sábado, 16 de junho de 2001

Veneza 2001: Harald Szeemann

 "Volta ao mundo"

EXPRESSO/Cartaz, Actual de 16/6/2001, pp. 6 e 7 (e  9/6/2001)

O «Palco da Humanidade» Plateau of Humankind, segundo Harald Szeemann

Vinte e oito pavilhões nacionais nos Jardins, 21 pela cidade, incluindo os do colectivo latino-americano, de Singapura, Taipé e repúblicas ex-soviéticas. Mais as duplas representações que se multiplicam, da Espanha, Holanda, Suiça, etc., e várias mostras «a latere». Ao gigantesco programa, cada vez mais um mercado mundial de exposições, soma-se o projecto do comissário-geral, a ocupar o vasto Pavilhão da Itália (que fica sem presença própria) e um quilómetro de edifícios fabris, o Arsenal, herança da antiga potência marítima.



A 49ª edição é frágil na mostra dos países, pelo menos aos olhos estrangeiros a cada um deles. As atenções voltam-se para o «centro» e as pulsões multiculturais ficam sempre por justificar-se, porque o localismo dos grandes é muito mais poderoso. É o caso norte-americano, onde Robert Gober aparece debilitado num exercício de espaços e objectos perdidos. Ou da França de Pierre Huyghe, com jogo de luzes no tecto, interactivo, e vídeo com heroína Manga.

Já o britânico Mark Walling (n. 1959) dispara uma rajada de ideias jocosas com provocações à pátria e a Deus, desde a bandeira nacional de cores trocadas (irlandesas) e a falsa fachada do pavilhão até ao demasiado humano "Ecce Homo" moldado em resina com coroa de espinhos de arame farpado dourado ou à música de Handel a acompanhar o trânsito em «slow motion» por uma porta de aeroporto ("O Limiar do Reino"). Em "Anjo", o próprio artista com bengala de cego vai descendo uma escada rolante que sobe, entoando uma melopeia: fica ilustrada com humor bastante a desrazão do mundo e da arte.

Mais sério é o pavilhão alemão (estilo imperial de 1938) onde uma estreita porta, ao cabo de uma hora de espera, dá acesso a um velho prédio que se percorre como um labirinto de espaços alterados, secretos e absurdos, que desembocam em escadas e corredores cada vez mais estreitos, em quartos despojados ou com estranho mobiliário, em portas fechadas. Vem à memória o esconderijo de Anne Frank, mas a situação ultrapassa todas as referências, partindo de um mundo pessoal e proporcionando uma insólita experiência. Há vários anos que Gregor Schneider (n. 1969) tem recriado esse espaço, já comparado à estrutura do inconsciente, agora premiado com um justo Leão de Ouro para o melhor pavilhão.

Das periferias fica na memória o chão lavrado de pintura do polaco Leon Tarasewicz, ambiente de cor a compensar a penúria da modalidade; o humor do velho egípcio Ramzi Mostafa, pioneiro modernista em trânsito entre culturas; a dureza auto-sacrificial dos vídeos de Ene-Liis Semper (Estónia). O brasileiro Ernesto Neto é mais eficaz no Arsenal, com os odores exóticos dos seus volumes-sacos de pano. Sem a ambição de se ver tudo.

Entretanto, a mostra de Harald Szeemann é em si mesmo uma dupla volta ao mundo: inventário dos temas que fazem o bom e mau humor da Humanidade, mapa dos jogos e angústias que moldam o quotidiano vivido e também a gratuitidade ou gravidade da arte. O projecto é em absoluto generalista, reúne artistas de todas as idades e disciplinas, e o autor atribuiu-lhe a ambição e o título de «Palco da Humanidade». Associou-o à polémica exposição fotográfica «The Family of Man», de 1959, num apelo «ao que há de eterno no homem, na base dos enraizamentos locais», e ao programa humanista de «Identidade/Alteridade», de Jean Clair, Veneza'95, mas recusando separar figuração e abstracção em arte. Chamou «Plataforma do Pensamento» ao coração da mostra, onde colocou o "Pensador"  e "O Homem que Marcha" de Rodin ao lado de esculturas populares ou ingénuas e divindades hindus.

Mal recebida por alguns pelo seu ecletismo e, diz-se, por não trazer nada de novo, a opção do velho comissário, que em 1969 e 72 («When Attitudes Become Form» e Documenta de Kassel) ajudou a consagrar as tendências mais radicais, parece voltar-se da arte para o mundo: «Não estamos face a novas revoluções da arte, como no fim dos anos 60, mas num clima de crescente interesse pela existência humana».

Apesar do predomínio do vídeo («a jovem geração exprime-se com a imagem em movimento»), Szeemann fez saber do seu interesse em mostrar pintura e lamentou que só pudesse dispor do pavilhão italiano para tal, por razões de climatização. Aí juntou alguns nomes consagrados (Cy Twombly, Gerhard Richter, Helmut Federle) e jovens como o filipino Manuel Ocampo, o alemão Neo Rauch e o costa-riquenho Federico Herrero. E ele próprio se distanciou do excesso de projecções, que constitui uma queixa recorrente dos visitantes: «Espero que em breve haja menos vídeo, porque começo a estar um pouco cansado...»

Claramente dirigida a um largo público, a mostra associa obras de impacto certo, como os manequins de Ron Mueck, que levam a presença do corpo ao extremo da incerteza entre ilusão e verdade, central a toda a arte (construtor de bonecos para séries de TV, Mueck fez um Pinóquio para servir de modelo a Paula Rego, de quem é genro, e nunca mais parou), a peças de escândalo de recentes mostras londrinas (o papa caído de Maurizio Cattelan, os «clips» eróticos de Chris Cunningham), mas também a outras produções mais discretas ou poéticas, num percurso estruturado por tópicos antropológicos, sem ser escolar ou demagógico.

Um núcleo aproxima figurações do corpo (realismo de Mueck e pequenos monstros criados por Xiao Yu; vídeos contemplativos ou manipulados), adiante há referências ao mundo colonial (imagens recuperadas e algum exotismo multicultural), depois ao desporto (dois treinadores reagem a um jogo invisível; um jogo de futebol disputado de fato completo; duas equipas de futebol e basket no mesmo recinto, com referência a segregações raciais). Diante de uma série fotográfica sobre Chernobil estão os surpreendentes desastres de automóvel, desde os anos 50, de um polícia suíço (Arnold Odermatt); diante dos corpos excessivos do cinema de Cunningham está a observação microscópica e pictural do vídeo de Bill Viola. A tradição da fotografia documental é recuperada num trabalho de Cristina Garcia Rodero sobre cultos vudu e o fotógrafo Nick Wapplington distribui posters de falsos portais da Internet pelos corredores.

Não se trata de sacrificar as obras às intenções da montagem, antes de inseri-las em conjuntos significantes que as justificam ou valorizam, mesmo quando é escasso o impacto individual. Por outro lado, o próprio pluralismo temático e a diversidade das linguagens e das formas concede ao espectador um lugar soberano onde o envolvimento emocional ou intelectual com algumas obras pode coexistir com o desinteresse ou rejeição de outras, sem quebra da relação de empatia habilmente tecida por Szeemann, mesmo que pareça ceder a compromissos com vedetas (as fotos de calendário de Vanessa Beecroft) ou acolha projectos infelizes <?>, como a instalação final de Kabakov, "Nem Todos Serão Levados para o Futuro", um apeadeiro com quadros caídos e o comboio que parte... Próxima, a gigantesca espiral de oblíquas paredes de aço, de Richard Serra, é uma forma que parece nascer do espaço fabril do Arsenal, mas provocar tonturas (a alguns) é um destino pouco credível para uma escultura penetrável.

