sábado, 17 de novembro de 2018

ETHER 4. 1992 "Olhos nos olhos" (Olho por Olho)

sobre a exposição Olho por Olho - Uma História de Fotografia em Portugal 1839-1992. 

1992, Maio/Agosto


artigo de JORGE CALADO
publicado no EXPRESSO/Revista de 18 Julho 1992
pps 56-57-58-59

(Publicada a primeira história da fotografia portuguesa, António Sena mostra na Ether a primeira retrospectiva. Retoma-se parte do panorama que foi levado à Europália e assinalam-se os dez anos de actividade de uma associação a quem se deve um trabalho seriíssimo de estudo e divulgação da fotografia)
 Cunha Moraes, "Banana, Margens do Rio Zaire", c. 1878; Costa Martins / Victor Palla, foto de "Lisboa 'Cidade Triste e Alegre'", 1956-59


FOI PRECISO esperar mais de 150 anos para se começar a perceber o que foi, tem sido, é a fotografia em Portugal.  Neste processo de estudo, inventariação, pesquisa e apresentação fomos os últimos. Como escreveu um investigador inglês, «early photography in Portugal is probably the worst documented of any country with the exception of some of the more obscure areas of Africa» (a fotografia antiga em Portugal é provavelmente a pior documentada de qualquer país, à excepção da das regiões mais obscuras da África). Para citar apenas os exemplos mais próximos, pode constatar-se que a fotografia brasileira está bem estudada; a de Espanha nem é bom falar - deixa-nos a perder de vista. 
A fotografia portuguesa é toda a fotografia feita em Portugal mais a produzida por portugueses no estrangeiro. Não há especificidades estéticas que a distingam das suas congéneres europeias ou americanas. Quer queiram quer não, a fotografia é uma arte para «estrangeirados», pois, como bem notou Gérard CastelIo Lopes, os nossos fotógrafos «só se servem de um ingrediente nacional: a água» - tudo o resto é importado. Em Portugal, os fotógrafos corriam atrás do espírito dos tempos e reviam-se nos exemplos que vinham de fora. Como acontecia no resto do panorama artístico, o atraso era de rigor e os modelos seguidos nem sempre os melhores. Mas bem ou mal, o «corpus» fotográfico português é o nosso retrato; o retrato das nossas paisagens e costumes, dos nossos monumentos e das nossas histórias, que a vida é a mesma em qualquer parte do mundo - nasce-se, cresce-se, ama-se e morre-se. A pátria é um acidente geográfico, tal como a família é um acidente biológico. Mas, já que nascemos e/ou vivemos aqui, temos o dever de preservar e estudar a nossa herança cultural, e a fotografia é uma parte integrante desta, talvez a mais importante porque é, simultaneamente, cultura e reflexão e registo das outras culturas. 

ETHER 5. Olho por Olho: fotos de 1850 a 1991

edição original editada em fotocópia com 131 exemplares
20,4 x 14,5 cm
cópia anotada do exemplar 000038, oferta do autor.
128 reproduções
De J. Silveira (nº 1) a Augusto Alves da Silva (nº 128)



ETHER 6. 1992: "Olho por Olho" Parte II


No catálogo da exposição Olho por Olho, Ether 1992, propõe-se uma história da fotografia em Portugal e celebra-se a história da sua última década, isto é, comemoram-se os dez anos da Ether. A bibliografia alarga-se das exposições que tiveram lugar na galeria a diversas outras publicações em que António Sena e a associação intervieram.

ETHER 7. 1992 Olho por Olho (Parte I)



ETHER 8. A colecção escondida de António Sena


(30/12/2013)
Há meses, na inauguração da exposição das fotografias (mal) atribuídas a Sena da Silva, na Cordoria Nacional, um amigo trouxe-me uma informação surpreendente: a colecção de fotografias (e certamente também de livros e revistas) de António Sena (o autor da única história da fotografia - ou da imagem fotográfica - em Portugal, Porto Editora 1998) iria ser instalada em Cáceres. Não havia pormenores sobre o local ou a instituição que a acolheria, por doação, depósito ou venda. Ficaria certamente acessível, e melhor tratada na Estremadura espanhola que em qualquer instituição portuguesa. Era uma boa notícia.

