar e Krazna-Krausz Book.
Sem abandonar a perfeição soberbamente controlada das suas «pré-visualizações», as fotografias de viagem, em especial as que realizou para acompanhar a edição de Leaves of Grass, de Walt Whitman, tornaram-se mais receptivas ao efémero e ao acaso dos encontros, procurando menos a forma pura («a substância e a quinta-essência da 'coisa em si'», de 1924) que a descoberta das «mensagens codificadas… que exprimiam a ambiguidade da natureza das coisas», como disse a sua última mulher, Charis Wilson. A obra da maturidade tardia, libertada das exigências comerciais, ganha uma profundidade significativa, de tonalidades mais sombrias, que é também o «retrato» da vida americana, dos anos da guerra e das suas contradições.
KLEIN, O LIVRO
SE com Edward Weston são as fotografias que importam, isoladas, autónomas e originais, com William Klein o objecto é o livro. O fotógrafo diz mesmo que ao captar uma imagem já «sabia que seria uma página dupla, uma cabeça de capítulo…».
New York 54-55 foi, em 1956, um escândalo fotográfico e tornara-se entretanto um clássico inalcançável, um mito. Finalmente reeditado, em versão revista e aumentada, mantém todo o impacto fotográfico e gráfico (aliás, já cinematográfico) que o tornou um dos livros mais importantes da história da fotografia. Klein acrescentou-lhe agora um prefácio e mais cerca de cem páginas suplementares com dezenas de imagens recuperadas das folhas de contacto iniciais. A publicação fica a dever-se a uma «poole» de seis editores europeus com associados no Japão e nos Estados Unidos. A versão francesa foi lançada por Marval (370 FF), a espanhola por Lunwerg, a inglesa por Dewi Lewis, de Manchester, etc.
a instalação de documentos, maquetes e fotografias do livro, preechendo todo o espaço disponível da galeria com o mesmo domínio magistral da cacofonia.
Recusado na América e editado em Paris, por Chris Marker, New York foi um soco nas convenções da objectividade fotográfica e no realismo optimista e lírico do pós-guerra. As imagens eram demasiado escuras, desfocadas ou tremidas e o retrato da cidade demasiado caótico, irreverente, negro. Explorando o acaso, o grão, o erro, trabalhando os negativos no laboratório, Klein transgredia os limites e tabus da fotografia e abria novos caminhos. Realizado por um pintor que nascera em Nova Iorque, em 1928, mas que acabava de passar seis anos na Europa, o livro foi visto como uma revolução trazida das artes plásticas à fotografia e disse-se, mais tarde, que antecipou a Pop Arte.
Hoje, o novo prefácio recorda, numa escrita tão ágil como as imagens, cabotina quanto baste, uma história muitas vezes já contada: o «estado de sobre-excitação e a facilidade incrível de fazer fotografias», como se se tratasse de um diário do regresso à sua cidade e um ajuste de contas com a infância de judeu remediado.
INVENTAR NÃO-REGRAS
KLEIN não esqueceu as reacções dos editores americanos e queixa-se ainda de ostracismo: «Berk, cuspiam eles, que merda, isto não é Nova Iorque, é demasiado escuro, é só um lado das coisas, a 'zona'.» Mas adiante, numa legenda, recorda que à época já trabalhava para a «Vogue», com um contrato que iria prolongar-se por dez anos, e revela pormenores inéditos. O livro não poderia fazer-se sem financiamento, e foi o director artístico da revista, Alexander Liberman, depois de ter visto alguns trabalhos experimentais, que aceitou o projecto e pagou os materiais e o laboratório, embora depois não tenha publicado a reportagem prevista. A Condé Nast, acrescenta, tinha então uma tradição de mecenato cultural, mas Liberman, por prudência, recusou a ideia de uma dedicatória que deveria ter expresso o agradecimento do fotógrafo.
Com as legendas concentradas na abertura do livro, este vê-se, a seguir, como um filme, sem outras interrupções além da numeração dos capítulos, em algarismos brancos sobre o fundo negro: 1 — Álbum, 2 — Ruas, 3 — 5 & 10 (cêntimos ou «pennies»: «as pessoas no seu universo tipográfico»), 4 — Gun, 5 — I need (inscrições, graffitti), 6 — Funk, 8 — City. Ao mesmo tempo identificação e comentário, já com o recuo permitido pelas décadas que passaram, as legendas têm a tensão explosiva das fotografias. Desde a primeira: «Espectadores do desfile Macy's de Acção de Graças. Cartaz vigarice do sonho americano: polícia italiano, Latino integrado, mãe Yiddische, Afro-Americana de boina… o Melting Pot!»
Noutros casos, Klein vai dando indicações sobre processos e intenções:
De facto, o autor sempre foi o seu crítico mais eloquente e soube sublinhar os riscos e méritos das inovações, em sucessivas entrevistas.
