sábado, 9 de abril de 1994

1994, 1995, 1996, Culturgest, Colecção CGD

 1994

25 jan – «A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» (arte belga) "Visões / ficções"

28 ? —Júlio Pomar, «Paraísos e Outras Histórias» (Lx 94)

1994 / 96 - ARTISTAS BELGAS 

GONZALEZ 

COBRA, 

WESSELMANN

NAM JUNE PAIK

sexta-feira, 25 de março de 1994

1994, Lina Bo Bardi, Estufa Fria, "A razão tropical"

 A razão tropical


O Brasil reinventado por uma arquitecta italiana numa exposição e num livro que atravessam continentes


LINA BO BARDI 

Estufa Fria

Expresso 25 03 94


NÃO É só uma exposição de arquitectura a que se apresenta na Estufa Fria, e não só por Lina Bo se ter ocupado também do design de móveis ou da cenografia para teatro. É da descoberta de uma personagem fascinante que se trata, de uma vida multiplicada por campos de intervenção muito vastos e de uma rara capacidade de fazer identificar uma obra com a revelação de parte da história de um país. E também, naturalmente, da apresentação de um grande arquitecto, como insistia em intitular-se a autora da Casa de Vidro e do polémico Museu de Arte de São Paulo (MASP).


À primeira vista, a exposição é pobre, organizada numa longa parede circular de painéis de desenhos originais, projectos e fotografias, em torno de maquetas e móveis apresentados sobre os respectivos contentores. O chão está recoberto de um tapete de folhas, tal como Lina Bo Bardi gostava de fazer em algumas das fabulosas exposições que também estão documentadas («A mão do povo brasileiro», “Design no Brasil: história e realidade», “O belo e o direito ao feio»), e, à entrada, deparamos com a insólita presença de uma escultura de cena, um porco de duas cabecas desenhado para uma peça de Alfred Jarry, e uma “cadeira de beira da estrada”.


São sinais de um gosto pela intervenção lúdica que não é incompatível com a militância empenhada e, por outro lado, da atenção às técnicas populares do Brasil, que procurou conjugar com os princípios racionalistas da sua formação teórica («Cada país tem uma maneira propria de encarar não somente o desenho industrial mas também a arquitectura... Eu acredito numa solidariedade internacional, num concerto de todas as vozes particulares. Agora é um contra-senso se pensar numa linguagem comum aos povos se cada um não aprofunda suas raízes que são diferentes.


Um filme e um livro-catálogo de grande formato, com 336 páginas de projectos, desenhos, fotografias de arquitectura, textos e documentos biográficos, editado pelo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi (S. Paulo, 1939) completam e alergam a exposição -- concebida por Marcelo Carvalho Ferraz para ser itinerante (será em seguida apresentada em Barcelona e Milão).





Lina Bo nasceu em Roma em 1914, formou-se numa escola marcada pela  «nostalgia estilístico-áulica» e mudou-se para Milão; foi em plena guerra, entre uma carreira meteórica e a entrada na Resistência, que chegou a directora da revista «Domus». Mas em 1946 «os velhos fantasmas voltaram, os velhos nomes retornam, a Democracia Cristã toma o poder». Nesse ano casa com Pietro Maria Bardi (jornalista, crítico de arte, coleccionador, antiquário e «marchand», director de museus, etc., que é também um fabuloso personagem a marcar as últimas décadas da cultura brasileira). O casal partiu para o Rio de Janeiro e, no ano seguinte, Assis Chateaubriand encarregava Bardi de criar uma sede para a sua colecção.


É o princípio de uma aventura extremamente fecunda, que se prolongou até à morte em 1992, sempre politicamente interveniente e desdobrada por direcções tão díspares como o teatro e o cinema (logo no início dos anos 60, com o «cinema novo» e o Teatro Castro Alves; ou nos anos 80, com o Teatro Oficina, José Celso e Cacá Rosset), o ensino e o jornalismo, a museologia e a pesquisa antropológica, a arquitectura e a recuperação patrimonial (plano para o centro histórico da Bahia). Em 1988 chegou a esboçar um projecto para o Centro Cultural de Belém, segundo os seus «rigorosos princípios (poéticos) do Racionalismo ‘nao branco’... onde todo e qualquer cantinho sobrando das 'ruas' serão jardins».

