René Bertholo 3
A tela atribuida a René Bertholo (Sem Título, 1999, 81 x 100 cm - atrás reproduzida) que foi apreendida pela Polícia Judiciária antes do leilão da Sala Branca (dia 18) é uma grosseira adaptação do quadro
Confusões, de 1999, 200 x 200 cm, que figura no catálogo com o mm nome editado em 2001 pela Gal. Fernando Santos, Porto. Foi tb exposto na retrospectiva do artista no Museu de Serralves (Abril/Maio de 2000) e está reproduzido no respectivo catálogo.
É aqui evidente que os falsários (autor e traficante) tiraram partido de René Bertholo usar aqui uma composição que resulta da acumulação desordenada de fragmentos onde se reconhecem pormenores de rostos, casas, frutas (abóboras e outras) e outros elementos figurativos, tomados pelo artista de anteriores obras. Essa táctica de retoma de partes de obras anteriores fazendo variar alguns elementos é característica de diversos momentos da sua obra.
Uma tal prática poderia dar azo a dúvidas de atribuição de autoria ou de reconhecimento de obras falsamente atribuidas se não existissem características autorais inscritas no seu modo de pintar, que se identificam na diferença entre uma pincelada própria e outra imitada, sem "vida", sem espontaneidade ou frescura, para além do facto bem distintivo de as cores se aplicarem numa sequência conhecida e programada. Por outro lado, Bertholo é autor de uma obra muito escassa e que se encontra, pelo menos desde os anos 80, sempre reproduzida nos catálogos das suas exposições. Ao contrário de outros artistas, não existem obras que sejam variantes ou adaptações/reedições de outros quadros, comercializados à margem das exposições e das relações de representação estabelecidas com os seus galeristas. Não há assim situações de duvidosa avaliação por parte de quem conheça de perto a respectiva pintura.
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NOTA ALTERADA POR ESTAR A DECORRER A RECOLHA DE INFORMAÇÔES SOBRA A CIRCULAÇÃO DESTA OBRA
Uma outra obra que foi considerada como falsa, através das reproduções conhecidas, é uma pintura identificada como Ouverture II ou "As coisas mudam", ass. e dat. de 1981, com 116 x 73 cm, que foi vendida por 15 mil euros num leilão do Palácio do Correio Velho em Novembro de 2006, e igualmente reproduzida na revista L + Arte de Setembro de 2008 (nº 1). Neste caso tratar-se-ía da adaptação de uma tela constituída por três espaços sobrepostos, como planos de uma mesma cena sequencial, que surgem na tela em dúvida repetidos com aplicação de diferentes zonas de cor. O quadro original intitula-se Ouverture (Abertura), 1980, o/t, 100x65 cm, col. part., Alemanha (reproduzido do catálogo da retrospectiva de Serralves, 2000, pág. 185) E a 2ª é designada como Ouverture II ou "As coisas mudam", ass. dat. 1981, 116 x 73. Vendido em 2006 (lote 82, leilão nº 168, 28 Nov. 06)
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Tal como refere a notícia do Público de dia 20, a leiloeira Sala Branca identificou como origem dos quadros apreendidos, e atribuidos a Álvaro Lapa e René Bertholo, a galeria Nasoni, do Porto, de António Cabecinha. As duas "obras" encontravam-se emolduradas do mesmo modo, com molduras prateadas, e tinham sido reproduzidos em catálogos da referida galeria.
Entretanto, a directora da L + Arte, Paula Brito, refere que a publicação de fotografias dos quadros incriminados resulta da sua prévia passagem em leilões, ilustrada nos respectivos catálogos, limitando-se a revista a confirmar junto das leiloeiras os respectivos valores de venda. Apesar de a descoberta de quadros falsos reproduzidos na revista envolver aspectos desagradáveis, a revista não tem nesses casos condições para reconhecer ou não a autenticidade das obras vendidas ou apresentadas em leilão. Noutros casos, Paula Brito diz ter já recusado a publicação de obras suspeitas.
A secção "Bolsa" da revista L + Arte "pretende ser um guia de referência para aqueles que investem ou querem investir em arte". A credibilidade de tais investimentos pode ser assim contrariada.
Penso que seria importante que esta discussão se alargasse a outras expressões artísticas.
Um abraço. A discussão e o debate têm que continuar.
Posted by: Carlos Fragateiro | 12/09/2008 at 22:02
Obrigado pela colaboração. Toda a gente manda bocas tipo generalidades políticas (sempre contra), mas sobre questões concretas da agenda faz-se silêncio - um silêncio receoso ou de quem fica à espera duma oportunidade. Então na área da cultura é particularmente evidente a falta de vontade ou coragem de intervir ou a desorientação oportunista.
Mas, quanto ao que propões, haverá de facto um modelo cultural dominante? Ou só uma descosida manta de retalhos sem coerência nem credibilidade, que vai sobrevivendo com as mesmas caras e a mesma falta de decisões, do PS para o PSD e vice-versa?
Será de pensar num (em 1) projecto cultural (unificado, centralizado, estatal) ou de equacionar a pluralidade de dinâmicas, projectos, produções, gerações, interesses, etc, aprendendo a viver com essa diversidade, analisando-a e estimulando-a mesmo?
Porquê pensar a cultura (e em geral é em arte que se pensa) como o centro, em vez de tentar dialogar com credibilidade com outros centros (a educação, a ciência), o que agora quase não acontece?
Porquê pensar Portugal como plataforma (com maíuscula) de encontros, como se alguma coisa passasse por aqui (há apenas turistas, de facto), como se não fôssemos só uma franja, uma periferia - e ganharíamos em tomar consciência dessa posição de distância para equacionar as relações com os outros descentramentos do presente. Depois do tempo perdido, temos de ir à procura, apontar a outros eixos, criar antenas e relações lá fora.
Posted by: Alexandre Pomar
"a segregação dos artistas africanos, das diásporas e das imigrações num elegante ghetto lisboeta"
A Segregação dos artistas africanos, das diásporas, das imigrações e descendentes já existe dê-me exemplos de artistas destes (com nacionalidade portuguesa) que representem ou tenham sido selecionados para representar Portugal ou que tenham apoios do Ministério da Cultura.
Melhor sermos segregados num elegante ghetto lisboeta do que continuarem a fingir que não existimos.
Posted by: Portugal- a negação de algumas existências | 08/06/2009