1994
25 jan – «A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» (arte belga) "Visões / ficções"
28 ? —Júlio Pomar, «Paraísos e Outras Histórias» (Lx 94)
ARTE BELGA
Culturgest -EXPRESSO 09-04-1994
Não é apenas o contacto directo com obras históricas — Wiertz, Khnopff, Magritte, Broodthaers, etc — que assegura a importância excepcional desta exp., mas também a possibilidade de contestar uma história canónica de tradição francesa que se construiu sobre o escamotear de obras não redutíveis ao «progressismo» positivista de um caminho linear (realismo-impressionismo-Cézanne-cubismo-abstracção...) exigido pelas leituras formalistas e essencialistas da modernidade. Com a ocultação do simbolismo (que teve uma das suas afirmações mais estruturadas em Bruxelas, com outro polo nos Salões Rosa Cruz de Sâr Paladan, em Paris, entre 1892 e 1897) é a questão do sentido que foi sendo desvalorizada em no terreno das artes plásticas em favor de uma crescente e cada vez mais esvaziada auto-referencialidade da arte — a confrontar com a exp. «Pulsares», no CCB, que constitui um exemplo paradigmático e terminal desse destino. Os núcleos temáticos explicitados no título, «A Máscara, a Mulher, a Morte», não configuram uma estratégia ilustrativa; definem, pelo contrário, através da passagem pelo surrealismo não ortodoxo e do encontro com três autores contemporâneos (Charlier, François e Corillon), uma leitura das «resistências poéticas» que podem estar na base de atitudes criativas actuais e produtivas.
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JULIO GONZÁLEZ
Culturgest/CGD - EXPRESSO 20-04-94
Depois de ter mostrado os desenhos de Modigliani e de Egon Schiele, a Culturgest apresenta a obra gráfica de outro artista da primeira metade do século e que com o primeiro partilhou círculos parisienses. Os desenhos vêm da colecção do Centro Rainha Sofia, de Madrid, e são testemunho de um itinerário particularmente atípico, em grande parte justificativo do seu relativo e injusto desconhecimento internacional até tempos recentes. González nasceu em Barcelona em 1876 e instalou-se em Paris em 1900 seguindo uma honrada carreira de ourives e de pintor, até se revelar, já no final dos ano 20, como um dos mais inventivos escultores do século, responsável por um inédito entendimento escultórico do vazio e por novos processos de soldadura do ferro que associaram desenho e escultura. A colecção distribui-se por um horizonte cronológico que vai de 1904 a 1941 (JG morreu no ano seguinte), documentando toda uma produção inicial cujo classicismo é identificável com o «noucentismo» que em Barcelona sucede a um modernismo Arte Nova, antes do desenho se afirmar especialmente como um meio de experimentação para o trabalho da escultura. Entretanto, a montagem da exposição revela-se particularmente sugestiva ao iniciar-se por um conjunto de auto-retratos tardios que reafirmam a autonomia própria do desenho e terminar com a expressividade dramática dos últimos estudos para a figura de Monserrat, enquanto a zona média exemplifica extensamente a pesquisa formal conduzida na fronteira da abstracção. Através de um balanço constante entre tradição e inovação, entre o desenho do natural e o projecto analítivo-construtivo, entre o visto e o estilizado, sempre conduzido à margem das afirmações de virtuosismo, o percurso de González não se deixa reduzir à condição de um «desenhador de novas formas».
1995
«O capital cultural» (Modigliani/Encontros Africanos, CGD Culturgest) 7 jan 95\+
21 jan Encontros Africanos+ 11 fev as 2 e 25 fev
José Aurélio, Culturgest 18 mar
«Lacunas, eixos e ruturas», Colecção CGD, 1 abr 95 (25-03-95 + 29-04 e 20-05)
Arte Moderna 2, Culturgest 25 Mar 29 Abr. 20 mai 20 jum
«O que é Ist?» Augusto Alves da Silva, 20 mai 3 jun REVISTA
Marta Wengorovius, Culturgest 8 jul
Escultura Ibérica, Culturgest 17 jul
Robert Mangold, Culturgest 23 e 30 set
"o capital cultural"
DESENHOS DE MODIGLIANI
ENCONTROS AFRICANOS
Culturgest/CGD - EXPRESSO 7 jan 95
Caso único entre nós de grande mecenato de empresa, a CGD, através da Culturgest, iniciou ontem o ano pós-capital cultural com duas importantes inaugurações internacionais: «Modiglini — Desenhos da Colecção Paul Alexandre», uma exposição que teve a sua estreia em 1993 no Palácio Grassi de Veneza e que no último ano se apresentou na Royal Academy de Londres, no Museu Ludwig de Colónia e ainda em Bruges e Tokio, e «Encontros Africanos», uma co-produção do Instituto do Mundo Árabe, de Paris, e da Fondation Afrique en Création, também já mostrada em Joanesburgo, e que reune artistas do Magreb e da zona sub-sahariana.
A primeira reune 250 trabalhos (desenhos e aguarelas) dos primeiros anos da obra de Modigliani, entre 1906, data da sua chegada a Paris, e 1914, com o interesse particular de permitir acompanhar exaustivamente a definição do estilo próprio do pintor, através de séries completas de estudos e de pesquisas temáticas. Em Lisboa, a exposição foi ainda acrescentada com uma secção dedicada a Amadeo Souza-Cardoso, documentando a amizade entre os dois artistas, a sua exposição conjunta de 1911, no atelier do português, e as possíveis influências mútuas entre as suas obras.
Amigo e primeiro mecenas de Amedeo Modigliani, o médico Paul Alexandre conservou na sua posse, até à morte em 1968, uma acervo de desenhos que é um documentário sem paralelo sobre a evolução e a coerência de uma pesquisa plástica pessoal. Reagindo à fama póstuma de Modigliani, morto em 1920 e imediatamente apresentado como exemplo romantizado do artista boémio, de vida atormentada e autodestrutiva, Paul Alexandre manteve sempre o projecto de escrever uma outra biografia fundamentada pelo seu conhecimento directo do pintor. A revelação dessa extensa colecção de desenhos e também de fotografias e outros documentos biográficos, reunidos num volumoso livro-catálogo importado pela Culturgest, viria no entanto a caber ao seu filho, Noel Alexandre, com a presente exposição.
Os retratos, os nús, como estudos académicos ou desenhos de observação, os desenhos de cariátides e de cabeças esculturais, estes marcados pela descoberta da arte africana e pela influência de Brancusi, constituem os sucessivos núcleos da mostra.