Mas, de entre os cem projectos que desenhou, as obras essenciais de Lina Bo Bardi são a sua própria Casa de Vidro, de 1951, construida sobre «pilotis» finíssimos, de modo a não interferir na paisagem, e o MASP (1957-67) na Avenida Paulista, erguido sobre um imenso vão livre com oito metros de altura, por imposição urbanística. Essencial é também o projecto de 1977 para o SESC Pompeia, um complexo recreativo e cultural instalado numa antiga fábrica de São Paulo, a que acrescentou dois blocos de betão para um conjunto desportivo concebido em altura, a «Cidadela». É, uma vez mais, a aplicação da sua ideia de «'Arquitectura Pobre', não no sentido de indigência mas no sentido artesanal que exprime Comunicação e Dignidade máxima através dos menores e humildes meios.»





Partindo de uma formação europeia e de uma fidelidade militante aos princípios do Movimento Moderno (contra a «Retromania»), Lina Bo Bardi colheu no seu país de adopção a experiência prática de uma inventividade popular que renovou o seu horizonte de utopia. É de imenso trânsito entre continentes que se trata. E passa agora por Lisboa.





sábado, 15 de janeiro de 1994

2000, Brasil

 ARQUITECTURA RURAL NA SERRA DA MANTIQUEIRA

15 01 94, expresso

Sociedade Nacional de Belas Artes


Uma exposição e um livro excelentes vindos do Brasil, onde o que pode ser a fotografia se encontra com a procura do que pode significar a arquitectura, no sentido lato de «arte de criar espaços organizados e animados, arte de edificar». O autor, Marcelo Carvalho Ferraz, não tem inteira razão quando pretende que «este não é um livro de fotografias ou um ensaio fotográfico sobre um certo tema». De facto, ele é precisamente ambas as coisas, sem por isso contrariar a definição que o próprio M.C.F. imediatamente propõe: «É um trabalho onde, como arquitecto, me utilizei de fotografia para captar e revelar um mundo em que as relações do homem com a natureza que o circunda se dão num estágio genuíno de interação; onde cada casa, cada pequena construção espelha, através dos materiais e das cores, esta natureza; um mundo em que cada detalhe, cada solução criada pelo homem revela a presença constante da poesia.» 


Na exposição, as 40 fotografias de médio formato são enquadradas por dois curtos textos de Lina Bo Bardi («esta é uma anotação sobre a aristocracia rural-popular brasileira enxotada pelas monoculturas») e de Agostinho da Silva, que numa prosa ao mesmo tempo visionária e lúcida refere a relação entre o Minho e a paisagem da região a sul de Minas, enquanto ao livro estão ainda associados os nomes de Pietro Maria Bardi, Darcy Ribeiro e António Cândido, em sucessivas apresentações. 


É efectivamente de um levantamento fotográfico sobre arquitecturas anónimas, espontâneas ou vernaculares que se trata, no qual a dignidade das imagens, belíssimas na sua explícita ausência de «vontade de arte», se encontra com a inteireza sábia de uma cultura pobre, onde a velocidade da vida é ainda regida pela natureza e todas as construções têm a economia o engenho das coisas necessárias. Ocupando-se sucessivamente de «a terra», «o homem» e «a arquitectura», as imagens dão a ver toda a dimensão da paisagem das roças mineiras, os retratos de grupo, os exteriores e interiores das casas, o fornos, o paiol para os cereais, as capelinhas, as vendas à beira da estrada e ainda os circos que oferecem a única modalidade acessível de espectáculo. 

Nem apologia, nem lamento de um mundo que se está transformando («e assim deve ser», acrescenta o autor), este trabalho de alcance antropógico impõem-se também como reflexão sobre a prática da arquitectura e é exemplo de uma prática essencial de documentação fotográfica.

( Edição Quadrante/Empresa das Artes, São Paulo, 1992; 96 págs., 4000$00)