O lixo faz parte da actualidade artística que Szeemann condensa na sua mostra (o saco de plástico passado a bronze de Gavin Turk, "Saco de lixo"). Um gesto de humor sintetiza no quadrado de um púbis recortado um dos ícones que marcou o século (Malevitch) e a carne sexuada que a abstracção construtiva combateu: a obra de Tanja Ostojic, jugoslava, n. 1972, terá sido vista por Szeemann, está reproduzida no catálogo mas não é «exposta». A nostalgia e a caricatura da pintura ganham uma presença tão simbólica quanto real com os dois operários que vão cobrindo sucessivamente de branco e de preto, durante os cinco meses da Bienal, as paredes de uma galeria (ideia do búlgaro Nedko Solakov, n. 1957).

Do impossível inventário ressalvem-se as presenças portuguesas: o vídeo de João Onofre, Casting, e a instalação de Egon Ekoyan e Julião Sarmento, na qual imagens fragmentadas de corpos se projectam num estreito corredor onde o espectador quase esbarra no ecrã. Eficaz provação oferecida ao voyeurismo de cada um e ruptura com a rotina da passiva contemplação de tanto vídeo.

(Fotos: «Uma Vida (Preto e Branco)», de Nedko Solakov, com operários em actividade durante cinco meses / «Sem Título (Rapaz)», de Ron Mueck / «Saco de Lixo», em bronze pintado, de Gavin Turk / «Quadrado Negro sobre Branco (no meu Monte de Venus)», de Tanja Ostojic / Espiral de aço de Richard Serra/ «Anjo», vídeo de Mark Wallinger)

history-biennale-arte

The 49th International Art Exhibition took place from June 10 to November 4, 2001, under the title Plateau of Humankind. It was directed, as the 1999 edition, by the Swiss critic Harald Szeemann and attracted over 243,400 visitors. Szeemann said that “No set theme was applied in choosing the artists; indeed, it is their work which decides the dimension of the event. The Venice Biennale hopes to serve as a raised platform offering a view over humankind”. A key work by Joseph Beuys, The End of the Twentieth Century, was exhibited. According to Szeemann, “It was Beuys above all who was the indefatigable spokesman for the concept of liberty”. Alongside Beuys, various other artists of the 20th century were exhibited: “Cy Twombly, whose generous gestures restore myth to the modern world; Richard Serra, the creator of a new concept of the monumental; Niele Toroni, the champion of painting as trace. Then come a number of those contemporary artists who have focused on the human figure – for example, Ron Mueck”.

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Expresso Cartaz Actual 9/6/2001
Prémios da Bienal de Veneza

Cy Twombly e Richard Serra distinguidos com dois Leões de Ouro

A 49ª edição da Bienal de Veneza, que hoje se inaugura, atribuiu dois Leões de Ouro aos artistas norte-americanos Cy Twombly e Richard Serra, designados como mestres da arte contemporânea. As distinções foram concedidas por proposta de Harald Szeemann, director da Bienal e comissário da exposição paralela «Palco da Humanidade», em que ambos participam. Outros prémios são hoje anunciados, para o melhor pavilhão nacional, para mais outros três artistas representados na Bienal e ainda para quatro jovens participantes. 

Cy Twombly nasceu em Lexington, Virginia, em 1928, pertencendo à geração de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, marcada pelo expressionismo abstracto. A sua pintura, inicialmente informal, caracteriza-se por uma despojada e elegante escrita de sinais alusivos, próxima dos «graffiti», em que comparecem gestos gráficos, letras e algarismos ou mais raras figuras, numa aproximação gestual a símbolos culturais e temas da mitologia helénica. Depois de ter viajado por África, Espanha e Itália, deixando-se marcar pelo fascínio da antiguidade clássica, instalou-se em Roma,em 1957, onde ainda reside. A sua obra, luminosa e discreta, influenciou os pintores alemães e italianos revelados nos anos 70.

Richard Serra, escultor, nasceu em São Francisco em 1939, sendo famoso pelas suas paredes ondulantes em aço industrial, com grandes dimensões, de herança minimalista, onde se manifestam questões de escala e equilíbrio. A sua colocação em espaços públicos foi várias vezes objecto de contestação.

A Bienal de Veneza decorre até 4 de Novembro, com a presença de João Penalva como representante oficial de Portugal, enquanto João Onofre, com um vídeo, e Julião Sarmento, com um filme em colaboração com Atom Egoyan, participam na exposição de Harald Szeemann.

sábado, 2 de junho de 2001

2001, Surrealismo em Badajoz e no Chiado (Antes e depois de 1947 )

Antes e depois de 1947 

 

Fases, rupturas, gerações e divergências na cronologia do surrealismo português 


  2/6/2001


O surrealismo português não se deixa converter facilmente em objecto de estudo «científico» e a exposição do Museu do Chiado é mais um testemunho das divergências e tensões que o movimento continua a suscitar. Apesar do recurso aos espólios pessoais dos intervenientes desavindos em 1948, que permite apresentar, pela primeira vez, um panorama «unitário» do período organizado do surrealismo (1947-50), permanece actuante a oposição entre as teses historiográficas sustentadas por José-Augusto França, grandemente centradas no seu activo papel de crítico, e, por outro lado, a recusa protagonizada por Mário Cesariny, também antólogo e historiador militante do movimento, de deixar interpretar como mais um estilo numa sucessão «progressiva» de estilos o que para alguns continuou a ser uma inspiração viva e libertadora. 


Basta observar a diversidade dos horizontes cronológicos seguidos nas duas vertentes da mostra, artes plásticas e literatura, para reconhecer que o título «Surrealismo em Portugal, 1934-1952» recobre abordagens que não se conciliaram no seu duplo comissariado. 1952 foi a data adoptada por França para encerrar a retrospectiva dos Anos 40, em 1982. A actual reincidência volta a ter em conta a exposição de Fernando Azevedo, Fernando Lemos e Vespeira na Casa Jalco, mas não corresponde, de facto, à data da dispersão dos colectivos, que ocorre em 49 quanto ao Grupo Surrealista de Lisboa (aquele em que, aliás, Azevedo e Vespeira intervieram) e durante 51, mas muito mais informalmente, quanto a Os Surrealistas.


Para além das individuais sucessivas de Cruzeiro Seixas e Cesariny, outras exposições de Eurico Gonçalves e Dante Júlio, em 54 (Galeria de Março), António Areal, Carlos Calvet e Jorge Vieira, em 56 (Gal. Pórtico), permitiriam não estabelecer qualquer fronteira naquele ano, e o mesmo acontece face às edições de poesia e de textos de intervenção que continuaram a ocorrer. Mais exactamente, a data de 52 é conveniente para os que entenderam abandonar ou superar o movimento (ou o estilo) surrealista, mas improcedente para os que permaneceram fiéis ao «propósito inicial» ou que por ele se interessaram ainda ao longo das décadas de 50 e 60 (até Mário Botas, possivelmente).


