quinta-feira, 21 de maio de 2009

2009, René Bertholo, Nasobi, falsos

 René Bertholo 3

A tela atribuida a René Bertholo (Sem Título, 1999, 81 x 100 cm - atrás reproduzida) que foi apreendida pela Polícia Judiciária antes do leilão da Sala Branca (dia 18) é uma grosseira adaptação do quadro

 
Rbconfusoes

Confusões, de 1999, 200 x 200 cm, que figura no catálogo com o mm nome editado em 2001 pela Gal. Fernando Santos, Porto. Foi tb exposto na retrospectiva do artista no Museu de Serralves (Abril/Maio de 2000) e está reproduzido no respectivo catálogo.

É aqui evidente que os falsários (autor e traficante) tiraram partido de René Bertholo usar aqui uma composição que resulta da acumulação desordenada de fragmentos onde se reconhecem pormenores de rostos, casas, frutas (abóboras e outras) e outros elementos figurativos, tomados pelo artista de anteriores obras. Essa táctica de retoma de partes de obras anteriores fazendo variar alguns elementos é característica de diversos momentos da sua obra.

Uma tal prática poderia dar azo a dúvidas de atribuição de autoria ou de reconhecimento de obras falsamente atribuidas se não existissem características autorais inscritas no seu modo de pintar, que se identificam na diferença entre uma pincelada própria e outra imitada, sem "vida", sem espontaneidade ou frescura, para além do facto bem distintivo de as cores se aplicarem numa sequência conhecida e programada.  Por outro lado, Bertholo é autor de uma obra muito escassa e que se encontra, pelo menos desde os anos 80, sempre reproduzida nos catálogos das suas exposições. Ao contrário de outros artistas, não existem obras que sejam variantes ou adaptações/reedições de outros quadros, comercializados à margem das exposições e das relações de representação estabelecidas com os seus galeristas. Não há assim situações de duvidosa avaliação por parte de quem conheça de perto a respectiva pintura.

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NOTA ALTERADA POR ESTAR A DECORRER A RECOLHA DE INFORMAÇÔES SOBRA A CIRCULAÇÃO DESTA OBRA

Uma outra obra que foi considerada como falsa, através das reproduções conhecidas, é uma pintura identificada como Ouverture II ou "As coisas mudam", ass. e dat. de 1981, com 116 x 73 cm, que foi vendida por 15 mil euros num leilão do Palácio do Correio Velho em Novembro de 2006, e igualmente reproduzida na revista L + Arte de Setembro de 2008 (nº 1). Neste caso tratar-se-ía da adaptação de uma tela constituída por três espaços sobrepostos, como planos de uma mesma cena sequencial, que surgem na tela em dúvida repetidos com aplicação de diferentes zonas de cor. O quadro original intitula-se  Ouverture (Abertura), 1980, o/t, 100x65 cm, col. part., Alemanha (reproduzido do catálogo da retrospectiva de Serralves, 2000, pág. 185) E a 2ª é designada como Ouverture II ou "As coisas mudam", ass. dat. 1981, 116 x 73.  Vendido em 2006  (lote 82, leilão nº 168, 28 Nov. 06)

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Tal como refere a notícia do Público de dia 20, a leiloeira Sala Branca identificou como origem dos quadros apreendidos, e atribuidos a Álvaro Lapa e René Bertholo, a galeria Nasoni, do Porto, de António Cabecinha. As duas "obras" encontravam-se emolduradas do mesmo modo, com molduras prateadas, e tinham sido reproduzidos em catálogos da referida galeria.

Entretanto, a directora da L + Arte, Paula Brito, refere que a publicação de fotografias dos quadros incriminados resulta da sua prévia passagem em leilões, ilustrada nos respectivos catálogos, limitando-se a revista a confirmar junto das leiloeiras os respectivos valores de venda. Apesar de a descoberta de quadros falsos reproduzidos na revista envolver aspectos desagradáveis, a revista não tem nesses casos condições para reconhecer ou não a autenticidade das obras vendidas ou apresentadas em leilão. Noutros casos, Paula Brito diz ter já recusado a publicação de obras suspeitas.