Hoje, outro amigo tinha outra notícia, que transmitiu com idêntica convicção e falta de pormenores. Agora, a colecção (em vez de destinada a Cáceres) iria para uma ilha do Pacífico, que depois precisou que seria próxima de Timor, um ilhéu deserto. Não parecia sensível ao absurdo da história. Os meus dois amigos, diga-se, são pessoas com credibilidade, bem integradas nos meios culturais, que conviveram com A. Sena.

Somadas as informações, parece admissível que seja o próprio António Sena (o Toé que foi o animador da galeria Ether - ver saisdeprata-e-pixels.blogspot.pt/2008) a pôr a circular os boatos sobre a sorte da colecção, a qual não deve ser entendida apenas como seu património particular mas sim como um acervo único e decisivo, insubstituível, sobre a história da fotografia em Portugal: um país em que abundam negativos à mercê de quaisquer aventureiros, e falta o que é essencial, as provas de autor e de época, e também as publicações e catálogos de referência, ausentes nas bibliotecas.

duas páginas do catálogo "Olho por olho", Ether, 1992

sábado, 10 de novembro de 2018

João Francisco na 111, 2018


IMG_9348

Transcrevo um mail do João Francisco sobre a exposição Mille-fleurs que hoje (10 de Novembro) chega ao fim.

"Eu não sei se posso dizer que o tema dos refugiados e dos naufrágios seja o principal ou o único da exposição [ não, não é o único, talvez não seja o principal, mas é aquele que mais intensamente atinge o observador, logo no espaço inicial da exposição, quando se começa a identificar a presença dos migrantes e dos mortos do Mediterrâneo; não é rápida essa identificação, ela é elidida pelo autor e talvez a evitemos, porque a arte não trata dessas coisas... Só mais tarde, ao tentar escrever sobre a exposição, o assunto se me tornou evidente, irrecusável.] O ponto de partida foram de facto as tapeçarias mille-fleurs, que realmente admiro e que me intrigam. A vontade de fazer algo a partir delas era já antiga. E o painel grande com as flores e os animais mortos foi o que inicialmente surgiu dessa referência (e que nesse sentido talvez se possa dizer que a ela mais esteja preso).
As outras pinturas da exposição surgiram autónomas a esta peça maior mas mantendo, para mim, esta procedência:
- por um lado na série mille-fleurs (as colagens sobre os desenhos de bordados reutilizados) onde se joga com a ideia de "cartão", ou seja, de algo que está a meio caminho entre a ideia e um outro objecto final a realizar, e onde sigo mais ou menos o aparato das tapeçarias referidas: um motivo central rodeado de elementos pequenos, mais ou menos parecidos, no que vejo também uma ironia com a repetição tão cara ao minimalismo. Interessou-me explorar a relação entre o que eu pintei e os elementos já existentes nas páginas encontradas, essa conversa entre o novo e o antigo, a passagem do tempo também, no fundo. Tudo isto tendo em conta a ironia e o anacronismo que consiste em falar hoje de uma forma de arte completamente morta e especifica como é a da tapeçaria. (que acresce também ao facto de ser já eu um pintor de "naturezas mortas" , um género "menor");
- e por outro nas pinturas a acrílico mais pequenas ("as paisagens"), que exploram temas que poderiam também ser motivos para tapeçarias (substituindo-se às cenas épicas de batalhas, mitologias, paisagens mais ou menos exóticas).
Tendo dito isto, o tema dos refugiados e dos naufrágios tornou-se bastante importante, aparecendo várias vezes, bem como pela primeira vez a inclusão de corpos, ou fragmentos deles (quase sempre o meu) , que interagem com os objectos estáticos da natureza morta, ou que parecem fazer um comentário à "acção".