A propósito, até para observar como a história foi sendo reconstruída, é curioso recordar a crítica que França publicou em 52 na «Seara Nova» sobre a exposição da Casa Jalco, desviando-a de qualquer justificação surrealista para a apontar como abertura a novas orientações genericamente «não figurativas», que pouco depois terão sequência na sua defesa da abstracção geometrista, como um novo capítulo de informação parisiense. Falta às revisões produzidas por novos autores o contacto sistemático com as fontes do tempo, trocando-se a informação em primeira mão por sínteses que nunca foram sujeitas a qualquer reexame.


Não sendo esta a primeira retrospectiva que se quis distanciar das polémicas entre os anteriores protagonistas, é indispensável confrontá-la com os critérios seguidos pelos dois anteriores ensaios. Ambos divergem da actual mostra quanto aos prolegómenos do surrealismo nacional, antes da fase que vai de 1939 a 47, graças à inclusão de obras de Júlio (Reis Pereira), e também quanto à continuidade da inspiração surrealista. Em 83, Luís de Moura Sobral apresentou em Montréal «Le Surréalisme Portugais», propondo-se sumariar um período de 1934 a 1960, com a representação adicional de Eurico, António Quadros, Areal e Gonçalo Duarte. Em 99, «Desenhos dos Surrealistas em Portugal. 1940-1966», promovida pelo Instituto de Arte Contemporânea no Museu Soares dos Reis, com organização de Paulo Henriques, incluiu também Areal e Eurico, apesar da sua abordagem muito concisa.


Encontram-se nos textos introdutórios ao presente catálogo, e em especial no longo ensaio de María de Jesús Ávila, argumentos em defesa das opções agora praticadas, mas é improvável que estas façam escola. Ao tomar por limite a data de 52, a pretexto do desmembramento dos grupos assumidos como tais, usa-se uma lógica vanguardista sustentada por um sentido finalista da sucessão dos estilos artísticos que desentende o que pretendeu ser a ruptura surrealista.


Este critério restritivo tem, no entanto, a vantagem prática de permitir uma muito alargada exibição do período organizado do movimento, de 47 a 50 (levado até 52), pondo em relação, mais do que em confronto, os dois grupos referidos. Esse efeito atenuar-se-ia provavelmente com uma selecção mais alargada no tempo e nos critérios de admissão - onde também deveriam caber, para as mesmas datas, a produção surrealista ou surrealizante de Nadir Afonso e Jorge de Oliveira, mais o pouco que sobreviveu de Manuel d'Assumpção. Assim estruturada, a exposição documenta de forma consistente o que, para além de configurar um movimento surrealista mais ou menos incipiente (note-se a coincidência temporal com o movimento Cobra, de herança surrealista), foi parte de uma importante afirmação geracional, das mais fortes que o século XX conheceu em Portugal, contando com as orientações não surrealistas.


Por outro lado, reconhece-se que a actual mostra é muito marcada pela sequência (discutível mas coerente) da programação do Museu, que passou pelas iniciativas dedicadas a Jorge Vieira, A. Pedro, Vespeira e Lemos, sem esquecer a colecção do próprio J.-A. França, orientação essa que tem proporcionado o alargamento do acervo com aquisições e doações. É essa lógica que justificará, sem servir de legitimação, a inclusão de Jorge Vieira, que nunca se pretendeu surrealista, relacionando-se com o movimento num convívio pessoal e estético aberto a outras inspirações. Mesmo se é forte a articulação poética e plástica com outras obras expostas, a sua presença é problemática dadas as implicações doutrinárias do movimento e contradiz o perfil de independência que a sua retrospectiva de 1995 lhe reconheceu.


Entretanto, através da organização espacial da exposição fica bem patente que não há movimento surrealista em Portugal até 1947, embora houvesse pintores surrealistas ou praticantes de pintura surrealista, em conformidade com informações internacionalmente disponíveis desde os anos 30. O subtítulo do catálogo «Consolidação. 1940-47» é inadequado porque, mais do que de continuidade, importa falar em ruptura entre diferentes fases. Não é a pintura de Pedro e de Cândido (nem o fulgor breve de Dacosta entre 1939 e 42), que conduz à movimentação de 47, nascendo esta com uma nova geração que mais ou menos informalmente se buscava desde 42-43, se interessou pelo neo-realismo em 1945 (jornal «A Tarde») e em 47 foi colher inspiração directa a Paris no regresso de Breton.


A investigação sobre os antecedentes surrealizantes teria que alargar-se às poéticas do imaginário e às expressões do sonho e da loucura em Dominguez Alvarez (Figuras de um Sonho, os «homens tortos», etc.), Mário Eloy e Júlio, levando também em conta a afirmação de Cesariny de que Arpad Szenes e Vieira da Silva foram os «introdutores do surrealismo na pintura portuguesa da década de 30».


Quanto à primeira fase do surrealismo nacional, o carácter de ruptura atribuído à exposição de Pedro e Dacosta na Casa Repe (1940) tem de ser prudentemente compatibilizado com a aparição regular da sua pintura nos salões do SPN, desde 39, depois no SNI, em 45, e na SNBA em 46 e 47 (1ª e 2ª EGAP), associada entretanto à confusa produção de Cândido Costa Pinto. Por outro lado, é indispensável que ao vanguardismo de Pedro em 34 se associe a sua militância fascista (é então comissário da propaganda de Nacional Sindicalismo e a ida para Paris é um «semi-exílio» solidário com Rolão Preto, como França ensinou), tal como importa referenciar na extrema direita as figuras de Dutra Faria e Ramiro Valadão, co-autores dos primeiros «cadavre-exquis» ditos surrealistas.


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Surrealismo em Portugal

MEIAC, Badajoz   

17/3/2001


Uma primeira retrospectiva «unitária» do movimento foi organizada em 1984 [aliás 1983]  em Montreal, por Luís de Moura Sobral, mas em Portugal as muitas susceptibilidades dos participantes (ou proprietários?) foram impedindo uma séria abordagem histórica dos acontecimentos. J.-A.França fez na exposição sobre os anos 40 (Gulbenkian, 1982) uma reconstituição facciosa, e Mário Cesariny preferiu sempre à história académica a acção directa, ou poética. 

Por iniciativa espanhola, que evoluiu para uma co-produção com o Museu do Chiado (onde se apresentará a partir de 24 de Maio), chega-se agora a um balanço alargado com duplo comissariado de Perfecto Quadrado (literatura) e María Jesús Ávila (artes plásticas), o qual terá como limites cronológicos os anos de 1934 e 52 — em Montreal continuara-se até 1960, incluindo justamente novas aparições que do surrealismo se reclamaram, em especial os trânsitos pelo Café Gelo (Eurico, Calvet, Areal, etc., etc.). 

