Mês da Fotografia, Lisboa 1993
Capa: Um mês de fotografia
“Festas fotográficas”
EXPRESSO/Cartaz de 29/05/1993, pág 15
A POUCOS dias da abertura, o Mês da Fotografia ainda parece uma «aposta no impossível». É Serge Tréfaut, o seu principal responsável, quem o reconhece, enquanto garante o cumprimento de um programa de 24 exposições que começou por ser apenas uma das componentes das Festas de Lisboa, até se transformar na mais ambiciosa operação de divulgação da fotografia já ensaiada entre nós e também na primeira edição de uma bienal que tem por exemplo o «Mois de la Photo» de Paris.
De facto, foi apenas em Janeiro que houve luz verde para arrancar verdadeiramente com a programação. Um prazo curtíssimo, quando não se pretende apresentar apenas exposições «enlatadas» (embora elas sejam a maioria absoluta) e quando se utilizam espaços espalhados pela cidade que exigem grandes investimentos na cenografia e na iluminação.
O projecto acabou por estender a sua rede a instituições muito diversas, públicas e privadas, do Centro Cultural de Belém ao Porto de Lisboa (Gares Marítimas), dos Museus oficiais aos Monumentos tutelados pelo IPPAR e à Cinemateca (uma aliança SEC-CML que é uma surpresa), das galerias de arte às empresas mecenas (a Central Tejo, da EDP, o Museu da Água, da EPAL, o Convento do Beato, da Nacional), etc. É toda uma inédita manobra de articulação de esforços e colaborações, de que apenas ficou de fora a Gulbenkian, o que não deixa de ser uma das curiosidades desta iniciativa (por que não se cumpre, por exemplo, a anunciada apresentação das fotografias de Fernando Lemos, já levadas a Paris?).
À partida, e com o optimismo conveniente nestas aventuras, há que apreciar a justeza de algumas das opções de base do programa. Ou seja, uma aposta menos imediatamente guiada pelo «prisma da arte» do que pela afirmação do poder de comunicação da fotografia, concedendo um lugar central ao foto-jornalismo e à fotografia documental (Sebastião Salgado, «Magnum no Leste»), e usando-a por ponto de partida, em diversos casos, para abordar temas e acontecimentos (mergulhando nos arquivos para falar da história da guerra colonial ou dos transportes da cidade, por exemplo).
Em segundo lugar, valorize-se a intenção de apresentar vários dos mestres e dos nomes históricos da fotografia (Lartigue, Cartier-Bresson, Doisneau, Tony Ray-Jones, Mapplethorpe), deixando a responsabilidade pela apresentação de trabalhos mais experimentais ou «artísticos» às galerias de arte que se associaram ao projecto — mas o predomínio francês da programação geral e a importação de autores já mostrados recentemente em Coimbra só se aceita pelos condicionalismos citados e pelo maior poder de oferta das instituições públicas parisienses. Por último, note-se a vontade de apresentar exposições para todos os públicos e de diversificar os modos de expor, com a aposta no espectáculo de algumas montagens preciosas (Nadar, Bonnard, Muybridge & Marey) e a exploração das grandes ampliações e dos diaporamas.
JOÃO CUTILEIRO
Gal. Valentim de Carvalho
«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. As fotos foram-se perdendo pelas gavetas e pelas paredes (serviram até de alvo para setas), amareleceram e comeu-as o bicho. Juntas agora, traçam uma galáxia de relações, amizades e amores que veremos ao sabor das identificações disponíveis a cada um: Fernando Mascarenhas (em 65), Jorge Sampaio e Karin Dias, João Cid dos Santos, Francisco Keil do Amaral, Ana Viegas, Maria Cabral e Vasco Pulido Valente, Mário Cesariny (uma parede com seis fotos de 64), Menez (Londres, 63), Reg Butler, José Cardoso Pires (60), Ruy Cinatti, Gerard Castello Lopes, etc, e um auto-retrato legendado «Paul Newman». Por vezes, as cabeças deixam adivinhar um olhar escultórico, a caminho de outros retratos (Helder Macedo, Azevedo Gomes, Keil do Amaral). Com os retratos de Lemos, tão diferentes, estas fotos privadas levantam um véu sobre um passado oculto, aqui apercebido como um tempo feliz. São pequenos grandes nadas. (até 30 Junho)
«NADAR: O OLHO LÍRICO»
Torre Ôca do Mosteiro dos Jerónimos, Museu da Marinha
A exp. de inauguração oficial do Mês da Fotografia é também uma grande aposta ganha: é num fabuloso cenário que lembra os bastidores dum palco que se expõem os retratos dos cantores de ópera que passaram pelo estúdio de Paul Nadar (filho e continuador de Félix), acompanhados por fatos de cena, adereços, cenários e objectos de estúdio e registos sonoros. Às impressões modernas, de grande qualidade, juntam-se algumas provas de época, cartões de vista e outros documentos preciosos. Quando a fotografia não é de primeira importância, impõe-se a força de uma montagem ao mesmo tempo espectacular e didáctica. Exp. dos Archives Photographiques de la Direction du Patrimoine, Paris, comissariada por Lise Grenier, que foi um dos grandes êxitos do último Mois de la Photo.