É também como diz, senti que era um assunto delicado e melindroso, em relação ao qual tive muitas dúvidas durante o processo - se devia ou podia ser explorado - , e que achei melhor não nomear (embora o tenha feito indirectamente nos títulos: " o náufrago", "figura a observar um naufrágio", "no mediterrâneo", "sob as ondas").
Agrada-me também, como lhe disse, esse desafio de deixar, dando algumas pistas, que o espectador entre no jogo, em vez de explicar e dissecar por completo as imagens (prefiro que elas interpelem o espectador, que criem um diálogo). Interessa-me no fundo que as imagens vivam por si e sejam eficazes, e que não sejam meras ilustrações de uma ideia inicial ou literária. E daí as pinturas evocarem o drama dos naufrágios sem reproduzirem ou partirem das imagens deles com que somos regularmente confrontados (a construção no atelier destas amálgamas de corpos e ondas, em substituição dos reais, acaba por não me parecer menos trágica e inquietante). São no fundo coisas muito fora de moda e nada contemporâneas: símbolos, alegorias. Um pouco como as estátuas dos "duplos" do antigo Egipto.
Mais do que o drama específico no Mediterrâneo talvez seja a morte, e o tempo, um dos fios condutores da exposição. Ela aparece em algumas das paisagens (as paisagens onde surgem caveiras aludem às fantásticas imagens, maioritariamente medievais/renascentistas, do juízo final, onde o inferno é mostrado muitas vezes como um monstro de enorme boca aberta por onde entram as pobres almas condenadas....); no "Lázaro", que estando morto volta à vida; nas velas, acesas ou apagadas; nas flores, frescas ou murchas, reais ou artificiais; no Mársias, esfolado vivo como castigo; no próprio painel "mille-fleurs", no diálogo entre os animais mortos e as flores aparentemente vivas (ainda, mas isso é um jogo antigo da pintura de naturezas-mortas....).
IMG_9082
IMG_9082
IMG_9082
IMG_9082
Sem título - mille-fleurs (1. pinceladas numa paisagem/ 2. Lázaro / 3. as pinceladas flutuantes / 4. debaixo das ondas), 2018

E leia-se a "folha de sala" escrita pelo João Francisco:

mille-fleurs
O assunto que talvez possa agregar o conjunto de pinturas recentes que aqui se apresentam é o da paisagem. Apesar de serem assumidamente naturezas-mortas, na medida em que consistem em objectos reais, dispostos e observados, estas imagens olham para o exterior, lá para fora. Falam de montanhas e desertos, do mar e de florestas, de ruínas, de jardins. Olham também através deles para o interior (não serão as paisagens aí ainda mais perigosas e sombrias?).
O título da exposição e muitas das peças apresentadas partem de um tema que importa explicar: mille-fleurs ou mil flores. É o termo utilizado para agrupar um conjunto de tapeçarias produzidas no norte da França e na Flandres sensivelmente entre o final da Idade Média e o início do Renascimento. O que as torna num grupo específico é o uso que fazem, de forma
repetitiva e obsessiva, da representação de flores e plantas que, rodeando por completo os elementos em destaque (que podem ir de damas com unicórnios a caçadores, personagens galantes ou mitológicas), criam um espaço mais mítico que natural, mais caracterizado por uma exuberância decorativa que pela sugestão de uma paisagem real onde as figuras se inserem. Estas representações de flora, a que muitas vezes é também adicionada a presença de pequenos animais, são no entanto extremamente fiéis: são reconhecíveis com facilidade as espécies de planta selvagens e de cultivo doméstico, o que anuncia a cultura humanista e científica do Renascimento.
Realizado ao longo de vários meses o vasto conjunto de pequenas pinturas mille-fleurs pode ser entendido simultaneamente como memória desse tempo que passa, e como retrato de um espaço específico, de um jardim, registando e mostrando o que lá cresceu e morreu. Assimilando a estrutura formal das referidas tapeçarias em que as plantas se encadeiam de forma regular criando como que uma grelha, esta peça é uma afirmação do fascínio que a natureza, por mais remota ou doméstica, real ou mítica que seja, continua a realizar.
A descoberta fortuita de um conjunto numeroso de esquissos utilizados para bordar despoletou outro conjunto de peças: nessa memória ou fantasma dos desenhos que foram passados para um outro suporte têxtil, reconheci a dos “cartões” das tapeçarias, modelos em tamanho real do que iria ser tecido e que, devido à constante e violenta utilização, raramente sobreviveram (e de que os cartões para os Actos dos apóstolos de Rafael são uma notável excepção). Criando um fundo relativamente homogéneo a colagem destes desenhos, todos referentes com graus diversos de realismo e estilização a plantas, permitiu a construção de um campo onde a pintura acontece. É neste jogo entre o que se oculta e o que permanece visível que estas páginas encontram sentido.
Falando das paisagens em si talvez as vejamos como pessimistas e escuras. Por vezes inquietantes e inóspitas. Possivelmente também irónicas ou ridículas. Talvez tenham de ser assim. Fazendo minhas as palavras de Bernard: (...) e saí para a rua sozinho, de impermeável vestido, e as montanhas eternas fizeram-me sentir enjoado e nada sublime (Virginia Woolf, As Ondas)."