Quanto aos chamados primórdios, a antologia que se inaugurou ontem deverá confirmar alguns factos insólitos, que progressivas simplificações dos discursos históricos não têm sabido valorizar: 1) as primeiras obras apontadas como surrealistas são da autoria do então fascista António Pedro, militante (camisa azul) do movimento Nacional-Sindicalista de Rolão Preto, proibido por Salazar — por isso ele se exilou em 1934; 2) nos anos seguintes, o surrealismo manifestou-se regularmente nos salões do SNP/SNI (39, 42, 44, 45), no quadro das iniciativas modernizadoras patrocinadas por António Ferro, acrescentando-se então a Pedro as obras de António Dacosta (até 42; Prémio Souza-Cardoso desse ano) e Cândido Costa Pinto — a memória da exposição de 40 na Casa Repe não podia alterar o peso dessa marca de origem; 3) em 1947, Cândido começou a desenhar as capas surrealistas da colecção «Vampiro» e em 49 faz selos do Correio. Tornava-se necessária uma ruptura geracional, mas ela foi depressa prejudicada por diversas e duradoiras querelas. As questões relativas ao pioneirismo e à «introdução» do surrealismo devem ser reduzidas às justas proporções decorrentes de um grande atraso em relação ao início do movimento e de uma grande insuficiência/incoerência ideológica dos seus primeiros agentes (e de uma grande incipiência prática também, em vários casos). E importam sempre mais as obras do que as suas etiquetas. (Até 29 Abril)



Surrealismo

Museu do Chiado   

(Inaugura a 24 Maio)

19-05-2001

A única revisão histórica do surrealismo português realizara-se em 1983, em Montreal, por iniciativa de Luís Moura Sobral; em 1999, o IAC dedicou uma antologia ao desenho surrealista, organizada por Paulo Henriques e Fernando Cabral Martins (ficou esquecida na cronologia do presente catálogo). A dificuldade, até agora, foi obter luz verde dos dois representantes dos grupos desavindos no final dos anos 40 e fazer aceitar a Cesariny uma abordagem histórico-académica do que ele pretende que seja uma inspiração ainda viva (o outro é o historiador e académico J.-A. França). 

Em co-produção com o MEIAC de Badajoz, María Jesús Ávila e Perfecto E. Cuadrado dirigiram as vertentes de artes plásticas e literatura de uma retrospectiva de grande escala que reúne muitas obras esquecidas ou pouco vistas e que deu origem à publicação de um extenso volume. Ao reconhecimento dos méritos da iniciativa deverá associar-se a discussão sobre os critérios cronológicos seguidos (de António Pedro à Casa Jalco, 1934-52, embora a amostragem literária escape a tal espartilho), as exclusões de várias figuras singulares (Júlio, algum Arpad Szenes e o círculo de Vieira da Silva, Nadir Afonso e depois Eurico, entre outros), a ocultação de algumas originalidades ideológicas do surrealismo nacional (o compromisso fascista de António Pedro, em 34, e a oficialização do «estilo surrealista» nos salões do SNI ao longo da década de 40), a menorização da excepcional pintura dos primeiros anos de António Dacosta face às ambições escolares e inábeis do mesmo Pedro, etc., etc.


18/08/2001 

Depois de duas antologias de muito menor escala, em 1983, em Montreal, e em 99, no Porto, esta apenas dedicada ao desenho, o Museu do Chiado, em colaboração com o MEIAC de Badajoz, conseguiu finalmente propor uma retrospectiva histórica do surrealismo português com propósitos de levantamento exaustivo, para o que era preciso contar com o acesso aos espólios pessoais de protagonistas desavindos. 

María de Jesús Ávila encarregou-se da pesquisa das obras e da investigação na área das artes plásticas, enquanto Perfecto E. Quadrado assegurou a presença do domínio literário na exposição e no catálogo, sendo particularmente curioso que cada um dos comissários tenha adoptado diferentes programas cronológicos. Até à actualidade no segundo caso e delimitado pela data de 1952 no primeiro, adoptando-se, no entanto, essa data para o título genérico (1934-1952). 

A ocupação do espaço do museu é propícia a uma separação nítida entre os dois momentos do surrealismo em Portugal. O primeiro não tem marcas de movimento nem produz doutrina: associado ao diletantismo de António Pedro e à fulgurante pintura inicial de Dacosta, estabelece uma das datas míticas da historiografia nacional (1940, exp. da Casa Repe) e esgota-se no folclorismo academizante de Cândido Costa Pinto. Por inventariar ficam outras aproximações à informação surrealista internacional, trazidas por Arpad Szenes, ou expressas por derivas oníricas de Júlio, Alvarez e Eloy. 

O segundo momento tem um forte sentido de afirmação geracional e é para vários artistas um período de afirmação, com ou sem continuidade, embora o próprio limite temporal estabelecido privilegie aqueles que se desligam do movimento, na medida em que interrompe abruptamente a obra dos que, como Cesariny e Cruzeiro Seixas, a ele se mantiveram fiéis. Com as suas polémicas opções, fica de qualquer modo apresentado um panorama de referência sobre um dos momentos de vitalidade e renovação da arte portuguesa. (Até 23 Set.)


sábado, 21 de abril de 2001

2001, Ferenando Lanhas em Serralves

Sonhei que sabia tudo 

Expresso Cartaz de 21/4/2001, pp. 28-29

As perguntas, os deslumbramentos, os sonhos e os quadros de Fernando Lanhas

Na sala central do Museu de Serralves, as últimas pinturas de Lanhas, já de 1998-2000, coexistem com vitrinas de trilobites e meteoritos. Numa parede, lê-se: «Sonhei esta noite com trilobites vivas. (…) Em certo momento vi uma trilobite grande, de cor dourada, que estava mutilada nas pleuras. Peguei na trilobite sem qualquer receio, para a ajudar. Era uma trilobite muito sossegada e meiga. As crianças até lhe faziam festas.», S322A (sonho 322), 16-17.XII.92. Dois mapas assinalam os principais meteoros e meteoritos caídos em Portugal e a trajectória de um meteoro observado em 1984.


Uma representação da «Noção da grandeza do tempo» (98-2001) e um «Mapa das ocorrências verificadas no Universo desde a explosão inicial» (63-73) expõem-se na mesma galeria. Adiante encontramos o «Estudo do quadro geral do Universo», a «Carta das distâncias entre o sol e algumas estrelas», um herbário com variações morfológicas de folhas de hera ou um aspecto da Praia da Luz tal como seria observada pelo «homo sapiens», 18 000 anos a.C. Para além dos objectos naturais que recolheu ou coleccionou, tudo são obras de F. L.: sonhos, mapas, cronologias e esquemas gráficos ou tridimensionais sobre temas de astronomia, geologia e arqueologia, por vezes realizados para museus ou enciclopédias. A evolução do cosmos, da Terra, das espécies e do Homem, as representações do tempo e do espaço, as distâncias e grandezas cósmicas dominam os interesses de um homem que não se identifica como artista e se diz «talvez meio cientista e meio filósofo.»

A sua pintura dita abstracta, reduzida a formas mínimas e a poucas cores constantes, transporta um mesmo deslumbramento e uma idêntica meditação sobre as escalas do tempo e do espaço que F. L. investiga no campo científico. Alguns quadros nascem de composições gráficas; outros, mais densos e inexplicáveis, mais metafísicos que geométricos, perseguem o movimento das forças e formas naturais, as dimensões do cosmos. Por vezes deixam adivinhar representações simbólicas: sol, árvore, pássaro.

Os sonhos são outra pista para seguir a imaginação de Lanhas: «Sonhei que sabia tudo, que alcançara o conhecimento das coisas, da razão de ser», S42, de 1973. «Sonhei toda a noite com a representação gráfica da evolução do nosso Universo. (…)», S149, 1984. «Sonhei com manchas de cor azul, castanha e cinza», S13, 1963. «Sonhei com um estudo para uma pintura. A composição teria por base a letra N, em que se observa uma inclinação da letra para o lado direito (…)», S45, 1973.