A secção "Bolsa" da revista L + Arte "pretende ser um guia de referência para aqueles que investem ou querem investir em arte". A credibilidade de tais investimentos pode ser assim contrariada.


segunda-feira, 11 de maio de 2009

Mikael Levin's, Cristina's History, 2009 CCB

Mikael Levin's Cristina's History Opened at Museum Coleccao Berardo in Portugal

http://artdaily.com/news/33168/Mikael-

The condition of multiplicity, wandering, and exile, as shown in this story, suggests some principles for an alternative foundation for cultural identification, based on tolerance and shared patterns of  experience.

LISBON.- Cristina’s History takes as its starting point the story of four generations of a branch of 
Mikael Levin’s family, of which Cristina is a descendant.

It unfolds from the mid-19th century to our own times, and streches from the town of Zgierg in 
central Poland to the west-african nation of Guinea-Bissau, by way of Lisbon. These three places, 
photographed between 2003 and 2005, correspond in each case to a narrative which interweaves 
the lives of the characters and historical events to which those biographies are linked. As the trajectory 
of a Jewish family through modern European history, a journey in which each new hope is met with 
invariable disappointment, Cristina’s History challenges the idea of continuous progress. This does not, 
however, mean ceding to nostalgia. nor is it an affirmation of the notion of an ineradicable identity. 
What this work does do is attests to the possibility of inventing one’s life based on, but without being 
dependent of tradition. Although the story – or at least the idea of a story – no doubt determined the 
photographic project, the text and the images in a fact move along parallel lines. It is through the gap 
that the relationships are etablished; between the different histories and the images of the present, 
between the different lives described and the places where they are not, or between the narrative space, 
most often closed and familial, and the visible space, open and public.

From such simplicity shaped by numerous complexities emerges a poetic work cast as a documentary. 
It is a profound autobiographical work, though the author never appears. The space is configured 
around three projection rooms corresponding to the territories represented. Within each room, each 
cycle lasts approximately fifteen minutes and comprises some sixty images. a voice-over tells the 
story. In the rooms devoted to Zgierz and guinea-Bissau, two projectors are mounted back to back 
on a central pivot. The images rotate around the room, like the beams of a lighthouse, stretching and 
bending to the contours of the walls. In the Lisbon room, three projectors cast their images alternately 
at fixed locations.

Artist Statement:

“I met Cristina da silva-schwarz in guinea-Bissau in 2003.

Four generations back our ancestor, Isuchaar szwarc, a renowned Jewish scholar, lived in Zgierz, 
in central Poland. In his lifetime Isuchaar saw his small medieval town transformed by industrialization.
He died as the nazis exterminated the Jewish communities. Isuchaar’s eldest son, samuel, settled in 
Lisbon. a successful mining engineer also known for his scholarship, samuel lived in Portugal during 
the waning decades of its colonial epoch. samuel’s daughter Clara settled in Portuguese guinea in 1947. 
There she and her husband played a prominent role in the anti-colonial movement. since 
guinea-Bissau’s independence, Carlos, their youngest son, has devoted his life to the agricultural 
 development of this impoverished nation. 

Cristina is Carlos’ daughter.

I had always heard of this accomplished branch of my family. It occurred to me that their lives were 
an embodiment of modernity’s positivist belief in mobility and progress. Jewish families are often 
 characterized by patterns of dispersal and migration, patterns that have of late come to characterize 
the world population in general. While my images are specific, my intent is to go beyond the narrow 
 identifications of any particular community. It is the tension between the local and the global that 
interests me.

The condition of multiplicity, wandering, and exile, as shown in this story, suggests some principles 
for an alternative foundation for cultural identification, based on tolerance and shared patterns of 
 experience.”