Se o João Francisco fosse um candidato a artista minimal-conceptual diria, ele ou algum curador por ele, que "reflecte sobre"... Mas ele não diz, nem sugere, pelo contrário, entrega-nos à nossa eventual vontade de atenção / interpretação ou à nossa cegueira. Quem pensará que uma obra de arte aborda (trata de..., tem por tema) assuntos sérios, e não é só a apropriação indiferente de uma imagem mediática ou um 'mero' exercício auto-referencial, dedicado à ideia de arte e à tradição da sucessão de formas (novas?), referido à 'soberania' da arte e ao 'Mundo da Arte' (como se lê com maíuscula e aparente convicção à entrada do ex-CAM, actual Museu Gulbenkian - "Anos 2000", dizem eles).
O João Francisco não explica sobre (o) que 'reflecte'; pelo contrário, vai apontando para outras pistas, que teremos de seguir antes e depois de descobrirmos o assunto mais forte das suas obras recentes.
Ele não refere os retratos e auto-retratos que lá estão; não sinaliza as 'vanitas' (variedade de naturezas-mortas que nos confrontam com a morte); não fala de pintura de história, que já não se povoa de mitologias e realezas mas se enfrenta ao quotidiano, à política, à história em que vivemos.
Alguém terá já tratado em pintura os dramas dos migrantes e refugiados africanos que se afundam no Mediterrâneo? É o que faz o João Francisco. E é muito forte.
IMG_9366
IMG_9366
IMG_9366 Sem título - nas ondas / um náufrago / a torrente, 2008
Dez anos depois da 1ª exposição, já na 111, o João Francisco conserva algumas características centrais do seu trabalho: a natureza-morta, pintura e desenho de observação diante de modelos/paisagens que constrói, a partir de uma prática e recolector - coleccionador. E essa prática da natureza-morta é também comentário ou releitura da história da arte, com extensão às referências literárias. É uma produção erudita mas que se vê (também) como prática brincada, às vezes próxima da banda desenhada pelo grafismo das formas e perspectivas. 
Aos actuais desastres e naufrágios mediterrânicos podem associar-se as anteriores paisagens marítimas de J.F. que já eram trágico-marítimas ("Atlântida" e "Tempestade em Trouville - para E. Boudin", ambos de 2008) e também, de outro modo, as Ondas e Objectos flutuantes de uma exposição de 2014, e ainda a instalação "Sem título - trazido pelo mar para Joseph Cornell", de 2005/2012. Tudo se prolonga e reactualiza com novas referências e circunstâncias. Entretanto - mutação muito significativa, que deixa abertos novos passos -, a observação pode ser também imaginação, a natureza-morta acolhe o retrato do natural, usando o espelho e já não a imagem prévia.
6a00d8341d53d453ef00e5529230c08834-800wi
 