Uma obra assim é idiossincrática e única. Esta pintura, quase invariável ao longo de cinco décadas, não se cataloga como um estilo na sucessão das classificações da história da arte, mas também não se explica pelas ocorrências de uma biografia muito rica de interesses e actividades. Arquitecto, Lanhas pintou cerca de um quadro por ano, irregularmente, foi inventor (o Fotalto, o Cosmoscópio), fez descobertas arqueológicas, projectou museus e exposições, dirigiu o Museu Etnográfico e Histórico do Porto, de 1973 até 93, interessado em arte popular e brinquedos. E a cronologia do catálogo inclui outros dados como, aos cinco anos, a observação do comportamento das formigas com uma lupa ou, em 83, o projecto da recepção ao Papa na Diocese do Porto.

Tal como sucedeu na retrospectiva de 1988, a abordagem de Serralves é (des)centrada na personagem Lanhas e segue-lhe os diversos rostos. Trazem-se à superfície mais alguns dos primeiros quadros, reúne-se toda a pintura recente (a década de 90 é a mais produtiva depois dos anos 60) e o catálogo traça um inédito itinerário biográfico e o inventário de exposições e bibliografia (com erros e lacunas, mas é um começo).

Esperar-se-ia um estudo psicanalítico dos sonhos, o registo das contribuições científicas, o perfil do museólogo e do etnólogo. Em vez disso, o catálogo concentra-se em exclusivo no pintor, reunindo ao estudo inicial de João Fernandes partes de anteriores ensaios de Fernando Guedes, João Pinharanda, Matos Chaves e Bernardo Pinto de Almeida que em geral ainda estão disponíveis. É um «coffee table book», coedição ASA, que prescinde da análise metódica, identificando a aparição pública dos quadros e a recepção crítica.

Fica por estudar a intervenção de Lanhas nas Exposições Independentes, que alteraram o panorama artístico no fim da 2ª Guerra, promovendo o debate sobre a abstracção a par das primeiras afirmações neo-realistas. Em 1945, Lanhas colabora com J. Pomar e Victor Palla na organização da página «Arte» do diário «A Tarde», do Porto (é o próprio que o refere nos catálogos de 49-50), onde os futuros surrealistas Cesariny, Vespeira e Oom também defendiam a «arte útil». Lanhas publica aí os estudos para Tambores (Velha com Lenço) e Velha Branca, que integram o conjunto de pinturas figurativas agora exposto.

São obras posteriores às primeiras abstracções e dão testemunho das ambições do pintor e do debate sobre as implicações sociais da arte, o qual está representado em O Artista Abstracto (mostrado apenas em fotografia). Segue-se Catarina (A Fealdade Magnífica), de 46; em 47 Lanhas visita Paris e retorna ao abstraccionismo.

A situação é tanto mais curiosa quanto Lanhas, em sucessivas declarações, atribuiu a Júlio Pomar o estímulo para expor as abstracções de 44, para além de a anterior retrospectiva ter dado a conhecer um texto datado de 48(?) que surge como uma das suas primeiras defesas («Meridionais, nunca fomos propensos à familiaridade com o mínimo. A pintura de Lanhas faz exclusão de tudo o que lhe aparece como superficial, chega para alguns a tocar as raias da secura. Não temos o hábito da concisão. (…) Lanhas obstina-se a usar o mínimo de meios, o mínimo dos mínimos. (…) escolhe três cinzentos, às vezes menos (?), e fica-se com eles para um ror de experiências»). Depois, Lanhas prosseguirá no desenho um discurso figurativo, com os retratos e alguns temas simbólicos (Menina e mar, D23 - 1999).

Um outro tópico a aprofundar diz respeito ao facto de a obra de Lanhas ter circulado, dos anos 40 aos 60, no âmbito das iniciativas do SNI, embora surgisse também em circuitos independentes, como a Galeria de Março, de J.-A. França. Esse itinerário (representações enviadas ao estrangeiro Bienal de São Paulo, Salão dos Novíssimos de 59, etc) serve de desmentido à alegação que abria o recente catálogo sobre o Porto nos anos 60/70 editado por Serralves, sobre os artistas que «ousaram romper com o academismo e o atraso da cultura oficial do regime político de então». A abstracção de Lanhas fazia parte dessa cultura oficial. Os velhos equívocos convenientes da cultura oposicionista já não servem para nada.

sábado, 24 de fevereiro de 2001

Balthus (1908-2001)

 A magia do real

Balthus (1908-2001), uma obra contra as rupturas do séc. XX

Expresso Cartaz, 24/2/2001, pág. 8


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AO LONGO DE UM SÉCULO que cultivou as rupturas, Balthus personificou a continuidade do ofício da pintura, aprendido com os mestres antigos. Nunca se associou a movimentos, nem a obra se pode definir numa fórmula. Durante décadas envolveu a biografia em mistério e fez da sua pintura realista, não fotográfica mas realizada diante dos modelos ou da paisagem, uma afirmação de estranheza, a revelação dos poderes do sonho ou da magia. Controverso e alvo de juízos contraditórios, marginal à sucessão finalista das tendências modernistas, combateu o academismo usando métodos conservadores e dirigindo a Academia Francesa em Roma.

Autor de uma obra lenta e escassa (terá pintado cerca de 300, foi primeiro um pintor de culto, mais admirado por artistas e escritores, até ser descoberto pelo grande público, em parte devido à escandalosa intensidade erótica das suas adolescentes expostas e expectantes. Às insinuações de pornografia, respondeu em anos recentes com argumentos insólitos: «A minha pintura é uma espécie de oração para celebrar a beleza divina». Camus escrevera no prefácio de uma exposição de 1949: «Aprendemos que a realidade mais quotidiana pode ter este ar insólito e longínquo, a doçura sonora, o mistério velado dos paraísos perdidos. Balthus pinta vítimas mas significativas. Uma faca, nunca o sangue. (…) Não é o crime que lhe interessa, mas a pureza.»

Faleceu no domingo passado quase com 93 anos, no seu «chalet» suíço do séc. XVIII, na companhia da segunda mulher, Setsuko,uma japonesa 35 anos mais nova que retratou em La Chambre Turque, de 1963-66. Foi um casamento ecuménico com o extremo-oriente e a cultura clássica chinesa, por parte de um pintor erudito e autodidacta. A formação adquiriu-a nos museus, como ainda era frequente nos anos 20-30, copiando Poussin no Louvre e depois em peregrinação pelos frescos de Giotto e Piero della Francesca.

 Durante muitos anos o pintor não se deixou fotografar, não deu entrevistas, nem revelava quando e onde nascera, negando que os elementos biográficos servissem para interpretar a sua obra. «Recuso-me a qualquer confidência e não gosto que se escreva sobre arte», foi a única referência pessoal autorizada num livro editado nos anos 40.