O modelo europeu de então era o Cartier-Bresson do pós-guerra, que trocara o acaso dos encontros surrealistas pela intencionalidade do testemunho militante. Mas a fotografia americana não era tão disciplinada como Klein a pinta. Walker Evans já fotografara o caos das ruas de Nova Iorque e os passageiros no metro sem olhar pelo visor. Weegee editara Naked City, Lisette Model explorara a indistinção das sombras e a máquina a rasar o chão.
Entretanto, Cage já começara nos 40 a cruzada contra «a vontade de ser artista» e a favor da arte efémera, valorizando o ambiente quotidiano e o jogo gratuito sem outro objectivo senão a «afirmação da vida». Rauschenberg, pintor e fotógrafo, inventara em 1953 as «combine paintings». Só faltava a indisciplina de Klein, o seu falso não-saber e a decisão de fazer um livro cinematográfico — ao mesmo tempo que Robert Frank, vindo da Suíça, fotografava também a sua América e fazia uma revolução paralela.
Depois, Klein fotografou Roma, em 1956, com publicação em 58, a a seguir Moscovo e Tóquio. O seu cinema arrancou em 1958, com Broadway by Light, sobre os anúncios luminosos, tido pelo primeiro filme Pop. E, entre a pintura e a fotografia, «a arte» e a moda ou a publicidade, os filmes e os vídeos, nunca mais parou.
PARR, O BANAL INVISÍVEL
Martin Parr, sem título, 1995 (Magnum Photos 1995 / Galerie du Jour Agnès b) foto do convite
MARTIN Parr é um homem da era da televisão, o fotógrafo do consumismo e o seu crítico mais ácido, com uma obra torrencial que explora todos os meios e lugares de circulação. Três novos livros ou catálogos e outras tantas exposições foram, em Outubro, outra forte presença parisiense.
O Centre National de la Photographie, instalado no Hotel Salomon de Rothschield, rue du Berryer, mostrou «Small World», exposição organizada pela Photographer's Gallery, de Londres, com edição francesa prefaciada por Roland Topor: Quel Monde!, «a global photographic project» sobre o mundo dos turistas, realizado entre 1987-1994 (Marval, 1995, 96 págs., 280 FF; ed. inglesa, Dewi Lewis Publishing).
O desenhador e escritor «pânico» apresenta: «O turismo de massas resulta de uma ideologia do consumo, como as cruzadas e as peregrinações eram o fruto da fé religiosa. O destino dos novos cruzados já não é conquista dos Lugares Santos, mas a apropriação dos Lugares Comuns.»
Em salas paralelas expunha-se um inquérito sobre os ingleses e os seus automóveis, levado a cabo, em 1992-3, em conjunto com a rodagem de uma série homónima de cinco filmes com texto e direcção de Nicholas Barker. From A to B — Tales of Modern Motoring, de Martin Parr, é um livro BBC Books, de 1994, e uma exposição que andou em itinerância por 52 áreas de serviço das estradas britânicas.
O projecto é já uma sequela de Signs of the Times — a Portrait of the nation's taste, livro e série de TV que explorou as atitudes inglesas a respeito da decoração doméstica, do bom e mau gosto no lar. Para esta nova produção, 70 automobilistas foram interrogados e filmados pela BBC 2: as mulheres e os carros, carros de serviço, carros familiares, os carros dos filhos e as discussões conjugais. Parr fotografou sempre depois da rodagem dos filmes — a reportagem é encenada, os modelos são actores dos seus próprios papéis — e as imagens são expostas com frases produzidas pelos retratados, por vezes em provas de grande formato.
Na inauguração do CNP, segundo relatou o «Le Monde», Cartier-Bresson, colega da Magnum, não conteve o comentário azedo: «Nós pertencemos a dois sistemas solares diferentes. E porque não?»
Autor de um imenso inquérito sobre os modos de vida e os gostos das classes médias, Martin Parr, com a sua câmara 6×7 e o flash usado com luz diurna, que faz explodir as cores e condensar o espaço, nunca é um repórter invisível nem distanciado. O seu olhar é assassino mas também muito próximo das pessoas. Parr está entre os seus, «fascinado pelo quotidiano vulgar».
É uma nova direcção de trabalho de Parr, com recurso sistemático ao grande plano, enquadramento directo e registo cru das cores, até ao vómito. O tema é a alimentação e em especial a «fast-food»: bolos de cores ácidas, restos de comida, uma colher no feijão, embalagens, o ovo com ketchup, e também um cachimbo pendente de um lábio, um crucifixo sobre um decote masculino, o peru meio trinchado junto ao candeeiro, duas mãos dadas, o pão de plástico, o lixo envernizado, o creme com a cereja. A presença monstruosa dos objectos, o banal invisível.



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