sábado, 29 de novembro de 2008

Nino Viegas, 2008, Arte Periférica: "A nuvem nódoa"

 11/29/2008

Nuno Viegas no CCB

A melhor exposição que se pode visitar no CCB (incluindo o Museu Berardo) é a de Nuno Viegas na galeria Arte Periférica


 


"Pizza aos pombos" e "Corrida com bilhas de gás à velocidade da luz", mais "A bandeira queimada"  "O mar de rosas", em baixo; à direita, "Jangada puxada por balões" -

A fotografia é péssima, mas esta pintura é para ver de perto (a aura, a irreprodutibilidade técnica), com o seu acerto de escalas e a densidade das matérias sobre a tela ou o papel. 


    


Por exemplo, em: acrílico, esmalte sintético, tinta da Índia, cola de madeira, marcador de têmpera e grafite sobre tela (em 80 cm de lado).

Daí o título geral "A nuvem nódoa" -  "A nuvem que surge no céu limpo - a nódoa que vem perturbar a quietude. (...)", assim começa o seu próprio texto do catálogo - falando da mancha, da pasta, da tinta e do fazer do quadro: "espécie de sopa primordial ainda sem nome para as coisas". Essas coisas têm depois nomes e títulos às vezes descritivos ("Natureza morta com bifes temperados", "Jangada puxada por balões", por exemplo), e em mais casos títulos narrativos, enunciados ficcionais, fazendo prolongar o que acontece na tela para o campo do imaginar: o magnífico "O engole-sapos" (de 199 por 140 cm) que na feira Arte Lisboa se destacava entre o que havia para ver.

O que podia ser uma retórica do acontecer da pintura, do fazer enquanto processo ou maneira, da vibração da matéria, do aparecer da forma, etc, torna-se exercício do ver e do efabular, presença real do imaginário, estórias. Por vezes parece faltar ao pintor um projecto ou programa para cumprir, onde um só tema ou assunto (sujet, subject) fosse metodicamente explorado de cada vez por exposição, mais reflexivamente, numa produção disciplinada por séries e menos convulsivamente acidentada. Mas não é esse o rumo actual de Nuno Viegas, e o seu caminho está aberto a todas as possibilidades, sem se encerrar precocemente num formulário estreito.

  


"O ossário", a seguir "O burro muribundo" e "Confissão aos cães", à direita "A serpente engasgada". Uma presença insistente dos animais: fábulas

A "nuvem nódoa" foi antes "Lava" (2003) e "Tinta envenenada" (2004, Cascais) num constante acentuar da "massa lodosa" que é tinta despejada, amassada, raspada, arrastada, lavada, acumulada, etc, sempre à beira ou por dentro do caos, antes de ser figura e imagem, narração observada ou imaginada. "Esse trabalho é também o das ideias", alerta o pintor, mas "mais do que fixá-las, importa soltá-las, ir ao encontro da sua flexibilidade e desmultiplicação". Como ele diz - e explica-se cada vez melhor -, "a experiência prossegue num confronto entre o visível e o imaginável", numa recusa da ilustração do quotidiano observável, às vezes presente sob a capa do humor, contrariando o talento gráfico para tornar mais inquietante o comentário sobre o mundo.

A exposição da colecção (e escolhas afins) do Museu Berardo, "Não te posso ver nem pintado", centrada na permanência da figuração pictural, da representação da vida e do mundo, do retrato (um programa aliciante à partida que é prejudicado por compromissos de circunstância ou conveniência, e escassez de desafios), torna mais evidente a força explosiva desta pintura que se tem mantido na margem exterior do academismo dominante. Pode ser que haja um excesso de ambição na pintura de Nuno Viegas, face aos reducionismos formais e conformismos aplicados que ocupam os salões. Pode ser que a determinação solitária desta pintura não respeite os protocolos de dependência que a circulação pelos salões exige. Mas ela é mais interessante pelos riscos que corre, pelos desafios que faz, pelas recusas que enfrenta. Um desses riscos é o grande êxito de mercado que acompanha desde o início a carreira de Nuno Viegas.