— Mikael Levin

Born in 1954 in New York where he now lives, Mikael Levin has also lived in Israel and France. His 
work Notes fromthe Periphery was presented at the 2003 Venice Biennale. That same year his work 
was presented in a solo exhibition at the Bibliothèque nationale de France. In 2008, gilles Peyroulet 
& Cie (Paris) presented his exhibition Seuil/ Treshold. Mikael Levin has also published War Story 
(Kehayoff, 1997).


domingo, 10 de maio de 2009

Mikael Levin, Cristina's History, 2009, CCB

capa e guardas

Mikael Levin, Cristina's History, 2007 / 2009 (catal./livro)

edition Le Point du Jour, Cherbourg-Octeville, France / Museu Colecção Berardo, Lisboa
2009
162 pags., P/B; Fr., En., Pr.

textes : Jean-François Chevrier, Carlos Schwarz, Jonathan Boyarin 
( et Mikael Levin - legendas e agradecimentos)

images:
Zgierz, Pologne - pag. 16; 
Lisbonne, Portugal - pag. 48; 
Guinée-Bissau 80.

http://www.mikaellevin.com/cristina.html

pag. 2-3

sábado, 29 de novembro de 2008

Nino Viegas, 2008, Arte Periférica: "A nuvem nódoa"

 11/29/2008

Nuno Viegas no CCB

A melhor exposição que se pode visitar no CCB (incluindo o Museu Berardo) é a de Nuno Viegas na galeria Arte Periférica


 


"Pizza aos pombos" e "Corrida com bilhas de gás à velocidade da luz", mais "A bandeira queimada"  "O mar de rosas", em baixo; à direita, "Jangada puxada por balões" -

A fotografia é péssima, mas esta pintura é para ver de perto (a aura, a irreprodutibilidade técnica), com o seu acerto de escalas e a densidade das matérias sobre a tela ou o papel. 


    


Por exemplo, em: acrílico, esmalte sintético, tinta da Índia, cola de madeira, marcador de têmpera e grafite sobre tela (em 80 cm de lado).

Daí o título geral "A nuvem nódoa" -  "A nuvem que surge no céu limpo - a nódoa que vem perturbar a quietude. (...)", assim começa o seu próprio texto do catálogo - falando da mancha, da pasta, da tinta e do fazer do quadro: "espécie de sopa primordial ainda sem nome para as coisas". Essas coisas têm depois nomes e títulos às vezes descritivos ("Natureza morta com bifes temperados", "Jangada puxada por balões", por exemplo), e em mais casos títulos narrativos, enunciados ficcionais, fazendo prolongar o que acontece na tela para o campo do imaginar: o magnífico "O engole-sapos" (de 199 por 140 cm) que na feira Arte Lisboa se destacava entre o que havia para ver.

O que podia ser uma retórica do acontecer da pintura, do fazer enquanto processo ou maneira, da vibração da matéria, do aparecer da forma, etc, torna-se exercício do ver e do efabular, presença real do imaginário, estórias. Por vezes parece faltar ao pintor um projecto ou programa para cumprir, onde um só tema ou assunto (sujet, subject) fosse metodicamente explorado de cada vez por exposição, mais reflexivamente, numa produção disciplinada por séries e menos convulsivamente acidentada. Mas não é esse o rumo actual de Nuno Viegas, e o seu caminho está aberto a todas as possibilidades, sem se encerrar precocemente num formulário estreito.

  


"O ossário", a seguir "O burro muribundo" e "Confissão aos cães", à direita "A serpente engasgada". Uma presença insistente dos animais: fábulas

A "nuvem nódoa" foi antes "Lava" (2003) e "Tinta envenenada" (2004, Cascais) num constante acentuar da "massa lodosa" que é tinta despejada, amassada, raspada, arrastada, lavada, acumulada, etc, sempre à beira ou por dentro do caos, antes de ser figura e imagem, narração observada ou imaginada. "Esse trabalho é também o das ideias", alerta o pintor, mas "mais do que fixá-las, importa soltá-las, ir ao encontro da sua flexibilidade e desmultiplicação". Como ele diz - e explica-se cada vez melhor -, "a experiência prossegue num confronto entre o visível e o imaginável", numa recusa da ilustração do quotidiano observável, às vezes presente sob a capa do humor, contrariando o talento gráfico para tornar mais inquietante o comentário sobre o mundo.