Balthus era um diminutivo usado em criança, e o mundo imaginário e perverso da infância é o território de eleição da sua pintura. Decidiu intitular-se Conde Balthasar Klossowski de Rola, atribuindo-se antepassados aristocratas com um brasão vindo de 1044. É mais certo ter nascido em Paris, em 29 de Fevereiro de 1908 (por isso, no último aniversário dizia ter só 23 anos), numa família de ascendência polaca, arruinada e particularmente bem integrada no meio artístico – pai crítico e historiador, mãe pintora. Aos 13 anos publicou um caderno de desenhos sobre um gato desaparecido, que foi prefaciado por Rainer Maria Rilke. Pierre Bonnard, Gide, Derain, Matisse frequentavam a família. Mais tarde, foi amigo de Picasso e de Giacometti, conselheiro de Malraux. A primeira exposição, em 1934, foi descoberta por Antonin Artaud e muito apreciada pelos surrealistas.

O seu último quadro foi exposto na National Gallery de Londres, em 2000, num último encontro com Poussin ("Encounters"). No Museu de Sintra existe um estranho retrato feminino, de 1935, da Colecção Berardo.

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sábado, 17 de fevereiro de 2001

2001, «Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade»

 Ares dos tempos” 

 

As viragens dos anos 60 e 70 numa retrospectiva dupla do Porto 2001 

 

PORTO 60/70: OS ARTISTAS E A CIDADE (Museu de Serralves e Árvore, Porto. Até Abril) 

 Expresso 17/2/2001

 

Poderia ser só uma linha bairrista de programação da capital cultural, mas, através da revisão das décadas de 60 e 70 vividas a Norte, são algumas das raízes do actual cosmopolitismo da cidade que se recuperam e repensam. Outra mostra, que abriu a nova galeria municipal, faz o sumário dos grupos que agitaram a vida artística local ao longo de todo o século XX; lá para meados do ano, a reabertura do Museu Soares dos Reis porá em perspectiva a «Escola do Porto» no período anterior ao que é coberto por Serralves, fazendo da sua colecção permanente um outro pólo estruturante da cultura artística da cidade. Para além desta se rever e interrogar a si própria, serão contribuições para uma história geral pouco investigada e demasiado centrada no eixo que durante várias décadas ia do Palácio Foz à Sociedade Nacional de Belas Artes. 


«Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade» inaugura um ciclo a que se deu o título «Artistas e Situações Afirmados no Porto da 2ª Metade do Século XX», que continuará com mostras dedicadas a Fernando Lanhas, Ângelo de Sousa e Albuquerque Mendes, em Serralves, e António Quadros, na Árvore. Divide-se já a presente mostra pelos dois lugares, o que tem um imediato conteúdo simbólico: da Árvore partiu a manifestação contra o imobilismo do Museu Soares dos Reis, no seio do qual Fernando Pernes veio a animar, entre 1976 e 80, o Centro de Arte Contemporânea que serviu de estímulo e embrião para o projecto de Serralves. Hoje, a aliança das duas entidades no programa de 2001 é também um gesto de compromisso entre diferentes sensibilidades e poderes da cidade, com o qual se partilham meios e silenciam tensões.


Entretanto, não poderia esperar-se que o contexto celebrativo sustentasse em exaustivo estudo crítico, histórico e sociológico o projecto retrospectivo sobre as rupturas e continuidades dos anos 60-70. Os dois comissários e autores de um estudo conjunto no catálogo, Fátima Lambert e João Fernandes (em substituição de Fernando Pernes, que assina outro texto memorialista), não iludem o carácter embrionário da iniciativa, considerando-a «um apelo a uma investigação mais aprofundada». Trata-se de lembrar e, em especial, de desenterrar materiais e documentos, mas é pena que o catálogo-álbum não inclua um instrumento tão indispensável como uma cronologia.


O núcleo mostrado na Árvore começa por ser a exposição do próprio lugar, fundado em 1963 na sequência da renovação da Escola de Belas-Artes (ESBAP), conduzida por Carlos Ramos no final da década de 50, e que então acolhia como docentes os alunos mais talentosos, numa dinâmica totalmente diversa da situação de rejeição da escola e de exílios que ocorria em Lisboa. Abertura da academia à cidade e ao mercado nascente, espaço de cruzamentos interdisciplinares, a Árvore foi também «um centro de oposição, quase às claras, ao regime», «um espaço de liberdade», para citar uma investigação de Gonçalo Pena que continua actual (publicada em «Anos 60, Anos de Ruptura», que António Rodrigues comissariou para a Lisboa'94). 


Cultivam-se, porém, velhos equívocos quando se apresenta a exposição como retrospectiva dos que «ousaram romper com o academismo e o atraso da cultura oficial do regime político de então» (segundo o prefácio institucional de V. Todoli e José Rodrigues). Nem é verdade que a cidade fosse um «verdadeiro deserto no que diz respeito à iniciativa institucional», nem deve esquecer-se que, nas artes plásticas e arquitectura, o binómio oposição-situação tinha aqui um entendimento próprio, avesso aos boicotes contra o SNI praticados em Lisboa. No Porto do início dos anos 60 já não seria possível traçar qualquer rígida demarcação entre cultura oficial e a «outra», o que pode ser visto como uma prova de pioneirismo. 

 

No microcontexto da cidade (que tanto se pode dizer «mais fervilhante que Lisboa» como caracterizar pelo «isolamento e o provincianismo desarmante», em «Anos 60»), Barata Feyo dirigia o Museu Soares dos Reis, de 1950 a 60, actualizando o seu acervo; mestres e alunos afirmavam-se nas Exposições Magnas e Extra-escolares da ESBAP, realizadas até 68; os discípulos mais brilhantes entravam para a docência e realizavam grandes mostras individuais na Escola (Quadros em 59; Ângelo e Jorge Pinheiro, 63; Armando Alves e Mouga, 64; Alberto Carneiro, 67); Resende e Lanhas representavam o país na Bienal de Veneza, em 1960, e os mais novos iam participando nas Bienais de Paris e São Paulo. Tem de referir-se já sem preconceitos a aparição dos artistas do Porto nas exposições dos Novíssimos e nos Salões Nacionais de Arte, de 1959 a 68, no SNI e no Soares dos Reis, sendo premiados, entre outros, Quadros (60 e 66, desenho), Nadir Afonso (1966, pintura), Areal e Carneiro (prémios nacionais de desenho e escultura em 1968). A seguir, será muito difícil quantificar o que nas rupturas de «circa 68» decorre do fim de Salazar, do crescimento do mercado de arte (até 73), da informação bruscamente actualizada em viagens de estudo e bolsas no estrangeiro ou tão só dos ares do tempo.


No núcleo da Árvore documentam-se diversas recolhas da cultura popular em extinção, numa séria contraposição ao populismo folclorista do SNI: discos de Michel Giacometti, obras de Rosa Ramalho e Franklin, o filme Auto de Floripes produzido pelo Cineclube do Porto e o inquérito à Arquitectura Popular - entretanto, com Álvaro Siza, começava a construir-se o que depois se designaria por «regionalismo crítico». É nesse contexto que é exposta a figuração imaginativa de António Quadros (personagem central da viragem da década, que em 63 parte para Moçambique), com destaque para a insólita presença de uma vitrina com cartões de boas festas gravados por Quadros e A. Alves. São testemunho de uma figuração muito presente no Porto em finais de 50 e em toda a primeira metade dos anos 60, que se encontrava já nas elegantes estilizações de Eduardo Luiz (fixado em Paris em 58) e que caracteriza as obras iniciais de Ângelo, J. Pinheiro e outros. É todo um campo que os dois núcleos da mostra não ilustram explicitamente e que, não se tratando de sobrevivência neo-realista, num ambiente bem informado do pioneiro abstraccionismo portuense, já era por vezes defendido como uma precoce «neofiguração». 