"Sem título - Tempestade em Trouville - para E. Boudin", 2008, óleo sobre tela, 160 x 180 cm.
Joao mar

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Quatro fotógrafos de Moçambique no Paris Photo / Quatre photographes du Mozambique - Ricardo Rangel, José Cabral, Mauro Pinto, Filipe Branquinho

Ricardo Rangel foi o pioneiro da fotografia de Moçambique e o mestre reconhecido de várias gerações de fotógrafos. A sua longa carreira (1924, Lourenço Marques - 2009, Maputo) impôs-se desde os anos 1950 na imprensa colonial, onde foi o primeiro fotojornalista não branco, e conheceu uma dinâmica sempre ascendente, apesar da sua orientação política contrária ao regime.
Mestiço, de ascendência grega, africana e chinesa, dotado de uma personalidade forte e brilhante profissional, beneficiou da transigência táctica do poder colonial que desejava acolher elites locais alternativas à pressão dos extremistas brancos e às ambições dos nacionalistas negros. A repressão política poupou-o e a censura nunca o silenciou, mesmo se algum trabalho terá desaparecido. Foi depois uma figura de referência no Moçambique independente (pós-1975). Atravessou o socialismo, a guerra civil e a normalização política, sempre como uma voz independente, crítica da imprensa oficial e desde 1981 à frente do Centro de Formação Fotográfica, que dirigiu até à sua morte.

A afirmação internacional de Rangel começou em 1994, logo no primeiro tempo da descoberta da fotografia feita por africanos - Moçambique foi então um país em foco. Nesse ano a cooperação francesa editou um primeiro livro, «Ricardo Rangel, Photographe do Mozambique» (Éd. Findakly, Paris), que o mostrava como crítico da sociedade colonial, autor de imagens emblemáticas sobre a diferenciação racial e social, repórter atento aos bairros negros e também aos brancos pobres. E logo nos 1ºs Encontros de Bamako, no mesmo ano, a outra vertente mais oculta da sua obra, dedicada às mulheres dos bares do porto de Lourenço Marques, nos anos 60/70, com uma notória cumplicidade sensual, foi apresentada pela Revue Noire. A série «Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo» foi depois consagrada por Enwezor Okwui na exposição «In/sight. African Photographers, 1940 to the Present» (Guggenheim Museum, 1998), e veio a ser publicada em livro em 2005: «Pão Nosso de Cada Noite» / "Our Nightly Bread» (ed. bilingue, Marimbique, Maputo).

José Cabral é o outro pioneiro da fotografia moçambicana, situado entre a dinâmica colectiva do fotojornalismo inspirado por Rangel e a nova geração de fotógrafos-artistas que tem alcançado circulação internacional, de que fazem parte Mauro Pinto e Filipe Branquinho. Mas Cabral foi um mestre diferente - irreverente, individualista, indisciplinado.
Com uma obra original desde que em 1975 trabalhou como fotógrafo no Instituto Nacional de Cinema, a que se seguiram alguns poucos anos como reporter fotográfico, realizou encomendas documentais e foi professor influente no Centro de Formação Fotográfica, de 1986 a 1990. É um artista das margens, por vezes revoltado e irascível, o que as suas fotografias não deixam adivinhar, na serenidade dos seus itinerários por Moçambique e na ternura com que olha as pessoas dos seus inúmeros retratos. E é o homem da ruptura, que veio trazer ao colectivo da fotografia de Moçambique a necessidade do discurso pessoal, fundado no conhecimento da fotografia internacional, nas viagens e emainteresses culturais alargados.