Depois de, há um ano, a Culturgest ter apresentado os desenhos de Egon Schiele, seu quase exacto contemporâneo, esta é uma outra oportunidade de revisitar uma obra feita voluntariamente à margem dos estilos colectivos do tempo, num momento em que as vanguardas pareciam aplicadas no puritano exercício de fazer desaparecer do campo da arte a experiência do corpo. Nesta medida, e também enquanto redescoberta da importância do estilo individual e do talento ou dom artístico, que se exprime num modo particular de captar o visível e o vivido, Modigliani pode ser visto hoje como um dos polos essenciais de uma linhagem afinal ininterrupta que passa por Soutine, Picasso, Giacometti, Balthus, Bacon, Freud e Aricka.
Entretanto, a coincidência das duas exposições no mesmo local permite também reflectir sobre o significado de dois momentos decisivos do encontro da arte de tradição europeia com outras expressões culturais: na obra de Modigliani, primeiro, enquanto exemplo do interesse formalista pelos códigos não realistas da «arte negra» e, hoje, como abertura à alteridade e questionamento do olhar etnocêntrico.
«Encontros Africanos» é uma iniciativa nascida na sequência de «Magiciens de la Terre» (Centro Pompidou, 1989) e que em parte responde a algumas das críticas que provocou essa mostra. No caso presente, a que Jean-Hubert Martin está também associado, a responsabilidade da selecção dos autores representados foi confiada a dois artistas africanos e o projecto constitui uma interrogação eficaz sobre as diversas possibilidades de compreensão e de relacionarmento com a produção artística não europeia.
Farid Belkania, um marroquino com formação artística europeia, seleccionou através de uma pesquisa feita na África negra quatro artistas da Costa do Marfim, da Etiópia, Kénia e Benim, cujo trabalho está profundamente enraizado em tradições regionais, sendo indissociável de práticas religiosas, terapêuticas e de revelação cósmica ou de expressão dita «naif». Pelo contrário, a escolha feita por Abdoulaye Konaté, um artista do Mali com formação escolar em Cuba, incidiu sobre os países do Magreb (Argélia, Egipto e Tunísia) e sobre artistas que têm circulação internacional ou adoptam processos criativos (já) informados pela tradição ocidental.
As questões da autonomia, miscigenação e hegemonia cultural, ou da recontextualização das produções africana como objectos integrados pelo seu exotismo na diversidade da arte contemporânea, e, em alternativa, da identificação e preservação de tradições regionais, eventualmente como polos de uma irredutível verdade da arte, são bem afirmadas por esta mostra e prolongam-se ainda em dois debates de grande interesse recolhidos no catálogo original, a que a Culturgest acrescentou ainda um artigo de José António Fernandes Dias publicado no «jornal da exposição».
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ENCONTROS AFRICANOS
21-01-95
Atrasos imputáveis a um dos coprodutores da exp., a Fondation Afrique Création, não permitiam ainda, na semana que passou, mostrar todos os artistas anunciados (aguardavam-se as obras de Kivuthi Mbuno, uma das presenças mais fortes da montagem que se pôde ver no Instituto do Mundo Árabe, em Paris). O catálogo original, que inclui textos indispensáveis para compreender a originalidade e a radicalidade deste projecto, não estará igualmente disponível, por não cumprimento das relações contratuais estabelecidas com a Culturgest.
MODIGLIANI e ENCONTROS AFRICANOS
11-02-95
Duas exp. de circulação internacional, a primeira revelando um nome mítico do modernismo, através de um extenso acervo de desenhos que permite assistir à gestação do seu estilo, e, em particular, ao confronto com a descoberta da «arte primitiva»; e uma segunda, uma colectiva de artistas africanos de hoje, que, por coincidência, permite reflectir sobre uma muito recente revisão da problemática do multiculturalismo. Ao apresentar, como artistas contemporâneos de parte inteira, autores africanos que prosseguem tradições regionais ligadas a práticas cultuais, mágicas e terapêuticas, transferidos ou não para suportes de influência europeia, um dos seus comissários, o marroquino Farid Balkahia, propõe uma concepção da gravidade da arte que desautoriza as leituras formalistas a que os «primitivos» continuam a ser sujeitos e também a generalidade das iniciativas expositivas assentes na globalização da informação.
ENCONTROS AFRICANOS
25-02-95
Quanto a «Encontros Americanos», trata-se de uma abordagem da questão da multiplicidade cultural que tem o mérito de cair na moda e nos logros do multiculturalismo, com que o centro se recentra devorando as diferenças emergentes da periferia — esta não é uma exp. «politicamente correcta». Dedicada à produção africana e confrontando dois olhares africanos, do Magrebe e da África Negra, a exp. revela algumas obras de grande interesse e coloca problemas de real importância, quando restringe a escolha da produção do sul a obras marcadas por funções sociais e por expressões tradicionais, ligadas à magia e à intervanção terapêutica, mas entendendo-as, por isso mesmo, como plenamente integradas na contemporaneidade. Não é o exotismo que com essa selecção se promove, mas, pelo contrário, a compreensão da respectiva identidade com uma tradição essencial da produção ocidental, numa linhagem múltipla que passa por Malevitch, Klein, Beuys ou Tapiès.
"Lacunas, eixos e rupturas"
ARTE MODERNA 2
Culturgest/CGD
EXPRESSO 01-04-95
É prática comum a constituição de colecções de arte por parte dos bancos e outras empresas, com as quais se cumprem, em geral confidencialmente, objectivos de decoração das instalações, de representação sumptuária e de investimento. A essas muito legítimas razões, que suportam parte essencial do mercado e da produção de arte, a CGD acrescenta a responsabilidade de uma intervenção mais ambiciosa, dando publicamente conta das suas aquisições e atribuindo-lhes uma lógica para-museológica.
Depois de uma mostra inaugural em 1989, a CGD procedeu a uma redefinição de critérios da colecção; apresentou em 1993 um primeiro núcleo de obras reunido sob o título «Arte Moderna em Portugal» e expõe agora um segundo conjunto. Num país sem museus estatais de arte contemporânea e com raras colecções públicas, a iniciativa é sem dúvida meritória, absolutamente respeitável para lá das polémicas que podem justificar os textos dos respectivos catálogos.