12.|/06 A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa.
EXPRESSO/Cartaz 12 / 06/1993
“Luzes e sombras”
DAS exposições do Mês da Fotografia anunciadas no Cartaz anterior, encontravam-se 11 abertas no passado sábado e quatro encerradas (seriam seis as não inauguradas se se tomasse por certo o calendário inicialmente divulgado). Entretanto, nenhuma informação colocada nas exposições patentes ao público alertava o visitante interessado para que evitasse deslocações inúteis, tal como, em geral, nenhum cartaz justificava os adiamentos nos locais não abertos. São falhas de organização inadmissíveis, e toda a argumentação que procure justificar-se com o gigantismo do programa deve ser liminarmente rejeitada. É sob reserva, por isso, que adiante se referem todas as exposições com abertura prevista para os últimos dias.
Anote-se, na mesma linha de considerações, o entendimento autista da Cinemateca, que reservou a exposição aí apresentada para os frequentadores das suas sessões, com a agravante estúpida de exigir a compra de um bilhete para o cinema a quem apenas pretende ver as fotografias (e eventualmente inviabilizando desse modo o acesso de espectadores à sua sala). Tal orientação foi confirmada directamente por um dos directores da casa.
No caso da exposição de Cartier-Bresson, os vidros encontram-se em muitos casos riscados, impedindo uma observação capaz. Na de Varda há provas em mau estado. Na exposição de Mapplethorpe não se encontram fotografias publicadas no catálogo. Quanto a este, sublinhe-se também a ausência de notas biográficas sobre os fotógrafos (falta que poderia ter sido compensada por folhas em distribuição nas respectivas mostras), bem como a superficialidade dos seus textos a grande qualidade de impressão, feita na Suiça, não é compensação bastante. Por outro lado, a importação dos catálogos ou livros que acompanham as exposições apresentadas igualmente não se fez, ao contrário do exemplo dado, por exemplo, no último Fotoporto.
A presença de numerosos fotógrafos e comissários estrangeiros deveria ter proporcionado uma série de conferências ou debates, em vez de se perder num calendário de inaugurações confidenciais. Desbaratou-se assim a oportunidade de fazer do Mês da Fotografia uma ocasião de encontros e trocas de informações, num panorama dominado por pequenas guerras fratricidas.
São estas apenas algumas das limitações graves de um programa de que se aceitou aqui, inicialmente, o espírito de aventura. Há exposições de grande qualidade, a estratégia de diversificação de espaços é um trunfo importante, o cuidado posto na cenografia e na iluminação é, em muitos casos, apreciável (Nadar, Bonnard, Cartier-Bresson, Mapplethorpe, Arno Fischer, James Herbert). Mas nada disso é suficiente se, mesmo numa primeira edição, o calendário não for credível e as condições de visibilidade não forem óptimas.
HENRI CARTIER-BRESSON
Museu de Etnologia
150 fotografias, 1929-1978 (com vidros por vezes riscados) num espaço de grande qualidade. «Para mim a grande paixão é o tiro fotográfico, que é um desenho acelerado, feito de intuição e de reconhecimento de uma ordem plástica, fruto, em mim, da frequentação dos museus e das galerias de pintura, da leitura e de um apetite do mundo» (H.C.B., 1986, «Les Cahiers de la Photographie», nº 18, pág. 118). Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris.
19/06 «Sem minimizar o valor da sua obra como reportagem, deve ser dito que as fotografias de C.-B. são veneradas pelos outros fotógrafos porque são belas. Possuem graça, equilíbrio, economia, tensão, e impacto visual: as qualidade de um bom ginasta ou bailarino. Ou as qualidades de uma boa imagem (picture)», Szarkowski, Looking at Photographs, pág. 112. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris, recebida em mau estado de conservação, com acrílicos riscados.