A diferença da sua obra foi sendo sublinhada pela referência autobiográfica presente em grandes exposições construídas como antologias pessoais: «As Linhas da Minha Mão", 2006, Maputo (com homenagem a Robert Frank no título); "Urban Angels / Anjos Urbanos", 2009, Lisboa e Maputo (as crianças, os seus filhos e os dos outros); "Espelhos Quebrados", 2012, Maputo (auto-retratos que sinalizam percursos de vida e de criação).  Foi uma contribuição corajosa para pôr em evidência o papel e o lugar de quem vê e fotografa, como artista que intervém no presente de um país em mudança.
A actualidade de Cabral não foi a guerra civil, a violência urbana ou a miséria quotidiana - é sempre a da vida comum e é de um olhar mais profundo e definitivo que se trata, à distância de muita fotografia africana que balança entre a vitimização e o exotismo. Não há lugar na sua obra para retóricas fotográficas formalistas e o discurso pessoal nunca é indiferente à realidade do país - é um acto interveniente, lúcido e livre. Uma antologia do seu trabalho foi publicada em 2018 no livro «Moçambique» (ed. XYZ Books, Lisboa, e Kulungwana, Maputo).

Mauro Pinto e Filipe Branquinho são dois jovens fotógrafos com ampla circulação internacional, ancorados na realidade de Moçambique e renovando projectos documentais.
O primeiro, Mauro Pinto (n. 1974, Maputo), estudou em Johannesburg e desde 2000 que participa em exposições colectivas e festivais em Moçambique, Angola, África do Sul, Brasil, França, Noruega, Ilha da Reunião e Portugal - onde venceu o Prémio BES Photo 2012, com a série «Dá Licença» / «Excuse Me», realizada no bairro popular de Mafalala em Maputo. O seu trabalho combina projectos de longo fôlego de índole documental e imagens isoladas e sintéticas onde se concentram situações algo enigmáticas, efeitos de contraste e surpresa que desafiam a atenção do espectador, e em que o humor está também muito presente. É uma via para questionar com grande eficácia visual a prática da criação visual - o que é a arte e o testemunho, a comunicação e a informação. Uma série recente mostrou máscaras de folhas e penas do Burkina Faso sob o título «Ç’est pas facile»

Filipe Branquinho (n. 1977, Maputo) tem formação em arquitectura e segue uma dupla carreira de fotógrafo e ilustrador. Num projecto agora em curso, intitulado “Lipiko”, em que utiliza máscaras mapiko de tradição maconde, associa desenho e fotografia com um forte sentido de sátira para propor a reflexão sobre aspectos e valores da actualidade nacional. Nas séries anteriores têm-se sucedido projectos fotográficos que propõem a leitura da realidade actual de Moçambique, em geral sobre a identidade urbana, as pessoas e o seu espaço na cidade, entre memórias e o presente, a actualidade nacional e a tradição: "Ocupações" (retratos de habitantes anónimos nos seus lugares de trabalho ou de vida - PHOTOQUAI 2013 e Revue Camera, Paris, nº 2, 2013); «Showtime», 2013 (retratos de mulheres num regresso à Rua Araújo que evocava Rangel e Cabral); «Interior Lanscapes» (arquitecturas de Maputo e a reutilização de velhos espaços do tempo colonial - Prémio POPCAP 15 de Fotografia Africana); «Gurué 15° 28‘ S 36° 59’ E“ (as imensas paisagens do chá na Zambézia). É um trabalho com evidente coerência temática e sempre sem concessões à facilidade ou ao exotismo

Moçambique é um país de muitos notáveis fotógrafos e outros nomes se têm afirmado ao longo do tempo, com especial destaque para Kok Nam (1939-2012, parceiro de Rangel), Moira Forjaz (vinda do Zimbabwe), Sérgio Santimano, João Costa (Funcho), Luís Basto, Mário Macilau. Mas é também um país pobre com escasso mercado interno, distante e isolado pela língua, fechado sobre a doçura do seu quotidiano e a beleza natural, que tem permanecido quase alheio aos trânsitos artísticos internacionais. Quatro fotógrafos - Rangel, Cabral, Pinto e Branquinho -, abrem aqui as fronteiras de Maputo.