A exposição da colecção (e escolhas afins) do Museu Berardo, "Não te posso ver nem pintado", centrada na permanência da figuração pictural, da representação da vida e do mundo, do retrato (um programa aliciante à partida que é prejudicado por compromissos de circunstância ou conveniência, e escassez de desafios), torna mais evidente a força explosiva desta pintura que se tem mantido na margem exterior do academismo dominante. Pode ser que haja um excesso de ambição na pintura de Nuno Viegas, face aos reducionismos formais e conformismos aplicados que ocupam os salões. Pode ser que a determinação solitária desta pintura não respeite os protocolos de dependência que a circulação pelos salões exige. Mas ela é mais interessante pelos riscos que corre, pelos desafios que faz, pelas recusas que enfrenta. Um desses riscos é o grande êxito de mercado que acompanha desde o início a carreira de Nuno Viegas.

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Se o que se expõe agora no Museu Berardo não me parece empolgante, é surpreendente e muito positivo o grande número de visitantes que o percorrem numa tarde de sábado.

Comments

Este final de artigo é uma tapona na Bescolecção? Seria interessante elaborar... Posted by João Henriques

1 - O começo e o fim do artigo fazem implícitas referências a outras exposições, entre as quais se inclui naturalmente a colecção Bes e a mostra Corral (a srª teve a sua importância, gastou-a e hoje já não serve de aval à coisa: má escolha). Não sei ainda se vale a pena entrar nessas questões, a começar pelas relações problemáticas dos nossos banqueiros com as artes (bens especulativos, activos tóxicos ou apenas trocos?): os 85 Mirós do BPN, o elíptico Alcoitão do Rendeiro/BPP (mais Melo e Lapa), e noutro plano a CGD e o BES - há por aqui um vale tudo que é uma funda marca nacional. Mas não se pode "dizer mal" de tudo, mesmo que quase tudo seja medíocre e entendido como descartável. (Aliás, nunca disse mal de tudo: defendi a colecção Berardo e a solução Berardo para o CCB. Contra quase todos.)

Mostrar assim é parolo (um pouco de tudo, como na botica; a espuma dos magazines, as vedetas e as "emergências", um bodo aos jovens, a alguns e a algumas galerias; uma caderneta de cromos), mas sempre se prestam contas do que se anda a fazer e se fica a saber que ficam por cá umas coisas com qualidade que poderão estar um dia disponíveis para outras exibições.

Aquele salonismo não ajuda a ver: é a arte oficial de hoje. A maioria deslumbra-se com a ostentação do luxo/lixo e alguns procurarão as pérolas e quererão entender como se organiza o sistema da arte. Tratar-se-á de tentar distinguir e escolher, quando tudo está feito para diluir diferenças entre obras e valores, universalizando a ignorância, "democratizando" o acesso ao espectáculo mas sempre com a lógica de diferenciar/distanciar o mais possível os que decidem e os que consomem. Logo à entrada distinga-se a desagradável e ingénua tontice da nossa Almeida e o excelente inventor de acontecimentos que é o chinês Zhang Huan.

Obrigado pelo catálogo, que é um caro coffee-table book natalício mas deu trabalho a muitos "comissários" com pouco emprego. Há sempre um lado positivo em tudo.

2 - Mas o que importa é dizer apenas que a admiração pelo Nuno Viegas não tem nada a ver com esta conversa (terá a ver, de facto, com a exp. "Não te posso ver nem pintado", onde teria lugar de pleno direito, com o risco de fazer sombra a outros, e aí é que bate o ponto - mas o Museu Berardo não precisava de se tornar tão complacente com o nosso podre e pobre stablishment, e por essa via perderá a força da sua diferença inicial). Posted by A.P.