«BONNARD FOTÓGRAFO»
Palácio da Ajuda
Uma única prova original, c. 1916, 8,8x5,9cm, e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. A montagem é óptima mas a representação das 276 fotos conhecidas é demasiado exígua. Colecção do Museu d'Orsay.
AGNÈS VARDA
SNBA
Varda-fotógrafa começou por trabalhou com o Théâtre National Populaire de Jean Vilar e Gérard Philip, entre 1948 e 1960, passou à reportagem (China, Cuba e Portugal, 1956), e depois ao cinema, mantendo neste, na relação entre documentário e ficção, uma mesma atenção ao real e em especial às pessoas, à sua verdade essencial. São as mulheres e as crianças que Varda mais fotografa, atenta à violência do esforço de quem transporta cargas enormes ou à beleza dos olhares; sempre a possibilidade da ficção e a interpelação do espectador, nos retratos frontais ou no geometrismo das composições.
19/06 As fotografias de Varda interessam-se pelas pessoas. Com o TNP de J. Vilar e G. Philipe (entre 48 e 60) as convenções do palco abrem-se, para trás das máscaras, a um exercício de humanidade. Nas reportagens, nomeadamente em Portugal, é o esforço do trabalho primitivo, as mulheres carregadas, que impressionam Varda, sempre em confronto com as crianças, a esperança possível. Terceiro capítulo, os retratos: a pose como desafio ao tempo congelado. Com catálogo.
ARNO FISCHER
Central Tejo
Um notável fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928) revelado pelos Encontros de Braga e apresentado agora num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam. A grande tradição da fotografia de observação social, usando a solidez das composições para instabilizar o espaço e o tempo.
19/06 Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam.
MAPPLETHORPE
Bar Bouzouki
«A caminho de Deus»: os corpos e as flores numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico.
19/06 «A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade)...
ALLAN McCOLLUM
Módulo
15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia). Note-se como o cuidado posto nas condições fotográficas (impressão fotográfica, molduras e vidros, galeria repintada de cinzento) é paralelo a um exercício de invisibidade ou não-informação, que desvia a fotografia para um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção. Não se duvida da inteligência do propósito e da sua eficácia no contexto do actual «mundo da arte» — apenas se prefere a junção dessas condições com a vontade de ver.
CRAIGIE HORSFIELD
Galeria Cómicos/Luís Serpa
Fotos em provas únicas de grande formato — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um inglês nascido em 1949, contemporâneo das vanguardas de 60-70, emigrado para a Polónia e que só começou a expor em 1988. É uma das aventuras actuais da fotografia, procurando uma visibilidade próxima das artes plásticas em impressões que exploram a presença matérica das superfícies e o efeito das grandes escalas; a neutralidade da informação corresponde aqui a um grande investimento na especificidade fotográfica dos valores da luz, na fronteira de uma nova (?) direcção picturialista.
JAMES HERBERT
Jardim Museu Tropical
«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens. Na semana passada escreveu-se Larry Fink quando se queria referir Larry Clark — quando a David Hamilton nada a corrigir.
EXPRESSO/Cartaz de 19/06/1993, p. 14
COM A abertura tardia das quatro exposições adiante indicadas em primeiro lugar, o Mês da Fotografia ganhou a dimensão de um acontecimento único em Lisboa. Para lá das insuficiências apontadas há uma semana (e em especial da não importação dos catálogos originais das exposições), importa agora sublinhar a decisiva qualidade de muitas das mostras apresentadas e a importância do efeito global causado pela simultaneidade da sua exibição, cujo impacto é avaliável pelo fluxo permanente dos visitantes.
O programa dirigido por Serge Tréfaut, com o seu coroamento na exposição de Sebastião Salgado visível no CCB — e enquanto se aguarda ainda o confronto global com uma das apostas centrais do Mês, a exploração dos Arquivos Nacionais —, é já, de facto, um «quase milagre», como ele próprio escreveu no prefácio do catálogo geral. É esta a altura para sublinhar a epígrafe escolhida para o programa — «A fotografia é o espelho da vida» (espelho e janela, e por vezes instrumento para a acção, índicio e arma) — e para apoiar os seus princípios centrais: «Em primeiro lugar, era preciso que o lote das exposições fosse de peso. Que alterasse a atmosfera da cidade e, no limite, deixasse as pessoas atónitas.» E ainda: «Uma recusa frontal e violenta de fazer um festival para especialistas e 'connoisseurs'.» A batalha está ganha, é preciso assegurar que o Mês da Fotografia dê, efectivamente, lugar a uma bienal.