Acrescente-se ainda, como genérica reflexão, que uma colecção — por maioria de razão se for privada (ou de empresa, mesmo pública) — não deve nem pode ser consensuamente construida, procurando representar tudo e todos, e seria tão igualmente legítimo seguir um plano de aquisições dedicado à escultura em pedra como à pintura monócroma, às instalações multimédia como ao tema da paisagem, à emergência de novos artistas como a quatro ou cinco consagrados. Ninguém tem, afinal, nada com isso. E será só da soma ou da concorrência das diferentes colecções individualizadas que surgirá a possibilidade de equacionar, sempre ao sabor das permanentes revisões históricas, uma representação momentaneamente universal. Muito mais do que a «abrangência» e os compromissos tácticos, importará a coerência determinada de um gosto ou de uma opção programática, assumidas por um empresário «amador» de arte ou um «expert» contratado.
Em 1993, a colecção da CGD foi apresentada por Fernando Calhau como «fundamentalmente vocacionada para a arte dos nossos dias, acompanhando as tendências emergentes no meio artístico e mantendo uma constante actualização». Aqui se disse então, criticando não a definição de um critério mas as insuficiências dessa definição, que «a arte dos nossos dias» só na superficialidade das aparências e das cumplicidades momentâneas coincide linearmente com «as tendências emergentes». Aliás, não era já de emergências que se tratava, mas da «consagração» institucional de artistas que, desde as décadas de 70 e 80, alegadamente «tiveram ou (têm) um papel fulcral ou paradigmático, como figuras centrais e polarizadoras». Na mesma linha de comentário crítico, sugeria-se que a raridade do coleccionismo de vocação pública e a riqueza dos meios da CGD justificariam uma ambição menos conjuntural e imediatista.
Alguma evolução parece ter-se registado, entretanto, na orientação da colecção. Pelo menos, na apresentação do seu segundo núcleo de obras (ignorando agora as apreciações infelizes incluidas no catálogo, aqui referidas há uma semana) surge justificado o programa das aquisições e da exposição com o objectivo duplo de «corrigir lacunas existentes na colecção» e de apresentar «um grupo de artistas que traçaram os eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70».
Os artistas expostos são Helena Almeida, Eduardo Batarda, René Bertholo, Joaquim Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, António Dacosta, José Escada, Jorge Martins, Menez, Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Ângelo de Sousa, João Vieira e Pires Vieira. As obras distribuem-se cronologicamente entre 1958 e 1992, desde a abstracção geométrica tardo-mondrianesca de Rodrigo, em 58, até uma recentíssima figuração que dialoga com referências clássicas, na pintura de Menez, de 91-92.
O conjunto, se de conjunto é possível falar mais do que como ocasional vizinhança, é obviamente muito diversificado quanto aos itinerários estéticos prosseguidos e às notoriedades reconhecidas, e de alguns dos artistas se poderia dizer, com tanta ou tão pouca justeza, que «traçaram os eixos e as rupturas» também das décadas de 40 e 50, e certamente, porque muitos deles estão activos, traçam os dos anos 80 e 90. Paradoxalmente, perante o programa anunciado, notar-se-á que é afinal destas duas últimas décadas que datam todas as obras expostas de Batarda, Bravo, Dacosta, Martins, Menez e P. Rego, e também grande parte das restantes. Terá algum sentido apresentar rupturas de 60 e 70 com obras em geral posteriores e que contradizem as propostas então formuladas?
Não há, como é óbvio, nenhuma coerência programática nem cronológica neste conjunto de autores e obras, e valeria certamente a pena assumi-lo sem complexos. A consistência do conjunto poderia situar-se apenas na circunstância temporal das aquisições, que a iniciativa da exposição não deveria criticar-se por isso. E nenhuma tentativa de legitimação teórica importa mais do que a eficácia eventualmente alcançada pela proximidade, dialogante ou contraditória, das obras expostas — ou que a afirmação de algumas de entre elas como situações irredutíveis aos momentos colectivamente definidos.
Esqueça-se então a roupagem justificativa, para sublinhar que a exposição, na sua manifesta diversidade e na aleatoriedade das aquisições, conta com trunfos suficientes para impor a sua efectiva importância. Observe-se o processo da desocultação das imagens e dos sentidos a que se assiste nas três pinturas sucessivas de Menês, ou a revisitação, na busca conjuntural de um novo realismo, da tradição dadaista e surrealista da acumulação e da caixa, com Lourdes Castro (1962), ou a descoberta de singularidades tão poderosas como as três telas de Dacosta (83-6), ou os recortes em papel de José Escada com que brinca com a indistinção entre abstracção e figuração (68), ou as duas pinturas quase-monocromáticas e certamente inéditas de Batarda (sem título e sem data, o que é estranho).
Importam, nesta e em qualquer exposição, algumas obras — e outros farão escolhas diferentes... Mas importa também rejeitar em absoluto a grelha de legitimações pseudo-historicistas, guiada pelas ideias pobres das lacunas e das rupturas, subordinando emoções e sentidos, invenções e interrogações a um formulário que substitui as pequenas estratégias de ocasião à capacidade de ver. E é impossível separar essa mesma ineficácia teórica da surpreendente sucessão de equívocos que se pode ler nos textos do catálogo e do «jornal da exposição». À lista esboçada na semana anterior somem-se a comparação Lourdes Castro-Jeff Koons, a Pop Arte de Paula Rego e de L. Castro, a «nova figuração» de Dacosta, a «pintura culta» de Batarda, por exemplo.
As lacunas existem só nos universos finitos das cadernetas de cromos, não numa coleção aberta. E as rupturas, versão «soft» das revoluções ou sobrevivência empobrecida das seriações de «ismos», contraditam-se na sua própria sucessão, sem progresso, como se sabe. Ou então, isolando obras individuais, apontem-se como verdadeiras lacunas a ausência das sombras recortadas de Lourdes Castro, das pinturas de René Bertholo (antes e depois dos objectos com movimento), das colagens anteriores de Paula Rego e das suas últimas pinturas (e se não for a CGD a disputá-las às empresas inglesas quem o fará?). São alguns exemplos que permitiriam pensar com proveito a ideia de ruptura, mas no interior de cada uma das produções autorais que se impõe como obra e não só como sucessão e reiteração de achados.