Alexandre Pomar

 

Quatre photographes du Mozambique


Ricardo Rangel a été le pionnier de la photographie au Mozambique et le maître reconnu de plusieurs générations de photographes. Fort de sa longue carrière (1924, Lourenço Marques - 2009, Maputo), il a su s’imposer dans la presse coloniale depuis la fin des années 1950, où il fut le premier photojournaliste non-blanc. Il a connu une évolution croissante malgré son orientation politique contre le régime.
Métis, d'ascendance grecque, africaine et chinoise, doté d'une forte et brillante personnalité professionnelle, il a bénéficié du compromis tactique du pouvoir colonial souhaitant accueillir les élites locales, alternatives à la pression des extrémistes blancs et aux ambitions des nationalistes noirs. Il a échappé à la répression politique sans jamais être réduit au silence par la censure, même si certains de ses travaux auraient disparu. Il fut un personnage de référence au Mozambique indépendant (après 1975). Il a traversé le socialisme, la guerre civile et la normalisation politique, toujours en tant que voix indépendante, critique de la presse officielle et depuis 1981 à la tête du centre de formation photographique (Centro de Formação Fotográfica) qu'il a dirigé jusqu'à sa mort.

L’internationalisation de Rangel a commencé en 1994, lors de la première découverte de la photographie faite par des africains. Le Mozambique était alors au centre des attentions. La coopération française publia cette année-là un premier livre, "Ricardo Rangel, photographe du Mozambique" (Ed Findakly, Paris), qui le décrivait comme le critique de la société coloniale, auteur d'images emblématiques sur la différenciation raciale et sociale, reporter à l’écoute des noirs et aussi des blancs pauvres. Dès les premières Rencontres de Bamako (Encontros de Bamako), la même année, l'autre face plus cachée de son travail, dédiée aux femmes des bars du port de Lourenço Marques, dans les années 60/70, avec une complicité sensuelle notoire, a été présentée par la Revue Noire. La série de photos intitulée "Notre pain de chaque jour, les nuits de la Rue Araújo" a ensuite été consacrée par Enwezor Okwui lors de l'exposition "In/sight. African Photographers, 1940 to the Present" (Guggenheim Museum, 1998) et également publiée dans un livre en 2005 : " Pão Nosso de Cada Noite" / "Our Nightly Bread " (ed. bilingue, Marimbique, Maputo).

José Cabral est l’autre pionnier de la photographie mozambicaine, situé entre la dynamique collective du photojournalisme inspirée par Rangel et la nouvelle génération d’artistes photographes qui ont atteint un rayonnement international, comme Mauro Pinto et Filipe Branquinho. Mais José Cabral était un maître différent - irrévérencieux, individualiste, indiscipliné. Photographe depuis 1975 à l'Institut national du film (Instituto Nacional de Cinema), puis photoreporter pendant quelques années, il a également réalisé des documentaires et fut enseignant au centre de formation photographique (Centro de Formação Fotográfica) de 1986 à 1990. José Cabral est un artiste en marge, parfois en colère et irascible, ce que ses photographies, dans la sérénité de ses voyages au Mozambique et dans la tendresse avec laquelle il regarde les personnages de ses nombreux portraits, ne laissent d’ailleurs pas deviner. Il est l'homme de la rupture, qui est venu apporter au collectif de la photographie du Mozambique la nécessité d'un discours personnel, fondé sur la connaissance de la photographie internationale, les voyages et les intérêts culturels.