Destaque-se, para além das fotografias, a criação de um itinerário por museus e edifícios patrimoniais em muitos casos raramente frequentados ou desconhecidos, com um efeito real de animação e descoberta da cidade. Mas, em especial, há que destacar o investimento feito nos projectos de montagem, na cenografia das exposições, a cargo de uma equipa de arquitectos (Bugio, Lda — Pedro Borges, Paulo Fonseca, Miguel Figueira, Paulo Palma, Filipe Macedo) que soube criar uma linguagem própria, globalmente unificada pelo uso do ferro, do cimento e da madeira, e sempre diversa consoante os diferentes locais e exposições. Igualmente a iluminação, dirigida por Vladimir Bryliakov, merece um palavra de elogio.
Importa, desde já, assegurar a continuidade da iniciativa, comprometendo as muitas entidades que este ano se lhe associaram, e outras também, certamente, num projecto que, a partir de agora, deve ser estrurado com tempo e com meios bastantes.
ROBERT DOISNEAU e TONY RAY-JONES, Convento do Beato
Duas retrospectivas. Ver artigo de Jorge Calado na «Revista».
SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém
«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album. Ver artigo na «Revista». (Blog)
JACQUES-HENRI LARTIGUE,
Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia
«Le passé composé»: fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores. É este o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties»: a velocidade, o mapa dos paraísos mundanos.
PHILIP-LORCA diCORCIA
Galeria Palmira Suso
«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir.
LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches
Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma belíssima montagem. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade.
GEORGES DUSSAUD
Museu da Marinha
«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal, com o apoio do Ministério da Agricultura de Paris, e que foi também exposto nos últimos Encontros de Coimbra e de Braga. Aqui, a estratégia documental complica-se com uma hesitante vontade de arte, e a poesia dos espaços evanescentes exigiria outra relação com as suprfícies impressas.
PENA CAPITAL, Museu da Água/EPAL
Álvaro Rosendo, Daniel Blaufuks, Nuno Felix da Costa, António Pedro Ferreira, Joana Pereira Leite e Michel Waldman na única apresentação da fotografia portuguesa contemporânea, que ficou muito abaixo das expectativas autorizadas pelo curso das coisas na última década. Produção da Galeria Alda Cortez, com publicação de um livro.
«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes
A colecção Desbonnets revelada no último Mois de la Photo. A fotografia ao serviço da «cultura física» e da beleza clássica: a saúde e o nu atlético. Com versões preparadas para invisuais.
MES 5
HENRI CARTIER-BRESSON, Museu de Etnologia
«Cartier-Bresson esforçou-se por pôr a sua sensibilidade de fotógrafo ao serviço do jornalismo... Apesar do seu manifesto vigoroso e subtil a favor do papel do repórter fotográfico, as fotografias expostas fazem pensar que o jornalismo foi a ocasião, não a força motriz do melhor da sua obra», Szarkowski, 1968, citado por Peter Galassi, in H.C.B.: Premières Photos, Arthaud, 1991. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris.
SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém
«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho, que constituem um dos mais ambiciosos projectos fotográficos de sempre. A arqueologia (e a elegia) do trabalho industrial num inventário recolhido em todos os continentes que é também uma intervenção de forte carácter político — a distinguir das tradições históricas do realismo socialista e da «fotografia humanista».
ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato
Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: raramente é possível conhecer um fotógrafo através das suas edições originais, completadas por provas de contacto e outros materiais, mas Doisneau não é um fotógrafo genial, ainda que tenha produzido algumas imagens emblemáticas das décadas de 30-50.
TONY RAY-JONES, Convento do Beato
Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. é um dos pontos cimeiros do Mês da Fotografia, numa retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990) com tiragens originais. Depois de Bill Brandt e antes da actual geração de fotógrafos ingleses, Parr, Davies, Killip e outros, são dele alguns dos mais incisivos retratos sociais da Grã-Bretanha. Cruéis e «verdadeiros».
JACQUES-HENRI LARTIGUE, Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia
«Le passé composé», fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores: o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties».
MAPPLETHORPE, Bar Bouzouki
«A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade) numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico.
PHILIP-LORCA diCORCIA, Galeria Palmira Suso
«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir.
«NADAR: O OLHO LÍRICO», Torre Ôca dos Jerónimos, Museu da Marinha
A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa.
«BONNARD FOTÓGRAFO», Palácio da Ajuda
Uma única prova original e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da sua pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. Colecção do Museu d'Orsay.
ARNO FISCHER, Central Tejo
Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam.