Também na Árvore se recorda o grupo Os Quatro Vintes (Ângelo, José Rodrigues, Pinheiro, A. Alves, 1968-72), associação bem mediatizada de bruscas rupturas pessoais resultantes da informação internacional, sintetizando referências que iam da abstracção «hard edge» (bordos nítidos) ao formalismo de Anthony Caro e da «New Generation» inglesa, da Pop à Op e aos «minimalismos». Os mesmos artistas ocupam o espaço mais amplo do núcleo de Serralves, acompanhados pela «eco-arte» conceptual de um Alberto Carneiro também regressado de Londres e já envolvidos por uma produção objectualista diversificada que dá conta da actualização escolar e experimentalista portuense.


Entretanto, no Museu, o facto de a visita se iniciar na Biblioteca adequa-se ao carácter histórico-documental da mostra: sucessivas vitrinas exibem programas do Cineclube (ilustrados por Ângelo, de Francesco, Manuel Pinto, etc.), catálogos das galerias Divulgação (1958-67), Alvarez (1954), Zen (1964), memórias do Teatro Experimental do Porto, revistas literárias, etc.


No itinerário foi reservada uma área de passagem a nomes vindos de anteriores gerações, como Lanhas, Nadir e Augusto Gomes, a que se segue Júlio Resende, entrando já noutro espaço mais sombrio e massificado, que inclui quer a pintura quer testemunhos de intervenções dos anos 70 (grupos, acções e manifestos). Aí confluem exemplos de itinerários autorais mais estruturados e também restos fugazes de inquietações e experiências que reagem ao 25 de Abril, se agregam na «Alternativa Zero» de Ernesto de Sousa ou se movimentam em torno de Jaime Isidoro, pintor eclético, «marchand» e animador de vanguardismos, verdadeiro Mr. Hyde e Dr. Jeckyl (in «Anos 60») que promove «happenings» na Casa da Carruagem de Valadares (desde 68?), os Encontros Internacionais de Arte (74-77) e depois as Bienais de Cerveira, pertencendo à sua colecção muitas das obras reunidas para a presente mostra. 


Ao chegar ao fim da década, esses anos de viragens decisivas na sociedade portuguesa e internacional, de «agitação» e utopias, desembocam não numa abertura mas no encerrar de um ciclo. A nova década vai desenhar outras rupturas.


Fotos : Escultura recortada de José Rodrigues (1968-70?), um dos «Quatro Vintes». E «Torre dos Clérigos», pintura colectiva do Grupo Puzzle, de 1976

 


sábado, 20 de janeiro de 2001

Porto 2001, O Museu Boijmans “In the rough”!?

 

A propósito do Museu Boijmans de Roterdão, e de Rembrandt, vindos ao Porto em 2001, e a Serralves, numa desperdiçada ou tosca oportunidade.

 EXPRESSO ACTUAL de 20/1/2001 

"O bazar pós-moderno"

Paisagens e outras imagens da Natureza vindas do Museu Boijmans de Roterdão para Serralves

«IN THE ROUGH»
 Imagens da Natureza Através dos Tempos na Colecção do Museu Boijmans Van Beuningen (Roterdão) Museu de Serralves  

 Quando o Museu de Arte Antiga se apresentou na galeria federal de Bona, em 1999, escolheu, de entre as obras que podiam viajar, o património mais significativo, do duplo ponto de vista do interesse internacional e da representação da arte portuguesa. Quando o Museu Gulbenkian levou uma selecção do seu acervo ao Metropolitan de Nova Iorque, fez deslocar peças de primeira escolha, sob um título, «Only the Best», que já correspondera à divisa do fundador. O melhor não é nunca um dado invariável, mas é uma regra exigente quando os museus viajam.

É outro o caso da colaboração entre Serralves e o Museu Boijmans Van Beuningen. Não por se ter adoptado um tema específico para a embaixada vinda de Roterdão (a paisagem e outras «imagens da natureza através dos tempos»), mas por se trocar a escolha das melhores obras por uma representação onde cabem obras maiores e menores, peças de excepção e curiosidades, a excelência e o «kitsch». O título em inglês, «In the Rough», traduz-se por «em bruto» ou «em tosco» e deve ser interpretado à letra. Note-se, porém, que o universo das imagens da natureza vindas da colecção de Roterdão se restringe à produção dos sécs. XVII-XX, no Ocidente, na área das artes eruditas e sumptuárias.

O que se expõe, sob a dupla responsabilidade de Piet de Jonge e de Vicente Todoli, é um bazar pós-moderno. Um enorme «puzzle» onde nenhuma informação orienta ou esclarece o visitante, sem qualquer ordenação ou categorização inteligível dos objectos.



 

Tornaram-se frequentes nos últimos anos as exposições e montagens de museus (por exemplo, as Tates de Londres) onde se sucedem, à margem da cronologia e em torno de um determinado tópico, peças de diversos períodos, técnicas e estilos e também de diferentes padrões de qualidade, às vezes incluindo o académico, o «kitsch» e o trivial para ilustrar a produção corrente, a decadência dos estilos ou a diversidade social dos gostos.

Pode tratar-se de um modo experimental de reexaminar cronologias e classificações tradicionais, explorando direcções esmagadas pelas tendências dominantes ou valorizando a observação desprevenida das obras face às explicações aprendidas. Mas ao pôr em questão o evolucionismo esquemático da história das formas que se associou à afirmação da arte moderna – da representação naturalista à abstracção e desta ao fim da pintura… -, algumas montagens deitam fora o discurso da história e todas as outras condições de inteligibilidade que se esperam de um museu. O que pode proporcionar leituras renovadoras, quando estão em causa breves períodos históricos e pistas temáticas consistentes, toma o carácter de um jogo aleatório, indecifrável e arrogante, ou a marca de uma moda.

Em geral, esse tipo de montagens é apoiado pela presença (demasiado insistente) de textos de parede e longas tabelas das obras, e também por roteiros e audioguias que vão balizando e «explicando» as obras essenciais. Em Serralves, a total ausência de informações (que se prolonga no catálogo) deixa o espectador à deriva entre obras de diferentes séculos, de distintos ramos da criação (pintura e desenho, artes decorativas e «objectos de arte», fotografia contemporânea), de diferentes tradições culturais, de artistas por vezes totalmente desconhecidos (ou de fases incaracterísticas de outros: as flores de Mondrian, a paisagem de Gauguin).

 Obras que pontuam alguns capítulos determinantes da arte ocidental – o paisagismo holandês da idade do ouro e a afirmação da paisagem como o género determinante da evolução da pintura no séc. XIX (Barbizon, impressionistas, etc.) – perdem-se numa sequência indistinta, «em bruto», talvez ao acaso. E são igualmente dispersos e ilegíveis outros episódios mais especificamente holandesa, com valores locais qualificados e algumas marcas universais indeléveis, que aqui não se mostram nem adivinham.