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Se o que se expõe agora no Museu Berardo não me parece empolgante, é surpreendente e muito positivo o grande número de visitantes que o percorrem numa tarde de sábado.

Comments

Este final de artigo é uma tapona na Bescolecção? Seria interessante elaborar... Posted by João Henriques

1 - O começo e o fim do artigo fazem implícitas referências a outras exposições, entre as quais se inclui naturalmente a colecção Bes e a mostra Corral (a srª teve a sua importância, gastou-a e hoje já não serve de aval à coisa: má escolha). Não sei ainda se vale a pena entrar nessas questões, a começar pelas relações problemáticas dos nossos banqueiros com as artes (bens especulativos, activos tóxicos ou apenas trocos?): os 85 Mirós do BPN, o elíptico Alcoitão do Rendeiro/BPP (mais Melo e Lapa), e noutro plano a CGD e o BES - há por aqui um vale tudo que é uma funda marca nacional. Mas não se pode "dizer mal" de tudo, mesmo que quase tudo seja medíocre e entendido como descartável. (Aliás, nunca disse mal de tudo: defendi a colecção Berardo e a solução Berardo para o CCB. Contra quase todos.)

Mostrar assim é parolo (um pouco de tudo, como na botica; a espuma dos magazines, as vedetas e as "emergências", um bodo aos jovens, a alguns e a algumas galerias; uma caderneta de cromos), mas sempre se prestam contas do que se anda a fazer e se fica a saber que ficam por cá umas coisas com qualidade que poderão estar um dia disponíveis para outras exibições.

Aquele salonismo não ajuda a ver: é a arte oficial de hoje. A maioria deslumbra-se com a ostentação do luxo/lixo e alguns procurarão as pérolas e quererão entender como se organiza o sistema da arte. Tratar-se-á de tentar distinguir e escolher, quando tudo está feito para diluir diferenças entre obras e valores, universalizando a ignorância, "democratizando" o acesso ao espectáculo mas sempre com a lógica de diferenciar/distanciar o mais possível os que decidem e os que consomem. Logo à entrada distinga-se a desagradável e ingénua tontice da nossa Almeida e o excelente inventor de acontecimentos que é o chinês Zhang Huan.

Obrigado pelo catálogo, que é um caro coffee-table book natalício mas deu trabalho a muitos "comissários" com pouco emprego. Há sempre um lado positivo em tudo.

2 - Mas o que importa é dizer apenas que a admiração pelo Nuno Viegas não tem nada a ver com esta conversa (terá a ver, de facto, com a exp. "Não te posso ver nem pintado", onde teria lugar de pleno direito, com o risco de fazer sombra a outros, e aí é que bate o ponto - mas o Museu Berardo não precisava de se tornar tão complacente com o nosso podre e pobre stablishment, e por essa via perderá a força da sua diferença inicial). Posted by A.P.

Grato pela resposta, esclarecedora de algumas subtilezas do meio. Se tivesse um pedido a fazer-lhe, seria o de discorrer sobre a colecção própriamente dita, dado que sobre o critério da mostra já se pronunciou. Posted by J.H


Agradeço a boa vontade, mas há certamente outras boas exposições que têm prioridade. E dizem-me que é no espaço BES do Marquês Pombal que estão reunidas obras dos fotógrafos regularmente expostos pela Módulo: António Júlio Duarte, Catarina Botelho, Rodrigo Amado, Duarte Amaral Netto. Tenho que ir ver. Estranho critério de separação esse, entre outras opções dificilmente compreensíveis ou aceitáveis. Mas são grandes questões sobre o actual entendimento salonista da Arte Fotográfica, os neo-picturialismos sustentados no mero aproveitamente dos novos recursos técnicos, a voga do "quadro fotográfico", os mimetismos mundanos das escolhas curaturiais "cosmopolitas", o provincianismo lisboeta em versão espanholada, etc, que valeria a pena abordar com vagar. Posted by A.P