ARTE MODERNA II, Culturgest/CGD
Expresso 25-03-95 (nota)
Apresentação de um segundo núcleo da Colecção da CGD, com obras de Helena Almeida, Batarda, Bertholo, Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, Dacosta, Escada, Jorge Martins, Menez, Pomar, Paula Rego, Rodrigo, Ângelo, João Vieira e Pires Vieira (a inaugurar na 3ª feira às 18h). No catálogo, parece classificar-se este grupo de artista como uma espécie de «segunda divisão», em relação ao primeiro núcleo da Colecção mostrado há pouco mais de uma ano. Com efeito, Fernando Calhau, responsável pelas aquisições, escreve no catálogo que «nesse primeiro conjunto dava-se conta
de um sector da Colecção centrado num núcleo de autores que têm problematizado, com maior eficácia e visibilidade, os caminhos da modernidade.» Além da alegada «maior eficácia e visibilidade», os mesmos autores, «que (significativamente) construiram o seu percurso após 1974», teriam marcado «a internacionalização da arte portuguesa». Se tais fórmulas revelam, pelo menos, uma total inabilidade e deselegância, no momento e no lugar em que se publicam, sucede também que o juízo crítico que eventualmente as sustenta (ou será antes um «juízo» geracional, ou de grupo?) se afigura muito mal fundamentado nos comentários propostos como «Itinerário para uma exposição».
Alguns exemplos: a respeito de Paula Rego (e da «maior parte dos artistas presentes») aponta-se «a mistura de referências portuguesas com as referências culturais que surgiram da Pop Arte»; uma obra de René Bertholo é considerada «certamente representativa da arte cinética»; de Jorge Martins diz-se que «sempre aliou a paixão pelo racionalismo francófono a um interesse particular pela arte do post-expressionismo americano» e que «é patente no seu trabalho a dimensão cosmopolita tributária das suas longas permanências no estrangeiro». A polémica em torno desta exp. está
assegurada, mas vale a pena alargá-la à consideração das razões de fundo de uma situação mais geral de que ela é, apenas, um descuidado emblema.
ARTE MODERNA 2 - 29-04-95 (nota)
Num segundo núcleo da colecção da Caixa reunem-se, em geral, autores com forte presença na arte portuguesa desde o início dos anos 40, embora com obras datadas em geral das décadas de 60 a 80. Alguma incerteza na aquisição das obras faz-se por vezes notar, mas, mesmo assim, o conjunto tem uma qualidade museológica global que ultrapassa a de outras colecções públicas e que faz desta exp. um acontecimento de excepcional importância. Noutro plano de considerações, esta mostra permite identificar um muito curioso confronto entre o circunstancial discurso de legitimação escrito para o catálogo e outros discursos que a presença das obras autorizam ao espectador interessado. Mas o mais interessante que aqui sucede, a partir de uma não controlada oportunidade de ver, num mesmo lugar — num itinerário não disciplinado pela cronologia nem subordinado ao reducionismo fácil da ideologia da novidade —, obras que representam situações de maturidade e continentes autorais afirmados num tempo próprio ao lado de outras que importam como documentos de um suposto processo evolutivo global que as obras individuais apenas ilustrariam, é a desmontagem em acto das abordagens mais usuais e mais empobrecidas sobre o objecto artístico. As grandes obras são indisciplinadas e vivem as suas próprias mutações (em relação com o seu tempo, mas com uma necessidade própria) segundo sensibilidades próprias e problemáticas irredutíveis a uma história feita por décadas, estilos, rupturas e fórmulas críticas; as outras são obras irremediavelmente menores que só existem enquanto exemplos episódicos, ilustrações, de um exercício que tem do tempo uma noção jornalística. Entretanto, esclareça-se que os dois quadros inéditos, sem título e sem data, de Eduardo Batarda são trabalhos escolares do Royal College of Arts de Londres realizados entre Outubro de 1971 e Janeiro de 1972.
ARTE MODERNA 2, 20-5-95
Abrindo com uma tela de Paula Rego, de 1984 (exemplar único na colecção, já adquirido na década passada...), a exp. desconstroi no seu efectivo percurso a proposta de leitura formulada nos textos que a acompanham — os «eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70» não são mais que etapas de uma vulgata que dissolve a obra dos artistas numa sucessão progressiva de estilos colectivos, ou só de inovações (aliás, em geral, de importação de inovações), que ilustrariam o «progresso» da arte. A pessoalíssima figuração narrativa de "The Mosquito House", que deve menos à Pop Arte que a Dubuffet, aos Cobra e às ilustrações de livros infantis, ou as últimas telas de Menez e o regresso à pintura de Dacosta, ou Jorge Martins e Batarda, colocam problemas mais incontornáveis e mais abertos ao futuro do que as obras que exemplificam a abstracção geométrica, a não-objectualização, a desconstrução do objecto-quadro ou a auto-referencialidade da superfície. Através dessa resistência de alguns artistas, por vezes expressa nas contradições ou «rupturas» da sua própria obra, à linearidade dos estilos e das cronologias simplistas, demonstra-se a dualidade de alternativas que se colocam a esta colecção «in progress».
ARTE E DINHEIRO, CGD/Culturgest
EXPRESSO 19-11-95 (nota)
JOVENS PINTORES
Culturgest/CGD, Galeria 2
EXPRESSO 29-10-95
Existe entre nós uma ampla desconsideração da fórmula concurso, que talvez resulte, para lá do excessivo voluntarismo de grande parte dos agentes culturais, da genérica diluição de um sistema minimamente consistente e consensual que possa estruturar os diversos segmentos, sectores e níveis do panorama artístico. Tal desconsideração não é alheia quer a uma instabilização permanente, ou mesmo a uma desvalorização, das instâncias críticas actuais, quer a um desfuncionamento notório das entidades associativas e, ainda, a uma possível falta de transparência e, logo, de credibilidade, dos circuitos de selecção e consagração — que tem por consequência mais imediata os desmandos notórios nos planos da arte pública (monumentos realizados pelas autarquias, novas decorações do Metropolitano, etc). Os concurso abertos a artistas, jovens ou não, podem garantir aquela transparência dos circuitos artísticos e também acautelar canais paralelos de revelação ou validação de notoriedades, funcionando, por outro lado, como estímulo de um interesse público de que outras iniciativas abdicam. Neste prémio promovido pela Companhia de Seguros Fidelidade não ocorrem descobertas empolgantes, nem o panorama médio é susceptível de fundamentar qualquer optimismo, mas não deixa de ser possível constatar algumas das ambições que motivam inícios de carreira. (Até 7 Nov.).