O silêncio informativo que se soma à sequenciação caótica e à abundância do «kitsch» talvez proporcione ao visitante erudito o prazer de construir a sua própria decifração e o ordenamento mental da exposição. Também eventuais visitas guiadas poderão proporcionar exercícios pedagógicos. Mas não é essa a situação do espectador «médio», para quem a ausência de sinalizações cronológicas e estilísticas favorece uma passagem acelerada diante de obras que ele não pode referenciar nem interpretar.

Esse trânsito indiferente que o museu pós-moderno propõe ao visitante tem por modelo a insignificância de alguma arte actual e por projecto a sua generalização. Bastará ler, noutro local, o texto de parede que acompanha as paisagens fotográficas anónimas, «encontradas» por Júlia Ventura, para saber que alguma arte contemporânea, aquela que Serralves patrocina, «propositadamente se mostra inexpressiva e no limiar da trivialidade».

 É, de facto, de um efeito geral de trivialização que se trata, de uma indiferenciação de objectos, autorias, expressões, histórias, categorias e estatutos. Talvez em nome de uma crítica da ideia aristocrática de excelência, da rejeição de uma hierarquização entre obras ou artistas, com que se reproduziriam mecanismos de distinção social. Através da montagem em estilo bazar, o objectivo seria a desconstrução do museu tradicional e burguês – selectivo, cronológico, hierarquizado, e, por isso mesmo, autoritário e elitista -, mas é ao gabinete de curiosidades que se regressa ou à galeria do antiquário, ao gosto de uma restrita elite de agentes do mundo da arte e com total ausência de sentido para a generalidade do público.

Não é por acaso que há aqui uma presença tão constante do «kitsch», ostensivo nos «objectos de arte» que acompanham a pintura (recusando a distinção de significados e de importância entre consumos ostentatórios) e não menos evidente noutras produções recentes, fotográficas por exemplo. É de uma perspectiva antimoderna do pós-modernismo que se trata, como se torna evidente pelo apagamento das questões associadas às raízes ou rupturas da modernidade.

Veja-se, à entrada, um quadro de J. H. Weissenbruch que parece oferecer-nos a Holanda de bilhete postal numa pintura de convencional realismo, com o moinho à beira do canal e vacas que pastam ou ruminam. Uma observação mais informada situará o artista entre a Escola de Haia, que pretendeu, a partir de 1860, num estilo próximo do «ar livre» de Barbizon, fazer renascer a tradição da paisagem holandesa do séc. XVII, explorando a poética das variações da luz em diferentes horas e climas, nas particulares condições paisagísticas da Holanda. Como aí se reconhecerá pela luminosidade do largo céu carregado de chuva, sobre a extensão plana feita das «nuances» de muitos verdes. Tanto Van Gogh como Mondrian foram muito sensíveis a este tipo de pintura que se afirmou como tendência nacional, mas que na viragem do século começou a ser contrariada pelos simbolistas e logo depois pelos «luministas» (procurem-se as obras de Leo Gestel e Slujters). O visitante passa depois por uma porta giratória de Dan Graham, que seria só um incómodo adereço se não assegurasse um posto de trabalho ao vigilante que vai alertando para um obstáculo pouco visível (ah, o imenso mercado de emprego que a cultura abre…). Que encontra ele na primeira sala? Louças, pratas, mais candelabros e vasos pirosos numa primeira barreira diante de quadros: paisagens de heteróclita procedência e datação onde predominam cenários idealizados, céus dramáticos, iluminações fantasistas, concluindo com as cores artificiais do «kitsch» contemporâneo de Roger Brown e Salvo

 É nas salas mais periféricas e mais íntimas que se encontrarão as principais peças, por vezes integradas em sequências discretamente significantes. Os desenhos de observação de Rembrandt; as telas de Claude Lorrain e Jacob van Ruisdael, referências essenciais da pintura de paisagem, clássica e idealizada no primeiro, e modelo holandês de fidelidade à natureza o segundo. Um estudo rápido de Delacroix, um seco esboço romano de Corot, o realismo prosaico de Courbet, a densidade expressiva de Permeke. As três baías de Boudin, Daubigny e Monet, já estereótipos. Os empastamentos luminosos de Diaz e Monticelli, de destino mundano. Franz Marc, Kandinsky e De Kooning, a abstracção de origem paisagística. Morandi e a visão despojada.

Consultando o site do museu (www.boijmans.rotterdam.nl), encontram-se obras de referência e textos breves que sustentariam um outro percurso menos «tosco» sobre a paisagem. Identificando o seu aparecimento renascentista como cenário de temas religiosos, com a Paisagem com Fuga do Egipto, atribuída ao círculo de Patinir, e a sua importância em posteriores composições com figuras, com o Rapaz com Cães numa Paisagem, do velho Ticiano («in a roughly defined landscape»), ou o quadro de Munch, Duas Raparigas e Macieira Florida, de 1905.

Duas outras peças maiores da colecção de Roterdão, certamente transportáveis, teriam estabelecido pistas decisivas para se entender as rupturas do séc. XX com a representação naturalista, e dariam uma densidade mais holandesa à exposição e a essa mesma viragem de século. Com a Natureza-morta com Batatas, de 1885, de Van Gogh, a intensidade emotiva, expressão pessoal e de revolta colectiva, inscrevia-se explicitamente na maneira de descrever (interpretar) a realidade, também natural, de uma refeição de pobre. De Mondrian, o museu possui uma magnífica Composição com Amarelo e Azul, de 1929, uma tela abstracta de uma economia e tensão formal que se poderia entender como consequência e fim da pintura de paisagem. Um fim provisório.

(Museu de Serralves. Até 1 de Abril)

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E não sei se isto chegou a sair na mesma edição:

Porque é que, tantas vezes, os textos «culturais» não se entendem? Porque é que, demasiadas vezes, o que se escreve sobre arte não significa nada?
Sobre «In the Rough» (em tosco?) existe um folheto de quatro páginas a que se chama roteiro. Deveria guiar o itinerário por várias salas e cerca de 200 «imagens da natureza através dos tempos», sem qualquer sequência ou organização inteligíveis. Mas a única página de texto é incompreensível.

Como exemplo, transcreve-se um parágrafo, na íntegra:
«Propõe-se um jogo reflexivo: olhar e compreender realidades. Pela direcção do olhar do artista é-nos devolvido o nosso próprio olhar. Assim, demarca-se a necessidade de libertação dos limites da obra como objecto, alargando a noção de paisagem através de uma interpenetração da obra e da realidade. O que, desde logo, suscita uma exposição aberta e flexível ao dinamismo do olhar.»

Se o nosso olhar nos é devolvido pela direcção do olhar do artista, o que vemos? Chama-se paisagem ao espaço ou panorama visto por um observador e também à imagem (a obra) que eventualmente o representa ou fixa – são duas distintas realidades. O que poderão ser a «libertação dos limites da obra como objecto» e a «interpenetração da obra e da realidade»? A passagem anterior não ajuda: «As visões imaginativas de muitas paisagens diferentes executadas por artistas ao longo dos últimos séculos (…) proporcionam um ponto de partida para “novas maneiras de ver” no início do século XXI. Justapor conscientemente diferentes períodos, técnicas, estilos é um modo de abordar a complexidade da obra de arte em relação à mudança do papel de quem a vê.» Os outros parágrafos são idênticos, mas o espaço para transcrições escasseia.
Porque é que a exposição que inaugura a capital cultural não precisa de se fazer compreender? O que é que, no Museu, se entende por cultura?

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