La différence de son travail a été soulignée par la référence autobiographique présente dans de grandes expositions construites comme des anthologies personnelles : "As Linhas da Minha Mão", 2006, Maputo (avec un hommage à Robert Frank dans le titre) ; "Urban Angels / Anjos Urbanos", 2009, Lisbonne et Maputo (avec ses propres enfants) ; "Espelhos Quebrados", 2012, Maputo (autoportraits représentant des parcours de vie et de création). Un travail courageux pour souligner le rôle et la place de celui qui voit et photographie, en tant qu’artiste intervenant dans le présent d’un pays en mutation.
Les sujets choisis par José Cabral n’étaient pas la guerre civile, ni la violence urbaine ou la misère quotidienne, mais plus la vie quotidienne avec un regard plus profond sur les choses, à la différence de beaucoup de photographies africaines qui oscillent entre victimisation et exotisme. Son travail lucide et libre, basé sur la réalité du pays ne laissait pas de place à la rhétorique photographique formaliste. Une anthologie de ses travaux a été publiée en 2018 dans le livre "Moçambique" (éd. XYZ Books, Lisbonne et Kulungwana, Maputo).

Mauro Pinto et Filipe Branquinho sont deux jeunes photographes de portée internationale, ancrés dans la réalité du Mozambique et renouvelant des projets documentaires. Le premier, Mauro Pinto (né en 1974 à Maputo), a étudié à Johannesburg et participe depuis 2000 à des expositions collectives et à des festivals au Mozambique, en Angola, en Afrique du Sud, au Brésil, en France, en Norvège, à la Réunion et au Portugal, où il a remporté le prix BES Photo 2012, avec sa série de photos "Dá Licença" / "Excuse Me", réalisée dans le quartier populaire de Mafalala à Maputo. Son travail associe des projets de longue haleine de type documentaire à des images isolées concentrant des situations quelque peu déroutantes, des effets de contraste et de surprise qui défient l'attention du spectateur et dans lesquels l'humour est également très présent. Une manière efficace pour Mauro Pinto de remettre en question la pratique de la création visuelle : qu'est-ce que l'art et le témoignage, la communication et l'information… Une série de photos récente a montré des masques de feuilles et de plumes du Burkina Faso intitulée "Ç’est pas facile".

Filipe Branquinho (né en 1977 à Maputo) est diplômé en architecture et poursuit une double carrière de photographe et illustrateur. Dans un projet en cours intitulé "Lipiko", dans lequel il utilise des masques en mapiko de tradition Maconde, il associe le dessin et la photographie à un fort sentiment de satire pour proposer une réflexion sur les aspects et les valeurs de la société. Dans ses projets photographiques précédents, il a proposé une lecture de la réalité actuelle du Mozambique, autour de l'identité urbaine, des habitants et de leur espace dans la ville, entre la mémoire et le présent, l'actualité nationale et les traditions : "Ocupações" (portraits d'habitants anonymes sur leurs lieux de travail ou de vie - PHOTOQUAI 2013 et Revue Camera, Paris, n°2, 2013) ; "Showtime", 2013 (portraits de femmes lors d'un retour à la Rua Araújo évoquant Rangel et Cabral) ; "Interior Lanscapes" (architecture de Maputo et réutilisation d'anciens espaces de l'époque coloniale - Prix POPCAP 15 de la photographie africaine) ; "Gurué 15 ° 28 'S 36 ° 59' E" (les immenses paysages de thé en Zambézie). Un travail construit autour d’une thématique cohérente et évidente, qui ne cède pas à la facilité ou à l'exotisme.

Le Mozambique est un pays de nombreux photographes notables et d'autres noms se sont affirmés au fil du temps, avec un accent particulier sur Kok Nam (1939-2012, partenaire de Rangel), Moira Forjaz (originaire du Zimbabwe), Sérgio Santimano, João Costa (Funcho), Luís Basto, Mário Macilau. Mais c’est aussi un pays pauvre avec un marché intérieur rare, distant et isolé par la langue, fermé sur la douceur de sa vie quotidienne et la beauté de sa nature, sans grand lien avec les transits artistiques internationaux. Quatre photographes - Rangel, Cabral, Pinto et Branquinho - ouvrent ici les frontières de Maputo.

Informação da Galeria MAGNIN-A