1996
COLECÇÃO COBRA
Culturgest/CGD - 20-01-96
Uma exposição histórica de uma rara dimensão e importância no panorama expositivo nacional, a que convirá reconhecer também uma pouco comum capacidade de questionar o presente — e um forte sentido de oportunidade, portanto. A mostra, vinda de um dos mais dinâmicos museus europeus, o Stedelijk de Amsterdão, reconstitui a breve irrupção do grupo Cobra (activo como movimento entre 1948 e 1951) e acompanha ainda os percursos individuais dos seus artistas até ao final da década de 50, enquanto se prolonga a sua eficácia profunda e se definem as suas expressões individuais próprias, quer isoladamente quer mediante outras movimentações colectivas: por exemplo, Asger Jorn e Constant foram participantes activos da Internacional Situacionista, até esta se converter num grupúsculo orientado para a intervenção política. Em paralelo com a afirmação da 2ª Escola de Paris e a academização da sua abstracção lírica, o grupo Cobra, através das contribuições trazidas de culturas artísticas periféricas (nórdicas, holandesas e belgas) e de uma convergência de vontades experimentalistas (a «Internacional dos Artistas Experimentais»), serviu de agente indisciplinador de um período atravessado por um subterrâneo cruzamento de inquietações onde se encontram a valorização das expressividades marginais (populares, das crianças e dos loucos), contribuições surrealistas e atitudes antiformalistas, preocupações sociais e a defesa da expressão livre e pessoal contra os vários impasses programáticos do tempo. Segunda vaga do expressionismo primitivista, segundo a expressão usada por Willemijn Stokvis no catálogo (na sequência do expressionismo alemão dos anos 10), os artistas do grupo Cobra tiveram uma influência profunda na problematização da dicotomia entre abstracção e figuração então dominante e também na reafirmação de algumas condições essenciais (mas não essencialistas) da criação artística. Entretanto, esta exp. pode ser igualmente lida como afirmação do interesse das histórias e dos itinerários artísticos vividos, quer em situações de periferia geográfica (sem as marcas da procura de exotismo que caracteriza muito multiculturalismo actual) quer à margem das sínteses canónicas da «evolução» da arte. O contacto com as obras reunidas do grupo Cobra, com a sua inventividade indisciplinada e libertadora, com as suas procuras individuais da expressividade, surgirá menos como lição de história do que como reaproximação a necessidades e possibilidades certamente outra vez reprimidas sob o aparente predomínio actual do discurso especulativo.
02-03
Movimento sem programa nem carácter de tendência, o grupo Cobra trouxe à situação do pós-guerra a frescura da afirmação de alguns jovens pintores, o fermento das tradições poéticas de regiões periféricas, nomeadamente dos países nórdicos, e uma rebeldia de heterodoxa filiação surrealizante. Com a sua breve existência organizada e as suas carreiras individuais posteriores, os artistas Cobra reactivaram uma linha de fundo expressionista, sobre um novo primitivismo valorizador da criatividade popular e infantil, que contribuiu para pôr em causa a dicotomia figuração-abstracção. Se Asger Jorn, Robert Jacobsen, Alechinsky e Appel são artistas de destacada presença internacional, as obras de outros nomes de menor notoriedade cosmopolita testemunham de uma mesma urgência interventiva e, em especial, comunicativa. (JLP - Revista)
TOM WESSELMANN
Culturgest/CGD, 13-07-96
É um dos cinco nomes mais importantes da Pop Arte americana, embora essa notoriedade histórica e «escolar» não deva fazer ignorar que se trata acima de tudo de um pintor, como aliás também sucede nos casos de Lichtenstein e Rosenquist. A retrospectiva, que já fez uma larga digressão europeia e constitui um dos momentos mais marcantes do verão lisboeta, inclui obras de 1959 a 1993, desde logo com relevo particular para os pequenos trabalhos iniciais, significativos de uma evolução que vai da colagem-assemblage para a pintura, através de uma aproximação muito evidente às questões do desenho e da composição pictural de Matisse. Logo a seguir, é essa mesma linguagem apreendida que Wesselmann «actualiza» e amplia com o recurso às imagens da publicidade, mas revisitando metodicamente os géneros tradicionais do nu, da natureza morta, do interior e da paisagem — e o uso da publicidade e do quotidiano que constituem imagem de marca da Pop são também o retomar de fortes tradições vernaculares americanas. Dominando a composição espacial planificada (de modo a conservar a imagem à superfície do quadro) e também o conceito da colagem e a problemática da escala, W. não é um «pintor de pin-ups», apesar das mais rasteiras considerações moralistas que voltam a ter curso, mas um artista que retoma com a representação do corpo e a relação com o modelo a exploração do campo da pintura. A partir dos anos 80, nas obras recortadas em metal, a relação entre a pintura e o desenho orienta-se para uma autonomia crescente do segundo, com maior facilidade decorativa, mas é ainda à pintura que W. presta homenagem nas referências a Cézanne, Léger, Matisse e Mondrian com que a exp. se encerra. É pena que só se encontrem acessíveis catálogos estrangeiros, embora o «jornal da exposição» que inclui uma mesa-redonda entre quatro mulheres-artistas constitua um curioso documento sociológico.
07Set.96
Últimos dias de uma exposição retrospectiva que apresentou em Portugal a obra de um dos nomes maiores da Pop norte-americana. Para além da característica genérica da utilização das técnicas mecânicas e impessoais da arte comercial ou da publicidade, que definiu a «ruptura» trazida pelo novo estilo em relação ao expressionismo abstracto anterior (mas que é também a recuperação de alguns exemplos da tradição vernacular americana), a obra de T.W. tem também a particular qualidade de demonstrar que a Pop Arte é um movimento muito mais rico e complexo do que as sínteses escolares deixam adivinhar — e, em especial, que é irredutível às condições da cultura popular dos anos 60 ou ao modelo único de Warhol. Sob a aparência imediata de um imaginário ligado ao erotismo de consumo, as «pin-up» de Wesselmann eram a versão contemporânea das odaliscas de Ingres e Matisse, numa pintura reconquistada a partir do exercício da colagem e marcada pela influência forte de De Kooning, apesar do abandono da factura gestual. Das pequenas colagens ìniciais, raramente mostradas, às «assamblages» visíveis como «ambientes», a três dimensões e com inclusão de objectos e mobiliário real, sobre uma metódica reapropriação dos géneros tradicionais (o nu, a natureza morta, os interiores e a paisagem), a antologia orienta-se depois para uma cobertura ampla de um mais recente formulário, onde o desenho é recortado sobre placas metálicas, procurando conservar uma clássica impressão de espontaneidade.