Grato pela resposta, esclarecedora de algumas subtilezas do meio. Se tivesse um pedido a fazer-lhe, seria o de discorrer sobre a colecção própriamente dita, dado que sobre o critério da mostra já se pronunciou. Posted by J.H


Agradeço a boa vontade, mas há certamente outras boas exposições que têm prioridade. E dizem-me que é no espaço BES do Marquês Pombal que estão reunidas obras dos fotógrafos regularmente expostos pela Módulo: António Júlio Duarte, Catarina Botelho, Rodrigo Amado, Duarte Amaral Netto. Tenho que ir ver. Estranho critério de separação esse, entre outras opções dificilmente compreensíveis ou aceitáveis. Mas são grandes questões sobre o actual entendimento salonista da Arte Fotográfica, os neo-picturialismos sustentados no mero aproveitamente dos novos recursos técnicos, a voga do "quadro fotográfico", os mimetismos mundanos das escolhas curaturiais "cosmopolitas", o provincianismo lisboeta em versão espanholada, etc, que valeria a pena abordar com vagar. Posted by A.P

Numa outra nota, acharia interessante uma iniciativa deste género Critical Mass http://www.photolucida.org/current.php ou em tom próximo esta http://powerhousebooks.com/portfolioreview09/ cá em Portugal? Como forma de não só oferecer uma crítica especializada ao trabalho do artista, mas tam´bém de poder proporcionar uma mostra, para além da óbvia montra dos "prémios" instituídos? Posted by J.H



quarta-feira, 1 de outubro de 2008

2008, João Cutileiro fotógrafo, P4


"The nude lies in the centre of Western art"

Inauguração da exposição, dia 9, 5ª feira, a partir das 19h

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Já tem data o leilão de provas vintage e em geral inéditas e ÚNICAS de João Cutileiro, escultor e fotógrafo:

Newsletter-JC-03

a 23 de Outubro e a favor da Abraço.

E ANTES DO LEILÃO VÃO ESTAR EM EXPOSIÇÃO NA P4 A PARTIR DE DIA 9

http://www.p4liveauctions.com

http://www.p4…limited_editions/…

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João Cutileiro expôs fotografias na sua 1ª exposição, em 1961 (que foi a 2ª, contando uma em Monsaraz e Évora aos 15 anos, em 1951). Continuou sempre a fazê-las e,  de longe a longe, a mostrá-las.

Além de escultor é fotógrafo, ou faz óptimas fotografias, em especial retratos. É mesmo um dos nomes certos da revolução fotográfica dos anos 50 e um dos poucos, um dos primeiros, que nesse tempo mostrou publicamente as suas fotografias. Aliás, João Cutileiro até foi fotógrafo profissional, já que tratou durante uns anos a fotografia como uma actividade que podia e devia ser remunerada, no caso de se tratar de prestação de serviços e resposta a encomendas, para além de fotografar por gosto amigos e amigas. Construiu assim uma galeria de retratos que fixou uma geração, ou duas, e deixou registados os tempos de liberdade em Londres (1955-1970).

Também foi e é às vezes um fotógrafo de esculturas, as suas.

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Em Novembro de 1961, na Sociedade Nacional de Belas Artes, o folheto que acompanhou a mostra não trazia reproduções (o autor informa que eram praticante todas retratos). Mas teve título: "25 Esculturas / Fotografias / Desenhos de João Cutileiro"

 Dos "modernos" ou novos desse tempo, tinham mostrado fotografias em exposições individuais de galeria só o Fernando Lemos (em 1952-53) e a dupla Victor Palla/Costa Martins (1958). Foi um pioneiro, portanto.

Um segundo passo público (publicado, neste caso) foi dado só dez anos depois (1971) com a impressão tardia de algumas imagens de Monsaraz (as mais antigas de 1959 e outras de 63, estas expressamente feitas) no livro do irmão José Cutileiro A Portuguese Rural Society (Oxford, Clarendon Press), onde se publicaram também outras fotografias do então desconhecido Gérard Castello-Lopes (era conhecido como crítico de cinema, e tinha mostrado 30 fotografias no pavilhão português da Exposição de Osaka, no ano anterior). Essas fotografias documentais de João Cutileiro eram então "neo-realistas" em sentido lato – mas os retratos de 1961 e os nus que agora se conhecem escapam a todas as classificações. Estas últimas são fotografias do quotidiano, gestos de amizade e amor, descobertas de corpos (explorações físicas antes de serem estudos de formas), momentos de vida antes de serem ou não arte.

