sábado, 15 de janeiro de 1994

2000, Brasil

 ARQUITECTURA RURAL NA SERRA DA MANTIQUEIRA

15 01 94, expresso

Sociedade Nacional de Belas Artes


Uma exposição e um livro excelentes vindos do Brasil, onde o que pode ser a fotografia se encontra com a procura do que pode significar a arquitectura, no sentido lato de «arte de criar espaços organizados e animados, arte de edificar». O autor, Marcelo Carvalho Ferraz, não tem inteira razão quando pretende que «este não é um livro de fotografias ou um ensaio fotográfico sobre um certo tema». De facto, ele é precisamente ambas as coisas, sem por isso contrariar a definição que o próprio M.C.F. imediatamente propõe: «É um trabalho onde, como arquitecto, me utilizei de fotografia para captar e revelar um mundo em que as relações do homem com a natureza que o circunda se dão num estágio genuíno de interação; onde cada casa, cada pequena construção espelha, através dos materiais e das cores, esta natureza; um mundo em que cada detalhe, cada solução criada pelo homem revela a presença constante da poesia.» 


Na exposição, as 40 fotografias de médio formato são enquadradas por dois curtos textos de Lina Bo Bardi («esta é uma anotação sobre a aristocracia rural-popular brasileira enxotada pelas monoculturas») e de Agostinho da Silva, que numa prosa ao mesmo tempo visionária e lúcida refere a relação entre o Minho e a paisagem da região a sul de Minas, enquanto ao livro estão ainda associados os nomes de Pietro Maria Bardi, Darcy Ribeiro e António Cândido, em sucessivas apresentações. 


É efectivamente de um levantamento fotográfico sobre arquitecturas anónimas, espontâneas ou vernaculares que se trata, no qual a dignidade das imagens, belíssimas na sua explícita ausência de «vontade de arte», se encontra com a inteireza sábia de uma cultura pobre, onde a velocidade da vida é ainda regida pela natureza e todas as construções têm a economia o engenho das coisas necessárias. Ocupando-se sucessivamente de «a terra», «o homem» e «a arquitectura», as imagens dão a ver toda a dimensão da paisagem das roças mineiras, os retratos de grupo, os exteriores e interiores das casas, o fornos, o paiol para os cereais, as capelinhas, as vendas à beira da estrada e ainda os circos que oferecem a única modalidade acessível de espectáculo. 

Nem apologia, nem lamento de um mundo que se está transformando («e assim deve ser», acrescenta o autor), este trabalho de alcance antropógico impõem-se também como reflexão sobre a prática da arquitectura e é exemplo de uma prática essencial de documentação fotográfica.

( Edição Quadrante/Empresa das Artes, São Paulo, 1992; 96 págs., 4000$00)