Numa outra nota, acharia interessante uma iniciativa deste género Critical Mass http://www.photolucida.org/current.php ou em tom próximo esta http://powerhousebooks.com/portfolioreview09/ cá em Portugal? Como forma de não só oferecer uma crítica especializada ao trabalho do artista, mas tam´bém de poder proporcionar uma mostra, para além da óbvia montra dos "prémios" instituídos? Posted by J.H



sexta-feira, 12 de setembro de 2008

2008, Africa.cont, índice

 Sumário África.cont

12/09/2008

Comments

É só para te dar os parabéns pela forma como persistentemente tens questionado este projecto. Pela forma como foi levantado, pelas suas implicações, pelas reacções que tem provocado, temos aqui um estudo de caso a partir do qual se pode questionar o modelo cultural dominante, e começar a lançar as bases de um projecto cultural capaz de estar no centro do desenvolvimento e da inovação, um projecto cultural que se quer capaz de afirmar Portugal como uma Plataforma de encontro e contaminação de culturas, de criação do novo. Não um espaço de trocas de favores, de subalternização, onde se afirma a internacionalização por aquilo que se traz de fora e não por aquilo que é cá criado e é capaz de se afirmar e circular internacionalmente.

Penso que seria importante que esta discussão se alargasse a outras expressões artísticas.
Um abraço. A discussão e o debate têm que continuar.

Alexandre Pomar

Obrigado pela colaboração. Toda a gente manda bocas tipo generalidades políticas (sempre contra), mas sobre questões concretas da agenda faz-se silêncio - um silêncio receoso ou de quem fica à espera duma oportunidade. Então na área da cultura é particularmente evidente a falta de vontade ou coragem de intervir ou a desorientação oportunista.
Mas, quanto ao que propões, haverá de facto um modelo cultural dominante? Ou só uma descosida manta de retalhos sem coerência nem credibilidade, que vai sobrevivendo com as mesmas caras e a mesma falta de decisões, do PS para o PSD e vice-versa?
Será de pensar num (em 1) projecto cultural (unificado, centralizado, estatal) ou de equacionar a pluralidade de dinâmicas, projectos, produções, gerações, interesses, etc, aprendendo a viver com essa diversidade, analisando-a e estimulando-a mesmo?
Porquê pensar a cultura (e em geral é em arte que se pensa) como o centro, em vez de tentar dialogar com credibilidade com outros centros (a educação, a ciência), o que agora quase não acontece?
Porquê pensar Portugal como plataforma (com maíuscula) de encontros, como se alguma coisa passasse por aqui (há apenas turistas, de facto), como se não fôssemos só uma franja, uma periferia - e ganharíamos em tomar consciência dessa posição de distância para equacionar as relações com os outros descentramentos do presente. Depois do tempo perdido, temos de ir à procura, apontar a outros eixos, criar antenas e relações lá fora.

Portugal- a negação de algumas existências

"a segregação dos artistas africanos, das diásporas e das imigrações num elegante ghetto lisboeta"

A Segregação dos artistas africanos, das diásporas, das imigrações e descendentes já existe dê-me exemplos de artistas destes (com nacionalidade portuguesa) que representem ou tenham sido selecionados para representar Portugal ou que tenham apoios do Ministério da Cultura.
Melhor sermos segregados num elegante ghetto lisboeta do que continuarem a fingir que não existimos.

sábado, 24 de maio de 2008

João Francisco, 2008: "O arqueólogo amador" : Galeria 111

 24/05/2008 - blog (a 1ª individual)

segunda-feira, 12 de maio de 2008

2008, Africa.cont, o projecto

 Africa.Cont IX

12/05/2008

sábado, 19 de abril de 2008

2008, Arte da Mesa, Mesas Pintadas

 A arte da mesa