Algumas daquelas imagens de Monsaraz e outras mais foram republicadas e expostas em 2005 e 2006 por iniciativa da Fundação PLMJ (Em Foco. Fotógrafos portugueses do pós-guerra, ed. Assírio & Alvim e mostra no Museu da Cidade, Lisboa, com catálogo próprio, em reimpressões digitais modernas).

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"Domingo, a chegada do fotógrafo, Monsaraz, 1963" – impressão digital, jacto de tinta. Col. Fundação PMLJ, de "Em Foco", 2004

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Muitos mais anos depois voltou a expor por ocasião do Mês da Fotografia que aconteceu em Lisboa em 1993, e ficou sem continuidade. Foi na Galeria Valentim de Carvalho: "Memória" (Fotografias inéditas – Colecção do autor). No catálogo geral publicaram-se dois notáveis retratos, um de Álvaro Lapa, 1958, outro de Maria Cabral e Vasco Pulido Valente.
Eram 100 fotografias "vintage", de 1958 a 1970, que não foram então acompanhadas por qualquer outra edição. O que sempre se lamentou, até porque além da importância dos retratos também os retratados tinham razoável notoriedade.

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"Álvaro Lapa em casa de António Caldeira", 1958 (cat. Mês da Fotografia)

((Na ocasião sairam duas "notas" no Expresso (foi pouco, mas o programa do Mês era muito intenso): a 29/05/1993 e 05/06/93))

«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. As fotos foram-se perdendo pelas gavetas e pelas paredes (serviram até de alvo para setas), amareleceram e comeu-as o bicho. Juntas agora, traçam uma galáxia de relações, amizades e amores que veremos ao sabor das identificações disponíveis a cada um: Fernando Mascarenhas (em 65), Jorge Sampaio e Karin Dias, João Cid dos Santos, Francisco Keil do Amaral, Ana Viegas, Maria Cabral e Vasco Pulido Valente, Mário Cesariny (uma parede com seis fotos de 64), Menez (Londres, 63), Reg Butler, José Cardoso Pires (60), Ruy Cinatti, Gérard Castello-Lopes, etc, e um auto-retrato legendado «Paul Newman». Por vezes, as cabeças deixam adivinhar um olhar escultórico, a caminho de outros retratos (Helder Macedo, Azevedo Gomes, Keil do Amaral). Com os retratos de Lemos, tão diferentes, estas fotos privadas levantam um véu sobre um passado oculto, aqui apercebido como um tempo feliz. São pequenos grandes nadas.

100 fotografias que traçam um percurso de cumplicidades pessoais, mostradas em provas de época que transportam as memórias do seu uso (as paredes, os álbuns, o tempo) e um seguro valor de documento sobre os meios intelectuais do seu tempo. Mas é também a procura do sentido do retrato que nelas se encontra, na diversidade dos enquadramentos e das poses «colhidas do natural», ao mesmo tempo que o olhar do escultor se adivinha. Cutileiro mostrara fotografias numa exposição em 1961 e fez parte da geração dos «olhares inquietos» (António Sena) — foi mais um passo na recuperação de uma indispensável memória fotográfica.