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NAM JUNE PAIK
Culturgest/CGD - EXPRESSO 05-10-96
«A super auto-estrada electrónica — Nam June Paik nos Anos 90» é uma grande exposição do pioneiro da video-arte, de origem coreana (Seul, 1932) e actual nacionalidade norte-americana, discípulo de Stockhausen, cúmplice de John Cage e militante do movimento Fluxus. A uma instalação de 30 trabalhos recentes («Cybertown») que se encontra em digressão norte-america — e tem Lisboa por escala única na Europa — acrescentaram-se reedições de algumas peças históricas, numa vasta síntese sobre a sua obra, onde a exploração das virtualidades das novas tecnologias da comunicação se cruza com o cepticismo próprio de uma visão paródica sobre as estratégias vanguardistas. A incorporação de meios informáticos e da Internet vêm actualizar com ironia um exercício que é o prolongamento do happening neo-dadaista, a que a imaginação formal e o humor das «assemblages» preserva do risco da mumificação. Um espectáculo feérico e delirante, mas também mais complexo do que pode parecer à primeira vista.
07-12-96
Últimos dias de uma mais das mais surpreendentes exposições do ano, desde logo pela espectacularidade dos meios envolvidos. «A super auto-estrada electrónica» é o Nam June Paik dos Anos 90, o artista-Fluxus e empresário que foi o inventor da video-arte e agora desestabiliza todas as certezas sobre o progresso das tecnologias, convertidas em lixo e em materiais de escultura, em monumento e em paródia.
outras circulações britânicas, como a exposição «From London», dedicada aos pintores da Escola de Londres (de Bacon a Kitaj), que terminou o seu itinerário em Barcelona, permanecem menos acessíveis na condição periférica em que Lisboa se mantém (embora a Culturgest, acrescente-se, tenha procurado acolhê-la), e permitem-nos uma alegre vertigem da novidade sem consequências que é a condição do diletantismo. Doherty, entretanto, «fala-nos» de coisas tão sérias como a guerra civil da Irlanda, recorrendo a duas «cenas» filmadas, de exibição paralela, e duas vozes-off, de audição entrecortada. Abreviando razões, o comissário Michael Tarantino informa que a obra «denuncia a estupidez de uma atitude que estabelece uma única forma de se olhar uma imagem, uma única maneira de definir os problemas políticos e religiosos da Irlanda, uma voz 'certa' e uma voz 'errada'». O nível do sentido da obra, acrescentado pelo comissário a um material informe e literal, não podia ser mais rasteiro, mas essa será certamente uma qualidade a atribuir a um novo neo-realismo sem ilusões ou ambições.
1998
Anos 80
Culturgest/CGD
EXPRESSO 29-08-1998
2002
Colecção CGD / Culturgest em 2002 e 2004: Reorientação e abertura: "Caixa económica" & "Colecção lusófona" - IV
(1) EXPRESSO 13/4/2002 "Uma colecção lusófona "
(2) EXPRESSO 4/5/2002 "Caixa económica"
(3) EXPRESSO 14-02-2004 "Novas peregrinações" A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
1. "Uma colecção lusófona "
EXPRESSO 13/4/2002
A Caixa Geral de Depósitos vai mostrar três anos de aquisições
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITO
(Inaugurações em Lisboa e Porto)
Depois de um intervalo de sete anos, a Caixa Geral de Depósitos vai voltar a apresentar publicamente a sua colecção, em duas exposições que se inauguram na próxima semana, em Lisboa e no Porto, preenchidas por cerca de 90 novas obras. As aquisições foram retomadas em Novembro de 2000, após uma paralisação de quase cinco anos, sob a administração de João Salgueiro, adoptando-se, a partir da presidência de António de Sousa, novos critérios de orientação propostos pela Culturgest, com um orçamento anual de 40 mil contos. As duas mostras correspondem às aquisições de três anos, incluindo as verbas de 2002.
Com a inauguração do núcleo a expor no Porto inicia-se também a extensão a esta cidade da programação da Culturgest, em parte do edifício da CGD na Av. dos Aliados, projectado nos anos 30 por Pardal Monteiro. Cedido no ano passado para actividades da Porto 2001, dispõe de um espaço de exposições, incluindo três casas-fortes na cave, e poderá acolher colóquios e outras sessões públicas, embora não tenha condições para espectáculos. Em 1993, foi igualmente com a primeira apresentação da Colecção CGD que se inaugurou a Culturgest em Lisboa.
A internacionalização das aquisições, com abertura aos países de língua portuguesa, surgirá como a mais evidente alteração do projecto da colecção, que já inclui um importante conjunto de artistas brasileiros e dois de Moçambique, Estêvão Mucavale e Shikhani. O acervo alargou-se também à fotografia, vídeo e instalações. Entretanto, singularizada pelo novo perfil lusófono, surgiram já solicitações para a sua apresentação no Brasil e em Espanha.
Orientada, por um período classificado como experimental, pela Culturgest - por Fátima Ramos, vice-presidente da respectiva administração, e António Pinto Ribeiro, director artístico -, sob a tutela de um administrador da CGD, a colecção passou a vocacionar-se para a criação mais recente e o acompanhamento da emergência de jovens artistas (em correspondência com o seu orçamento reduzido, que, com outras escolhas, poderia ser absorvido por uma única obra anual). A opção justificou a alteração do nome da colecção, trocando-se a designação arte moderna por arte contemporânea.
No Porto, expõem-se obras dos brasileiros Waltercio Caldas, Marcos Coelho Benjamim, Nelson Leiner, Rochelle Costi, Carmela Gross, Geraldo Barros e Caio Reisewitz (os dois últimos, fotógrafos), pintura de Jorge Martins, fotografias de Margarida Dias, Paulo Nozolino, José M. Rodrigues e Júlia Ventura, vídeo de Francisco Queiroz e instalações de Armanda Duarte e Baltazar Torres.
Em Lisboa estarão os brasileiros Lygia Pape, Tunga, José Damasceno, Leonilson, Ana Maria Tavares, Edgar Sousa, Jac Leirner, Daniel Senise, Adriana Varejão, Efrain Almeida, Walter Golfarb, Valeska Soares, Rosana Palazyan e Courtney Smith, os dois moçambicanos Estêvão Mucavale e Shikhani., mais Álvaro Lapa, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Pedro Portugal, Cristina Ataíde, Ilda David, Fernanda Fragateiro, Rui Serra, Fátima Mendonça, Joana Vasconcelos, Susanne Themlitz, Joana Rêgo, Leonor Antunes, Cristina Robalo, Rui Macedo, Sara Maia, Kiding (dois jovens artistas do Norte) e ainda Gérard Castello-Lopes, Graça Pereira Coutinho e João Luís Bento (fotografias).