1961-1974 OS ANOS DA GUERRA, Gare da Rocha Conde de Óbidos
A ENCENAÇÃO DO ESTADO NOVO, Gare Marítima de Alcântara
Um mergulho nos arquivos desconhecidos que constitui em especial uma chamada de atenção para a necessidade de abrir e estudar os seus espólios com vista a recuperar uma iconografia desconhecida, e também um longo capítulo da difícil história da fotografia em Portugal. Mas há o perigo de se terem gasto boas ideias em exp. preparadas sem condições de tempo e de trabalho. Tirou-se um correcto partido cenográfico das grandes ampliações, em especial na Gare da Rocha, e criaram-se curiosas soluções arquitectónicas (como as reportagens sobre a Mocidade Portuguesa encerradas numa grande, excessivamente grande, caixa fechada), em locais marcados pelas memórias do tempo e pelas pinturas de Almada que a ele também de associam. Se há alguma exiguidade de imagens no caso do Estado Novo — acompanhadas por textos que apenas reiteram o seu sentido, quando se exigiriam antes informações precisas —, as imagens da guerra ganham com o diaporama de José Álvaro Morais uma perturbadora eficácia.
LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches
Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma montagem atraente que termina com a chegada a Lisboa do primeiro autocarro de dois pisos. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade.
CRAIGIE HORSFIELD, Galeria Cómicos/Luís Serpa
Provas únicas de grande formato e grande qualidade matérica — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um artista inglês.
VLADIMIR BRYLIAKOV, Museu de Arqueologia
Exp. extra-programa do responsável pelo desenho de luzes de todo o «Mês», e que é também a primeira individual de um fotógrafo russo. O suporte fotográfico é sujeito a um tratamento pictural que altera e oculta a imagem inicial, por vezes sugerindo o tratamento dado aos ícones, outras vezes registando uma espécie de corpo a corpo do autor com o registo inicial. É, no quadro global da programação, um exemplo positivo da passagem para lá da fotografia, em objectos que são também desenho ou pintura. Com uma interessante solução de montagem.
JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical
«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens.
ALLAN McCOLLUM, Módulo
15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia): um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção.
MAREY & MUYBRIDGE, Museu de História Natural
Da fotografia ao cinema: o estudo do movimento e a animação das imagens numa exposição que conta com impressões originais do século XIX (Muybridge — enquanto o contacto com o trabalho de Marey é exíguo e deficiente) pertencentes à Cinemateca Francesa e com uma montagem de grande eficácia visual, mas a que falta um complemento de informação que permita situar cronologicamente os materiais e justificar a sua importância pioneira.
«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes
A fotografia ao serviço da «cultura física», na viragem dos séc. XIX-XX, através da colecção Desbonnets: a saúde, os ideais da beleza clássica e o nu atlético. A muito irregular qualidade das reimpressões modernas e a ausência de esclarecimentos sobre o material exposto tornam a exp. uma mera curiosidade.
GEORGES DUSSAUD, Museu da Marinha
«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal.
A CAPTURA DE GUNGUNHANA, Torre de Belém
Exp. de fotografias de diversos arquivos sobre a «diáspora» do último monarca do REino de Gaza, Moçambique.
MES 6
O MÊS da Fotografia terminou oficialmente, mas enquanto algumas exposições vão desaparecendo, outras se inauguram ainda. Foi o caso, esta semana, da exposição documental dedicada a Gungunhana, na Torre de Belém, e será, dentro de dias, o de uma das mostras mais aguardadas, «Magnum no Leste», anunciada para a Estufa Fria. Entretanto, não houve apenas adiamentos de inaugurações: em certos casos, como os de Mapplethorpe e Arno Fisher, entre outros, foram também adiadas as datas previstas para o fecho das exposições. O panorama é ainda excepcional.
ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato
Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: a presença das edições originais, acompanhadas por provas de contacto e outros materiais, bem como a extensão da antologia, que inclui as encomendas publicitárias, as reportagens e numerosas imagens emblemáticas da fotografia humanista francesa documentam uma obra que é significativa sem ter sido genial.
TONY RAY-JONES, Convento do Beato
Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. terá sido a descoberta mais importante do «Mês». A retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990), com tiragens originais, veio também colmatar parcialmente a raridade dos contactos com a tradição da fotografia de observação social inglesa, poderosa em Bill Brandt e recentemente renovada com toda uma geração de «herdeiros» de T.R.J.
JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical
«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus próprios filmes, explorando a sensualidade de corpos jovens com os valores físicos da impressão fotográfica.
SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém
«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho. É a mais importante das exposições que entraram em circulação em 1993