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Mário Cesariny em Londres, 1968/69 (De "Londres e Companhia")

Uma dezena desses ou outros retratos foram publicados já em 2004 num livro de memórias de Londres de Luís Amorim de Sousa – Londres e Companhia, ed. Assírio & Alvim, aí se acrescentando um belíssimo encontro com Doris Lessing. Alguns também estiveram expostos no Centro Culturais de Cascais ("Memorabilia", com desdobrável, Nov.-Dez. 2005)

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Doris Lessing, 1963. (De "Londres e Companhia")

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Entretanto, no Museu de Évora, em 1999, apresentou-se "Flores – Esculturas de João Cutileiro – Homenagem a Mapplethorpe". No catálogo publicaram-se 13 fotos suas de esculturas a preto e branco e de página inteira, sendo as do catálogo final de João Cutileiro Junior, com textos de Hellmut Wohl, João Caraça e José Monterroso Teixeira. Das fotografias de flores de Mapplethorpe às flores construídas em mármores e bronze, a cores, somando-se imagens vistas às flores tiradas do natural, e depois refotografadas a preto e branco pelo escultor. Escultura de câmara – a pequena escala e a máquina de ver.

No Expresso Actual publiquei uma entrevista sob o título "De Mapplethorpe a Cutileiro", a 18 de Dez.: http://cutileiro-1999—entrevista.html , e Jorge Calado escreveu a 15 de Jan. 2000 "Flores são flores são flores"

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Por fim (até agora, e se não faltou mais nada pelo caminho), regista-se em Agosto de 2004, na Casa das Artes de Tavira, a exposição "Homenagem a Gustave Courbet"

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"Homenagem a Courbet 10", 2004

fazendo o título e as fotografias púbicas explícita referência ao preciso quadrinho intitulado A Origem do Mundo, desde 1995 exposto no Museu d'
Orsay.  Eram cerca de quatro dezenas de fotografias organizadas em conjuntos de imagens que colocam a par flores, plantas e corpos de mulher, segundo disse Ana Ruivo no Expresso/Actual de 28 de Agosto ("Herbário feminino").

A 4ª exposição em perto de cinco décadas de fotografias está aí. Para se recuperar o tempo perdido. Os negativos perderam-se, as provas são em geral únicas e marcadas pelo tempo. Estão vivas.

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Exposições individuais:
"25 Esculturas / Fotografias / Desenhos de João Cutileiro", SNBA, 1961
"Memória", Galeria Valentim de Carvalho – Mês da Fotografia, 1993
"Homenagem a Gustave Courbet", Casa das Artes,Tavira, 2004

Publicações
José Cutileiro, A Portuguese Rural Society (Oxford, Clarendon Press), 1971 – também com fotografias de Gérard Castello-Lopes.
"Flores – Esculturas de João Cutileiro – Homenagem a Mapplethorpe", Museu de Évora, 1999.
Luís Amorim de Sousa, Londres e Companhia  (Assírio & Alvim), 2004.
Em Foco. Fotógrafos portugueses do pós-guerra. Obras da Colecção da Fundação PLMJ (ed. Miguel Amado),  ed. Assírio & Alvim, 2005, e Fundação PLMJ – Museu da Cidade, Lisboa, 2006

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http://www.p4… photography_books

Estas fotografias de corpos não são esculturas. São corpos de mulheres, tomando o referente fotografado pela coisa mesma (uma facilidade de linguagem, e é uma virtualidade das imagens o tomarem a vez das coisas, substituirem-se a elas, suprirem ou compensarem (em parte) a sua falta; são fotografias de nus (um género fotográfico com grandes tradições, desde o início e, por exemplo, com Edward Weston e Bill Brandt ou o famoso Lucien Clergue, mas as minhas preferências vão para Lee Friedlander (Nudes, Jonathan Cape, London, 1991, por ocasião de uma exposição no MOMA, NY, comissariada por John Szarkowski) – em Portugal, Fernando Lemos e o Victor Palla descoberto na P4, o José M. Rodrigues; e neste caso podemos também vê-las associadas ao trabalho do escultor, que fez muitos corpos de mulheres em pedra, etc. É curioso que a um corpo perfeito ou com qualidades (formais) se chame escultural…

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E agora algumas esculturas: 1969-70, duas páginas de um catálogo da Galeria 111, Lisboa, Dezembro, 1970. (Fotog. de J. Santa-Bárbara)