A exposição será acompanhada pela publicação do inventário de todas as obras integradas no património da CGD desde a sua fundação em 1876, num total de 735 peças de 343 artistas (a mais antiga de 1842). Para além das peças adquiridas para decoração de instalações, cedidas em pagamento de dívidas ou com outras origens, o projecto de uma colecção de arte moderna data de 1983, inicialmente orientada por um quadro da empresa, António Nelson. Com a administração de Rui Vilar procedeu-se em 91 à reestruturação da colecção, ficando Fernando Calhau como responsável pelas aquisições, que foram expostas em 93 e 95. Por ocasião da Europália, Jorge Calado constituiu um núcleo de fotografias realizadas em Portugal por autores estrangeiros. É um novo capítulo da vida da colecção que as próximas exposições vão apresentar.
2
"Caixa económica"
EXPRESSO 4/5/2002
Exposições em Lisboa e Porto mostram a nova direcção da Colecção CGD e três anos de compras
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS. NOVAS AQUISIÇÕES»
(Culturgest, Lisboa e Porto, até Junho)
Na semana em que abriram as mostras simultâneas das novas aquisições da CGD, duas pinturas de Paula Rego expostas para venda em diferentes locais foram transaccionadas por cerca de 55 e 60 mil contos. Sabendo que o orçamento anual da colecção é de 40 mil contos e que a actual exposição é a soma de três anos, dispomos de elementos para identificar diferentes níveis do mercado de arte e diferentes modalidades de coleccionismo, privado e público.
A Caixa é económica nas suas compras e o modelo da colecção decorre dessa limitação, tal como acontece com a generalidade das colecções institucionais. O acompanhamento da actualidade galerística e, em especial, das emergências de novos artistas é o seu horizonte possível de actuação, sendo inacessível outra direcção mais selectiva apostada na incorporação de peças tidas por decisivas que se disputariam aos coleccionadores privados.
Assim, o que a Culturgest apresenta, na sua sede e nas instalações que inaugurou no Porto, é uma vasta exposição de «Arte Contemporânea», como indica o título e se procura conceptualizar com alguns problemáticos riscos teóricos no prefácio do catálogo. Com uma centena de obras, geralmente muito recentes, de cinco dezenas de artistas portugueses, brasileiros e moçambicanos, alargada à fotografia, ao vídeo (Francisco Queiroz, apenas) e às instalações. O que desde logo a singulariza, como exposição e apresentação da nova orientação da colecção, é essa abertura internacional que reúne artistas de língua portuguesa. É uma opção que tem o mérito de contrariar o fechamento nacional (ou a eventual «mundialização» arbitrária) de quase todas as colecções institucionais, que se articula com a atenção multiculturalista imprimida pela Culturgest à sua programação geral e que poderá favorecer a curiosidade exterior pelo acervo reunido.
Outras marcas de singularidade são reconhecíveis na exposição e no novo projecto da colecção, que além de económica é ecuménica: uma larga presença de mulheres artistas (14 em 30 nomes portugueses), talvez não por uma lógica de quotas mas como outra aposta na «diversidade cultural», e a presença significativa de artistas que se incluíram em exposições da Culturgest, como sucede com Jorge Martins, José M. Rodrigues, Armanda Duarte, Fernanda Fragateiro, Leonor Antunes, F. Queiroz.
Reconhece-se também a intenção de diferenciar esta colecção de projectos equiparáveis graças à imprevisibilidade dos nomes incluídos. Na sua deliberada diversidade cabem artistas de longo itinerário, como Álvaro Lapa, ou recentíssimas aparições, como João Luís Bento e a dupla Kiding; novas obras que se vêm juntar a núcleos já representativos na colecção, como as de J. Pedro Croft, Cabrita Reis ou F. Calhau, e outras que inauguram novas representações, como as de Rui Serra, Rui Macedo e Sara Maia; artistas sistematicamente favorecidos pelas instituições, outros que percorrem itinerários independentes e ainda outros que poderão ver-se como apostas próprias e exploratórias. Essa relativa independência face a lobies e opções críticas é uma simpática característica num universo com tendência à homogeneidade e decorrerá de a selecção estar a cargo de comissários não profissionais (Fátima Ramos e A. Pinto Ribeiro, da Culturgest).
Mas a essa positiva imprevisibilidade da selecção poderá também associar-se a suposição de algum carácter aleatório, se se considerarem nomes não incluídos nesta etapa de aquisições (Novembro de 2000-Fevereiro de 2002) que tiveram presenças destacadas no mesmo período. Uma possível lista de «faltas», de critério pessoal, incluiria pelo menos Augusto Alves da Silva, António Júlio Duarte, João Queiroz, Gil Heitor Cortesão e José Loureiro (já na colecção com obras de 94-95).
Entretanto, se as duas presenças de Moçambique, Mucavale e Shikhani, são ainda só indicativas de uma intenção, o largo panorama brasileiro, com 21 artistas, estabelece um idêntico horizonte de diversidade. Nele se incluem nomes de circulação já conhecida, como os de Geraldo de Barros (1923-98), Nelson Leirner, Lygia Pape, Tunga e Leonilsen (1957-93), e outros de recente projecção, como Caio Reisewitz ou Walter Goldfarb, enquanto vários casos prolongam trânsitos por Portugal (Daniel Senise) e também pela Culturgest (Efrain Almeida, Courtney Smith, Adriana Varejão).
A montagem, não organizada por regiões, rompe com o agora muito habitual isolamento das presenças autorais, propondo diálogos entre obras e confrontações de significados e intenções propícios a uma relação interrogativa com as criações, que certamente prolonga a própria lógica que presidiu à sua selecção (apesar de se dizer no catálogo que «a arte deixou de significar o mundo e se tornou auto-referencial»). É o que sucede, em Lisboa, logo no primeiro espaço, onde se associa um trabalho legível como pura especulação formal, de Cabrita Reis, à vontade de comentário social sugerida na impressão fotográfica de Rochelle Costi. A seguir, os cruzamentos de sentidos prolongam-se nas inquietas meditações fotográficas simétricas de Júlia Ventura e Graça Pereira Coutinho junto às contemplações negras de Calhau e Tunga; depois, nos diálogos do espectador com os espelhos reais ou imaginários de Nelson Leirner, Fátima Mendonça e Sara Maia, com passagem às referências à paisagem nas flores de Joana Rego, J. Luís Bento e Cristina Robalo.
No Porto, a Culturgest utiliza como espaço de exposições o átrio da sede da CGD (prolongado pelas quatro casas-fortes na cave), onde as qualidades arquitectónicas e decorativas do edifício projectado por Pardal Monteiro propõem um estimulante desafio de convivência com as obras. Entretanto, o catálogo reproduz imagens de todo o acervo da CGD (mais de 700 peças), de que esta já é a quarta exibição pública desde 1989. Tal como sucede com o prefácio dos comissários, que pretende ser uma reflexão teórica sobre a história da arte do século XX e a era «pós-média», aí se oferecem mais pistas para reflexão e debate.
2004
"Novas peregrinações"
A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
"Mais a Sul"
Culturgest, Porto, até 30 de Março - EXPRESSO/Actual 14-02-2004
As colecções públicas e privadas têm-se mostrado de uma flagrante monotonia; com escassas diferenças entre si, adoptam o programa sumário de seguir a actualidade nacional, ou a sua espuma, comprando jovem e barato e, em geral, o mesmo. A colecção da Caixa Geral de Depósitos, que é uma pequena colecção apesar do gigantismo da instituição, saiu da rotina quando em 1999, já sob a orientação da Culturgest, passou a ter como horizonte alargado a arte dos países de língua portuguesa. É uma opção coerente com uma programação que tem dedicado atenção à produção cultural de origens não europeias (incluindo, já em 1995, a exposição francesa «Encontros Africanos»). Por outro lado, à falta de políticas oficiais de cooperação cultural, para além de um frágil esforço de sobrevivência do espaço linguístico, é uma direcção com sentido estratégico num país que parece não resolver os complexos do seu passado colonial e que raramente pensa a cultura ou a arte como algo mais do que ostentação e desperdício.
O domínio brasileiro teve já razoável relevo na apresentação da colecção que se fez em 2002, e a vertente africana, então reduzida a dois nomes (Mucavale e Shikhani), alargou-se o bastante para se apresentar agora numa exposição própria. São 13 os artistas reunidos sob o título «Mais a Sul», seis de Moçambique, outros tantos de Angola e um de Cabo Verde, alguns com anteriores presenças entre nós e outros desconhecidos, com formação e carreiras europeias ou com circulação restrita aos países de origem, por vezes com raízes em tradições populares. Esta diversidade assegura-lhe a qualidade imediata de ser uma mostra imprevisível, onde se atravessam fronteiras que não são só geográficas e se fazem vacilar os critérios habituais de validação das obras, convidando o visitante a descobrir e interrogar o que se expõe e não a seguir um guião preestabelecido. Por sinal, é também uma mostra que suscita uma significativa afluência de público.
Ao cruzarem-se trabalhos que podem ser caucionados por padrões vindos das abordagens etnológicas com outros que ambicionam integrar-se nos circuitos de reconhecimento dos centros artísticos, que a dinâmica da globalização torna mais poderosos do que nunca, põe-se à prova o que na retórica dita multicultural e pós-colonial continua a ser uma atitude de absorção e exclusão definida «mais a Norte». Há que lamentar, entretanto, que apenas se tenha publicado um folheto reduzido a sintéticas notas biográficas, quando importaria informar sobre os contextos artísticos representados e justificar opções selectivas que foram realizadas a partir de um trabalho original de prospecção no terreno, para além de ser oportuno estruturar alguma memória sobre o que tem sido a circulação de artistas africanos em Portugal. Por outro lado, é óbvio que a criação de uma colecção deste tipo tem condições para se prolongar numa acção de intermediação internacional, orientada para os países de origem e para outros espaços geográficos, o que exige instrumentos adequados de representação.
FOTO
Estêvão Mucavale, «Montanhas de Moçambique»
Malangatana (n. 1936), que comparece com uma pintura de 1967 onde se faz referência à sua prisão política, é o mais conhecido dos artistas e dá testemunho do que foi a procura de uma possível autenticidade popular africana, transferida para a pintura com grande voluntarismo autodidacta e alguma absorção de referências do surrealismo e dos realismos fantásticos, atingindo por vezes uma dimensão plástica muito poderosa. A esse padrão de negritude oficializada, muito influente em Moçambique, escapam as paisagens transfiguradas, desertas e monocromas de Estêvão Mucavale (n. 1941), pintor de origem «naïf» que se profissionalizou na África do Sul, e também as figuras esculpidas em barro por Reinata Sadimba (n. 1945), artesã de etnia maconde que desenvolveu uma obra visionária e original de grande interesse. Shikhani (n. 1934) é outro artista com identidade própria.
O único representante de Cabo Verde, Tchalé Figueira (n. 1953), é um pintor com estudos artísticos em Basileia, já com anteriores exposições em Lisboa (na Galeria Novo Século), que imprimiu à sua temática africana referências dos neo-expressionismos dos anos 80, com apreciável fluência.
O panorama angolano que se expõe é muito marcado pela diáspora, mostrando uma pluralidade de direcções de trabalho individual. Fernando Alvim (n. 1963), com carreira feita a partir da Bélgica, é o artista mais conhecido, documentando-se aqui a passagem de uma pintura com qualidades à instalação, numa peça que transporta outros estereótipos culturais. Miguel Petchkovsky (n. 1956), que estudou em Portugal e em Amsterdão, na Rietveld Academie, igualmente cineasta, e Alex (n. 1974), pintor também com formação na Holanda, têm presenças que se relacionam positivamente e de diferentes modos com o seu país a partir de aprendizagens exteriores.
Paulo Capela, angolano de origem congolesa (n. 1947), é uma figura singular do interior, autor de acumulações instaladas de objectos e documentos heteróclitos. Está presente com vastos conjuntos de envelopes de correio que ostentam pequenas pinturas com personagens e cenas de estereótipos africanos, que se vêem como uma posição paródica ou crítica face a um imaginário de folheto turístico.
Viteix (Vítor Teixeira, 1940-1993), doutorado em estética em Paris e artista com uma extensa circulação internacional, é outra das presenças estimulantes, a quem a Culturgest dedicará já em Abril uma mostra retrospectiva.
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