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Parte de um texto publicado no catálogo da exp. "Amantes". Agosto 1997, Centro Cultural São Lourenço, Almancil

"As for João Cutileiro, he understands the human body and draws out from it what is perhaps most moving: the harmony of its imperfection. All the eroticism of the women hr sculpts resides in this apparent paradox. Today, a Venus created by Cutileiro might have a waist too fragile for the volume and weight of her breasts, frail arms, the shoulders of a young girl, and thighs, compact and disturbing as mercury. Before these figures of Cutileiro, the pleasure is truly an erotic one. But it is not the ambiguous and impotent pleasure of the voyeur. Here the observer leaves himself, transforms, dissimulating himself as agent and accomplice. Looking at these nudes, the well known and calming assertion that complete nudity is chaste loses all sense. These men and women are not undressed to be displayed in a Greek temple or a modern museum: they are naked for love. Which, of, course, is the best reason to be without clothes." text José Saramago (trad. de Glyn Uzzel)


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

2008, Africa.cont, índice

 Sumário África.cont

12/09/2008

Comments

É só para te dar os parabéns pela forma como persistentemente tens questionado este projecto. Pela forma como foi levantado, pelas suas implicações, pelas reacções que tem provocado, temos aqui um estudo de caso a partir do qual se pode questionar o modelo cultural dominante, e começar a lançar as bases de um projecto cultural capaz de estar no centro do desenvolvimento e da inovação, um projecto cultural que se quer capaz de afirmar Portugal como uma Plataforma de encontro e contaminação de culturas, de criação do novo. Não um espaço de trocas de favores, de subalternização, onde se afirma a internacionalização por aquilo que se traz de fora e não por aquilo que é cá criado e é capaz de se afirmar e circular internacionalmente.

Penso que seria importante que esta discussão se alargasse a outras expressões artísticas.
Um abraço. A discussão e o debate têm que continuar.

Alexandre Pomar

Obrigado pela colaboração. Toda a gente manda bocas tipo generalidades políticas (sempre contra), mas sobre questões concretas da agenda faz-se silêncio - um silêncio receoso ou de quem fica à espera duma oportunidade. Então na área da cultura é particularmente evidente a falta de vontade ou coragem de intervir ou a desorientação oportunista.
Mas, quanto ao que propões, haverá de facto um modelo cultural dominante? Ou só uma descosida manta de retalhos sem coerência nem credibilidade, que vai sobrevivendo com as mesmas caras e a mesma falta de decisões, do PS para o PSD e vice-versa?
Será de pensar num (em 1) projecto cultural (unificado, centralizado, estatal) ou de equacionar a pluralidade de dinâmicas, projectos, produções, gerações, interesses, etc, aprendendo a viver com essa diversidade, analisando-a e estimulando-a mesmo?
Porquê pensar a cultura (e em geral é em arte que se pensa) como o centro, em vez de tentar dialogar com credibilidade com outros centros (a educação, a ciência), o que agora quase não acontece?
Porquê pensar Portugal como plataforma (com maíuscula) de encontros, como se alguma coisa passasse por aqui (há apenas turistas, de facto), como se não fôssemos só uma franja, uma periferia - e ganharíamos em tomar consciência dessa posição de distância para equacionar as relações com os outros descentramentos do presente. Depois do tempo perdido, temos de ir à procura, apontar a outros eixos, criar antenas e relações lá fora.

Portugal- a negação de algumas existências

"a segregação dos artistas africanos, das diásporas e das imigrações num elegante ghetto lisboeta"

A Segregação dos artistas africanos, das diásporas, das imigrações e descendentes já existe dê-me exemplos de artistas destes (com nacionalidade portuguesa) que representem ou tenham sido selecionados para representar Portugal ou que tenham apoios do Ministério da Cultura.
Melhor sermos segregados num elegante ghetto lisboeta do que continuarem a fingir que não existimos.

sábado, 24 de maio de 2008

João Francisco, 2008: "O arqueólogo amador" : Galeria 111

 24/05/2008 - blog (a 1ª individual)